Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Gilmar Stelo Leonardo Gonçalves Muraro Política Tributária e Meio Ambiente Gilmar Stelo Leonardo Gonçalves Muraro Política Tributária e Meio Ambiente EDITORA Brasília 2009 Cezar Britto Presidente da OAB e Presidente Honorário da OAB Editora Luiz Carlos Levenzon Presidente Executivo da OAB Editora Conselho Editorial Luiz Carlos Levenzon (Presidente) Jorge Hélio Chaves de Oliveira Lara Cristina de Alencar Selem Ronnie Preuss Duarte Silvia Lopes Burmeister Aline Machado Costa Timm Secretaria Executiva Stelo, G ilm ar. Política tributária e meio ambiente / Gilmar Stelo, Leonardo Gonçalves Muraro. - Brasília : OAB Editora, 2009. 140p. 978-85-87260-99-4 Direito. 2. Constituição. I. Titulo. CDD 341.4 Suzana D ias da S ilva CRB -1964 EDITORA SAS Q uadra 05 - Lote 01 - Bloco M Edifício Sede do Conselho Federal da OAB Brasília - DF - CEP 70.070-939 Telefone: (61) 2193-9619 www.oab.org.br/oabeditora e-mail: oabeditora@ ioab.org.br Para minha família, em especial, para minha esposa Mônica, meus pais Gladis e Alcides, minha irmã Eliane “w memoriam ” e meu cunhado Marcelo ”in memoriam Leonardo Aos colegas de escritório e para a minha filha Leticia, que muito me orgulha pela retidão e amor que possui no coração. Gilmar PREFÁCIO A Constituição Federal de 1988 trouxe ao sistema jurídico nacional previsões mais democráticas de acesso à justiça, calcada em modernas Constituições do mundo hodiemo. A abordagem da chamada intervenção econômica por indução pelo mestre EROS ROBERTO GRAU, demonstra como a mesma pode servir para estimular os chamados processos produtivos. Esses valem-se dos incentivos fiscais, como é o caso dos subsídios e créditos presumidos, os quais fomentarão a utilização da extrafiscalidade tributária, criando-se , assim, uma política de tributação ambiental conciliada com o sistema produtivo. Neste aspecto, os advogados GILMAR STELO e LEONARDO GONÇALVES MURARO abordaram bem a questão da utilização da extrafiscalidade na política ambiental, o que viabilizará uma tributação específica, tendo como objeto os impostos indiretos - IPI e o ICMS, o que incentivará o desenvolvimento sustentável. A obra ora prefaciada - POLÍTICA TRIBUTARIA E MEIO AMBIENTE é rara em seu tema e pujante em seu conteúdo, sem contar que é uma matéria que preocupa o mundo inteiro, e mais do que isso, força a comunidade internacional a se preocupar com a questão ambiental no contexto do desenvolvimento sustentado, ou seja, não se pensa no tema sem um regime ambiental, sempre visando as ações econômicas. Fiquei muito sensibilizado com a apropriada abordagem que os autores fizeram de meu livro Considerações sobre o Direito Econômico. Assim, é com muita satisfação que prefácio esta obra que amealha matéria tão atual e tão profijnda, da lavra dos Eminentes Advogados GILMAR STELO e LEONARDO GONÇALVES MURARO, este também Professor Universitário, congratulando, outrossim, os editores pelo relevante assunto publicado. A sensibilidade dos autores na identificação do tema muito enobrece os colegas de profissão, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, a Comissão Nacional de Estudos Constitucionais, de que é membro GILMAR STELO e também a Escola Superior de Advocacia do Rio Grande do Sul, que conta com LEONARDO GONÇALVES MURARO. São Paulo, janeiro de 2009. Prof. Dr. Modesto Souza Barros Carvalhosa LISTAS DE ABREVIATURAS ADIn Ação Direta de Inconstitucionalidade Art Artigo CF/88 Constituição da Republica Federativa do Brasil de 1988 CIDE Contribuição de Intervenção sobre do Domínio Econômico CTN Código Tributário Nacional EUA Estados Unidos da América FMI Fundo Monetário Internacional ICM Imposto sobre Circulação de Mercadorias ICMS Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transportes Interestadual e Intermunicipal e de Comunicações, ainda que as Operações e as Prestações de iniciem no exterior IPI Imposto sobre Produtos Industrializados IVC Imposto sobre as vendas e consignações OCDE Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico OMC Organização Mundial do Comércio PPP Princípio do Poluidor-Pagador RPPN Reservas Particulares do Patrimônio Natural STF Supremo Tribunal Federal STJ Superior Tribunal de Justiça TCFA Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental TIPI Tabela de Incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados SUMÁRIO INTRODUÇÃO............................................................................................. 13 1 0 ESTADO CONTEMPORÂNEO E SUA FUNÇÃO SOCIAL...16 1.1 Origem e evolução do Estado.......................................................... 16 1.1.1 O Estado Liberal............................................................................... 16 1.1.2 O Estado Social................................................................................ 23 1.1.3 O Estado Neoliberal.........................................................................27 1.2 O Estado Brasileiro Contemporâneo e sua função social de acordo com a Constituição Federal de 1988........................................35 2 A INTERVENÇÃO DO ESTADO POR MEIO DE POLÍTICAS PÚ BLICA S.................................................................................................... 44 2.1 A intervenção econômica por indução.........................................44 2.2 Políticas tributárias e meio ambiente...........................................49 2.3 Instrumentos úteis para a tributação ambiental............................53 2.3.1 Tributos ambientais........................................................................... 60 2.3.2 Subsídio...............................................................................................66 2.3.3 Crédito presumido............................................................................ 69 3 A EXTRAFISCALIDADE AMBIENTAL............................................ 72 3.1 A extraíiscalidade................................................................................ 72 3.1.1 A extrafiscalidade ambiental no Brasil.........................................75 3.2 Impostos indiretos utilizados para proteção ambiental e sua adequação a Lei de Responsabilidade Fiscal.........................................79 3.2.1 IPI.......................................................................................................... 86 3.2.2 ICMS..................................................................................................... 100 3.2.2.1 ICMS Ecológico............................................................................. 114 3.2.2.2 ICMS ecológico no Estado do Rio Grande do Sul................ 123 CONCLUSÃO..............................................................................................127 REFERÊNCIAS.......................................................................................... 132 Política Tributária e Meio Ambiente INTRODUÇÃO 13 A presente obra' busca por meio da utilização da extraíiscalidade tributária, implementar uma política pública de proteção ao meio ambiente, com o escopo de que o Estado venha a intervir na ordem econômica através da denominada “intervenção por indução”, tendo como objeto os incentivos fiscais, mais especificamente os que atuam na esfera da despesa pública, como por exemplo, as subvenções e os créditos presumidos, com a finalidade de alcançar um desenvolvimento sustentado, conciliando desenvolvimento econômico e preservação de recursos ambientais. Desse modo, parte-se da hipótese de que, através da extrafiscalidade tributária e valendo-se dos incentivos fiscais, utilizará a característica seletiva dos impostos indiretos (IPI e ICMS), podendo alavancarprocessos produtivos e consumo de bens e serviços sustentáveis e, ao mesmo tempo, desestimular o emprego de tecnologia de produção e consumo de bens e serviços nefastos à preservação ambiental. Assim, este trabalho busca dar resposta à seguinte questão: como implementar uma política tributária para o meio ambiente, utilizando-se do instrumento da extrafiscalidade tributária, sem ferir a Lei de Responsabilidade Fiscal e os princípios vetores do Direito Tributário, sem reduzir a arrecadação fiscal dos entes públicos? Procura-se justificar a questão enfi’entada através da demonstração de como a extrafiscalidade tributária poderá implementar uma política de tributação ambiental, utilizando-se da intervenção sobre o domínio econômico, valendo-se dos incentivos fiscais, tendo como objeto os impostos indiretos (IPI e ICMS). E, vislumbrando que os mesmos, por possuírem como característica o princípio da seletividade, servem para a implantação de uma tributação ambiental sem transgredir princípios constitucionais tributários, sem configurar renúncia fiscal e, principalmente, permitindo conciliar desenvolvimento econômico com proteção ao meio ambiente. ' A obra nasceu de dissertação do Programa de Pós-Graduação em Direito - Mestrado, da Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, com aprimoramentos, atualizações e novo(s) assunto(s) abordado(s). 14 Gilmar Stelo e Leonardo Gonçalves Murara Dessa forma, no primeiro capítulo, faz-se um estudo sobre o Estado Contemporâneo e sua função social, origem, evolução, passando pelo Estado Liberal, Social e Neoliberal, mostrando suas características e, ao final, o estágio do Estado Brasileiro e sua função social. No segundo capítulo, efetua-se estudo no tocante à intervenção do Estado por meio de Políticas Tributárias. No primeiro passo, aborda-se a intervenção sobre o domínio econômico por indução, tendo como foco o pensamento de Eros Roberto Grau. Posteriormente, passa-se à análise das Políticas Tributárias relacionadas ao Meio Ambiente, discorrendo sobre o pensamento de alguns doutrinadores pátrios que abordam a utilidade que os incentivos fiscais possuem para a adoção e o estímulo de uma política de tributação ambiental. Pela sua relevância, o terceiro e último capítulo terá a parcela mais extensa da obra. Nesse capítulo, discorre-se sobre a extrafiscalidade ambiental, abordando sua utilização nos impostos indiretos; posteriormente, demonstra-se a importância dos impostos indiretos como instrumento para a adoção de uma política de tributação ambiental que venha ao encontro do desenvolvimento sustentável. Toma-se como exemplo o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), enfatizando sua utilidade para a adoção de uma política pública de tributação ambiental. Da mesma forma, é realizado um estudo com o Imposto incidente sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS). E, diga-se aqui, que foi abordado no tocante à sua utilização para a implementação de uma política pública de tributação ambiental, uma vez que não é objeto deste trabalho perquirir a respeito de suas características e de seus pressupostos constitucionais e infraconstitucionais, sendo este abordado com o intuito de situar o leitor no tema enfrentado. Será demonstrado que o mesmo pode servir como instrumento para incentivar 0 desenvolvimento econômico, sem descuidar-se da defesa do meio ambiente, e que a adoção dessa política pública é possível sem resultar em transgressão ao art. 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal. Política Tributária e Meio Ambiente 15 Por fim, é abordado o ICMS Ecológico, sua relevância e forma de utilização, de modo que venha a servir como incentivador para a implementação de uma política pública de tributação ambiental por parte dos Municípios, com o escopo de desenvolvê-los economicamente, estando 0 mesmo aliado à preocupação com o combate à poluição e defesa do meio ambiente para as presentes e futuras gerações. 16 Gilmar Stelo e Leonardo Gonçalves Muraro 1 O ESTADO CONTEMPORÂNEO E SUA FUNÇÃO SOCIAL Neste primeiro capítulo, analisar-se-á a origem e evolução do Estado até chegar-se ao Estado Contemporâneo e a função social, estabelecida na Constituição da República Federativa, verificando-se, na prática, se ela é seguida pelo Brasil. Essa íunção social está estabelecida nos títulos I, II e VII da CF/88, onde, mais adiante, será abordado com riqueza de detalhes, as quais irão evidenciar o que fora adotado na teoria e o que está sendo vivenciado na realidade brasileira. 1.1 Origem e Evolução do Estado Inicia-se pelo Estado Liberal, que acabou consagrando os direitos do homem e começou a dar lugar ao Estado Social, em decorrência da queda da burguesia. O Estado Social, na verdade, existiu apenas na teoria, pois, na prática, o conteúdo estabelecido na CF/88, acabou sendo inteipretado através de uma leitura de cunho Liberal e, como último estágio do Estado chega-se ao atual, que possui características eminentemente Neoliberais, gerando conseqüências nocivas para a população, o que será melhor analisado adiante. 1.1.1 O Estado Liberal O Idealismo Liberal não surgiu com a formulação inglesa de Locke ou com a Revolução Francesa, pois a base do pensamento é anterior, podendo ser pensada a partir da reivindicação de direitos religiosos, políticos e econômicos e na tentativa de ter o controle do poder político no final do século XVII. Desse modo, pode-se dizer que o liberalismo foi se definindo em sentido contrário ao absolutismo, com o crescimento do individualismo que começa a tomar forma desde os embates pela liberdade religiosa. Procurando trazer um dado histórico Merquior (1991, p.45) afirma [...] podemos referir que o termo liberal como identificação política emerge na primeira década do séc. XIX em Espanha, no momento em que as Cortes lutavam contra o absolutismo, embora sua origem remonte à luta política travada na Inglaterra (Revolução Gloriosa - final do século XVII), onde se buscava tolerância religiosa e governo constitucional. Política Tributária e Meio Ambiente 17 A burguesia teve influência fundamental na transição do Estado Absoluto ao Estado Constitucional, o qual teve como expoente inicial 0 liberalismo, tomando as raízes da ascensão política da burguesia até se tomar classe dominante. Veriíica-se que o fenômeno não se pode desmembrar das guerras de religião e das competições econômicas, que dificultavam de certa maneira a chamada política do equilíbrio europeu. Dessa política se faziam órgãos as dinastias reinantes, as quais oscilavam entre a paz e a beligerância, entre a diplomacia e as armas, entre a segurança e a instabilidade. Mas foi no cerne desses conflitos que se fez paulatinamente a ascensão da classe burguesa, até o dia em que, levando a cabo por via revolucionária o desafio ao Absolutismo, pôde ela decretar o fim da sociedade de privilégios ainda presentes por corolário da herança feudal no corpo da Monarquia absoluta. Foi aí que a Bastilha caiu, recebendo o Estado Moderno sua nova identidade institucional. Conforme Paulo Bonavides (2002) aQueda daBastilha simbolizava, por conseguinte, o fim imediato de uma era, o colapso da velha ordem moral e social erguida sobre a injustiça, a desigualdade e o privilégio, debaixo da égide do absolutismo; simbolizava também, o começo da redenção das classes sociais em termos de emancipação política e civil, bem como o momento em que a burguesia, sentindo-se oprimida, corta os laços de submissão passiva ao monarca absoluto e se inclina ao elemento popular numa aliança selada com as armas e o pensamento da revolução; simboliza, por derradeiro, a ocasião única em que nasce o poder do povo e da Nação em sua legitimidade incontrastável. Para Bonavides(2004), Montesquieu e Rousseau, com o Espírito das Leis e o Contrato Social, a par da Enciclopédia de Diderot e D'Alembert, haviam feito já a emancipação interior das consciências, sem a qual não havia possibilidade de combater o Absolutismo e proclamar, sobre o sangue derramado em nome da razão, uma nova soberania, uma nova legitimidade, um novo Estado. Assim, a premissa capital do Estado Modemo é a conversão do Estado Absoluto em Estado Constitucional, ou seja, o poder não é de 18 Gilmar S teh e Leonardo Gonçalves Muraro pessoas, mas de leis. São as leis, e não as personalidades, que governam o ordenamento social e político. Segundo Bonavides (2004, p. 37), [...] de sua inauguração até os tempos correntes, o Estado constitucional ostenta três distintas modalidades essenciais. A primeira é o Estado constitucional da separação de Poderes (Estado Liberal), a segunda, o Estado constitucional dos direitos fundamentais (Estado Social), a terceira, o Estado constitucional da Democracia participativa (Estado Democrático-Participativo). Não há propriamente ruptura no tempo tocante ao teor dessas três formas imperantes de organização estatal, senão metamorfose, que é aperfeiçoamento e enriquecimento e acréscimo, ilustrados pela expansão crescente dos direitos fundamentais bem como pela criação de novos direitos. Esse é o caso da noção de separação de poderes baseada em Montesquieu e consagrada no constitucionalismo liberal, concebida inicialmente como meio para limitar o poder do Estado, haja vista que o Estado veio de encontro aos pressupostos do Estado absolutista, que tinha na concentração do poder nas mãos do monarca a característica basilar. Salienta-se, de acordo com Hermany (1999), que essa teoria serviu para os interesses da nova ordem política instituída, tanto que o dogma da separação dos poderes constituiu-se em fator da limitação à atuação do Estado. Pois é justamente a ausência do Estado na sociedade que interessava à nova classe política emergente, demonstrando nítido comprometimento do Constitucionalismo com a doutrina do liberalismo econômico e político. Bobbio (1995), ao tratar das causas determinantes do advento da escola exegese que, consoante verificará, constitui movimento de legitimação do modelo burguês, ilustra de forma clara a relação entre a doutrina da separação dos poderes e a manutenção do status quo. [...] doutrina da separação dos poderes, que constitui o fundamento ideológico da estrutura do Estado moderno (fundada na distribuição de competências, portanto na atribuição das três funções ftindamentais do Estado — a legislativa, a executiva e a judiciária — a três órgãos constitucionais distintos). Com base nesta teoria, o ju iz não Política Tributária e Meio Ambiente 19 podia criar o direito, caso contrário invadiria a esfera de competência do poder legislativo, mas devia, de acordo com a imagem de Montesquieu, ser somente a boca através da qual fala a lei [...]. O Constitucionalismo Liberal consagra também as chamadas liberdades negativas, outrossim, chamados de direitos fundamentais de primeira geração (ou dimensão). Hesse (1998) menciona alguns desses direitos, também considerados fundamentais individuais, em sua concepção atual, tendo em vista que muitos deles não existiam na França Revolucionária. Para o constitucionalista alemão, integram essa categoria os seguintes direitos: o direito à vida e integridade corporal, traduzindo-se na liberdade da pessoa; a liberdade de circulação; a inviolabilidade do domicílio, segredo de correspondência, postal e de telecomunicação; a liberdade de fé, etc. Trata-se da consolidação das denominadas liberdades negativas, que conforme Leal (1997, p.79), representam a “[...] expressão formal de necessidades individuais que exigem a obtenção do Estado para seu pleno exercício Dessa maneira, afirma Bonavides (2004), o Estado burguês de Direito, da primeira fase, estava, por conseguinte, plenamente vitorioso. E os resultados de seu formalismo e de seu êxito se traduzem numa técnica fimdamental que resguarda os direitos da liberdade, compreendida esta como liberdade da burguesia. Essa liberdade lhe era indispensável para manter o domínio do poder político e, só por generalização nominal, se estendia às demais classes. Desse modo, permitia à burguesia falar ilusoriamente em nome de toda a sociedade, com os direitos que ela proclamara, os quais, em seu conjunto, se apresentavam do ponto de vista teórico, válidos para toda a comunidade humana, embora, na realidade, tivesse bom número deles vigência tão-somente parcial, e em proveito da classe que efetivamente os podia fiiiir. Assim, segundo Bonavides (2004, p.45-46), [...] com a divisão de poderes vislumbraram os teóricos da primeira idade do constitucionalismo a solução do problema de limitação da soberania. A filosofia política do liberalismo, preconizada por Locke, Montesquieu e Kant, cuidava que, decompondo a soberania na pluralidade dos poderes, salvaria 20 Gilmar Stelo e Leonardo Gonçalves Muraro a liberdade. Fazia-se mister contrapor à onipotência do rei um sistema infalível de garantias A teoria tripartida dos poderá, como princípio de organização do Estado constitucional, é uma contribuição de Locke e Montesquieu. Este se apóia naquele, e equivocadamente, no que supõe ser a realidade constitucional inglesa: “um Estado onde os três poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) estariam modelarmente separados e mutuamente contidos, de acordo com a idéia de que “O poder detém o poder [...]. O marco do Estado Liberal é a relevância que possui o “indivíduo” para o conteúdo do liberalismo clássico, no fato de que o valor da personalidade era concebido como ilimitado e anterior ao Estado, direitos de primeira geração (ou dimensão) e, com esse pensamento, surgem as primeiras Constituições escritas, as cartas americana e francesa, cujas teses adquiriam para a democracia liberal o valor de uma profissão de fé religiosa e mística. Na visão de Bonavides (2004) a primeira modalidade de Estado Constitucional, por seu compromisso inquebrantável com a liberdade e, por via de conseqüência com os direitos políticos e civis, que formam a grande camada dos direitos fundamentais da primeira dimensão, denominou-se também Estado Liberal, e com esse nome e significado tem percorrido as distintas fases do Constitucionalismo, não obstante já lhe terem passado mais de uma vez a certidão de óbito. Assim, prossegue o autor, no tocante às relações de trabalho, o Estado Liberal é de cunho eminentemente capitalista, em que o poder está nas mãos da classe burguesa que prega o individualismo a não-intervenção do Estado, o que propiciava o modelo econômico implantado. E mais, a burguesia acordava o povo que então despertou para a consciência de suas liberdades políticas, o que com a queda da Bastilha culminou com a ascensão da burguesia ao poder. E diga-se aqui, a revolução francesa, por seu caráter preciso de revolução da burguesia, levara á consumação de uma ordem social, em que pontificava, nos textos constitucionais, o triunfo total do liberalismo. Do liberalismo, apenas, e não da democracia. O capitalismo foi o modelo econômico adotado pela burguesia que tinha como fundamentos princípios liberais (propriedade privada, Política Tributária e Meio Ambiente 21 liberdade, não-intervenção do Estado), visão essa muito bem retratada por Bonavides (2004, p 44), pois para ele Essa liberdade lhe era indispensável para manter o domínio do poder político, e só por generalização nominal, conforme já vimos, se estendia às demais classes. Disso não advinha para a burguesia dano algum, senão muita vantagem demagógica, dada a completa ausência de condições materiais que permitissem às massas transpor as restrições do sufrágio e, assim, concorrerostensivamente, por via democrática, à formação da vontade estatal [...]. A liberdade, segundo ele, praticada pelo Estado Liberal expunha no domínio econômico os fracos à sanha dos poderosos. O triste capítulo da primeira fase da Revolução Industrial, de que foi palco o Ocidente, evidencia, com a liberdade do contrato, a desumana espoliação do trabalho, 0 doloroso emprego de métodos brutais de exploração econômica, a que nem a servidão medieval se poderia, com justiça, equiparar. Acrescenta, ainda, Bonavides (2004) que na verdade, o liberalismo pregava um culto à liberdade, no sentido da exaltação do indivíduo e de sua personalidade, mas com a preconizada ausência e até mesmo com o desprezo da coação estatal. Mas, para VIERKANDT apud BONAVIDES (1921, p.lO l) [...] no tocante à igualdade no liberalismo é apenas formal, e encobre, na realidade, sob seu manto de abstração, um mundo de desigualdades de fato econômicas, sociais, políticas e pessoais termina a apregoada liberdade, como Bismark já 0 notara, numa real liberdade de oprimir os fracos, restando a estes, afinal de contas, tão-somente a liberdade de morrer de fome. No tocante ao Estado Liberal, mencionam-se os traços marcantes abaixo: a) O século XIX foi das Constituições Liberais. b) As Constituições, na ordem concreta, dividiram-se entre as derivadas de Assembléias Constituintes e as outorgadas. c) Nas primeiras avultava em termos de legitimidade o poder constituinte, exercitado em nome da Nação ou do Povo. Nas outorgadas, 22 Gilmar Stelo e Leonardo Gonçalves Muraro de mais baixa legitimidade, a vontade do monarca se afigurava decisiva em determinar os conteúdos constitucionais. d) O Estado Liberal impregnava de seus valores as Constituições, em geral de cunho marcadamente individualista. e) 0 mais freqüente era a passagem do regime da Monarquia Absoluta ao de Monarquia Constitucional, tendo por base um compromisso político, um pacto firmado entre o rei e a Nação. f) A dissolução de Assembléias Constituintes, mediante golpes de Estado, se fazia ato demonstrativo de que os monarcas guardavam ainda, na realidade - conquanto de maneira dissimulada - uma parcela remanescente de poder absoluto. Segundo Bonavides (2004, p.41-42), [...] as formas de governo são muito importantes, mas muito mais importantes são, na realidade, em qualquer sistema ou regime, a competência, o comportamento, a lealdade, a devoção, a ética do homem público, a par do civismo, da participação, da democratização, da ilustração política, da liberdade, da justiça reinante nas esferas sociais - fatores que imprimem fé nos governados e legitimidade nos governantes. Sem isso não se concretizam direitos fundamentais, nem auferem estabilidade as Constituições e os governos. O Estado Liberal, argumenta Bonavides (2004), por ser permeado pelo cunho da liberdade, a qual estava consubstanciada de caráter individualista e de uma igualdade apenas formal, não tinha o intuito de diminuir ou acabar com as desigualdades econômicas e o sofrimento que o povo vinha enfrentando desde o anterior Estado Absolutista que adotava 0 modelo feudalista. Desse modo, a passagem do Estado Liberal para o social estava marcada pela preocupação ao atendimento dos direitos de cunho social (educação, saúde, etc.) que deveriam ser propiciados pelo Estado com o escopo de dar ênfase ao valor da justiça, de vez que esta ainda estava distante de ser concretizada. Por conseguinte, se demonstra a passagem do Estado Liberal para 0 Estado Social, o que infra é enfatizado. Política Tributária e Meio Ambiente 23 1.1.2 O Estado Social Como já foi referido, o Estado Constitucional Liberal foi a origem do Estado, pois o Estado Constitucional é um projeto do liberalismo burguês para dar conta do Estado Liberal, ou seja, para garantir as conquistas burguesas adquiridas ao longo do tempo. A contenção do Estado inspirou a idéia dos direitos fundamentais e da divisão de poderes. À medida, porém, que o Estado burguês se enfraquece, passa ele a ser o Estado de todas as classes, o Estado fator de conciliação, o Estado mitigador de conflitos sociais e pacificador necessário entre o trabalho e o capital. Segundo Hermany (1999), o modelo liberal de Estado, estudado anteriormente, caracterizou-se pela implementação do programa político, social e econômico da classe burguesa, consagrando as liberdades negativas, representadas por um non facere do Estado, ou seja, pelo absenteísmo estatal. Em decorrência, como já demonstrado, as relações socioeconômicas estavam reguladas pelas leis de mercado, baseadas substancialmente na relação entre a oferta e a procura. Para Bonavides (2004, p. 184-185): Nesse momento em que se busca superar a contradição entre a igualdade política e a desigualdade social, ocorre, sob distintos regimes políticos, importante transformação, bem ainda de caráter superestrutural. Nasce aí a noção contemporânea do Estado social. O Estado social representa efetivamente uma transformação superestrutural por que passou 0 antigo Estado liberal. Seus matizes são riquíssimos e diversos. Mas algo, no Ocidente, o distingue, desde as bases, do Estado proletário, que o socialismo marxista intenta implantar; é que lê conserva sua adesão à ordem capitalista, princípio cardeal a que não renuncia [...]. Desse modo, segundo o autor, o Estado Constitucional Social é marcado por preocupações distintas do Estado Liberal, porque a liberdade já se tinha por adquirida e preconizada nos ordenamentos constitucionais, ao passo que a justiça, como anseio e valor social superior, está distante de alcançar a mesma grande positividade e concreção. 24 Gilmar Stelo e Leonardo Gonçalves Muraro Quando se analisa a substância dessa segunda forma de Estado Constitucional Social, é fácil certificar-se que ela não gira em redor de formalismos, seu ponto de apoio e sua base de identidade são o tecido social dos direitos fundamentais. Sua legitimidade se faz e cresce na exata medida em que tais direitos se concretizam. Nesse diapasão, enfatiza Gordillo (1984) que a atuação do Estado não se restringe à ação assistencial, no sentido de minimizar as desigualdades ou na garantia de direitos trabalhistas. Também envolve uma atuação no tocante às relações econômicas, em que o Estado intervém na política de preços, tanto que assume destaque a disciplina do direito econômico, com a pubíicização de institutos que recentemente integravam o campo do direito privado. Conforme Bonavides (2004, p.44-45), [...] quando prevaleciam por única constante na caracterização do estado Moderno os direitos da primeira geração, a lei era tudo. Quando se inaugurou,porém, a nova idade constitucional dos direitos sociais, como direitos da segunda geração, a legitimidade - e não a lei - se fez paradigma dos estatutos Fundamentais. No constitucionalismo contemporâneo a Teoria da Norma Constitucional passou a ter, a nosso ver, a legitimidade por fundamento. A legitimidade é o direito fundamental, o direito ftmdamental é o princípio, e o princípio é a Constituição na essência, é sobretudo sua normatividade. Ou colocado em outros termos: a legalidade é a observância das leis e das regras; a legitimidade, a observância dos valores e dos princípios [...]. Abria-se a ordem constitucional ao universo normativo dos valores cristalizados em princípios. Nessa caminhada principiológica de juridicidade, o principio se pode talvez definir como aquele valor vinculante mais alto que, positivado na Constituição, é suscetível de irradiar normatividade a todos os conteúdos constitucionais. Como se denota, o Estado Constitucional Social se caracteriza por ser um estado de liberdades positivas, pois através da força principiológica procura estabelecer ao cidadão os direitos de segunda geração (ou dimensão), direitosesses que precisam ser garantidos pelo Estado, tais como: saúde, educação, lazer, por isso chamado, também, de Estado do Bem-Estar Social. Política Tributária e Meio Ambiente 25 Na opinião de Hermany (1999) o cerne estatal desloca-se do individual para o social, alterando o modelo jurídico que, ao incorporar novos direitos sociais, e tomando o aparato legal-racional inócuo para a resolução desses novos conflitos, envolve interesses diluídos em grupos amplos em toda a sociedade. Ademais, o Estado Social, por sua própria natureza, é um Estado intervencionista que requer sempre a presença militante do poder político nas esferas sociais, onde cresceu a dependência do indivíduo, pela impossibilidade em que este se acha, perante fatores alheios à sua vontade, de prover certas necessidades existenciais mínimas. Salienta-se que o Estado Social significa intervencionismo. Não se pode confundir o Estado Social da democracia com o Estado Social dos sistemas totalitários por oferecer, concomitantemente, na sua feição jurídico-constitucional, a garantia tutelar dos direitos da personalidade. Segundo Garcia-Pelayo (1982, p.56-64), [...] o Estado acolhe os valores jurídico-políticos clássicos; porém, de acordo com o sentido que vem tomando através do curso histórico e com as demandas e condições da sociedade do presente [...]. Por conseguinte, não somente inclui direitos para limitar o Estado, senão também, direitos as prestações do Estado [...]. 0 Estado, por conseguinte, não somente deve omitir tudo o que seja contrário ao Direito, i.e, a legalidade inspirada em uma idéia de Direito, senão que deve exercer uma ação constante através da legislação e da administração que realize a idéia social de Direito. Dessa forma, o Estado social de Direito significa um Estado sujeito à lei legitimamente estabelecida com o respeito ao texto e às práticas constitucionais, indiferentemente de seu caráter formal ou material, abstrato ou concreto, constitutivo ou ativo, à qual, de qualquer maneira, não pode colidir com os preceitos sociais estabelecidos pela Constituição e reconhecidos pela práxis constitucional como normatização de valores por e para os quais se constitui o Estado social e que, portanto, fundamentam a sua legalidade. Dessa forma, se vê que o Estado Social de Direito foi marcado pela introdução dos direitos de 2" geração (ou segunda dimensão) e pela preconização da força principiológica. 26 Gilmar Stelo e Leonardo Gonçalves Murara Frisa-se, de acordo com Hermany (1999), que o novo paradigma que se inaugurava não rompia com os princípios capitalistas, sendo principalmente uma válvula de escape que impedia uma drástica ruptura do aparelho estatal, apesar da inserção formal de direitos sociais no ordenamento jurídico positivado. O Estado Social no Brasil foi disposto, na teoria, tardiamente, contemplado em vários artigos da Constituição Federal de 1988, a qual leva muito em conta o coletivo, o social, os direitos básicos que devem ser alcançados ao povo brasileiro; mas, os mesmos estão calcados em uma sociedade de cunho liberal, em que a economia cada vez mais ganha espaço e substitui o espaço público na tomada de decisões políticas do País. Ademais, a Constituição Federal do Brasil de 1988 possui muitos direitos sociais estabelecidos, mas muitos deles não estão possuindo eficácia, tais como, o art. 7°, inciso IV^, art. 196\ dentre outros. Grande parte dessa falta de concretização dá-se por culpa do Poder Executivo que está interpretando o texto constitucional de modo a deixar de concretizar os direitos estabelecidos, fazendo uma verdadeira interpretação liberal dos direitos assegurados na Carta Magna de 1988. O problema do Estado Social preconizado pela Constituição Federal de 1988 foi de estar anos sob os fundamentos dos princípios liberais, ou seja, toda uma geração que aprendeu e conviveu com os princípios liberais, de repente se viu regida por uma Constituição de caráter comunitário, contendo elementos e fundamentos em valores compartilhados, estabelecendo princípios a serem seguidos pelo Estado, direitos a serem garantidos, os ^Art. 7° IV - salário mínimo , fixado em lei. nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educa ção. saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes perió dicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculaçâo para qualquer fim.(Constituição da República Federativa do Brasil. 35* edição. Editora Saraiva. 2005, p.14 ^ Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recu peração. (Constituição da República Federativa do Brasil. 35® edição. Editora Saraiva. 2005, p.141). Política Tributária e Meio Ambiente 27 quais em muitos casos eram lidos e interpretados de forma liberai, isto é, sob 0 prisma do pensamento liberal Com efeito, não se vivência o Estado Social, já fora ultrapassada esta fase do constitucionalismo. A dúvida aqui no Brasil persiste se realmente se havia chegado a vivenciar e a usufruir todos os direitos sociais estabelecidos e preconizados pelas Constituições. Nessa visão faltaram inúmeros, os quais apenas foram estabelecidos no papei, não chegando a ser concretizados na prática. 1.1.3 O Estado Neollberal Primeiramente, não se pode confundir liberalismo com o neoliberalismo, pois este deriva do liberalismo, uma vez que é baseado em princípios originários daquele, tais como: propriedade privada, livre iniciativa, porém extrapola o limite do liberalismo, de vez que o neoliberalismo se define como a política econômica de abertura indiscriminada do mercado nacional ao internacional, o que gera uma dependência econômica daquele para com este. No liberalismo existe a conjunção de dois aspectos da vida em sociedade na liberdade. Um deles é a pequena presença do Estado no plano pessoal. O outro é a pequena presença estatal no plano econômico. Porém, no liberalismo, 0 estado nacional não está a depender de fatores externos ou subordinados às decisões do mercado internacional como no neoliberalismo. E, outra diferença entre ambos, é quanto à não-intervenção do Estado, haja vista que no liberalismo se prega a não-intervenção do Estado com fundamento na liberdade negativa, ou seja, tendo como base a liberdade individual no sentido apenas de impedir a violação da liberdade e dos direitos individuais. Já no Neoliberalismo, o Estado é interventor, de vez que no momento em que se privatizam os serviços vitais a qualquer nação prestados pelo setor público se está na verdade o Estado intervindo em prol da iniciativa privada, procedimento adotado, por exemplo, nos setores de telefonia, energia elétrica, etc. O neoliberalismo avançou tendo como expoente teórico Frederick Hayek, cientista político direitista, guru do Chile do general Pinochet, e orientador espiritual de Margaret Thatcher, pela falta de alternativa apresentada 28 Gilmar Síelo e Leonardo Gonçalves Murara pela nova esquerda, após o fracasso da esquerda no Leste Europeu. Nesse diapasão é o pensamento Wainwright (1994, p.24); A queda de Mikhail Gorbachev provavelmente simbolizou o golpe final na grande influência desses críticos mesmo quando suas críticas eram dirigidas a ele e/ou à antiga liderança. Isso tem importância para a teoria e a linguagem com as quais a nova esquerda ocidental pode responder ao desafio colocado pelo apelo generalizado, ainda que contraditório, do neoliberalismo. Significa que apesar de ser provável que elementos de uma alternativa mesmo o que muitos ocidentais perceberiam como uma alternativa socialista- se desenvolvessem no Leste Europeu, eles não podem ser construídos e generalizados com uma ênfase absoluta no contexto teórico existente do socialismo. Em vez disso, a nova esquerda ocidental precisa, no diálogo com aqueles movimentos do Leste, teorizar novas práticas através de uma crítica direta aos ftmdamentos do neoliberalismo, em particular do influente trabalho de Frederíck Hayek [...]. Segundo Wainwright (1994, p.48-49), para Frederick Hayek [...] 0 resultado da atividade humana é casual e de que a ordem social que subsiste - sobretudo o mercado prívado - é produto de um processo de evolução no qual não se deve interferir. Eis por que ele defende um Estado forte, protetor do livre mercado [...]. Aquela escreveu a obra já referída (Uma resposta ao Neoliberalismo), onde critica a teoria de Frederick Hayek, mais precisamente, na obra ‘O Caminho da Servidão’, concluindo que ‘podemos observar dois problemas de consistência nas implicações lógicas da teoria sobre a produção e distribuição de conhecimento de Hayek e suas prescrições políticas e econômicas posteriores. Por um lado, ele vê todos os monopólios ou tentativas de concentração do poder como uma ameaça à ordem espontânea. A condição econômica sob a qual tal ordem pode florescer é a ‘concorrência’, que significa ‘planejamento descentralizado feito por pessoas isoladas’ [...]. O problema de sua teoria, porém, é que os monopólios desenvolveram-se a partir do mercado capitalista. Em ura certo sentido, os monopólios ou oligopólios nos negócios poderiam ser compreendidos como evoluções naturais da concorrência capitalista; no entanto, também se tomam fonte de poder para levar a cabo projetos econômicos conscientes e calculados, que afetam o resto da economia. Nesse caso, a ordem espontânea carrega consigo as sementes da própria destruição. Política Tributária e Meio Ambiente 29 E cita Wainwright (1994, p. 52-53) como resposta ao neoliberalismo pregado por Hayek a política econômica adotada pelo Japão nos anos 90, em que [...] as principais empresas e o Estado criaram uma instituição econômica central, funcionando em sistema de rede, para a elite econômica, uma parte do Ministério da Indústria e Tecnologia que facilita o intercâmbio de planos, informações sobre mercados internacionais e áreas de interesse mútuo tais como relações trabalhistas e desenvolvimento tecnológico. Os participantes desse processo criaram redes informais adicionais que dão continuidade à troca de informações. Essas densas redes de conhecimento ligando a elite do Japão são um ingrediente vital no sucesso da competitividade de sua economia. Mas ninguém poderia chamá-las de espontâneas. Com certeza trouxeram muitos benefícios não intencionais à gerência das corporações japonesas e ao Estado (e sem dúvida contribuíram para a natureza corrupta da política japonesa), mas não há dúvida de que foram intenções de intervir no mercado que impulsionaram 0 processo [...]. Não obstante a atual Constituição da República Federativa do Brasil possuir caráter liberal, na realidade o Estado está tomado pelas características neoliberais, ou seja, o estágio do Estado brasileiro é de cunho Neoliberal que possui atributo de um estado mínimo, pois a maior parte dos direitos sociais enunciados na Constituição de 1988 possuem conotação programática, interpretando-os de acordo com os princípios liberais. De outra banda, os setores essenciais para a economia estão sendo privatizados, tais como: telefonia, energia elétrica, rodovias. O Estado Neoliberal não deixa de ser interventor, pois no momento em que entrega determinadas atividades que são de vital importância para o país à iniciativa privada está intervindo na economia, uma vez que as privatizações são formas de intervenção. Esse modelo neoliberal está debilitando a soberania estatal, pois o neoliberalismo adveio tendo como cerne a globalização, já que essa surgiu da massificação da produção e do comércio mundial. Foram brotando as alianças políticas seguidas por outras de caráter econômico e juntas conformaram novas ordens regionais e posteriormente globais. Exemplo disso são a União Européia, a Organização Mundial do Comércio (OMC), o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Mundial. 30 Gilmar Stelo e Leonardo Gonçalves Murara OEstadoglobalizadoéuminstrumentopolíticodahipomodemidade, tendo como modelo o neoliberalismo, que se caracteriza por um processo de globalização, com liberalismo econômico, fluidez mediática e hiperconsumo, que coexistem com o nível dos Estados integrados que associam suas influências políticas, econômicas e culturais, assim como os planos de luta contra adversidades comuns. O modelo neoliberal surgiu como decorrência da globalização, que passou a existir através da expansão das fronteiras científicas e culturais, sociais e geográficas, em um processo paulatino e constante que foi permitindo estender-se à maioria dos países do globo. Essa nova ordem pode ser considerada como um processo econômico - que modifica substancialmente as bases do comércio de produção e dos mercados - e político - que transcende a fi-onteira dos Estados com ingerência nos governos correspondentes. A globalização acaba afetando as condições de vida de todos os habitantes do planeta, mais precisamente a cultura, os mercados econômicos, as leis e a política, superando assim as fi'onieiras nacionais. Salienta-se que o modelo neoliberal, sem instrumentos de freio e contrapeso, é o modelo perfeito para os grandes grupos mundiais estabelecerem suas idéias e seus interesses, encontrando no fenômeno da “globalização” sua alavanca propulsora geradora de um aumento da desigualdade social. Para Sarmento (2002, p. 66): [...] a aceleração do processo de globalização econômica experimentada neste final de século vem pondo em risco algumas conquistas históricas no campo dos direitos humanos. A mundializaçao da economia, regida exclusivamente pelas leis do mercado, redifica o ser humano, tomando-o um mero instrumento - eventualmente descartável - para a maximização dos resultados dos agentes econômicos transnacionais, enquanto se assiste ao esfacelamento do estado-providência. Paralelamente a isto, desenvolve-se com algum vigor, certa corrente de pensamento dita “pós-modema”, caracterizada pelo desprezo aos valores emancipatórios universais cristalizados a partir do Iluminismo - liberdade, igualdade, fraternidade -, apoiando-se numa filosofia sem sujeito, onde a categoria 'pessoa humana' perde a centralidade Politica Tributária e Meio Ambiente 31 Cabe, no entanto, conforme Roberto Dromi (2005, p. 28-29) [...] distinguir a globalização da internacionalização, que importa uma cooperação entre Estados soberanos, pois uma das características da globalização tem sido a erosão da soberania estatal devido ao desenvolvimento e expansão de redes mundiais de comunicação e informação, que têm levado a economia e tecnologia a escaparem do controle dos Estados. Além disso, a globalização está gerando uma internacionalização financeira e econômica de capitais, ocasionando uma desregulação econômica, fazendo com que valores migrem dos países numa velocidade assustadora, enfraquecendo economias de países em desenvolvimento como o Brasil. A globalização desenfreada, sem instrumentos de controle ocasiona 0 enfraquecimento econômico-financeiro do Brasil, deteriorando até mesmo as normas legais que servem de instrumento para a proteção da economia do país. Segundo Faria (1999), no âmbito específico do Estado-nação, as instituições jurídicas acabaram sendo progressivamente reduzidas, no que se refere ao número de pessoas e diplomas legais, e tomadas mais ágeis e flexíveis, em termos processuais. Evidentemente, o Estado continuou legislando, inclusive em matéria econômica, financeira,monetária, tributária, previdenciária, trabalhista, civil e comercial. Mas, passou a fazê-lo agora, e esse é o fato novo digno de nota, diminuído em seu poder de intervenção e, muitas vezes, constrangido a compartilhar sua titularidade de iniciativa legislativa com diferentes forças que transcendem o nível nacional, ou seja, limitado em suas políticas fiscais, em seus instrumentos de direção e em suas estratégias de planejamento; obrigado a levar em conta antes o contexto econômico-financeiro internacional do que as próprias pressões, os anseios, as expectativas e as reivindicações nacionais; e restrito ao papel de articulador e controlador da auto-regulação, tendo por função (a) preservar a complexidade das diferentes racionalidades dos setores e agentes produtivos e (b) induzir processos de mútuo entendimento entre eles. 32 Gilmar Stelo e Leonardo Gonçalves Murara Como se observa, o Brasil, em face de não possuir um efetivo adorno de controle dos efeitos perversos que a globalização contém, está perdendo a capacidade de gerir sua política econômica sem abrir mão da direção traçada através de metas a serem alcançadas, porquanto cada vez mais o contexto econômico financeiro mundial está ditando as regras e acabando por atrapalhar aqueles países que não possuem sistemas de proteção contra o poder econômico dos grandes grupos mundiais, caso do Brasil. Exemplo disso é a meta de inflação (política ditada pelo FMI) adotada pelo Brasil. Nesse sentido enfatiza Faria (1999, p. 232): [...] no âmbito da 'economia-mundo' as organizações financeiras e empresariais transnacionais, agindo com base na premissa de que as decisões relativas aos sucessivos estágios das atividades produtivas não podem ser tomadas separadamente, por etapas, mas de forma simultânea e global, ampliaram expontaneamente a produção de suas próprias regras, sob a forma de sistemas de organização e métodos, manuais de produção, regulamentos disciplinares, códigos deontológicos de conduta e, principalmente, contratos padronizados com alcance mundial. Como no âmbito de uma cadeia produtiva cada conexão é um conjunto de relações dinâmicas e como as diferentes conexões interagem entre si, as organizações financeiras e empresariais transnacionais nelas inseridas precisaram criar e adensar sua normatividade e sua 'oficialidade' para maximizar a administração dos blocos de relações segmentadas e as estratégias de sinergia entre fornecedores de matérias-primas, montadores, distribuidores e prestadores de serviços, o que as levou a gerar uma jurisprudência’ ad hoc paralelamente ao ordenamento jurídico de cada território em que atuam. O gradativo esvaziamento da autonomia decisória das instituições político-Iegislatívas nacionais e o subsequente deslocamento das decisões fundamentais para o âmbito de um sistema econômico transnacional estão acarretando uma forte redução no leque de opções e alternativas do eleitorado, pois está-se constatando claramente a predominância do poder econômico em detrimento do poder político, independente de posição política e ideológica. A globalização econômica está provando que, na ausência de um sistema que a controle, pode implicar a desintegração social, pois a Política Tributária e Meio Ambiente 33 globalização está levando à emergência de novas profissões e especializações para as quais não existe um sistema técnico-educacional adequado, acelerando a mobilidade do trabalho e a flexibilização de sua estrutura ocupacional entre setores, regiões e empresas, provocando a redução dos salários, ampliando os níveis de concentração de renda, relativizando o peso do trabalho direto nas grandes unidades produtivas, aumentando o desemprego dos trabalhadores menos qualificados. Exemplo disso são as empresas multinacionais do setor automotivo que migram de país quando lhe são oferecidos incentivos fiscais, acarretando desemprego para aquele país no qual houve a perda da empresa. As novas profissões ligadas às áreas de tecnologia, computação, finanças, possuem um aprendizado mais técnico nos países mais desenvolvidos, isso sem falar no deslocamento de moeda que, em questão de segundos, se deslocam dos países periféricos para os países desenvolvidos, os quais, na maioria dos casos, são detentores das sedes dos grandes conglomerados econômicos. Exemplo disso são as grandes fábricas de automóveis (Ford, General Motors, etc.) que se deslocam para países desenvolvidos que têm condições de oferecer benefícios fiscais, considerando também a solidez da política econômica adotada pelo país (Estados Unidos da América-EUA, Alemanha, etc.) Essas transformações estão diminuindo aproteçãodos trabalhadores, afetando diretamente a estrutura do poder político do país, deslocando o poder de decisão das mãos do executivo para as mãos do poder econômico, fugindo ao controle do país que fica cada vez mais de mãos amarradas assistindo ao aumento da desigualdade social, do desemprego, sem ter força de reação. Além disso, conforme Singer (1996), as novas tecnologias exercem um impacto decisivo na descentralização, heterogeneização e fragmentação do mundo do trabalho, seja por permitir a transferência dos custos da ociosidade produtiva das grandes para as pequenas e médias empresas, seja por substituir o tradicional contrato de prestação de serviços e de compra e venda da força de trabalho por ura contrato de fornecimento de mercadorias, seja por abrir caminho para a sua regulação em termos cada vez mais individualistas, promocionais e meritocráticos, graças ao pagamento de bônus por assiduidade, gratificações por produtividade e prêmios relativos à qualidade - portanto, colidindo com as formas coletivas padronizadas até então prevalecentes. 34 Gilmar Stelo e Leonardo Gonçalves Muraro As conclusões de Perry Anderson (1995, p.23)‘*, em texto no qual faz um balanço do neoliberalismo, são expressivas: Economicamente, o neoliberalismo fracassou, não conseguindo nenhuma revitalização básica do capitalismo avançado. Socialmente, ao contrário, o neoliberalismo conseguiu muitos dos seus objetivos, criando sociedades marcadamente mais desiguais, embora não tão desestatizadas como queria. Política e ideologicamente, todavia, o neoliberalismo alcançou êxito num grau com o qual seus fundadores provavelmente jamais sonharam, disseminando a simples idéia de que não há alternativas para os seus princípios, que todos, seja confessando ou negando, têm de adaptar-se a suas normas. Para Pastore^ apud Faria (2005), a manipulação na velocidade das máquinas e dos equipamentos produtivos estão levando à crescente aceleração do ritmo de trabalho. Elas também afetam o nível de crescimento da oferta de emprego, na medida em que permitem a agregação de diferentes funções para cada trabalhador (caso em que um único homem controla um conjunto articulado de máquinas) e a rotação por distintas tarefas e funções (como, por exemplo, na experiência de equipes que se responsabilizam por toda uma seqüência da etapa produtiva), tomando desnecessária a contratação de pessoal para as tarefas rotineiras e repetitivas. Essas podem ser facilmente executadas por robôs que, na linguagem bastante irônica de um analista, além de não fazer greves nem reclamar seus direitos judicialmente, ainda trabalham no calor e no frio, no claro e no escuro, no ar poluído e em locais insalubres, dispensando iluminação, refrigeração, aquecimento e purificadores de ar e atuando tanto nos fins de semana quanto nos feriados com o mesmo entusiasmo dos dias úteis. Ademais, segundo Grau (2001), o modo de produção social globalizado dominante conduz, não apenas à perda de importância dos conceitos de “país” e “nação”, mas também ao comprometimento da noção de Estado. A globalização, afirma Ralf Dahrendorf (1995), ameaça a sociedade civil, na medida emque (I) está associada a novos tipos de exclusão social, ANDERSON, Perry. Balanço do neo-liberalismo. In: SANDER, Emir; GENTILl, Pablo (Org.). São Paulo: Paz e Terra, 1* reimpressão, 1995, p. 23. ® In “dumping da robótica”. Jornal da Tarde, edição de 6 de abril de 1994. Política Tributária e Meio Ambiente 35 gerando um subproletariado, em parte constituído por marginalizados em função da raça, nacionalidade, religião ou de outro sinal distintivo; (II) instala uma contínua e crescente competição entre os indivíduos; (III) conduz à destruição dos serviços públicos (destruição do espaço público e declínio dos valores do serviço por ele veiculado). Enfim, a globalização na fusão de competição global e de desintegração social compromete a liberdade. Portanto, o Brasil não adotou instrumentos com o escopo de frear os efeitos perversos da globalização econômica, ficando submetido ao poder econômico dos grandes grupos mundiais, do capital estrangeiro, perdendo sua força, fazendo com que as leis e a Constituição Federal sejam interpretadas ao crivo do poder econômico, reduzindo o poder político das instituições e, principalmente, diminuindo a força e o poder no cenário interno dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. 1.2 O Estado Brasileiro Contemporâneo e sua função social de acordo com a Constituição Federal de 1988 Rodrigues (2003) ressalta, inicialmente, que o Estado brasileiro está atrelado aos princípios fundamentais estabelecidos pela Constituição Federal em seu Título 01. Para Rodrigues, suas ações devem ser norteadas, dentre outros, pelo princípio da dignidade da pessoa humana, devendo ter por objetivos, dentro da sua esfera de competências, a busca da construção de uma sociedade livre, justa e solidária, e a promoção do bem-estar de seu povo, além de ter de possuir uma ação necessariamente conectada com os Direitos e as Garantias Fundamentais, esses constantes no Título II da mesma Constituição. A enumeração contida no art. 3° da Constituição Federal de 1988^, segundo Bulos (2002), evidencia os fins do Estado brasileiro. Ela não é taxativa, mas exemplificativa, uma vez que não exaure os objetivos a que se destina a República Federativa do Brasil. ® Art. 3° Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil; ! - construir uma sociedade livre, justa e solidária: II - garantir o desenvolvimento nacional: III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regio nais: IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quais quer outras formas de discriminação. 36 Gilmar Stelo e Leonardo Gonçalves Muraro Ao se analisar os art. 1°, inciso IV, 3°, inciso III, 5°, inciso, XXII e 170, inciso r v da Carta Magna de 1988^ conclui-se que o Brasil preceitua na Constituição o modelo capitalista. Porém, com limitações, pois, além dos objetivos acima referidos, a ordem econômica está fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tendo por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, possuindo como base os seguintes princípios: soberania nacional, propriedade privada, função social da propriedade, defesa do consumidor, defesa do meio ambiente, redução das desigualdades regionais e sociais, busca do pleno emprego e tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País. (BRASIL. Constituição, 1988). Nessa esteira, Grau (2001, p.58) preconiza que: [...] a ordem econômica capitalista, ainda que se qualifique como intervencionista, está comprometida com a finalidade de preservação do capitalismo. Daí a feição social, que lhe é atribuída, a qual, longe de desnudar-se como mera concessão a um modismo, assume, nitidamente, conteúdo ideológico. Nesse mesmo diapasào é o entendimento de Silva (1993, p. 666): [...] a ordem econômica consubstanciada na Constituição não é senão uma forma econômica capitalista, porque ela se apóia inteiramente na apropriação privada dos meios de produção e na iniciativa privada (art. 170). Isso caracteriza o modo de produção capitalista, que não deixa de ser tal por eventual ingerência do estado na economia nem por circunstancial exploração direta de atividade econômica pelo estado e possível monopolização de alguma área econômica, porque essa atuação estatal ainda se insere no princípio básico do capitalismo, que é apropriação exclusiva por uma classe dos ^Art. 1° A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos; [...] IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; I...] Art. 3° [...] Ill - Cf. nota de rodapé 5. Art. 5® Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e á propriedade, nos termos seguintes: [...] XXII - é garantido o direito de propriedade; [...] Art. 170. IV - livre concorrência; Política Tributária e Meio Ambiente 37 meios de produção, e, como é essa mesma classe que domina o aparelho estatal, a participação deste na economia atende a interesses da classe dominante. A política adotada pelos Governos do Brasil desde a CF/88, está sendo seguida de forma parcial pelo Brasil, encontrando-se destoada dos princípios preconizados pela Carta Política de 1988, uma vez que essa possui como função social um “capitalismo com limitações”; já o modelo adotado pelo Governo possui cunho “neoliberal” ou seja, adota o capitalismo sem, na prática, possuir limitações, principalmente para impor 0 cunho social enfatizado na Carta Magna de 1988. Destarte, os princípios constitucionais preconizados expressamente na Constituição Federal não estão sendo seguidos. Salienta-se que não é a Constituição Federal que deve ser alterada, mas sim os Governos que devem adotar o modelo previsto na Carta Magna de 1988. 0 Governo tem de ter sempre como meta a função social a ser alcançada, que está expressamente prevista na Constituição Federal, não de forma taxativa, mas exemplificativa, conforme alguns artigos mencionados anteriormente (art.P , 4° e 170)^. O Brasil está adotando um modelo de ® Art. 1° A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos; 1 - a soberania; II - a cidadania; III - a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V - 0 pluralismo político. Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição. Art. 4° A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios: I - independência nacionai; II - prevalência dos direitos humanos; III - autodeterminação dos povos; IV - nâo-intervenção; V - igualdade entre os Estados; Vi - defesa da paz; Vli - solução pacífica dos conflitos; V iil - repúdio ao terrorismo e ao racismo; IX - cooperação entre os povos para o progresso da humanidade; X - concessão de asilo político. Parágrafo único. A República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, poli- 38 Gilmar Stelo e Leonardo Gonçalves Murara capitalismo de cunho eminentemente “neoliberal”, ou seja, apto a prestar apenas o “mínimo” necessário para a população, privatizando os principais setores ou delegando através de concessões para o setor privado, ficando o Governo ao talante daquele setor, sem mecanismos que visam garantir regras que objetivem a eficiência na sua prestação com tarifas módicas, de modo a propiciaracesso a um maior número possível de pessoas. Pois, segundo Petter (2005, p. 20), “ [..] nosso país fez uma inegável opção pelo sistema capitalista de produção com temperamentos sociais[...]”. O art. 170 da Constituição Federal de 1988 estabelece os princípios constitucionais da ordem econômica que está fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tendo por fim assegurar a todos existência digna conforme os ditames da justiça social. Os princípios gerais da atividade econômica são núcleos condensadores de diretrizes, ligados à apropriação privada dos meios de produção e à livre iniciativa, as quais consubstanciam a ordem capitalista. Pela retórica do constituinte, tais princípios serviriam para sistematizar a esfera de atividades criadoras e lucrativas, com vistas à redução das desigualdades sociais. Consignariam, em última anáUse, um bojo de providências constitucionais efetivadoras da cognominada “justiça social”. tica, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comuni dade latino-americana de nações. Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre ini ciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios; I - soberania nacional; II - propriedade privada; III - função social da propriedade; IV - livre concorrência: V - defesa do consumidor; VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e presta ção; VIII - busca do pleno emprego; IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País. Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercicio de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei. Política Tributária e Meio Ambiente 39 Todavia, segundo Bulos (2002, p.1139-1140), [...] 0 reconhecimento da justiça social, por intermédio dos instrumentos de tutela dos hipossuficientes, quais sejam, os direitos sociais (art.6®), não tem tido, até o momento, a eficácia social necessária para equilibrar a posição de miséria e pobreza que lhes impede o efetivo exercício das garantias outorgadas. Soma-se a isso a política neoliberal, emergente cora a queda do muro de Berlim e a derrocada dos regimes socialistas europeus, em cujo esteio a liberdade ficou perdida, num clima de globalização desenfreada. Privilegiando a economia privada, o espírito do neoliberalismo não conseguiu estacar as desigualdades sociais, criadas e produzidas pela iníqua distribuição de rendas. Como observa Marilda Vilelia lanomoto (2001) quando a ordem econômica se diz “fundada na valorização do trabalho humano” sobreleva o aspecto do trabalho livre, do direito ao trabalho em si, e não às particularidades da relação empregatícia, mais afeta ao direito laborai, mas que também com o econômico se conectam. Impõe-se a valorização do trabalho humano. Valorizar o trabalho, então, eqüivale a valorizar a pessoa humana, e o exercício de uma profissão pode e deve conduzir à realização de uma vocação do homem. Paradoxalmente, acrescenta Ricardo Antônio Lucas Camargo (1993), mesmo o mercado, modernamente marcado por ideologias indisfarçadamente liberais - no sentido mais pobre do termo em cuja lógica o trabalho humano é apenas um fator de produção, a ser matematicamente equacionado na diagramação dos custos e dos lucros tão-somente, não pode prescindir das conseqüências da valorização do trabalho humano. Ademais, a liberdade de trabalho se manifesta também na livre escolha do lugar em que se deseja exercer uma profissão e a sua valorização diz respeito, ainda, à atuação estatal/privada de reinserção no mercado de trabalho do apenado que haja cumprido sua condenação. Para José Afonso da Silva (1995), a ordem econômica, embora capitalista, dá prioridade ao valor do trabalho humano sobre todos os demais valores da economia de mercado. Essa assertiva fica mais bem esclarecida quando tomada em consideração a finalidade da ordem econômica, que deve estar direcionada à potencialização do homem, seja em sua dignidade existencial, seja na 40 Gilmar Stelo e Leonardo Gonçalves Murara substantivação das qualidades que o singularizam - humanidade mais bem percebida no quadrante solidarista e fraternal da justiça social. Salienta-se que o Estado Contemporâneo Brasileiro, que possui como modelo o capitalismo com limitações, tem como princípio também relevante e embasador de sua ordem econômica a livre iniciativa que, para Reaie(1998, p. A-3), [...] não é senão a projeção da liberdade individual no plano da produção, circulação e distribuição das riquezas, assegurando não apenas a livre escolha das profissões e das atividades econômicas, mas também a autônoma eleição dos processos ou meios julgados mais adequados à consecução dos fins visados. Liberdade de fins e de meios informa o princípio da livre iniciativa, conferindo-lhe um valor primordial, como resulta da interpretação conjugada dos citados arts. 1® e 170. De acordo com João Bosco Leopoldino da Fonseca (1995) no mercado, por outro lado, constata-se que em muitos segmentos há a ocorrência do fenômeno da concentração do poder econômico, que fica, por assim dizer, assenhoreado nas mãos de uns poucos, com ofensa à livre iniciativa, invocando a necessidade de tutela e intervenção do Estado, sob pena de aquela, literalmente, sucumbir. Então, ao contrário do que se poderia imaginar, a intervenção do Estado no domínio econômico (CF, art. 174)^, muito antes de limitar a iniciativa e a liberdade do particular, tem por fim, mesmo, preservá-la. Para Bastos (1996), a livre iniciativa não só consubstancia alicerce e fiindamento da ordem econômica, como também deita raízes nos direitos fundamentais da ordem econômica, aos quais se faz ínsita uma especial e dedicada proteção. Se o capuí do art. 5° se encarregou de garantir o direito à liberdade, no viés econômico ela ganha contornos mais precisos, justamente na livre iniciativa. Pois, conforme Bastos e Ives Gandra Martins (2000), se é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão (CF, art. 5°, XIII)^°, essa liberdade compreende também a liberdade ^Art. 174 - Como agente nomiativo e regulador da atividade econômica, o Estado exer cerá, na forma da lel. as funções de fiscalização, Incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado. Art. 5°. XIII - É livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer. Política Tributária e Meio Ambiente 41 de se lançar na atividade econômica, sendo então assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica (CF, art. 170, parágrafo único). Dispõe ainda a Constituição Federal de 1988 no parágrafo único do art. 170 que “[...] é assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei [...]”. Trata-se do princípio da livre iniciativa econômica que, para Ferreira (1998), constitui a marca e o aspecto dinâmico do modo de produção capitalista. Consiste no poder reconhecido aos particulares de desenvolverem uma atividade econômica. É mesmo uma fonte axiológica de liberdade do particular perante o Estado e até perante os demais indivíduos, um atributo essencial da pessoa humana em termos de realização direta de sua capacidade, suas realizações e seu destino. Peter (2005, p.l68) frisa, ainda, que: [...] 0 princípio da liberdade de iniciativa econômica há de compreender a liberdade de acesso ao mercado e a liberdadede permanência deste mercado. Estas duas liberdades implicam, por sua vê, uma infinidade de condicionantes constatáveis na cena econômica e numa adequação institucional pertinente, e podem se desdobrar em outras tantas liberdades. Dentre os princípios da ordem econômica, tem-se o da proteção ao meio ambiente (art. 170, inciso VI da CF/88)’ ^que corrobora como um limite ao exercício da livre iniciativa e da livre concorrência; por isso, sendo um dos princípios constitucionais regentes da ordem econômica. Segundo Silva (2003, p. 26-27), [...] a compatibilização do desenvolvimento econômico- social com a preservação da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico, a conciliação dos dois valores consiste, na promoção do chamado desenvolvimento sustentável, que consiste na exploração equilibrada dos recursos naturais, nos limites da satisfação das necessidades e do bem-estar da presente geração, assim como de sua conservação no interesse das gerações futuras. ” Art. 170 [...] VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elabora ção e prestação. 42 Gilmar Stelo e Leonardo Gonçalves Muraro A Constituição Federal de 1988 estabelece que a função social do Estado Brasileiro é alcançar o bem comum, cujo conteúdo será discutido no 3° capítulo, (art.3°)‘^ que, por sua vez, visa assegurar os direitos fundamentais'^ (art.5®- caput). Torres (1999, p.lO) esclarece; [...] a expressão direitos fundamentais empregam-na principalmente os autores alemães, na esteira da Constituição de Bonn, que dedica o capítulo inicial aos Gnindrechte, mas a advertência de parte significativa da doutrina é a de que não existe diferença entre esses direitos fundamentais e os direitos da liberdade ou os direitos humanos. Ingressou no Brasil no texto de 1988 (Título II: Dos Direitos e Garantias Fundamentais. E dentre os direitos fundamentais está a defesa do meio ambiente eleita em verdadeiro direito fundamental. Segundo Milaré (2000, p.53- 58), Art. 3® - Ver nota de rodapé em págs. anteriores. só existem direitos fundamentais quando os direitos "naturais” e “inalienáveis” do indivíduo estão incorporados na ordem positiva e são colocados no lugar cimeiro das fontes do direito, ou seja, quando recebem o status de normas constitucionais.” (CANOTI- LHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoría da constituição. 7. ed. Coimbra: Portugual: Atmedina, 2003, p.377). os direitos fundamentais são aqueles que representam a constitucionalizaçâo dos di reitos humanos que gozaram de alto grau de justificação ao longo da história dos discursos morais, que são. portanto, reconhecidos como condições para a construção e o exercício dos demais direitos." (GALUPPO, Marcelo Campos. O que são direitos fundamentais; In: SAMPAIO, José Adércio Leite (org.). Jurisdição constitucional e direito fundamentais. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 233.) “[...] são direitos inerentes à própria noção de pessoa, como direitos básicos da pessoa, como os direitos que constituem a base jurídica da vida humana no seu nível actual de dignidade.” (MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional: direitos fundamentais. Coimbra: Coimbra Ed., 1988. t.4, p.9.) Em relação ao ordenamento jurídico brasileiro, tem-se que vários Direitos Humanos foram incorporados em diversos artigos, ao passo que muitos outros são reconhecidos como direitos fundamentais implícitos que, apesar de positivados, não possuem a efetividade que deveriam ter. Diante deste panorama, fica cristalino que um dos maiores problemas enfrentados pelo ordenamento jurídico e por aqueles que o estudam é a falta de eficácia social dos direitos fundamentais, uma vez que, apesar de estes estarem expressamente positivados, não conseguem sair do papel e mudar o mundo exterior, o que traz conse qüências diretas na vida dos cidadãos. (NAKASHIMA, Adriano de Pádua. Hermenêutica filosófica e direitos fundamentais. Revista de Direito Publico n. 10 out/nov e dez/2005. Brasília; Ed. lOB/Thomson e Instituto Brasiiiense de Direito Público (IDP), p.113.) Política Tributária e Meio Ambiente 43 Se o fim da ordem econômica é assegurar a todos uma existência digna, da mesma forma o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (CF, art. 225), essencial á sadia qualidade de vida, está centrado na pessoa humana e, pois, segundo autorizada doutrina consiste mesmo em verdadeiro direito fundamental, a par de não constar topologicamente no Capítulo I do Título I I da Constituição Federal, o que é de todo irrelevante. Nesse sentido, também, adverte Derani (1996, p.l41): A economia ambiental está assentada na política e através dela se realiza. Por isso, um caminho a ser apresentado para reconciliação da economia com a natureza localiza-se longe da monetarizaçào do ambiente que é dependente da modificação vinculada a práticas políticas. Esta dualidade economia e ecologia (transformação de valor e de matéria) resulta num sistema de reação positiva (maior a atividade econômica, maior a transformação da natureza), que deve ser modificado de modo a encontrar-se uma produção humana- movimento da e p a ra a existência humana.[...]. Desse modo, o meio ambiente também está inserido no rol dos direitos fundamentais consagrados pela Constituição Federal de 1988, o qual contribui para que seja alcançado o bem comum que nada mais é do que proporcionar e garantir os direitos fundamentais a cada pessoa. Somente isso fará com que a função social consagrada pela Carta Magna de 1988, a qual está moldada tendo como cerne o modelo capitalista (art. 3°, III, da CF/88)^\ seja alcançada não apenas na teoria, mas, especialmente, na prática. Com efeito, como se pode observar, o Brasil adotou expressamente na Constituição Federal de 1988 um modelo capitalista com limitações, pode-se dizer com temperamentos sociais, pois, concatenando os artigos 1®, 3°, 4® e 170*^ assim se vislumbra, mas na prática a política que possui na realidade cunho neoliberal destoa dos objetivos e princípios pregados pela Carta Política de 1988. Art. 3°. Ill - Erradicar a pobreza e a marginalizaçâo e reduzir as desigualdades sociais e regionais. Arts. 1 ° , 3®, 4® e 170 - Ver notas de rodapé em págs. anteriores. 44 Gilmar Stelo e Leonardo Gonçalves Murara 2 A INTERVENÇÃO DO ESTADO POR MEIO DE POLÍTICAS TRIBUTÁRIAS Será abordado como o Estado poderá intervir na ordem econômica por meio de políticas tributárias, de modo que possa implementar políticas públicas de tributação ambiental que estejam de acordo com os princípios constitucionais estabelecidos na CF/88, procurando alcançar como finalidade última, o desenvolvimento sustentável. 2.1 A intervenção econômica por indução Antes de entrar no tema da extrafiscalidade tributária e do meio ambiente, procura-se demonstrar como o Estado pode, através da economia, induzir ações voltadas às políticas tributárias de proteção ao meio ambiente. Faz-se relevante diferenciarmos a classificação das formas de atuação do Estado no tocante ao processo econômico, em que a diferença que aparta o campo dos serviços públicos (área de atuação estatal) do campo da denominada atividade econômica (área de atuação do setor privado), principalmente tendo como cerne os ensinamentos de Bros Roberto Grau. Desse modo, para Grau (2001) verifica-se que o Estado não pratica intervenção quando presta serviço público ou regula prestação de serviço público. Atua, no caso, em área de sua própria titularidade, na esfera pública. Por isso mesmo dir-se-á que o vocábulo intervenção é, no contexto, mais correto do que a expressão atuação estatal: intervenção expressa atuação estatal em área de titularidade do setor privado; atuação estatal indica, simplesmente, ação do Estado tanto
Compartilhar