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PAULO GONZAGA MIBIELLI DE CARVALHO JORGE BRITTO CARMEM FEIJÓ FERNANDO CARLOS G. DE CERQUEIRA LIMA MARCOS TOSTES LAMONICA ORGANIZAÇÃO DURVAL CORRÊA MEIRELLES RONALD CASTRO PASCHOAL 2ª edição rio de janeiro 2014 Economia: o que você precisa saber Comitê editorial externo carmem aparecida do valle costa feijó, fernando carlos greenhalgh de cerqueira lima e jorge nogueira de paiva britto Comitê editorial interno durval corrêa meirelles, paulo gonzaga mibielli de carvalho e ronald castro paschoal Organizadores do livro durval corrêa meirelles e ronald castro paschoal Autores dos originais paulo gonzaga mibielli de carvalho (capítulos 1 e 2), jorge britto (capítulo 3), carmem feijó (capítulo 4), fernando carlos de cerqueira lima (capítulo 5) e marcos tostes lamonica (capítulo 6) Projeto editorial roberto paes Coordenação de produção rodrigo azevedo de oliveira Projeto gráfico paulo vitor fernandes bastos Diagramação paulo vitor fernandes bastos e andré renato fernandes lage Supervisão de revisão aderbal torres bezerra Redação final e desenho didático roberto paes Revisão linguística pricilla basilio e katia souza Capa thiago lopes amaral Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por quais- quer meios (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Editora. Copyright seses, 2014. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (cip) E17 Economia: o que você precisa saber Durval Corrêa Meirelles [organizador]. — Rio de Janeiro: Editora Universidade Estácio de Sá, 2013. 160 p isbn: 978-85-60923-08-3 1. Economia. 2. Macroeconomia. 3. Microeconomia. 4. Desenvolvimento. I. Título. cdd 330 Diretoria de Ensino – Fábrica de Conhecimento Rua do Bispo, 83, bloco F, Campus João Uchôa Rio Comprido – Rio de Janeiro – rj – cep 20261-063 Sumário Apresentação 7 1. Conceituação Básica 9 A importância de se estudar Economia 10 Mas por que os economistas divergem? 12 O objeto de estudo da Economia 13 Questões econômicas fundamentais: escassez e necessidades 14 Quanto produzir? 15 Como produzir? 15 Para quem produzir? 16 Isso nos leva a outra questão: como definir as necessidades? 16 A curva de possibilidades de produção e custo de oportunidade 18 Bens e serviços 21 Recursos naturais 22 Fatores de produção, agentes econômicos e o fluxo circular 24 Fluxo circular 25 Economia, sociedade e meio ambiente 26 A relação entre economia, sociedade e meio ambiente 26 Próximos capítulos 26 2. Contextualização da Ciência Econômica 29 Uma introdução à História do Pensamento Econômico 30 Os Economistas Clássicos 30 Mão invisível 30 Divisão do trabalho 31 A reação alemã 35 A Economia Neoclássica 37 A Escola Austríaca 38 A economia keynesiana 39 Monetarismo 41 Estruturalismo 42 Economia Capitalista (de mercado) versus Economia Planificada 43 Economia: divisões e relação com as diferentes profissões 45 Economia e sua relação com Administração e Contabilidade 46 Economia e sua relação com Comunicação 46 Economia e sua relação com Direito 46 Economia e sua relação com Geografia 47 Economia e sua relação com História 47 3. A Abordagem microeconômica 49 Método de análise 51 A Teoria do consumidor e da demanda 53 A Teoria da Produção 56 Equilíbrio de mercado e bem-estar 58 Análise de estruturas de mercado 58 Falhas de mercado 63 Da microeconomia tradicional para a organização industrial 65 4. Abordagem macroeconômica 69 O sistema de contas nacionais e os agregados macroeconômicos — Parte 1 70 Fluxo e estoque 71 Produto Interno Bruto (PIB) 72 Fluxo, Estoque, Produto Interno Bruto e Produto Interno Líquido 73 As diferentes óticas de mensuração do produto da economia 74 Ótica do produto 74 Ótica da renda 75 Ótica da despesa 75 PIB e PIB per capita 76 Renda Nacional Bruta e demais agregados 78 Medindo as transações com o resto do mundo: Balanço de Pagamentos 81 Os determinantes do nível de produto e emprego na economia: conceitos de teoria macroeconômica — Parte 2 84 Crescimento no curto prazo: flutuações do PIB 84 Emprego e desemprego 89 O que determina os preços, sua variação, e sua relação com a moeda 91 O que é moeda, as funções da moeda, moeda e inflação 92 Inflação ou desemprego: o dilema de economias modernas 94 Como medir a inflação 95 5. Políticas Macroeconômicas 97 Política macroeconômica: definição e objetivos 98 Política monetária: definição e objetivos 99 Metas intermediárias 100 Meta intermediária (I): moeda 100 Meta intermediária (II): taxa de juros 104 Meta de inflação 106 Instrumentos de política monetária: introdução 107 Depósito compulsório 107 Taxa de redesconto 108 Operações de mercado aberto (ou open market) 109 Instrumentos diretos de política monetária 109 Política cambial 110 Regimes cambiais: vantagens e desvantagens 111 Taxa de câmbio fixa 111 Taxas de câmbio flutuantes 113 Taxa de câmbio administrada 114 Acumulação de reservas internacionais: vantagens e desvantagens 115 Política de comércio exterior 116 Política Fiscal 116 Definição e objetivos 117 Déficit primário e déficit nominal 117 Dívida bruta e dívida líquida 118 6. Noções sobre Crescimento e Desenvolvimento Econômico 121 Crescimento econômico versus desenvolvimento econômico 122 Crescimento econômico de longo prazo 123 Acumulação de Capital (K) 124 Crescimento da força de trabalho (L) 125 Nível de desenvolvimento tecnológico (T) 125 Desenvolvimento econômico 126 Os principais indicadores sociais: índice de Gini e índice de desenvolvimento humano (IDH) 127 Índice de Gini 127 Explicando o índice de Gini 128 Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) 129 Desenvolvimento sustentável 130 Políticas públicas para a promoção do desenvolvimento 131 Política de incentivo à acumulação de capital 132 Política de incentivo à Educação 134 Política de garantia ao Direito de Propriedade 135 Política de incentivo ao livre comércio 136 Política de incentivo à Pesquisa e Desenvolvimento 137 Globalização 138 Origem 139 Características da globalização 140 Globalização produtiva 141 Globalização financeira 142 Apêndice — Como fazer e interpretar gráficos e tabelas 145 Como fazer 146 1) Gráficos 146 Cuidados com o gráfico 146 2) Tabelas 147 Cuidados com uma boa tabela 147 Como interpretar 148 O que nos diz esse gráfico? Várias coisas: 150 capítulo 1 • 7 Apresentação A maior parte do que uma pessoa necessita na sua vida não é produzida por ela própria, de modo individual. Algumas das necessidades humanas são satisfeitas no entorno imediato da família – como a educação não formal e a troca de afeto –, outras, tanto materiais quanto espirituais, ou de qualquer natureza, são satisfeitas pelo conjunto de indivíduos organiza- dos em uma sociedade. Uma questão importante que daí decorre é como cada sociedade supre as necessidades de seus membros, ou seja, como ela organiza a produção e a distribuição dos bens e serviços produzidos. Em sociedades menos complexas como, por exemplo, nas tribais, essa organi- zação ocorre de modo tradicional pela produção coletiva e pela distribuição mais ou menos igualitária dos bens. Nessas sociedades, embora possamos identificar um local onde eventu- almente trocas sejam feitas, o que chamaríamos de mercado, este não ocupa um lugar fun- damental na organização econômica. Mesmo em sociedades onde o comércio assume papel relevante na geração de riquezas, como ocorreu com a civilização fenícia,na Antiguidade, a distribuição dos recursos materiais não era inteiramente regulada pelo mercado. Apenas na sociedade do tipo capitalista, que se desenvolveu a partir do século XVIII, encontraremos uma economia construída em torno do mercado. Uma economia de mer- cado pode ser definida como um sistema autorregulável de mercados, isto é, uma econo- mia onde bens, serviços e fatores de produção (recursos naturais, trabalho e capital) são distribuídos e alocados, exclusivamente, pela troca. Na verdade, isso não se aplica de modo absoluto a nenhuma sociedade, pois existem imperfeições em tal sistema que exigem in- tervenções externas a ele, como, por exemplo, através da ação governamental. Quando pagamos impostos, esperamos que o Estado os utilize bem, gerando uma con- trapartida em termos de proteção e de prestação de serviços públicos. Contamos com isso porque o Estado, por meio dessas atividades, desempenha o papel necessário de organizar o funcionamento de uma sociedade. Assim, os mercados suprem as necessidades econô- micas dos indivíduos e das empresas, cabendo ao Estado as múltiplas funções que garan- tam o melhor desempenho da sociedade como um todo, através das políticas que propi- ciem as condições de vida ao indivíduo e de desenvolvimento social e econômico ao país. A compreensão desses aspectos, fundamentais para o nosso dia a dia, são o objeto das Ciências Econômicas, um conjunto de disciplinas que procuram entender como as socie- dades organizam a produção e a distribuição da riqueza. As respostas às questões que daí decorrem – O que e quanto produzir? Como produzir? Para quem produzir? – constituem o principal objetivo do estudo da Economia. A finalidade deste livro é propiciar aos alunos de diversos cursos uma visão introdutó- ria, porém abrangente, dos principais problemas econômicos que nos afetam nos dias de hoje. Para tal, procuramos abordar de forma simples - mas não excessivamente simplifica- da, pois aí perderia efetividade - os instrumentos de que a Economia dispõe para entender e atuar sobre nossa realidade. Esperamos que a leitura deste livro seja agradável e útil ao leitor, contribuindo como base efetiva para a sua atuação profissional e de cidadão. ronald castro paschoal Conceituação Básica paulo gonzaga mibielli de carvalho 1 10 • capítulo 1 A importância de se estudar Economia É importante estudar Economia para melhor entender o mundo que nos cerca. Conhecer a questão do desemprego é importante, por exem- plo, para se entender o que é discutido nos jornais, na televisão e nas redes, mas também porque isso ajuda o indivíduo em questões tais como decidir qual a melhor hora de trocar de emprego e pedir aumen- to de salário... Outras questões que a Economia estuda, presentes na mídia e que afetam o consumidor, o trabalhador e o empresário, entre outros, são: Por que a inflação está alta? Por que a Economia cresce pouco? A crise econômica mundial já acabou? A importação de produtos chineses vai acabar com a indústria nacional? Paga-se muito imposto no Brasil? É necessária uma reforma na Previdência? A renda no Brasil é muito con- centrada? O que é desenvolvimento sustentável? O estudo da Economia nos ajuda a responder a todas essas perguntas. Apesar dessa relevância, é muito comum ouvir dos estudantes co- mentários relacionados à dificuldade de se estudar e compreender Eco- nomia. Sendo assim, vamos levantar os questionamentos mais comuns e procurar respondê-los de forma prática. REFLEXÃO Economia é uma matéria muito complicada, pois exige muito conhecimento de matemática... Um economista precisa ter uma boa base em Matemática, mas não é necessário grande conhecimento dela para se entender os princípios básicos de Economia. Este livro pretende demonstrar isso. Os economistas só trabalham com modelos, por isso o que eles dizem é incompreensível. Nem todos os economistas trabalham com modelos matemáticos, mas seu uso muitas vezes é imprescindível. Modelos nada mais são do que uma simplificação da realidade, o que é necessário, já que a realidade é muito complexa. Por exemplo, um economista pode afirmar que o nível de renda das pessoas é consequência da sua escolaridade e idade (experiência). Isso é 1 Conceituação Básica COMENTÁRIO Outras questões Neste livro não vamos abordar todas essas questões, mas esperamos des- pertar em você o interesse pela Econo- mia, possibilitando que continue seus estudos da forma que lhe for mais con- veniente, em um curso formal ou não. Uma forma simples de fazer isso é lendo a editoria de economia de um jornal de grande circulação, pois esses têm a pre- ocupação de explicar os fatos econômi- cos em uma linguagem mais simples. COMENTÁRIO Economista Deve-se desconfiar dos economistas que só conseguem se expressar por meio de fórmulas matemáticas e não conseguem apresentar suas ideias sem economês (aquelas palavras difíceis que só os economistas conhecem). capítulo 1 • 11 uma simplificação da realidade, pois outras variáveis têm impacto sobre o nível de renda. Mas para que complicar demais? Se o poder explicativo des- sas duas variáveis (escolaridade e idade) for elevado, podemos ficar por aqui. Claro que há modelos de difícil compreensão, alguns não podem ser testados por falta de dados. Diferentes escolas de pensamento econô- mico irão utilizar diferentes modelos para explicar o mesmo fenômeno, mas o uso de modelos é inevitável. EXEMPLO Um bom exemplo de como a simplificação é necessária para a compreensão da realidade são os mapas. No google maps de uma cidade, todas as ruas transversais às grandes avenidas só surgem quando se aplica um bom zoom. Com pouco zoom, apenas as grandes avenidas são visíveis, mas isso é exatamente o mais relevante. Se nessa escala aparecessem também as ruas transversais, ficaria difícil visualizar o mais importante, que são as avenidas. Detalhe demais atrapalha. REFLEXÃO O conhecimento de Economia de pouco adianta no dia a dia. Conhecimento de Economia é muito útil no dia a dia. É tão útil, que vários desses conhecimentos você já tem e não se deu conta disso. Veja- mos um exemplo: EXEMPLO Seu time de futebol, que tem uma grande torcida, vai ter um jogo decisivo no sába- do. Você vai deixar para comprar o ingresso no próprio sábado um pouco antes da partida? Claro que não. Pois nesse caso você iria comprar de cambista e pagar muito caro. O cambista vende caro, porque a essa altura não há mais ingresso disponível nas bilheterias, mas ainda existem pessoas querendo comprar. Dito de outra forma, há pouca oferta de ingressos – o que tem está com os cambistas – mas há procura por ingressos. Os cambistas sabem disso e por isso vendem caro. Se você entende a lógica de situações desse tipo, você conhece os princípios básicos da chamada lei da oferta e da demanda. Foi a escola da vida que te ensinou, não foi um curso de Economia. Ensinou e você aprendeu, porque é algo útil no dia a dia. Mas a escola da vida não ensina tudo, caso contrário, ninguém estu- daria nem faria faculdade. Vejamos agora um tipo de situação em que o conhecimento de Economia é importante. COMENTÁRIO Simplificação da realidade Em uma segunda etapa, podemos sofis- ticar um pouco mais e agregar outras va- riáveis. Portanto, um economista iria criar uma relação matemática entre essas variáveis, formulando assim um mode- lo econômico, para em seguida testá-lo com os dados existentes (supondo que não seja um modelo apenas teórico). No capítulo 3 veremos mais sobre a constru- ção de modelos teóricos na microecono- mia e o uso do método lógico-dedutivo e de hipóteses simplificadoras.12 • capítulo 1 EXEMPLO Suponha que você queira comprar uma televisão nova e existam duas opções: à vista ou em 24 vezes com juros de 2% ao mês, mas com uma prestação baixa. Suponha também que a inflação seja de 0,5% ao mês e a caderneta de poupança renda 0,6% ao mês. A maioria das pessoas optaria por pagar a prazo, afinal a prestação é baixa e cabe bem no salário. Essa solução é a mais cômoda, mas não é a melhor. Você estará pagando de juros o equivalente a quatro vezes o valor da inflação, e durante 24 meses! Não é necessário fazer cálculos para confirmar, é evidente que nesse caso o barato sai caro. Para chegar a essa conclusão você comparou a taxa de juros com a taxa de inflação e rendimento da caderneta de poupança e (implicitamente) confrontou o preço à vista com o preço a prazo. Com noções de economia é mais fácil fazer esse tipo de raciocínio. REFLEXÃO Os economistas não se entendem, cada um diz uma coisa diferente. É tudo muito confuso. Os economistas têm discordâncias entre si, mas divergências exis- tem em várias ciências e profissões e são parte da vida. Ainda mais na Economia, que é uma ciência social e não uma ciência exata. Você con- corda com todas as ideias de seus pais, de seu filhos, irmãos ou amigos? Com certeza não, e isso, na maioria das vezes não impede a convivência. Mas por que os economistas divergem? Em primeiro lugar existem diferentes escolas de pensamento dentro da Ciência Econômica. Fazendo uma analogia com a Medicina, um médico com formação tradicional e outro com formação em Medicina Chinesa vão olhar o paciente de forma muito diferente e, portanto, o diagnóstico e, principalmente a terapia, serão divergentes. Comparando um economista neoliberal e um economista keynesia- no (mais adiante falaremos mais detidamente dessas correntes de pen- samento), veremos que o primeiro acredita que a intervenção do Estado só atrapalha o funcionamento da economia. Já o segundo, acredita que a economia só vai funcionar adequadamente com intervenção do Estado. REFLEXÃO Os economistas vinculados a essas correntes nunca vão se entender, caso se ati- verem rigidamente a seus princípios, pois partem de premissas e teorias diferentes. A situação se complica ainda mais se esses economistas estiverem vinculados a partidos políticos ou associações de classe divergentes. COMENTÁRIO Divergências Veja o caso dos médicos que, no dia a dia, para todos nós, são mais importan- tes que os economistas. Em muitas si- tuações, não é incomum consultar três médicos sobre uma operação e ter três diagnósticos diferentes: a) não precisa operar; b) não precisa operar agora, mas talvez precise operar no futuro; c) tem de operar e tem de ser agora. Se algum deles for homeopata ou praticante da medicina chinesa, as divergências se- riam ainda maiores. capítulo 1 • 13 Pode haver divergências também porque um dos lados usou de forma inadequada uma teoria ou um modelo, por exemplo, deixando de lado variáveis importantes. Pode haver tam- bém divergências de ordem empírica. EXEMPLO Por exemplo, se há falta de dados e informações, qualquer avaliação fica muito subjetiva e, portanto, as divergências são grandes. Se há dados suficientes, pode haver divergência quanto à escolha da base de dados – por exemplo, a do IBGE ou do Ministério da Agricultura para estimativas de safra – e no tratamento/uso desses dados. De que lado ficar em uma polêmica? Há duas alternativas. Pode-se assumir uma postu- ra sectária (e equivocada) e sempre considerar que estão corretas as posições defendidas pelos economistas com os quais você simpatiza e que as demais estão erradas. Ou adotar uma postura aberta e democrática ouvindo o que todos têm a dizer e depois se posicionar. Essa é a postura correta. REFLEXÃO É só assim, com o livre debate de ideias, que o conhecimento avança, não só na Economia como em todas as áreas do saber. É mais trabalhoso, sem dúvida, mas ser guiado por preconceitos é muito pior. O objeto de estudo da Economia Mas afinal, do que trata a Economia? Qual é o seu objeto de estudo? A definição mais tra- dicional, formulada em 1932 por Lionel Robbins, afirma que “a economia é uma ciência que estuda o comportamento humano, como uma relação entre meios e fins. Sendo os meios escassos e com usos alternativos”. Dito de outra forma, a economia estuda como se usa a racionalidade (do comportamento humano) para solucionar problemas como orçamento apertado. EXEMPLO Por exemplo, temos um fim — pagar as contas, ter algum lazer e, se possível, poupar —, mas o salário é curto (meio escasso). O dinheiro pode ser utilizado de diferentes formas, pois há várias contas a pagar –─ algumas podem ser adiadas com pouco custo e outras não –, há diferentes tipos de lazer e de aplicações financeiras. Qual seria a escolha racional a se fazer nessa situação? Essa escolha seria a que daria maior satisfação (maximizaria o bem-estar). Tendo as informações necessárias, a teoria econômica indica o caminho a tomar. Situações desse tipo não ocorrem apenas com consumidores e famílias, mas também com empresas, governos, instituições etc. Note que essa definição pressupõe que o agente econômico (basicamente famílias e empresas) aja com racionalidade. Mas a propaganda nos leva a agir com racionalidade? 14 • capítulo 1 No intuito de obter maiores ganhos, as famílias e empresas agem sem- pre com racionalidade ou muitas vezes são otimistas em excesso e in- fluenciadas por boatos? A definição de Robbins também restringe a Economia ao estudo da Psicologia Humana, quando, na verdade, ela é muito mais do que isso. Não há referência à história ou à sociedade, portanto, a teoria econômi- ca daria conta de qualquer situação de meios escassos e fins alternativos que envolvam seres humanos. Mas uma tribo indígena e o homem mo- derno têm a mesma racionalidade? Uma definição alternativa seria: A Economia é a ciência social que es- tuda a produção, distribuição e consumo de bens e serviços. As principais diferenças frente à definição anterior são a menção da Economia como ciência social, e não se fazer referência ao comportamento humano. REFLEXÃO Cabe destacar dois pontos. Em nenhuma das duas definições há valores éticos ou morais envolvidos. Portanto, a Economia pode ser utilizada para o bem (exemplo: para a paz) ou para o mal (exemplo: para a guerra). Os agentes econômicos, porém, no dia a dia, têm valores éticos e morais e fazem suas escolhas também com base nisso. Não se falou nada até agora sobre quais seriam os fins. Esses seriam, pelo enfoque tradicional, tornar máximo (maximizar) o lucro das em- presas e a satisfação dos indivíduos. Entretanto, os agentes econômicos (famílias, empresas) procuram fazer o que é melhor para eles individu- almente, o que não necessariamente é o melhor para a coletividade ou para o país, como você verá no capítulo 2. Questões econômicas fundamentais: es- cassez e necessidades As questões econômicas fundamentais, do ponto de vista do agente in- dividual, são: ATENÇÃO O que e quanto produzir — quais os produtos a serem produzidos e em que quantidades; Como produzir — que tecnologia utilizar; Para quem produzir — que mercado consumidor se pretende atingir. Essas questões só existem porque há escassez e necessidades a se- rem atendidas. Estamos tratando aqui apenas dos bens econômicos, COMENTÁRIO Otimistas Uma das causas da crise financeira internacional de 2008 foi uma combi- nação de endividamento elevado com otimismo desmesurado sobre ganhos financeiros. capítulo 1 • 15 que são aqueles relativamente escassos e que precisam ser produzidos, e, portanto, não são abundantese oferecidos gratuitamente pela nature- za, como é o caso dos bens livres. As necessidades vão definir o tamanho do mercado consumidor de um produto. Quanto produzir? O quanto produzir vai depender do tamanho do mercado e da capaci- dade da empresa em atendê-lo. Suponha que em um país com 10 mi- lhões de habitantes, metade deles tenha algum tipo de deficiência visual (miopia, astigmatismo etc.) e necessitem de óculos. Suponha que todos tenham recursos para comprar óculos. Nesse caso, o mercado consumi- dor de óculos seria de 5 milhões de pessoas. Até aqui já estão definidos para quem produzir (pessoas com deficiência visual), o que produzir (óculos) e quanto produzir (5 milhões de óculos). Como produzir? No exemplo dos óculos, várias empresas vão disputar esse mercado. Ven- derá mais quem utilizar uma tecnologia que possibilite produzir óculos de boa qualidade, com um preço atrativo para o consumidor (bom e ba- rato). Estamos falando, portanto, do como produzir, ou seja, refere-se à tecnologia utilizada no processo produtivo. A questão da escassez entra na escolha da tecnologia. As matérias-primas mais escassas são as mais caras e determinam a escolha da tecnologia. Os empresários vão fugir da tecnologia que tem altos custos de produção, pois isso significa preço elevado e poucos consumidores. REFLEXÃO Não se pode produzir sem que haja alguém ou alguma máquina trabalhando em algum lugar. Portanto, precisamos para produzir, pelo menos, de trabalho, capital e recursos naturais. Esses são os fatores de produção, que são os recursos indis- pensáveis para viabilizar um processo produtivo. Alguns avaliam que capacidade empresarial e capacidade tecnológica também devem ser consideradas fatores de produção. Para simplificar, trabalharemos nesse capítulo apenas com os dois fatores produtivos mais utilizados pelos economistas nos seus estudos, que são capital e trabalho. Há sempre diferentes formas de se produzir um mesmo produto, a partir de diferentes combinações dos fatores produtivos. Por exemplo, no passado as agências bancárias faziam seu serviço de atendimento ao público utilizando muito fator trabalho (muitos caixas humanos) e COMENTÁRIO Bens livres Exemplos de bens livres são o ar, água, luz solar etc. Como você já deve ter pen- sado, alguns bens livres, devido ao mau uso feito pelo homem, já estão se tornan- do escassos, como é o caso da água. 16 • capítulo 1 pouco fator capital. Hoje é o inverso, pois predominam os caixas ele- trônicos. Para quem produzir? As questões econômicas fundamentais não são fáceis de serem respondi- das. O ponto de partida de tudo é o para quem produzir. Só faz sentido pro- duzir algo que venha a ser comprado pelos consumidores. Se for um produ- to ou serviço já estabelecido no mercado, não há muito como errar, mas se for um produto novo ou substancialmente modificado, como os consumi- dores vão reagir? Basta a propaganda para solucionar esse problema? Com propaganda se cria mercado para qualquer produto? Com certeza não. EXEMPLO Por exemplo, no início dos anos 1990, no Brasil, houve muito propaganda dos carros da marca Lada, que eram importados da antiga União Soviética. Essa marca era des- conhecida aqui, mas com a propaganda muitos carros foram vendidos, até porque o preço era convidativo. O problema é que em pouco tempo ficou claro que o carro não era adaptado às ruas, estradas e ao clima brasileiro. As vendas despencaram e o Lada deixou de ser importado. Moral da história: propaganda não faz milagre; se o produto é ruim, não vende. Vejamos o caso do telefone celular. Qualquer pesquisa junto aos con- sumidores nos anos 1980 diria que eles não necessitavam desse produ- to. O que todos queriam era um telefone fixo em casa, o que não era fácil de conseguir. Com telefone no trabalho, em casa e cabines telefônicas (orelhões) na rua, qual a necessidade de um telefone portátil? Mas o pro- duto foi introduzido no mercado e aos poucos foi conquistando espaço, ainda sem os recursos que existem hoje. Atualmente, para muitos, já é um produto de primeira necessidade. Moral da história: as necessida- des podem ser criadas. Todo produto que torna a vida mais fácil, por ser mais prático, por exemplo, leva vantagem. Isso nos leva a outra questão: como defi- nir as necessidades? As necessidades individuais podem ser divididas em corporais, espiritu- ais e de consumo suntuário (de luxo). As necessidades corporais podem ser biológicas, que são as relativas ao vestuário, alimentação, reprodu- ção e habitação, e sociais, que são dadas pela vida em sociedade. COMENTÁRIO Comprado pelos consumidores Estamos nos referindo aqui apenas ao que é produzido com fins de lucro, pois o governo, por exemplo, pode oferecer serviços gratuitos para a população. capítulo 1 • 17 EXEMPLO Por exemplo, certas empresas exigem que seus funcionários trabalhem de terno, pois isso é uma norma social; logo, é forçoso adquirir esse tipo de roupa. As necessidades espirituais são as referentes ao conhecimento, cria- ção artística e a religião. O consumo de luxo tem servido historicamente para diferenciar classes sociais, pois o preço de seus produtos costuma ser muito elevado. Vivemos em sociedade e, portanto, temos também necessidades cole- tivas, que são aquelas derivadas da vida em comunidade e que só podem, na maioria das vezes, ser atendidas, de forma coletiva. Esse é o caso dos serviços de transporte, habitação, saúde, educação (CANO, 2007). ATENÇÃO O atendimento das necessidades básicas depende, em boa parte, dos indivíduos. Tendo um bom emprego podemos pagar por uma boa alimentação, comprar roupas etc. Já as necessidades sociais dependem, em boa medida, do governo e suas polí- ticas públicas, pois é ele que constrói grande parte das estradas, hospitais, escolas e grandes espaços de lazer (estádios, por exemplo). As necessidades das pessoas são diferentes (região, classe social, sexo etc.) e mudam ao longo de tempo. Esse é um grande desafio, se o objetivo for alcançar o desenvolvimento sustentável, que pode ser de- finido como o desenvolvimento que visa atender às necessidades da geração presente, sem comprometer o atendimento das necessidades das futuras gerações. ATENÇÃO Esse já é um problema do presente, nosso planeta não suporta o atendimento de nos- sas necessidades atuais. Um bom exemplo disso é o problema das mudanças climá- ticas. A temperatura do nosso planeta tem aumentado, em boa medida, por causa do aumento do consumo de combustíveis fósseis (exemplos: carvão e derivados do petró- leo). Em virtude disso, o clima está ficando cada vez mais instável e a altura dos mares aumentando. Para enfrentarmos esse problema não basta trocarmos combustíveis fósseis por fontes de energia renováveis (energia hidrelétrica, solar, eólica — ventos etc.), precisamos mudar nosso padrão de consumo e, portanto, nossas necessidades. Não é nada fácil, dado o consumismo da sociedade em que vivemos. So- mos consumistas quando compramos mais do que necessitamos. Todas as necessidades atuais podem ser atendidas? Com certeza não, pois não ha- veria recursos naturais suficientes, nem capacidade de absorver os dejetos gerados pela poluição do ar, da água, de resíduos sólidos (lixo). Se todos os COMENTÁRIO Consumismo Com certeza você já comprou produtos que nunca utilizou ou utilizou muito pou- co, o que não justificaria a compra. Se isso acontece com frequência você é um consumista. Responda com sinceridade: você consegue viver sem consumir pro- dutos supérfluos (não essenciais)? Para você é fácil definir o que é um produto supérfluo? O telefone celularé um pro- duto supérfluo? Sua resposta se refere a todos os celulares ou só para alguns tipos de celulares? Essas não são ques- tões fáceis de serem respondidas. 18 • capítulo 1 habitantes do planeta tivessem o mesmo padrão de vida de um norte-americano de classe mé- dia, seria o caos. Só tendo outros planetas para importar matérias-primas e exportar poluição. Na sociedade em que vivemos, é difícil não ser consumista de alguma forma. O consu- mismo é algo sobre o qual se deve refletir e não apenas aceitar passivamente. A curva de possibilidades de produção e custo de oportunidade O dilema entre recursos limitados versus fins alternativos é muito bem apresentado na cur- va de possibilidade de produção (também chamada de curva de fronteira produtiva ou de transformação da produção). Essa curva, que é uma representação simplificada de uma economia, é sempre côncava e em cada eixo há um produto. Vejamos: 4 2 3 1 0 0 0,5 1 1,5 2 2,5 3 3,5 8 9 10 Qu an tid ad e pr od uz id a de C an hõ es Quantidade produzida de Manteiga 7 6 5 ATENÇÃO A área delimitada pela curva é a de possibilidades de produção para aquela Economia em relação aos dois produtos, que são os únicos produzidos, no caso, manteiga (em toneladas) e canhões (quantidade). Isso significa que qualquer ponto além da curva é impossível de ser alcançado. A produção máxima é alcançada quando a economia está em algum ponto da borda da curva. Esse é o seu limite, o limite das possibilidades de produção. capítulo 1 • 19 A área delimitada pela curva é dada pela capacidade produtiva da Economia, que por sua vez, depende da disponibilidade de fatores produtivos (capital e trabalho). Portanto, quanto maior a população, o número de máquinas e fábricas no país, ou quanto maior a produtividade dos operários ou das máquinas, maior a sua capacidade produtiva. Haven- do maior produtividade ou disponibilidade de fatores, a curva se desloca para a direita (para fora). Havendo menor produtividade ou disponibilidade, o deslocamento é para a esquerda — para dentro. 0 0,5 1 1,5 Produto A Pr od ut o B 2 2,5 3 3,5 0 0,5 1 1,5 2 2,5 3 3,5 ATENÇÃO Por exemplo, a curva irá se deslocar para a direita se a população crescer ou se, com o progresso téc- nico, as máquinas velhas forem substituídas por novas, que são mais produtivas. Se a população do país diminuir em razão da emigração, queda da taxa de natalidade ou por guerras ou terremotos, a curva irá se deslocar para a esquerda. A curva expressa o dilema clássico da Economia. Não há recursos para se produzir tudo o que se deseja e é necessário fazer escolhas. Para se produzir mais de um produto é neces- sário, sempre, se produzir menos de outro, até a situação limite, em que toda a capacidade produtiva da Economia está voltada para a produção de apenas um produto. 20 • capítulo 1 0 0,5 1 1,5 Quantidade produzida de Manteiga Qu an tid ad e pr od uz id a de C an hõ es 2 2,5 3 3,5 0 1 2 3 4 5 C A B D 6 7 8 9 10 No exemplo dado, 9 é a quantidade máxima que se pode produzir de canhões; e 3 toneladas, o máximo de manteiga. Suponha que se esteja no ponto A (8 canhões e 1 tonelada de manteiga) e se passe para o ponto B (5 canhões e 2 toneladas de manteiga). Nesse caso, a produção de mantei- ga aumentou de 1 tonelada para 2 toneladas, mas, em compensação, a produção de canhões caiu de 8 para 5. Para se produzir 1 tonelada a mais de manteiga foi necessário abrir mão de 3 canhões. Esses 3 canhões que deixaram de ser produzidos representam o custo de oportunidade. Note que o ponto D é impossível de ser atingido. Esse não é o caso do ponto C. Esse último ponto representa uma situação em que se está produzindo menos do que poderia, pois estamos dentro da curva e não na sua borda. No ponto C estamos produzindo 1 tonelada de manteiga, mas apenas 5 canhões, quando poderíamos produzir 8. Isso ocorre por- que, por algum motivo, não estamos utilizando todos os recursos que temos e, portanto, estamos com recursos ociosos. Em nosso exemplo, os dois produtos selecionados foram canhões e manteiga para destacar um dilema econômico clássico. Ao se desviar mui- tos recursos para a guerra (canhões), as necessidades da população (man- teiga) ficam em segundo plano. Esse é um dos muitos custos de uma guerra. EXEMPLO Durante a Segunda Guerra Mundial, a venda de manteiga nos Estados Unidos foi ra- cionada, havendo um limite máximo de manteiga que as famílias podiam comprar por mês. A venda de automóveis para civis chegou a ser proibida, exceto em situações especiais — exemplo: médicos podiam comprar automóveis por ser considerado ne- cessário para o exercício de sua profissão. As fábricas de automóveis passaram a fabricar tanques e diversos tipos de armamentos. COMENTÁRIO Custo de oportunidade É o de que se abre mão ao se fazer uma escolha. É o custo de uma escolha. À medida que se avança na produção de manteiga, o custo de oportunidade au- menta. Para mais uma tonelada de man- teiga, abre-se mão de 5 canhões. O conceito de custo de oportunidade se aplica a várias situações. Em um filme do cineasta Domingos de Oliveira, o per- sonagem principal — um conquistador inveterado — afirma que o difícil não é escolher uma mulher, o difícil é deixar de lado todas as outras mulheres do mundo. Nesse caso, o custo de oportunidade são todas as outras mulheres do mundo. O filme se chama Todas as mulheres do mundo e foi estrelado por Paulo José e Leila Diniz, em 1966. É considerado um clássico do cinema brasileiro. COMENTÁRIO Recursos ociosos Um exemplo seria a situação de desem- prego. Parte da mão de obra não está trabalhando, e, por isso, a produção é menor do que poderia ser. capítulo 1 • 21 Bens e serviços Numa Economia são produzidos bens e serviços. Bens são produtos que têm forma física — como ferro, automóvel e sapato, por exemplo — e existem para satisfazer alguma necessidade. Os serviços não têm forma física — como uma consulta médica, o serviço de um eletricista, uma aula de professor. A produção provém dos três setores que compõem uma Economia: primário (agricultura e pecuária), secundário (indústria) e terciário (co- mércio e serviços). EXEMPLO Quando um país é pobre, é o setor primário o mais importante, quase não existe in- dústria, e o terciário tem pouco peso. O Brasil era assim até o século XIX. Com o de- senvolvimento, a indústria ganha peso e, em seguida, o setor terciário. A economia, portanto, se diversifica. Em 2013, no Brasil, a agropecuária representava apenas 5,7% da produção do país, a indústria 24,9% e o terciário 69,4% (Fonte: indicadores do IBGE - Contas Nacionais trimestrais, outubro/dezembro 2013). Os bens podem ser de dois tipos: bens finais ou bens intermediá- rios. Os bens intermediários são matérias-primas (insumos) que serão transformadas em um produto, por meio de um processo produtivo. Por exemplo: o ferro e carvão transformados em aço; madeira se torna um móvel; couro vira um calçado. Os bens finais são os que não sofrem transformações e são utilizados na forma como se apresentam. Por exemplo, você pode sair da sapataria já com seu sapato novo no pé. O móvel, logo que chegar à sua casa, você irá utilizar. Já o ferro, tem apenas um uso, que é ser transformado em outro produto. Os bens de produção ou bens de capital são aqueles utilizados na produção de outros bens, como máquinas, equipamentos ou constru- ções. Máquinas podem, com maior ou menor intervenção humana,pro- duzir sapatos, refrigerantes, automóveis etc. Também se incluem nos bens de capital todas as construções e infraestrutura de um país, pois contribuem para a produção de bens. Nem sempre é fácil classificar um bem ou serviço nessas diferentes categorias, pois isso depende do uso que se dá. Por exemplo, para a maioria das pessoas o automóvel é um bem de consumo durável. Mas para um taxista é um bem de capital, pois produz um serviço, o trans- porte de passageiros. Da mesma forma, uma laranja é um bem de con- sumo não durável quando comprada na feira com o objetivo de fazer suco de laranja para tomar no café da manhã. Mas é um insumo, se é uma empresa que compra a laranja com o objetivo produzir suco de laranja para exportação. COMENTÁRIO Bens finais Os bens finais podem ser de dois tipos: bens de consumo e bens de capital. Os bens de consumo, como o próprio nome diz, são os utilizados no consumo das fa- mílias. Por exemplo, o móvel e o sapato. São subdivididos em bens duráveis, bens não duráveis e bens semiduráveis. Su- pondo que sejam utilizados com frequên- cia, os bens duráveis duram muitos anos (exemplos: geladeiras e televisores), os semiduráveis, poucos anos (exemplos: roupas) e os não duráveis, menos de um ano (exemplos: alimentos e bebidas). COMENTÁRIO Bens de capital Por exemplo, para produzir automóveis não bastam máquinas, é necessário ter uma fábrica, que é uma construção. Da mesma forma, para produzir transporte marítimo, não basta ter navios, é necessá- rio ter portos e também estradas, sem as quais a produção não chega até o porto. 22 • capítulo 1 Os setores são interdependentes, pois compram e vendem entre si. Por isso é muito comum quando estudamos a Economia por meio de ca- deias produtivas e se incorporamos a dimensão ambiental, chegamos ao ciclo de vida do produto. O conceito de cadeia produtiva, incorporando a preocupação am- biental, evoluiu para o de ciclo de vida do produto. Nesse caso, se inclui uma penúltima etapa, que é a do descarte (morte do produto), e a etapa final é a reciclagem, quando o produto retorna a uma etapa anterior. EXEMPLO Por exemplo, sucata de automóvel pode ser utilizada na fabricação de aço. Latas de cervejas usadas podem ser utilizadas na fabricação de novas latas de cerveja. Outra diferença com relação ao ciclo de produto é que agora há uma preocu- pação com a mensuração dos impactos ambientais e sociais em cada uma das etapas. Por exemplo, um automóvel não gera poluição apenas quando é utilizado. Gera também quando é produzido e quando é descartado de forma inadequada. De forma indireta, é responsável pela poluição produzida na produção de aço e ferro e no transporte entre essas etapas. No caso da extração do minério de ferro, ainda há a questão de se estar diminuindo o estoque de um recurso natural não renovável. Recursos naturais Recursos naturais podem ser definidos como o conjunto de riquezas na- turais em estado bruto de um país. É portanto, tudo que a natureza for- nece e dá de suporte à vida humana na terra. Inclui, portanto, recursos tais como terra, água, ar, minerais, florestas, peixes e demais recursos marinhos, flora, fauna e clima. Os recursos naturais são tradicional- mente divididos em renováveis e não renováveis. COMENTÁRIO Recursos naturais renováveis são aqueles repostos pela natureza em um curto espa- ço de tempo, tais como ar e água. Recursos naturais não renováveis são aqueles que não são repostos pela natureza em um curto espaço de tempo, tais como petróleo e minério de ferro. O petróleo é produzido pela natureza, mas são necessários milhões de anos para isso. A partir das definições anteriores, poderíamos pensar que deverí- amos nos preocupar apenas com os recursos naturais não renováveis. Ledo engano. Devemos nos preocupar com ambos. Há recursos naturais COMENTÁRIO Cadeias produtivas Cadeia produtiva é um conjunto de eta- pas consecutivas pelas quais passam e vão sendo transformados e transferi- dos os diversos insumos (PROCHNIK, 2002). Por exemplo, o minério de ferro é extraído da natureza (primeira etapa), em seguida se transforma em aço (segunda etapa), o qual é utilizado na fabricação do automóvel (terceira etapa). Nesse caso, foram três etapas consecutivas. Entre elas houve transporte e, em cada uma delas, pagamento de impostos. capítulo 1 • 23 não renováveis que dificilmente irão se esgotar, pois são pouco utilizados, como o urânio. Mas o mesmo não se pode dizer do petróleo. A água é um recurso renovável, mas, na história recente do Brasil, em vários momentos, o abastecimento de água e o fornecimento de energia elétrica foram motivo de sérias pre- ocupações, devido à falta de chuvas. Situação que tende a se agravar com as mudanças cli- máticas. Temos ainda o problema da qualidade da água. No Brasil, a maior parte do esgoto residencial não é tratada, antes de ser despejada nos rios, lagos, lagoas ou mar. Por sinal, poucos sabem que o que pagamos de conta de água é basicamente para cobrir os custos com transporte e limpeza da água. O custo da água em si, é próximo a zero. Ford versus General Motors e o início da sociedade de consumo (ou não se fazem bens de consumo duráveis como antigamente) Muitos pesquisadores consideram a disputa entre a Ford e a General Motors (GM), nos anos 20 do século passado, como o marco inicial da chamada sociedade de consumo, por ter populariza- do a prática de obsolescência planejada. Até o início dos anos 1920, a Ford dominava amplamente o mercado de automóveis nos Estados Unidos, devido ao sucesso do Ford Modelo T. Esse carro era barato e durável. A ideia da Ford era que fosse um carro para a vida inteira. Mas tinha um inconveniente, era considerado feio pelos consumidores, devido ao design e, principalmente, por ser preto. A GM, para concorrer, lançou um carro que tinha muitas das características do Ford Modelo T, mas com duas importantes diferenças: havia modelos em diferentes cores e, a cada ano, seria lançado um modelo novo — o carro do ano —, com mudanças em relação ao modelo do ano anterior. Com essa política, no final dos anos 1920, a GM já vendia mais carros que a Ford. Não houve jeito, a Ford teve que ceder e passou a lançar novos modelos de carros. Com essa prática, em apenas um ano, um carro fica velho, pois já é fabricado um modelo novo. Isso induz o consumidor a trocar de carro todo ano e, portanto, a comprar vários carros ao longo de sua vida, e não um só, como queria Ford. Isso impulsionou o mercado de carros usados e gerou um enorme desperdício de recursos naturais e muito lixo, pois são produzidos muito mais carros do que o necessário. Um produto com obsolescência planejada é elaborado para ter uma vida curta, levando o consumidor a comprá-lo várias vezes. Um produto pode ter uma vida curta por vários motivos: saiu um novo modelo com pequenas mudan- ças; saiu um novo modelo com grandes mudanças, pois houve um salto tecnológico (por exemplo, TVs com telas LED e LCD); saiu de moda; ou simplesmente não funciona direito e os consertos são frequentes. Em outras palavras, os bens de consumo duráveis são cada vez menos duráveis. ATENÇÃO Algumas perguntas para reflexão. Qual a geladeira mais durável, a sua ou a da sua avó? Qual o critério que você usa para definir que um conserto vai sair caro e é hora de comprar um produto novo? Há quanto tempo você tem seu atual telefone celular e o que te levou a fazer a última compra? 24 • capítulo 1 Fatores de produção, agentes econômi- cos e o fluxo circular A contrapartida da utilização dos fatores de produção no processo pro- dutivo é a sua remuneração.No caso do trabalho, a contrapartida são os salários e, no caso do capital, são os lucros (considerando apenas o trabalho assalariado e o capital produtivo). REFLEXÃO Supondo-se uma economia onde existam apenas famílias e empresas (retiramos propositadamente o governo e relações com o exterior), os proprietários dos fatores de produção são as famílias, que emprestam esses fatores produtivos às empresas, para que essas viabilizem a produção de bens. Os agentes econômicos são, portanto, as famílias e as empresas, que são as entidades que viabilizam o processo produtivo. As famílias e empresas interagem em dois mercados, o de fatores e o de produtos. No mercado de fatores, as famílias emprestam capital e trabalho para as empresas utilizarem a produção em troca de uma re- muneração, no caso, salários e juros. O valor da remuneração é negociado entre as partes. Atenção! Trata- -se apenas de empréstimo, com regras definidas, dos fatores produtivos, e não venda desses fatores. Se fosse venda, no caso do trabalho, estaría- mos no regime de escravidão e não de trabalho assalariado. O trabalha- dor pode pedir demissão na hora que quiser, e o acionista pode vender suas ações quando desejar. No mercado de produtos, as empresas vendem seus produtos às famí- lias que, para comprá-los, utilizam a renda obtida no mercado de fatores. Portanto, os dois mercados estão interligados, em um fluxo circular. Essa vinculação dos mercados mostra que pagar baixos salários, se por um lado diminui o custo de produção das empresas, por outro lado diminui seu mercado consumidor, pois as famílias ficam com menos dinheiro para gastar. Essas relações estão sintetizadas no fluxo circular, que mostra como, para cada fluxo real, há uma contrapartida monetá- ria. Afinal, a Economia trata de acompanhar transações que ocorrem em valores, em moeda. COMENTÁRIO Lucros/dividendos Quando se compram ações de uma em- presa que está na Bolsa de Valores (em- presa de capital aberto), se tem direito a receber dividendos caso essa empresa tenha lucro. Dividendos é parcela do lu- cro que é distribuída aos acionistas. capítulo 1 • 25 Fluxo circular Empresas Mercado de produtos Mercado de fatores de produção Famílias Renda FLUXO MONETÁRIO (DINHEIRO) FLUXO REAL (BENS, SERVIÇOS E FATORES) Gastos Salários e lucros Empréstimo de capital e trabalho Receitas Capital e trabalho Bens e serviços comprados Bens e serviços vendidos Ford e o salário de 5 dólares No início de 1914, a Ford, empresa produtora de automóveis, estava enfrentando um sério pro- blema. Tinha acabado de introduzir uma técnica produtiva revolucionária, a linha de montagem, mas a produção não crescia como o desejado. O ritmo mais acelerado do processo produtivo tinha aumentado a insatisfação entre os trabalhadores. Com isso, a dedicação ao trabalho e a produtividade eram baixas e, portanto, frequentes as demissões e contratações de substitutos com consequentes gastos em seleção e treinamento. Para enfrentar esse problema, a empresa tomou uma decisão inteiramente inusitada para a épo- ca. Resolveu dobrar o salário dos operários para US$5 ao dia e diminuir a jornada de trabalho para 8 horas por dia, cinco dias por semana. Parecia uma decisão suicida de um empresário ex- cessivamente paternalista, e foi um choque na opinião pública e no meio empresarial. Mas fazia todo sentido, do ponto de vista econômico. Pagando salários acima da média do mercado, a Ford podia cobrar dedicação dos operários, e conseguiu isso. Todos queriam trabalhar na Ford e quem estava dentro não queria sair. A rotati- vidade diminuiu drasticamente. Com maior dedicação, aumentou a produtividade (produção por operário). Com a jornada de 8 horas, a fábrica podia trabalhar 24 horas com três turnos de 8 horas e sempre com operários descansados. Se fossem dois turnos de 12 horas, isso não seria possível. A produção por fábrica aumentou. Gastou mais com os operários, mas em compen- sação, o rendimento por operário e por fábrica aumentou muito e mais do que compensou. Em outras palavras, o custo por operário aumentou, mas o custo de produção caiu, com isso pode-se reduzir o preço dos carros e vender mais. Havia também outro motivo para o aumento dos salários. Ford queria que os operários ganhas- sem o suficiente para comprar seus automóveis, e conseguiu isso. Ford não via os salários só como custo de produção, via também como demanda para seus produtos. Portanto, percebia que o mercado de fatores e o de produtos estavam interligados. 26 • capítulo 1 Economia, sociedade e meio ambiente Como vimos, a Economia é uma ciência social, portanto, um pré-requisito para sua exis- tência é uma sociedade minimamente organizada, ou pelos menos com algumas regras sociais estabelecidas. Talvez a relação econômica mais antiga seja a troca, e ela pressupõe que os dois lados confiem na qualidade do produto. Mesmo nos primórdios da raça huma- na, quando se praticava o escambo, valia o princípio da troca de produtos defeituosos, ou seja, se a carne que recebi estiver estragada, tenho direito de receber a minha lança de volta. ATENÇÃO Os economistas não podem fazer o que querem — embora esse seja o desejo de muitos —, pois tem que se submeter à sociedade. A economia é limitada pela sociedade, pois está contida nela. Não existiria socie- dade se não existisse vida na terra, e, para isso, certas condições ambientais foram necessárias. Também não se pode produzir sem recursos naturais. A sociedade é limitada pelo meio ambiente, do qual faz parte. Como vimos anteriormente, o fluxo circular deve ser entendido como uma representa- ção simplificada e limitada da economia, mas não da realidade. A figura a seguir é também utilizada para representar o desenvolvimento sustentável e a economia ecológica. A relação entre economia, sociedade e meio ambiente ECONOMIA SOCIEDADE MEIO AMBIENTE Próximos capítulos Este livro está estruturado para cobrir os principais conceitos introdutórios da Economia. Neste capítulo, abordamos o objeto de estudo da Economia e as noções básicas de custo de oportunidade e fluxo circular. Os próximos capítulos tratarão, em larga medida, de apro- fundar essas noções. O capítulo 2 é dedicado aos principais teóricos em Economia, ou seja, procurou-se situ- ar aqueles cujas contribuições permitiram mudanças qualitativas importantes na maneira capítulo 1 • 27 como a análise econômica passou a ser realizada. Nesse sentido, áreas de conhecimento dentro da Economia, como a Microeconomia e a Macroeconomia, guardam relação com a evolução do pensamento econômico. No capítulo 2 também tratamos de apresentar breve- mente os princípios de organização de dois sistemas econômicos — a Economia de Merca- do e a Economia Planificada. O capítulo 3 introduz os conceitos de análise em Microeconomia, cujo objetivo é mos- trar, através do equilíbrio parcial dos mercados, a tendência da Economia de atingir o es- tado de bem-estar. Nesse capítulo é feita uma introdução sobre o método de análise em Economia que supõe agentes racionais maximizadores (famílias e firmas) de suas funções e objetivo. A partir da caracterização dos agentes econômicos são apresentadas as análises sobre o equilíbrio nos diferentes tipos de mercado. Noções de organização industrial são apresentadas ao final do capítulo. O capítulo 4 apresenta outra perspectiva de análise em Economia, que é a macroeconô- mica. Inicia-se o capítulo com a descrição das medidas utilizadas em análises agregadas — os agregados macroeconômicos — para, em seguida, mostrar como a análise do com- portamento destes agregados ajuda a explicar o desenvolvimento da Economia em curtoprazo. Temas como desemprego e inflação concluem o capítulo. O capítulo 5 apresenta os instrumentos de política econômica à disposição dos gover- nos para intervir na Economia. Como economias de mercado são propensas a flutuações, os governos dispõem de mecanismos de intervenção para contrabalançar os movimentos de subidas e descidas do produto, do emprego e dos preços, que são percebidos reduzindo o nível de bem-estar social. O capítulo 6 é dedicado à análise de longo prazo, contrapondo as noção de desenvol- vimento econômico e de crescimento econômico. Políticas públicas para a promoção do desenvolvimento econômico são apresentadas, bem como medidas de desenvolvimento social. Um tópico sobre globalização conclui o capítulo. Por fim, o livro apresenta um apêndice sobre como elaborar gráficos e tabelas econômi- cas. Entende-se que o uso de gráficos e tabelas é recurso bastante difundido, sendo útil o treinamento do aluno na leitura destas ferramentas estatísticas. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BRESSER-PEREIRA, L. Os dois métodos e o núcleo duro da teoria econômica. Revista de Economia Política, 2009, vol. 29, nº 2 (114). Disponível em: <http://www.bresserpereira.org.br/papers/2008/08.06.DoisMetodos-REP.pdf>. Acesso em: 5 abr. 2014. CANO, W. Introdução à Economia — uma abordagem crítica. 2. ed. São Paulo: UNESP, 2007. PROCHNIK. V. Cadeias produtivas e Complexos Industriais - seção do capítulo Firma, Indústria e Mercados, In: Hasenclever, L. e Kupfer, D. Organização Industrial, São Paulo: Campus, 2002. Disponível em: <http://www.ie.ufrj.br/ cadeiasprodutivas/pdfs/cadeias_produtivas_e_complexos_industriais.pdf>. Acesso em: 1 mar. 2014. Leituras Sugeridas: MAY, PETER (Org.) Economia do Meio Ambiente – Teoria e Prática. São Paulo: Campus, 2010. 28 • capítulo 1 2 Contextualização da Ciência Econômica paulo gonzaga mibielli de carvalho 30 • capítulo 2 Uma introdução à História do Pensamen- to Econômico A Economia, como toda ciência, tem uma história e escolas de pensamen- to. Destacaremos aqui apenas os principais economistas e escolas, com ênfase no que é mais pertinente para o entendimento do debate atual. Os Economistas Clássicos A Economia como uma ciência específica nasce com os economistas de- nominados clássicos. O primeiro e o mais importante dos economistas clássicos, e por isso considerado o pai da Economia, foi Adam Smith. Smith era adepto do pensamento iluminista, que se tornaria a base intelectual da Revolução Francesa (1789). Portanto, acreditava que para o conhecimento da realidade e transformação da sociedade, era funda- mental o uso da razão, e não da tradição ou da religião. Duas ideias de Riqueza das Nações estão presentes até hoje no debate econômico, a sa- ber: a mão invisível e divisão de trabalho. Mão invisível Segundo Smith, somos todos egoístas e procuramos, no mundo econô- mico, sempre o que é melhor para nós. Mas fazendo isso, mesmo que de forma intencional, como que guiados por uma “mão invisível”, estamos realizando o que é o melhor para a sociedade. EXEMPLO Se o padeiro procura produzir o melhor pão pelo melhor preço, o açougueiro, a me- lhor carne pelo melhor preço, e assim por diante, a sociedade ganha, pois o que todos nós queremos são produtos bons e baratos. O padeiro e o açougueiro agem dessa forma devido à pressão da concorrência e porque querem ser bem sucedidos ter lucro. Esses agentes econômicos estão se relacionando e cooperando entre si no mercado de produtos e fatores, sem nenhum plano prévio ou orientação externa. O que vimos no exemplo é o que Smith chamou, metaforicamente, de mão invisível. Portanto, cada um procurando o melhor para si, che- AUTOR Adam Smith Adam Smith (Escócia, 1723-1790) é considerado o fundador da Ciência Eco- nômica, pois, até então, a Economia era parte da Filosofia ou da Política, e não uma disciplina autônoma. Começou sua carreira acadêmica como filósofo moral e seu primeiro livro, de 1759, se intitula- va Teoria dos sentimentos morais. Seu segundo livro é o clássico Riqueza das Nações, de 1776. 2 Contextualização da Ciência Econômica capítulo 2 • 31 ga-se a uma situação que é a melhor para a sociedade. Segundo Smith, se todos agissem por motivos altruístas, visando o bem comum, o resul- tado seria muito pior. Isso só é possível, segundo Smith, quando há livre concorrência, sem interferência do governo. COMENTÁRIO Interferência do governo Ainda hoje, todos os economistas que defendem pouca intervenção do governo na Economia usam como justificativa a mão invisível de Smith. Costumam dizer: deixe o mercado em paz, não intervenha governo, pois a mão invisível vai solucionar os problemas econômicos. Smith, no entanto, não era a favor de que a atuação do governo na Economia fosse a menor possível. O governo tinha um papel importan- te, por exemplo, nas áreas de infraestrutura e educação. Portanto, impli- citamente, aceitava que a mão invisível não solucionava todos os proble- mas da sociedade e, para o bem comum, era necessária a intervenção do Estado em algumas áreas. Divisão do trabalho A segunda ideia é a divisão do trabalho, tanto dentro da sociedade — hoje chamada de divisão social do trabalho —, como dentro da fábrica — que hoje seria a divisão técnica do trabalho. A divisão do trabalho traz a especialização, com ela maior produtividade (maior produção por tra- balhador) e, portanto, barateamento do produto, pois se produz mais com o mesmo número de trabalhadores. O crescimento do mercado é o que impulsiona a especialização. Outro economista clássico evocado aqui é David Ricardo. A maior contribuição de Ricardo à Teoria Econômica foi, provavelmente, a teoria das vantagens comparativas, apresentada no livro Princípios de Econo- mia Política e Tributação, que, até hoje, está na ordem do dia. No que se refere ao comércio internacional, opõe-se à teoria de van- tagens absolutas, de Adam Smith. Segundo essa última teoria, o im- portante no comércio internacional é ter menores custos e, portanto, vender mais barato. Ou seja, países com custos elevados ou muito inefi- cientes estão fadados ao fracasso nas trocas internacionais. Para Ricardo, isso não seria verdade, pois no comércio internacio- nal o importante são as vantagens comparativas, e não as absolutas. Um país tem vantagem comparativa em um produto, quando o outro, com quem compete, tem alto custo de oportunidade ao fabricar produto, mesmo sendo mais eficiente na produção. O país deveria se especializar no produto que tem maiores vantagens comparativas. COMENTÁRIO Produtividade Como vimos no capítulo anterior, Ford sabia disso, pois para poder aumentar sua produção, deu um aumento de salá- rio aos trabalhadores. O objetivo, que foi plenamente conseguido, era aumentar a dedicação dos trabalhadores e, conse- quentemente, sua produtividade. AUTOR David Ricardo David Ricardo (Londres, 1772-1823), juntamente com Adam Smith e Thomas Malthus, é considerado um dos funda- dores da escola clássica inglesa de Eco- nomia Política. Sua obra mais consagra- da é Princípios da economia política e tributação (1817). 32 • capítulo 2 EXEMPLO Com um exemplo fica mais fácil de entender a ideia de Ricardo. Vamos supor que em uma cidade do interior de Minas Gerais existam apenas duas confeiteiras, a Eloisa e a Mariana, que fazem apenas dois bolos, de laranja e de chocolate. Eloisa faz os dois bolos mais baratos, pois seu pai tem uma fazenda de onde vêm a laranja, os ovos e o leite. Além disso, foi muito bem treinada no ofício por Ethel, sua mãe. Mariana deve então desistir e mudar de ramo? Claro que não,pois a diferença de preços é grande no bolo de laranja, mas pequena no bolo de chocolate. O motivo é que o chocolate não é produzido em fazenda, mas importado do Rio de Janeiro. Eloy, o pai de Eloisa, experiente empresário, percebeu isso. Ele orientou a filha a deixar de lado o bolo de chocolate e ficar só com o de laranja. Pois como esse bolo era bom e barato, podia atender à demanda da cidade e também das localidades próximas. Não valia a pena perder tempo produzindo o bolo de chocolate, que não era tão barato e, portanto, não conseguiria vender muito. REFLEXÃO Ou seja, o custo de oportunidade para se produzir o bolo de chocolate era grande, pois quanto mais bolo de chocolate Eloisa fazia, menos tempo e matérias-primas tinha disponível para produzir o de laranja. Mariana, portanto, pode continuar a pro- duzir seus bolos de chocolate, que eram comprados inclusive por Eloisa. Segundo a teoria de Ricardo, Eloisa tinha vantagens comparativas na produção do bolo de laranja e, portanto, Mariana no bolo de chocolate. A discussão sobre vantagens comparativas está na ordem do dia no Brasil desde o pós-guerra, quando a industrialização do país passou a ser um projeto de vários governos, como de Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek. Muitos questionaram (e ainda questionam) a opção do Bra- sil. Os economistas liberais à época de Vargas, Dutra e Juscelino diziam mais ou menos o seguinte: para que o Brasil deve perder tempo produ- zindo automóveis, se nunca vamos conseguir competir com os EUA nes- sa área? É melhor nos concentrarmos na produção de café, onde somos muito melhores que os americanos. Nesse debate, de um lado ficaram os economistas liberais e de outro os desenvolvimentistas, ligados ao pensamento da Comissão Econômi- ca para a América Latina e o Caribe das Nações Unidas — Cepal, que defendiam a industrialização. ATENÇÃO Se dependesse da teoria de Ricardo, o Brasil nunca iria se industrializar. Hoje não ven- demos carros para os EUA, mas vendemos para a Argentina. Para os EUA, vendemos aviões da Embraer — inclusive para as Forças Armadas —, dentre outros produtos. COMENTÁRIO Economistas liberais à época Para eles, o Brasil tinha uma vocação agrícola, e, portanto, vantagens compa- rativas nessa área, e não na indústria. Mesmo porque a agricultura precisa de terra e mão-de-obra não qualificada, e tínhamos ambas em abundância, e a in- dústria precisa de capital e mão-de-obra qualificada, que tínhamos pouco (lembre- se, falamos da realidade daquela época). capítulo 2 • 33 O problema é que a teoria de Ricardo é estática, é uma fotografia de um determinado momento. Mas a realidade é dinâmica, pode mudar. Pen- sando-se a realidade do Brasil dos anos de 1940 como algo imutável, não faria sentido uma industrialização. Mas considerando a indústria como o motor de um processo de desenvolvimento, e que, por conta disso, o Bra- sil seria diferente, décadas à frente, fazia sentido a industrialização. Ou seja, o pensamento tem de se descolar no presente e se lançar no futuro. O custo Brasil O custo Brasil é uma expressão muito utilizada nas discussões econô- micas do Brasil e que tem como base a teoria das vantagens absolutas. Segundo essa tese, nosso país seria pouco competitivo no comércio in- ternacional porque teríamos um custo de produção elevado. O custo de produção é entendido aqui no sentido amplo, abarcando, além do custo do salário, matérias-primas e juros, também custos legais (exemplo: encargos trabalhistas), institucionais (exemplos: burocracia em excesso, deficiências na educação), tributários (impostos elevados), de infraestrutura (estradas precárias) e corporativos —sindicatos de trabalhadores resistindo à mo- dernização (SANDRONI, 2005). Um exemplo do custo Brasil foi um estudo feito pelo Banco Mundial. Essa pesquisa ordenou os países segundo a facilidade de se fazer negócios. Nesse ranking o Brasil ficou na posição 116ª, bem abaixo do Chile (34ª), o melhor da América Latina nesse quesito. Para os defensores dessa tese no Brasil, como a Confederação Nacional da Indústria (CNI), o país para se tornar competitivo e entrar numa trajetó- ria sustentável de crescimento, deveria promover profundas reformas nas áreas que afetam o custo Brasil. Continuando nosso passeio histórico, evocamos Thomas Robert Malthus. A tese que ele apresentou, no Ensaio sobre o Princípio da População, é que a produção de alimentos cresceria em progressão aritmética (PA), e a população, em progressão geométrica (PG). Em decorrência disso, se não fossem tomadas medidas cabíveis, a fome e, no limite, o colapso da sociedade seriam inevitáveis. Malthus era o que hoje se chama de catastrofista. A catástrofe não aconteceu, pois tanto a produção agrícola aumen- tou — devido à incorporação de mais terras e de novas tecnologias — como a população passou a crescer menos, em razão de mais educação, urbanização e novos métodos contraceptivos. A preocupação de Malthus então não faz mais sentido no mundo de hoje? Faz muito sentido para a China, o país mais populoso do planeta, e AUTOR Thomas Robert Malthus Malthus (1766-1834), um pastor pro- testante, foi o primeiro economista a dar destaque ao tema crescimento popula- cional. Sua fama vem até os dias de hoje, onde vez por outra, no debate econômico, é usada a expressão ideias malthusianas. É considerado o pai da demografia. 34 • capítulo 2 também a segunda maior economia do mundo, que adota políticas (agora um pouco menos rígidas) de controle populacional. Faz sentido para vários países africanos — exatamente os mais pobres — onde a população cresce exponencialmente. Talvez faça sentido para o restante do mundo também. REFLEXÃO A população do planeta está crescendo menos, mas, segundo alguns analistas, a produ- ção de alimentos não está aumentando no ritmo desejado (as mudanças climáticas con- tribuem para isso), e há o risco de termos um descompasso no futuro. A FAO, por exem- plo, tem essa preocupação (agência das Nações Unidas para alimentação e agricultura). Falaremos agora sobre Karl Marx. O nome de Marx é sempre lembra- do quando as coisas vão mal, ou melhor, quando vão muito mal, como foi o caso da crise de 1929 e, em menor medida, da crise financeira de 2008. Marx, de todos os economistas clássicos, foi quem estudou com mais pro- fundidade o funcionamento de uma economia capitalista, como atesta sua principal obra, O Capital. Isso se deve, sobretudo, a dois motivos. Primeiramente, Marx escreveu no século XIX, quando o capitalismo industrial, já consolidado, caminhava para uma nova fase, com maior concentração do capital e maior interligação entre capital produtivo e financeiro. Smith, que viveu um século antes, ainda no início da revolu- ção industrial, não tinha como analisar esse capitalismo — que é mais próximo da nossa realidade atual. Marx pôde se beneficiar do muito que foi escrito sobre o funcionamento do capitalismo, inclusive o que os de- mais economistas clássicos escreveram. O segundo motivo é a necessidade de se conhecer o adversário se você quer vencê-lo, e esse era o objetivo de Marx. Com relação ao capita- lismo, Marx tinha, ao mesmo tempo, admiração e ódio. Para Marx, a burguesia — e, portanto, o capitalismo — era profunda- mente injusta, pois explorava a população, em especial os operários, e por isso deveria ser derrubada. Nesse sistema os ricos ficariam cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres. Derrotado o capitalismo, seria implantada uma economia cujos meios de produção seriam propriedade do governo (socialismo). Sendo bem sucedida a implantação do socialismo, se alcançaria o comunismo,que seria uma sociedade igualitária, sem classes e sem governo. Para Marx, o colapso do capitalismo era inevitável por dois motivos: pressão dos operários explorados (luta de classes) e as contradições in- ternas do funcionamento próprio do capitalismo. Essa é a razão pela qual Marx é sempre lembrado em épocas de grandes crises do capitalis- mo, como em 1929 e 2008. AUTOR Karl Marx Karl Heinrich Marx (1818 - 1883) foi fun- dador da doutri- na comunista moderna, e de- nomina-se mar- xismo o conjun- to de ideias e teorias dele, as quais você verá de forma mais extensa durante este capítulo. COMENTÁRIO Admiração No Manifesto do Partido Comunista, che- ga a afirmar que a burguesia, durante seu domínio de classe, apenas secular, criou forças produtivas mais numerosas e mais colossais que todas as gerações passa- das em conjunto (Marx e Engels, 1848). COMENTÁRIO Socialismo Na época de Marx, o socialismo era ne- cessariamente revolucionário e incom- patível com o capitalismo. Posterior- mente o movimento socialista se dividiu entre socialistas revolucionários e não revolucionários (reformistas), que luta- vam por um regime capitalista com mais justiça social, incorporando algumas ideias socialistas. Essa última corrente, também chamada de Social Democrata, acabou predominando na Europa. capítulo 2 • 35 REFLEXÃO Esses eventos de crise sempre nos recordam de que as economias de mercado (ca- pitalismo) não funcionam bem e isso pode acarretar consequências sociais sérias, tal como índices elevados de desemprego. Se as economias de mercado não funcionam adequadamente, os marxistas diriam: não seria o caso de mudar de sistema e implantar o so- cialismo? As economias de mercado têm sobrevivido às suas crises com base em reformas e intervenção do governo. Por outro lado, as econo- mias ditas comunistas e seguidoras das ideias de Marx, fracassaram em maior ou menor grau. A China é um sucesso econômico, mas pode-se di- zer que a China é um país comunista? Com certeza não. Apesar de vários países terem se intitulado comunistas — como a antiga União Soviética —, nunca se alcançou o comunismo conforme concebido por Marx. O maior legado de Marx é pouco associado ao seu nome. Suas pre- visões fracassaram, mas seus ideais contribuíram para mudar o capita- lismo ao fortalecer os sindicatos e ao levar à criação de partidos de es- querda. Como consequência, estas instituições levaram os governos de diferentes matizes políticas a adotarem políticas sociais. O chamado Estado de Bem-Estar, no qual as políticas sociais tor- nam-se mais abrangentes e articuladas, surge na Inglaterra depois da Segunda Guerra Mundial, por iniciativa do Partido Trabalhista, um partido de esquerda moderado. Esse modelo é atualmente adotado, em maior ou menor grau, por muitas economias, no Brasil inclusive. Uma prova de que o capitalismo mudou é o apoio à existência de po- líticas sociais, que é hoje um consenso no espectro político. Pode-se dis- cutir que tipo de política e qual sua extensão, mas não sua necessidade e importância em distintas áreas. REFLEXÃO Por exemplo, hoje é consenso que a Educação Básica deve ser gratuita, e que o trabalho de crianças em fábricas deve ser proibido. Essas são duas das propostas de Marx e Engels no Manifesto Comunista. O tempo mostrou que políticas educacionais e de proteção às crianças eram necessárias, e que não é preciso um governo revolu- cionário que queira implantar o comunismo para colocá-las em prática. A reação alemã Friedrich List, jornalista e político, foi um dos críticos das ideias de Adam Smith na Alemanha. Muitas vezes quando se aborda a história do pensamento econômico, seu nome não é lembrado. No entanto, List COMENTÁRIO Políticas sociais As políticas sociais são as voltadas para a melhoria das condições de vida da população. Otto Bismarck, primeiro- ministro do império alemão no final do século XIX, um político conservador e visionário, adotou uma gama de pro- gramas sociais — pensões, aposenta- dorias, auxílio-desemprego, seguro de acidentes de trabalho, dentre outros — por conta do crescimento dos parti- dos de esquerda, notadamente o Social Democrata. COMENTÁRIO Friedrich List Friedrich List (1789-1846) defendia a tese de que as empresas nacionais não conseguiriam se desenvolver se o mer- cado já estivesse ocupado por empresas de países estrangeiros economicamente mais avançados. Nessas circunstâncias, para ele, justificava-se um protecionismo educador, com a finalidade de proteger, por um período de tempo, o mercado nacional para assegurar a consolida- ção das indústrias nacionais, ou seja, para que tivessem condições análogas para disputar mercados num ambiente de livre concorrência. List morou mui- to tempo nos EUA, e até se naturalizou americano, onde políticas protecionistas eram defendidas desde o século XVII por Alexander Hamilton (Secretário do Te- souro de George Washington, o primeiro presidente dos EUA), e começaram a ser adotadas em 1789. 36 • capítulo 2 tem especial importância para nós, que vivemos na América Latina, pois sua principal obra — O Sistema Nacional de Economia Política, de 1841 — teve grande influência no pensamento da Cepal — Comissão Econô- mica para a América Latina e o Caribe. As ideias de List serviram de base para concepção das Zollvereins — uniões aduaneiras que criaram zonas de livre comércio entre os vários reinos independentes da Alemanha. ATENÇÃO Adam Smith seria inteiramente contra medidas protecionistas, pois representavam uma intervenção indevida do governo no livre mercado, onde não devia haver favo- recimento. Que na disputa entre empresas, valha a livre concorrência, e que vença o melhor, sem privilégios para ninguém, diria Smith (e muitos pensam assim hoje). A questão é que se não houver algum tipo de proteção, a disputa será sempre David e Golias, ou seja, muito desequilibrada. Isso significa que a Inglaterra, que foi o primeiro país a passar por uma revolução indus- trial, tinha uma enorme vantagem sobre seus concorrentes. Os países deveriam abrir mão de se industrializar e aceitar que produtos manufa- turados deveriam ser comprados da Inglaterra? Os EUA responderam negativamente a essa pergunta e adotaram po- líticas protecionistas, sendo esse um dos motivos pelos quais esse país se tornou uma grande potência. Por sinal, se David Ricardo fosse anali- sar a economia dos EUA no início do século XIX, diria que o país deveria se especializar na produção de algodão e outros produtos agrícolas, e importar manufaturados da Inglaterra. RESUMO Políticas protecionistas visam proteger um setor econômico, normalmente a indús- tria, no caso da América Latina, e, para esse fim, fazem uso de medidas que deses- timulam ou impedem a importação de produtos concorrentes. Isso pode ser feito, por exemplo, por meio da criação de cotas de importação, impostos elevados sobre importados, câmbio desfavorável para a importação. Caso a política do governo vise não só proteger, mas também desen- volver um setor, serão adotadas medidas de política industrial. Essas medidas objetivam estimular a produção local, por meio, por exemplo, de: crédito em condições favoráveis; isenção de impostos; câmbio favo- rável para importação de insumos e máquinas necessárias para o de- senvolvimento do setor. No início do século XIX, o que hoje chamamos de Alemanha não existia e, em seu lugar, havia um conjunto de pequenos países (reinos). Foi criada, em 1833, uma união aduaneira (Zollverein) entre esses paí- ses, que
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