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Biografia Winnicott

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Donald Woods Winnicott (1896 - 1971) foi um pediatra e psicanalista inglês
Winnicott nasceu em Plymouth, Devon, Inglaterra em 7 de abril de 1896, filho de Elizabeth Martha (Woods) Winnicott e do Sr. John Frederick Winnicott, um comerciante que se tornou cavaleiro em 1924 após servir duas vezes como prefeito de Plymouth.
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“O homem maduro é aquele capaz de identificar-se com a sociedade sem ter que sacrificar excessivamente sua espontaneidade, é capaz de atender suas necessidades pessoais sem tornar-se por isto um ser antissocial, e de aceitar certa responsabilidade quando isto se tornar necessário (WINNICOTT, 2001).” 
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O lar dos Winnicott era grande e movimentado, com muita atividade, havia espaço para todos na grande casa e jardim e não faltava dinheiro. 
Das três crianças da família, Donald era o único menino, e as irmãs eram mais velhas que ele. 
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Sir Frederick Winnicott (título que mais tarde recebeu), rico comerciante enobrecido, foi prefeito da cidade por duas vezes. Aqueles que o conheceram falam dele como sendo uma pessoa de alta inteligência, julgamento correto e profundo senso de humor.
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A família era próspera e aparentemente feliz, mas atrás desse verniz, Winnicott se viu como oprimido por uma mãe com tendências depressivas como também por duas irmãs e uma babá. 
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Winnicott foi para um internato aos 13 anos de idade, em Cambridge, onde estudou biologia e posteriormente medicina. 
Mas interrompeu seus estudos para servir como cirurgião aprendiz - residente em um navio (destroyer) britânico, o HMS Lúcifer, durante a Primeira Guerra Mundial. 
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Ele completou sua formação em medicina em 1920 e em 1923, ele foi indicado para o The Queen’s Hospital for Children e também para o Paddington Green Hospital for Children, onde permaneceu pelos 40 anos seguintes, trabalhando como pediatra, psiquiatra infantil e psicanalista.
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No mesmo ano do seu primeiro casamento com Alice Taylor, foi contratado como médico no Paddington Green Children's Hospital em Londres. Foi também em 1923, que Winnicott iniciou sua análise pessoal com James Strachey (1887 – 1967), o tradutor das obras de Sigmund Freud para o inglês. 
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Em 1927 Winnicott foi aceito como iniciante na Sociedade Britânica de Psicanálise, qualificado como analista em 1934 e como analista de crianças em 1935. Seu primeiro livro, sobre transtornos clínicos das crianças, foi publicado em 1931, e foi o primeiro de muitos.
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Winnicott iniciou a sua vida profissional – a observação e o estudo das crianças – como médico e, em especial, como pediatra. 
Ele ainda estava trabalhando no hospital infantil e posteriormente comentou que... ”naquele momento nenhum outro analista era também um pediatra, assim durante duas ou três décadas eu fui fenômeno isolado…"
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O tratamento de crianças mentalmente transtornadas e das suas mães lhe deu a experiência com a qual ele construiria a maioria das suas originais teorias. E o curto período de tempo que ele poderia dedicar-se a cada caso o conduziu ao desenvolvimento das suas "inter - consultas terapêuticas." outra inovação da prática clínica que introduziu.
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Um acontecimento relevante da vida desse autor foi a chegada em Londres, no ano 1926, Em 1926, a pedido de Ernest Jones, Melanie Klein (1882-1960), instalou-se em Londres. Uma das mais importantes analistas de criança da sua época, Melanie Klein logo fez escola e seguidores. 
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Winnicott aproximou-se e fez uma análise adicional com um deles, Joan Rivière. 
A convicção do Kleinianos na importância suprema, para saúde psíquica, do primeiro ano da vida da criança, foi compartilhada por Winnicott. 
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Contudo esta visão diverge um pouco da de Freud e de sua a filha Anna Freud (1895—1982)- ela mesma uma analista de crianças, que também vieram para Londres em 1938, refugiados do Nazismo na Áustria. 
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No meio dessa terrível confusão familiar, Winnicott afirmou sua independência. Embora admirasse Melanie Klein, com quem fez supervisão entre 1935 e 1941, recusou-se a ceder às suas exigências.
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Assim, quando ela quis obrigá-lo a analisar seu filho Erich, a fim de supervisionar o tratamento, ele o fez mas não aceitou nenhum tipo de supervisão. 
Todavia, foi no grupo kleiniano que ele continuou sua formação, fazendo outra análise com Joan Reviere entre 1933 e 1938 por sua vez, Clare Winnicott seria analisada por Melanie Klein. 
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A final da Segunda Guerra Mundial, em 1945, um acordo tipicamente britânico estabeleceu três cordiais grupos: os Freudianos, o Kleinianos e um grupo “conciliador" ao qual Winnicott pertenceu juntamente com Michael Balint ( - ) e John Bowlby (1907–1990).
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Durante os anos de guerra trabalhou como consultor psiquiátrico de crianças seriamente transtornadas que tinham sido evacuadas de Londres e outras cidades grandes, e separado de suas famílias. Ele continuou trabalhando ao Paddington Green Children's Hospital nos anos 1960
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Depois da guerra Winnicott tornou-se um médico contratado do Departamento Infantil do Instituto de Psicanálise durante 25 anos; foi presidente da Sociedade Britânica de Psicanálise por duas gestões; membro da UNESCO e do grupo de experts da OMS; atuou como professor no Instituto de Educação e na London School of Economics, da Universidade de Londres; dissertou e escreveu amplamente como atividade profissional independente.
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Ele divorciou-se de sua primeira esposa em 1951 e, nesse mesmo ano, casou-se com Elsie Clare Nimmo Britton, assistente social psiquiátrica e psicanalista. Morreu em 28 de janeiro de 1971, após o último de uma série de ataques de coração e foi cremado em Londres.
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O processo de observação e estudos psicanalíticos foi criado por Freud, primeiro com base nas observações a partir de sua autoanálise e mais tarde baseado na análise de homens e mulheres adultos, e então, brevemente, e somente “por procuração”, na experiência adquirida no trabalho com uma criança 
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Mais tarde, Melanie Klein e outros adaptaram o método psicanalítico para o tratamento de crianças. Trabalhando com pequeno número de crianças, novamente atendidas intensivamente, Klein tirou conclusões sobre a psique que aplicava da psicanálise infantil ao entendimento dos adultos, e nos últimos anos as assim chamadas psicoses dos adultos.
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Em sua breve palestra intitulada “A influência do Desenvolvimento Emocional sobre Problemas de Alimentação”, apresentada em 1967 em um Simpósio sobre Saúde Ambiental na Infância Inicial, realizado na Royal Society of Medicine, Donald Winnicott enfatiza a extensão de sua dívida à sua formação e experiência médica continuadas:
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Este débito reconhecido com a ciência médica e também com um ambiente em que a investigação psicanalítica podia ser continuamente testada e aplicada, colocava Winnicott numa posição que poderia ser descrita como tendo o objetivo de compreender o comportamento das crianças e tentar descobrir as suas causas. 
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Desta posição, Winnicott estava à vontade para falar de informações, e é possível que esta continuação da “prática ativa”, conforme Winnicott coloca, influenciando o desenvolvimento e modificando suas idéias psicanalíticas, tenha um grande significado para o futuro da psicanálise como um modelo ou teoria da mente que pode ser estudado e pesquisado.
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Winnicott estabeleceu esta prática da observação clínica tanto no ambiente hospitalar infantil do Paddington Green Children’s Hospital quanto no ambiente criado durante o tumulto dos anos de guerra – os albergues para crianças evacuadas, muitas das quais eram carentes e delinquentes, para os quais ele serviu como consultor designado pelo governo, e aonde veio a conhecer e colaborar com sua segunda esposa, Clare Britton. 
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Esta decisão de especializar-se e de permanecer um especialista em pediatria, juntamente com sua escolha de dedicar-se à psicanálise e de estudar e escrever sobre a pediatria e a psicanálise conforme elas estavam ligadas em seu entendimento, levou inevitavelmente à especialização particular que ele desenvolveu. 
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Esta especialização
era a observação e o estudo do bebê e sua mãe, numa diversidade de formas, e o que isso lhe permitia deduzir sobre a psique, a do bebê e a do indivíduo maduro.
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A distinção, metodologicamente, em relação a Freud e outros, foi a decisão de continuar a estudar o bebê e sua mãe, in situ, como uma “unidade psíquica”, uma decisão decorrente da sua posição investigatória singular de pediatra/psicanalista. 
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Isso lhe permitia observar a sucessão de mães e bebês (e em alguns casos, bebês muito jovens, nas primeiras semanas de vida) que passavam diante do médico, e utilizá-la como informações potenciais referentes à constelação mãe-bebê, e não ao bebê e sua mãe puramente como dois seres distintos.
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Winnicott achava que as mães podiam nos dizer muito sobre os bebês, significando isto que elas podiam nos dizer muito sobre esse paradigma Consciente/Inconsciente, num momento muito intenso e culminante de experiência – o nascimento – e a interação mãe-bebê na saúde e na doença.
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De sua Obra:
Em sua obra Da pediatria à psicanálise, publicada em 1958, Winnicott apresentou suas posições sobre o tema. Ao contrário de Melanie Klein, interessava-se menos pelos fenômenos de estruturação interna da subjetividade do que pela dependência do sujeito em relação ao ambiente. 
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Não aceitava a explicação freudiana da agressividade em termos de pulsão de morte e definiu a psicose como um fracasso da relação materna. 
Daí sua crença em uma certa normalidade fundada nos valores de um humanismo criador. Segundo ele, era o “bom funcionamento” do laço com a mãe que permitia à criança organizar o seu eu de maneira sadia e estável.
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Depois, durante a guerra, foi o trabalho com crianças refugiadas e conseqüentemente privadas da presença materna que levou Winnicott a desenvolver um conjunto de novas noções. Em sua opinião, a dependência psíquica e biológica da criança em relação à mãe tem uma importância considerável. 
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“O bebê não existe”. 
Winnicott queria dizer com isso que o lactante nunca existe por si só, mas sempre e essencialmente como parte integrante de uma relação. 
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Se a mãe estiver incapaz, ausente ou, pelo contrário, demasiadamente intrusiva, a criança se arrisca à depressão ou a condutas antissociais, como o roubo ou a mentira, que são maneiras de reencontrar, por compensação, uma “mãe suficientemente boa”.
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Todos os grandes conceitos winnicottianos construídos a partir de 1945 fazem parte de um sistema de pensamento fundado na noção de relação: a mãe devotada comum (ordinary devoted mother), a mãe suficientemente boa (good enough mother), o jogo do rabisco ou ainda o falso e o verdadeiro self e o objeto transicional.
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Nessa perspectiva, a good enough mother era realmente uma mãe ideal: atenta a todas as formas de diálogo e de brincar criativo, ela devia se mostrar capaz de inspirar à criança uma frustração necessária, a fim de desenvolver seu desejo e sua capacidade de individuação. 
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Sua técnica psicanalítica sempre esteve em contradição com os padrões da International Psychoanalytical Association (IPA). 
Winnicott não respeitava nem a neutralidade nem a duração das sessões, e não hesitava, na linhagem da herança ferencziana, em manter relações de amizade calorosa com seus pacientes, reencontrando sempre a criança neles e em si mesmo. Via na transferência uma réplica do laço materno. Assim, oferecia a seus analisandos um “ambiente” especial.
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Ao contrario da maioria dos psicanalistas ingleses, Winnicott não ignorou a doutrina lacaniana. 
Teve com Lacan uma relação epistolar assídua e inspirou-se na noção de estádio de espelho para escrever o seu artigo de 1967 sobre “O papel de espelho da mãe e da família no desenvolvimento da criança”.
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aspectos da teoria e da técnica de Donald W. Winnicott
A observação e o estudo do bebê e sua mãe como dupla e análise do que acontece nesta relação;
A Importância do Meio Ambiente no Desenvolvimento Mental Primitivo, ou o conceito de mãe suficientemente boa: O papel da mãe real, ilusão/ holding, desilusão gradativa;
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O conceito de falha ambiental e o conceito de regressão a serviço da cura (quando as falhas ambientais são precoces e intensas há um congelamento da situação de fracasso que pode posteriormente ser revivido e descongelado dentro do setting analítico). Este conceito está ligado ao conceito de Holding: função materna de sustentação/continente;
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Uma abordagem diferente do conceito de agressividade – não ligada ao instinto de morte – e a vivência desse sentimento na contratransferência;
Estabelece uma diferença entre desejos e necessidades (desejos precisam ser interpretados e necessidades precisam ser atendidas);
O conceito de objeto transicional e o uso do analista como objeto transicional pode dar outra dimensão à transferência e à interpretação;
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A concepção de que, de forma análoga ao que se passa entre a mãe e a criança, também entre o analista e o analisando, cada um está sendo “criado” e “descoberto” pelo outro, o que, parece-me, evidencia nitidamente o enfoque de uma psicanálise vincular, tal como transparece no “jogo do rabisco”;
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A noção de que a não satisfação de uma necessidade pode provocar, não o ódio, mas a decepção, uma reprodução do fracasso ambiental que causou uma interferência na capacidade para desejar, a qual deve ser resgatada na vivência emocional com o analista;
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A sua convicção de que com os pacientes bastante regressivos vale mais o manejo do analista do que as suas interpretações;
Toda pessoa apresenta algum grau e tipo de dependência, e cabe ao analista ajudar o paciente a transitar pelas três fases que caracterizam o processo de dependência: a absoluta, a relativa e aquela que vai rumo à independência;
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Conceito de Falso Self.
Em seu artigo “A deformação do ego, em termos de um self verdadeiro ou falso”, Winnicott se refere ao papel da mãe na constituição de um self falso. Diz: “A mãe ‘boa’ é a que responde à onipotência do lactante e, de certo modo, dá-lhe sentido. Isto se faz rapidamente. O self verdadeiro começa a adquirir vida, através da força que a mãe, ao cumprir as expressões de onipotência infantil, dá ao ego débil da criança”.
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“A mãe que ‘não é boa’ é incapaz de cumprir a onipotência da criança, pelo que repetidamente deixa de responder ao gesto da mesma; em seu lugar coloca seu próprio gesto, cujo sentido depende da submissão ou acatamento do mesmo por parte da criança. Esta submissão constitui a primeira fase do self falso e resulta da incapacidade materna para interpretar as necessidades da criança
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Embora o primeiro sentido dado por Winnicott ao falso self estivesse relacionado com a psicopatologia, este ponto de vista foi gradualmente mudando
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Psicopatia ou Tendência Antissocial
Para Winnicott, outro transtorno no qual a falha ambiental tem um importante papel é a psicopatia ou tendência antissocial.
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“É preciso, em primeiro lugar, procurar definir a palavra ‘psicopatia’. Eu a utilizo, creio que justificadamente, neste contexto, para descrever uma afecção adulta que consiste em uma delinqüência não curada. O delinqüente é um menino ou uma menina antissocial, que não se curou... há lógica na atitude implícita que ‘o meio ambiente deve-me algo’ adotada pelo psicopata, delinqüente e pela criança antissocial... 
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Neste sentido, a tese de Winnicott é que a inadaptação e demais derivados deste tipo de transtorno consistem em uma inadaptação originária do meio ambiente da criança, produzida em uma fase não precoce o suficiente para dar origem a uma psicose. 
A ênfase recai na falha ambiental, e a patologia, portanto, está principalmente no meio ambiente, e, somente de maneira secundária, na reação da criança”. Seriam tentativas de auto-cura.
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Por outro lado, a tendência anti-social, longe de expressar pulsões agressivas e vingativas para com o meio ambiente frustrante, é uma manifestação de esperança de que este note a falha e a corrija. 
A psicopatia seria um estado avançado do transtorno, no qual se
reproduz um endurecimento das defesas diante do “desengano total”.
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Teoria sobre importância e efeitos do cuidado materno
Para Winnicott, cada ser humano traz um potencial inato para amadurecer, para se integrar; porém, o fato de essa tendência ser inata não garante que ela realmente vá ocorrer. Isto dependerá de um ambiente facilitador que forneça cuidados que precisa, sendo que, no início, esse ambiente é representado pela mãe suficientemente boa. 
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É importante ressaltar que esses cuidados dependem da necessidade de cada criança, pois cada ser humano responderá ao ambiente de forma própria, apresentando, a cada momento, condições, potencialidades e dificuldades diferentes.
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Segundo esse autor a mãe suficientemente boa (não necessariamente a própria mãe do bebê) é aquela que efetua uma adaptação ativa às necessidades do bebê, uma adaptação que diminui gradativamente, segundo a capacidade deste em aquilatar o fracasso da adaptação e em tolerar os resultados da frustração. (Winnicott, 1971)
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Assim, podemos pensar que, se amadurecer significa alcançar o desenvolvimento do que é potencialmente intrínseco, possíveis dificuldades da mãe em olhar para o filho como diferente dela, com capacidade de alcançar certa autonomia, podem tornar o ambiente não suficientemente bom para aquela criança amadurecer. 
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Num artigo intitulado “A mãe dedicada comum”, escrito em 1966 , Winnicott descreveu um estado psicológico especial, um modo típico que acomete as mulheres gestantes no final da gestação e nas semanas que sucedem o parto. O autor nos conta como, em 1949, surgiu quase que por acaso a expressão "mãe dedicada comum", que serviu para designar a mãe capaz de vivenciar esse estado, voltando-se naturalmente para as tarefas da maternidade, temporariamente alienada de outras funções, sociais e profissionais.
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Trata-se, pois, de uma condição psicológica muito especial, de sensibilidade aumentada, que Winnicott chega a comparar a uma doença, uma dissociação, um estado esquizóide, que, no entanto, é considerado normal durante esse período. Observe-se também que não é raro um surto psicótico típico nesse período, o que se denomina psicose puerperal.
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Winnicott afirma que, na base do complexo de sensações e sentimentos peculiares dessa fase, está um movimento regressivo da mãe na direcção de suas próprias experiências enquanto bebê e das memórias acumuladas ao longo da vida, concernentes ao cuidado e protecção de crianças.
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Tão gradualmente como se instala, em condições normais, o estado de “preocupação materna primária” deve dissipar-se. Essas condições incluem a saúde física do bebé e da mãe, após um parto não traumático, uma amamentação tranqüila e pouca interferência de elementos estressantes.
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Após algumas semanas de intensa adaptação às necessidades do recém–nascido, este sinaliza que seu amadurecimento já o torna apto a suportar as falhas maternas. 
A mãe suficientemente boa deve compreender esse movimento do bebé rumo à dependência relativa e a ele corresponder, permitindo-se falhas que abrirão espaço ao desenvolvimento.
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A capacidade da mãe em se identificar com seu filho permite-lhe satisfazer a função sintetizada por Winnicott na expressão holding. Ela é a base para o que gradativamente se transforma em um ser que experimenta a si mesmo. 
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O holding inclui principalmente o segurar fisicamente o bebé, que é uma forma de amar; contudo, também se amplia a ponto de incluir a provisão ambiental total anterior ao conceito de viver com, isto é, da emergência do bebé como uma pessoa separada que se relaciona com outras pessoas separadas dele.
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Winnicott (1979/1983) também coloca que a mãe, ao tocar seu bebé, manipulá-lo, aconchegá-lo, falar com ele, acaba promovendo um arranjo entre soma (o organismo considerado fisicamente) e psique e, principalmente ao olhá-lo, ela se oferece como espelho no qual o bebé pode se ver.
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Na visão winnicottiana, já nos primórdios da existência, é fundamental para a constituição do self o modo como a mãe coloca o bebé no colo e o carrega; dá-se, assim, a continuidade entre o inato, a realidade psíquica e um esquema corporal pessoal.
O holding é necessário desde a dependência absoluta até a autonomia do bebé, ou seja, quando os espaços psíquicos entre este e sua mãe já estão perfeitamente distintos.
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holding:
Protege da agressão fisiológica, leva em conta a sensibilidade cutânea do lactente – tacto, temperatura, sensibilidade auditiva, sensibilidade visual, sensibilidade à queda (acção da gravidade) e a falta de conhecimento do lactente da existência de qualquer coisa que não seja ele mesmo. Inclui a rotina completa do cuidado dia e noite, e não é o mesmo que com dois lactentes, porque é parte do lactente, e dois lactentes nunca são iguais. Segue também as mudanças instantâneas do dia-a-dia que fazem parte do crescimento e do desenvolvimento do lactente, tanto físico como psicológico. 
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O objeto transicional
Em sua teoria, conforme colocado anteriormente, afirma que o “estado de preocupação materna primária” implica uma regressão parcial por parte da mãe, a fim de identificar-se com o bebé e, assim, saber do que ele precisa, mas, ao mesmo tempo, ela mantém o seu lugar de adulta. 
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É, ainda, um estado temporário, pois o bebé naturalmente passará da “dependência absoluta” para a “dependência relativa”, o que é essencial para o seu amadurecimento.
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A dependência absoluta refere-se ao fato de o bebé depender inteiramente da mãe para ser e para realizar sua tendência inata à integração em uma unidade. À medida que a integração torna-se mais consistente, o amadurecimento exige que, vagarosamente, algo do mundo externo se misture à área de omnipotência do bebê. 
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Ser capaz de adotar um objecto transaccional já anuncia que esse processo está em curso e, a partir daí, algumas mudanças se insinuam. O bebé está passando para a dependência relativa e pode se tornar consciente da necessidade dos detalhes do cuidado maternal e relacioná-los, numa dimensão crescente, a impulsos pessoais.
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No início da passagem da dependência absoluta para a dependência relativa, os objectos transaccionais exercem a indispensável função de amparo, por substituírem a mãe que se desadapta e desilude o bebé. A transaccionalidade marca o início da desmistura, da quebra da unidade mãe-bebê.
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Na progressão da dependência absoluta até a relativa, Winnicott (1988/2002) definiu três realizações principais:
Integração,
•  personificação e
•  início das relações objetais
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É nesse período de dependência relativa que o bebé vive estados de integração e não integração, forma conceitos de eu e não – eu, mundo externo e interno, estágio de concernimento, podendo então seguir em seu amadurecimento, no que o autor denomina independência relativa ou rumo à independência. 
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Aqui, o bebê desenvolve meios para poder prescindir do cuidado maternal. 
Isto é conseguido mediante a acumulação de memórias de maternagem, da projecção de necessidades pessoais e da introjeção dos detalhes do cuidado maternal, com o desenvolvimento da confiança no ambiente.
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É importante ressaltar que, segundo Winnicott, a independência nunca é absoluta. O indivíduo sadio não se torna isolado, mas se relaciona com o ambiente de tal modo que pode se dizer que ambos se tornam interdependentes.
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O brincar
Para Freud, ao brincar, a criança tem prazer na aparente onipotência que adquire ao manipular os objetos cotidianos associando-os a símbolos imaginários como no jogo fort-da que evocava a presença da mãe na análise infantil que realizou. 
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Não há dúvidas, porém que foi Melanie Klein quem efetivamente trouxe a brincadeira para o trabalho psicanalítico com crianças. Klein reconhecera uma similitude entre (1) a atividade lúdica infantil e o sonho do adulto, e (2) as verbalizações da criança ao brincar e a associação livre clássica.
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Discípulo de Klein, Winnicott redimensiona a brincadeira, situando o brincar do analista e o valor que essa atividade
possui em si, instituída como uma atividade infantil, e que também faz parte do mundo adulto
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Para ele os analistas infantis por se ocuparem tanto dos possíveis significados do brincar não possuíam um claro enunciado descritivo sobre o brincar. 
Para ele “Brincar é algo além de imaginar e desejar, brincar é o fazer.
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Donald Winnicott mudou a noção de sessão analítica quando aproximou a sessão de psicanálise à noção do brincar. 
Para ele, a sessão se dá mediante a sobreposição de duas áreas do brincar — a do paciente e a do analista.
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Se o paciente não pode brincar, o trabalho do analista é ajudá-lo a sair desta impossibilidade para a situação do que brinca. Se o analista ele mesmo não pode brincar, neste caso simplesmente não serve para o ofício (WINNICOTT, 1975, p.59). 
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Não podemos encarar o brincar de Winnicott de modo ingênuo; precisamos tirar da noção o que lá está colocado pelo médico inglês. 
O que pretende Winnicott é ampliar o leque de recursos do analista, e não diminui-lo mediante uma caricatura.
 Entender o que pensa Winnicott sobre o brincar e a sessão analítica, evocar o enquadre da psicopatologia fundamental, refletir 
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Há uma raiz funda na história da psicanálise que relaciona a brincadeira infantil com a sublimação. A brincadeira se sustenta a partir de uma fantasia que se oculta dentro de si; é tarefa do analista de crianças interpretar esta fantasia. Tal visão talvez tenha tornado a brincadeira em si uma coisa sem importância para a psicanálise
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O que propõe Winnicott é algo diferente, ele olha para o brincar em si como um objeto de estudo. Melaine Klein vê a brincadeira como uma forma de comunicação extremamente importante para a sessão com crianças. Winnicott se volta para o brincar, o verbo — não para a brincadeira, um substantivo — como uma coisa a ser olhada em sua potencialidade própria. O brincar como o concebe Winnicott não se limita às crianças apenas, mas se estende aos adultos também.
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O brincar de Winnicott em crianças e adultos só pode ser plenamente entendido com a concorrência de sua noção de transicionalidade. Simplificando um pouco, podemos dizer que Freud estabelecera dois campos da experiência dos indivíduos. Por um lado, ele falava na realidade psíquica, desde A interpretação dos sonhos, em que se referia à experiência psíquica, pessoal e interna de cada um. 
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Também falava da realidade externa e compartilhada socialmente, da qual a realidade psíquica se distingue ou até se opõe. Winnicott propõe um campo intermediário, que faz a transição entre os pólos freudianos.
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Os objetos ditos transicionais são aqueles que não pertencem ao corpo do bebê (não são, por exemplo, o polegar que é chupado) nem são plenamente reconhecidos como a realidade externa compartilhada no social. 
A transicionalidade está no encontro entre o mundo psíquico e o mundo socialmente construído. Este campo intermediário constituído tanto pela realidade interna quanto pela realidade externa é fundamental para entender o brincar de Winnicott.
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Esta área intermediária tem a ver com a crescente capacidade do bebê de perceber e aceitar a realidade socialmente construída. Trata-se de uma transição que começa com a ilusão do bebê, que se percebe como potente e criador do mundo que o circunscreve, passa pela desilusão quanto à sua onipotência e chega a uma certa aceitação da realidade construída pelo social. 
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Na vida adulta esta área intermediária está expressa nas artes, religião e cultura em geral; é o campo também da loucura, quando alguém exige demais da credulidade dos demais. Em crianças e adultos a experiência ilusória não desaparece por completo.
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O brincar não está no espaço repudiado pelo bebê que constitui o não-eu, nem está inteiramente dentro de sua subjetividade e corpo. Este espaço de brincar Winnicott chamou de espaço potencial e é de início pensado como um espaço que se forma entre a mãe e o bebê.
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O modo como Winnicott concebe o brincar tem a ver com vários tempos. No primeiro tempo, o bebê e o objeto estão fundidos. A visão que o bebê tem do objeto é subjetiva. A mãe suficientemente boa se orienta para concretizar aquilo que o bebê está pronto a encontrar
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A isto Winnicott chama de criatividade primária,2 que só é possível mediante uma ação digamos apaixonada da mãe na direção de seu bebê — uma ação que só aos poucos vai se desfazendo. No segundo tempo, o objeto é repudiado como não-eu, aceito de novo e objetivamente percebido. Neste tempo, a mãe devolve ao bebê o objeto que ele repudiou.
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A mãe oscila entre ser o que o bebê tem capacidade de encontrar e ser ela própria, aguardando ser encontrada. Se a mãe tem razoável sucesso no exercício destes papéis, então o bebê tem a experiência mágica da onipotência, o que o prepara para a futura desilusão necessária. 
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Quando a mãe tem uma relação de sintonia inicial com o bebê, estabelece-se um ambiente de confiança e o bebê brinca com a realidade. Trata-se de uma brincadeira muito prazerosa porque neste jogo delicado da subjetividade emergente e dos objetos reais há uma sensação de controle.
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Um estádio mais avançado fala da experiência de ficar sozinho na presença de alguém. A criança brinca confiante de que a pessoa a quem ama está lá, disponível, sustentando o brincar. A mãe é esquecida, mas quando lembrada, o é como alguém que merece confiança e pode ser facilmente acessada
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Assim, a criança vai ficando pronta para a experiência de desfrutar de uma área de superposição de duas áreas do brincar. Não só o bebê brinca e é observado; a mãe brinca com o bebê também, no começo age de modo a não romper o dinamismo da brincadeira infantil. Depois, a mãe pode introduzir plenamente o seu brincar; a criança, por sua vez, pode experimentar relacionar-se com idéias que não lhe são próprias.
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O BRINCAR E A SESSÃO ANALÍTICA
Esta noção de espaço potencial Winnicott aplica à sessão de análise. O brincar é universal, saudável e de todo desejável, inclusive na sessão de análise. O brincar facilita a comunicação consigo e com os outros, propiciando experiências inéditas de desintegração e integração do paciente. 
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A sessão de psicanálise pode ser pensada como uma manifestação sofisticada e contemporânea da experiência de brincar. A sessão se funda em um espaço e temporalidade próprios que têm semelhanças com o espaço e a temporalidade das relações iniciais mãe-bebê.
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A sutileza das relações mãe-bebê deve ser considerada como referência para a sessão analítica. Não se trata de uma visão romântica porque o brincar pode tornar-se assustador. A organização da brincadeira infantil deve ser vista como uma tentativa de prevenir a emergência deste aspecto assustador no brincar. 
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Com freqüência as crianças precisam de alguém que observe o brincar para que o aspecto aterrador não destrua a dimensão criadora da brincadeira. Na sessão também.
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Esta deve poder sustentar uma experiência criativa do paciente, uma experiência que se desenvolve dentro de certa continuidade do espaço-tempo e que funda uma nova forma de viver como brincar. Como o brincar é uma sutileza — um espaço que fica entre o subjetivo e o objetivo —, sua precariedade deve ser considerada.
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O analista compreenderá que seu trabalho tem a ver com a sustentação deste brincar do paciente, que se dá em um espaço e tempo construído transferencialmente.
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Neste ponto, Winnicott coloca em questão uma interpretação fora do tempo. O setting — visto como um instrumento fundamental do processo analítico — sustenta o brincar que pode levar o paciente à experiência de surpreender-se durante a sessão. 
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Uma interpretação fora de hora pode ser vivida como mera inculcação que gera a submissão do paciente.3 Muita resistência a uma interpretação extemporânea poderia ser evitada se se considerasse a sessão como uma experiência de superposição do brincar comum analista-paciente.
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O verdadeiro brincar infantil — que não é faking4 ou um brincar fingido, artificial e desimplicado — aparece com preocupação
e compromisso com os elementos da brincadeira. Há uma adesão à brincadeira e uma resistência a sair dela, ainda que a criança não confunda o brincar e o seu poder imaginativo com a realidade socialmente aceita. 
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Na sessão ocorre o mesmo: se não houver uma adesão do paciente e do analista àquele espaço e tempo fora do espaço e tempo comuns, então não há brincadeira. Ambos têm de entrar neste espaço potencial, diferente do espaço-tempo do senso comum. 
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Ambos têm de entrar neste espaço imagético, portador de poder de transformação e brincar. O desafio é brincar com a realidade subjetiva de ambos (paciente e analista) que se presentifica ali mesmo na sessão, de um modo tão concreto que se pode quase tocar
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Neste espaço potencial, o interno se torna externo e o tempo antigo e a expectativa do futuro se tornam presentes. 
Não há mais uma distinção clara entre o que está fora e o que está dentro. 
Trata-se de um espaço-tempo teatral, onde se vive, cria-se, sofre-se e alegra-se a dupla paciente-analista, numa dramatização que só tem valor se for investida de afeto e sustentada como se esta brincadeira fosse tão real quanto a realidade socialmente construída.
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. A sessão — sem que haja alucinação — vira um espaço de passagem entre o mundo interno e o mundo externo, com duplo sentido, com potencial de criar ou recriar a transicionalidade infantil. 
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Este brincar na sessão certamente envolve o corpo. A excitação está presente. Quando a excitação chega, contudo, a determinado nível, pode afetar a brincadeira e até a integridade do eu do paciente. A sedução do analista, por exemplo, pode ter este efeito desastroso, impedindo o verdadeiro brincar. 
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A excitação deve ser mantida abaixo do ponto em que ela demanda uma gratificação física. Se a excitação sobe e não é gratificada fisicamente, ocorre a frustração, com toda sorte de desorientação que a acompanha. Há a possibilidade, também, de se buscar uma gratificação deslocada, com reações de violência e agressividade. 
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Neste ponto não se pode mais sustentar a sessão, e o brincar atinge seu ponto de saturação. Mas enquanto o brincar ocorre, aparece um elemento legitimamente prazeroso. O brincar é, resumindo, excitante e precário ao mesmo tempo. 
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A excitação e a angústia devem ser mantidas em níveis tais que não destruam pela sua intensidade a possibilidade sempre precária de brincar — uma possibilidade delicada de jogar com os universos todos da experiência do indivíduo.
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A noção de espaço que Winnicott introduz está imersa em um paradoxo do ponto de vista de uma lógica clássica. Enquanto a realidade psíquica proposta por Freud tem uma localização dentro do corpo, é intrapsíquica, e a realidade externa está localizada nas tramas sociais intersubjetivas, 
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Winnicott quer falar de um espaço que ficaentre, um espaço que não pode ser localizado pela lógica do terceiro excluído, segundo a qual ou seria intrapsíquico ou intersubjetivo. O espaço winnicottiano é os dois, esta lá e cá. Winnicott diz claramente que não pretende questionar a noção de espaço interno e espaço externo de Freud. 
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A idéia de Winnicott complementa esta noção, acrescentando este espaço especial que fica fora e dentro ao mesmo tempo, espaço construído pelo bebê e a mãe e recriado na relação analítica.
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