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Centro de Convivência e Cultura

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
FACULDADE DE FILOSOFIA, CIÊNCIAS E LETRAS DE RIBEIRÃO PRETO
DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA
DISCIPLINA DE PSICOPATOLOGIA GERAL I
Reflexões a respeito dos Centros de Convivência e Cultura: a (con)vivência e os encontros no serviço
Profª Drª Clarissa Mendonça Corradi-Webster
Felipe O. S. Moreno (9290202)
Jessica Merighe Godoi
Larissa Chaves
Ribeirão Preto
2018
“Quando um corpo encontra outro corpo, uma ideia outra ideia, tanto acontece que as duas relações se compõem para formar um todo mais potente, e ao contrário, quando um decompõe o outro, destrói a coesão das suas partes. Eis o que é prodigioso tanto no corpo quanto no espírito: esses conjuntos de partes vivas que se compõe e decompõem segundo leis complexas.”
(Deleuze, 2002)
Para realizar a articulação proposta pela disciplina, o grupo em questão escolheu o componente da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) denominado de Centro de Convivência e Cultura (CECO) ou Centro de Convivência e Cooperativa (CECCO). Para obter maiores informações a respeito do serviço, os integrantes dedicaram-se à extensa pesquisa a respeito dos CECCOs, investigando a literatura existente sobre o serviço, além da realização de uma entrevista com uma psicóloga residente que encontra-se atuando no CECCO de Campinas (SP).
A profissional entrevistada foi Luiza Milano Navarro, psicóloga formada em 2015 pela Universidade Estadual de São Paulo (UNESP), campus de Assis. Atualmente, Luiza faz Residência Multiprofissional em Saúde Mental pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), em Campinas. Graças ao programa, atuou durante o período de um ano no Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) da cidade. Agora, em seu segundo ano, está podendo atuar no Centro de Convivência Rosa dos Ventos, estando no serviço desde fevereiro de 2018, cumprindo uma carga horária de 60 horas semanais.
A fim de entender a proposta dos CECCOs, é necessário fazer uma breve reflexão sobre o surgimento da RAPS e as bases de suas diretrizes. Para isto, é importante destacar a lei 10.216/2001 que define a Política Nacional de Saúde Mental para o SUS, que postula transformações no modelo de atenção que já vinham sendo discutidas desde a Reforma Psiquiátrica. A se destacar da lei, os artigos 2º e 4º impulsionam a questão do cuidado integral aos usuários:
	Art. 2º Nos atendimentos em saúde mental, de qualquer natureza, a pessoa e seus familiares ou responsáveis serão formalmente cientificados dos direitos enumerados no parágrafo único deste artigo.
Parágrafo único. São direitos da pessoa portadora de transtorno mental:
I - ter acesso ao melhor tratamento do sistema de saúde, consentâneo às suas necessidades;
II - ser tratada com humanidade e respeito e no interesse exclusivo de beneficiar sua saúde, visando alcançar sua recuperação pela inserção na família, no trabalho e na comunidade;
III - ser protegida contra qualquer forma de abuso e exploração;
IV - ter garantia de sigilo nas informações prestadas;
V - ter direito à presença médica, em qualquer tempo, para esclarecer a necessidade ou não de sua hospitalização involuntária;
VI - ter livre acesso aos meios de comunicação disponíveis;
VII - receber o maior número de informações a respeito de sua doença e de seu tratamento;
VIII - ser tratada em ambiente terapêutico pelos meios menos invasivos possíveis;
IX - ser tratada, preferencialmente, em serviços comunitários de saúde mental.
(...)
Art. 4º A internação, em qualquer de suas modalidades, só será indicada quando os recursos extra-hospitalares se mostrarem insuficientes.
§ 1º O tratamento visará, como finalidade permanente, a reinserção social do paciente em seu meio.
§ 2º O tratamento em regime de internação será estruturado de forma a oferecer assistência integral à pessoa portadora de transtornos mentais, incluindo serviços médicos, de assistência social, psicológicos, ocupacionais, de lazer, e outros.
§ 3º É vedada a internação de pacientes portadores de transtornos mentais em instituições com características asilares, ou seja, aquelas desprovidas dos recursos mencionados no § 2º e que não assegurem aos pacientes os direitos enumerados no parágrafo único do art. 2º.
(Lei nº 10.216, 2001)
Essa lei abriu as portas para que fosse pensado um novo modelo de rede em relação à atenção psicossocial, com modelos substitutivos e alternativos aos hospitais psiquiátricos, aproximando os serviços de atenção à saúde mental e a comunidade (Alvarez e Silva, 2015). Mais tarde, é fundamentada a Portaria 396 de 7 de junho de 2005, que dispõe a respeito da regulamentação dos Centros de Convivência e Cultura. Em atenção aos direitos da pessoa com transtorno mental, considerando ainda a III Conferência de Saúde Mental, ocorrida em Brasília de 11 a 15 de dezembro de 2001, e o documento elaborado a partir das discussões ocorridas no evento “Centros de Convivência e Cultura: Diálogos entre experiências de municípios”, realizado pela prefeitura de Belo Horizonte e pelo Ministério da Saúde em 25 de fevereiro de 2005, resolveu-se por essa portaria:
Art.1º - Aprovar as seguintes diretrizes gerais para o Programa de Centros de Convivência e Cultura na rede de atenção em saúde mental do SUS:
 I - Os Centros de Convivência e Cultura são dispositivos públicos componentes da rede de atenção substitutiva em saúde mental, onde são oferecidos às pessoas com transtornos mentais espaços de sociabilidade, produção e intervenção na cidade; 
II - Os Centros de Convivência e Cultura, através da construção de espaços de convívio e sustentação das diferenças na comunidade e em variados espaços da cidade, facilitam a construção de laços sociais e inclusão da pessoa com transtornos mentais;
 III - A clientela dos Centros de Convivência e Cultura é composta, sobretudo, de pessoas com transtornos mentais severos e persistentes. As oficinas e atividades coletivas são o eixo dos Centros de Convivência e Cultura, facilitando o convívio, a troca e a construção de laços sociais;
 IV - A exposição, troca ou venda dos produtos produzidos nas oficinas é eventual e poderá ser estimulada, ocupando espaços comerciais ou culturais relevantes na comunidade e na cidade; 
V - As equipes dos Centros de Convivência e Cultura são integradas por oficineiros, artistas plásticos, músicos, atores, artesãos, auxiliares administrativos e de limpeza. A gerência do serviço poderá estar a cargo de profissional de nível superior do campo da saúde. A equipe mínima do Centro de Convivência e Cultura deverá estar assim constituída: 1 gerente e 3 oficineiros (nível médio e superior); 
VI - A implementação de um Centro de Convivência e Cultura deve ocorrer apenas em municípios que já tenham construído resposta pública efetiva para os transtornos mentais severos e persistentes. A rede SUS substitutiva destes municípios deve contar com cobertura adequada, especialmente de CAPS. Os Centros de Convivência e Cultura não poderão dispensar medicação ou prestar atendimento individual ou em grupo (psiquiátrico ou psicoterápico). Os Centros de Convivência não são equipamentos assistenciais, mas espaços de articulação com a vida quotidiana; 
VII - A articulação dos Centros de Convivência e Cultura com os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), Centros de Saúde, Serviços Residenciais Terapêuticos, Programa de Saúde da Família e outros dispositivos de saúde, da rede de assistência social, e de outros campos como os do trabalho, cultura e educação, é fundamental para a reinserção social dos usuários e para o fortalecimento dos laços comunitários; 
VIII - Pessoas com transtornos mentais decorrentes do uso de álcool e outras drogas, em tratamento na rede substitutiva, também poderão ser acolhidas pelos Centros de Convivência e Cultura. Esta questão, por suas peculiaridades, será objeto de formulação específica; 
IX - Os Centros de Convivência e Cultura devem ser estimulados a realizar parceriascom associações, órgãos públicos, fundações, ONG, empresas ou outras entidades, para captação de recursos financeiros ou equipamentos, realização de oficinas, troca de informações ou saberes, entre outras ações;
 X - Os Centros de Convivência e Cultura são equipamentos estratégicos para a inclusão social das pessoas com transtornos mentais, sendo recomendados para os municípios com mais de 200.000 habitantes. 
(Portaria nº 396, 2005)
Mais tarde, surge a Portaria nº 3.088 de 23 de dezembro de 2011, republicada em maio de 2013, que institui oficialmente a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) para pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Entre seus componentes, aparece no artigo 5º:
	Art. 5º A Rede de Atenção Psicossocial é constituída pelos seguintes componentes:
(...)
	VI - estratégias de desinstitucionalização, formada pelo seguinte ponto de atenção:
a) Serviços Residenciais Terapêuticos; e
VII - reabilitação psicossocial.
(Portaria nº 3.088, 2011/2013)
Uma das dificuldades que os CECCOs encontram para se firmar é a de que, com a Portaria nº 2.442 de 9 de dezembro de 2005, a Portaria nº 396 de 7 de junho de 2005, que regulamentarizava os Centros, foi revogada. Assim, ainda há uma dificuldade não de entender a proposta dos CECCOs mas das questões burocráticas, como o financiamento público desse serviço, que até hoje está em discussão.
Diante da regulamentação, mesmo que suspensa, é possível observar que os CECCOs tem uma proposta de oferecer às pessoas com transtornos mentais um espaço onde haja socialização, produção e intervenção na cidade, contando com diversas atividades culturais (Alvarez e Silva, 2015). Esse serviço visa garantir a integração dos usuários à sociedade, garantindo seus direitos sociais e civis, articulando-se com outras ferramentas da RAPS para que haja uma atenção integral à saúde dos beneficiados. Na fala de Luiza, é possível observar a questão da inserção social através das atividades culturais.
“A proposta do CECCO é de um espaço que facilite o convívio dessas pessoas que vivem na comunidade via inserção das pessoas no contexto social, seja através das atividades, através de sair, como os passeios, que a gente organiza muitos. Vamos ao SESC, aos parques da cidade... O grupo de dança do ventre foi pra São Paulo, os usuários já foram com a equipe do CECCO para a praia.”
	As atividades desenvolvidas pelo CECCO propiciam ao usuário uma maior interação com a comunidade, com diferentes grupos sociais através de atividades de lazer, artísticas e culturais, tais como música, artesanato, dança, teatro e esporte (Cambuy e Amatuzzi, 2012). Em relação ao CECCO Rosa dos Ventos, a residente destaca as atividades desenvolvidas e detalha o funcionamento do serviço.
“O CECCO é um serviço que funciona com diversas ofertas de oficinas/atividades, então ele tem uma programação, funciona de segunda à sexta feira, das 8h às 17h. Existem grupos de atividades corporais, atividades físicas e atividades artísticas e de expressão. Capoeira, yoga, crochê, patchcolagem, projeto de música itinerante com outros serviços de saúde da Rede de Campinas, dança do ventre, culinária, ateliê de artes, oficina de horta, mosaico, grupo de escrita... enfim, diversas atividades.”
Ao contrário de outros serviços oferecidos pela RAPS, a psicóloga Luiza mostra que o CECCO é um serviço no esquema de “portas abertas”, em que não é necessário que haja um encaminhamento prévio dos usuários, apesar de poder haver uma indicação do CECCO por outros serviços da Rede quando os profissionais julgam que um indivíduo possa se beneficiar das atividades realizadas nos Centros.
“O CECCO é um serviço portas-abertas, não existe um… você entra, se você quer participar, participa, tem uma breve ficha de acolhimento. Há pessoas encaminhadas dos mais diversos serviços - CAPS, Centros de Saúde, da enfermaria, internação psiquiátrica da unicamp, consultório na rua… enfim... a assistência social também encaminha. Mas é assim, um serviço portas-abertas, então, quem chegar já está dentro.”
	De acordo com Nicácio e Campos (2005), o serviço de “portas abertas” se constrói como referência no território, sendo aberto e transitável, possibilitando o livre acesso das pessoas, colocando os usuários em seu local como sujeitos de direito. 
Em relação à rotina dos usuários, observa-se a questão da fluidez pela própria característica do serviço de ser um meio de inserir os usuários nos mais diversos contextos da cidade. Não há obrigatoriedade de participação em nenhuma atividade ou um período específico do dia ou semana que o usuário deve passar no CECCO. Todas essas questões são determinadas pelo próprio indivíduo que frequenta o Centro, destacando-se, assim, a autonomia que é desenvolvida neste serviço, uma função exercida por ele (Alvarez e Silva, 2015).
“Varia muito. Tem aqueles usuários… tem acho que um ou dois que estão lá todos os dias, não necessariamente participam de todas as atividades mas, vão diariamente, ficam no espaço de convivência. Alguns participam de algumas oficinas, vão alguns dias da semana para oficinas específicas, tem alguns que passam o dia inteiro e aí é um dia específico. A yoga é um grupo muito grande, então acontece numa quadra, num bairro que é próximo ao CECCO.”
	Ao que concerne a composição da equipe do CECCO, Luiza conta sobre os profissionais que trabalham no CECCO Rosa dos Ventos. 
“Tem a gestora, que é uma T. O., psicóloga, terapeuta ocupacional, residente da unicamp, que não é necessariamente da Psicologia, pode ser de qualquer um dos núcleos, monitora, ensino médio, auxiliar administrativa e auxiliar de limpeza.”
	Assim, observa-se que o CECCO segue as diretrizes propostas pelo Ministério da Saúde ao que diz sobre a formação de uma equipe desses Centros, destacado pelo inciso V. do artigo 1º da Portaria nº 396 de 07 de julho de 2005 (PT SAS 396/05), que postula uma equipe mínima de 1 gerente e 3 oficineiros de nível médio e superior. 
Quanto ao trabalho do psicólogo junto aos usuários do serviço, a psicóloga residente do CECCO Rosa dos Ventos faz uma reflexão que vai ao encontro do cerne da proposta dos CECCOs, que vem para ser como espaços de circulação, inclusão, socialização e promoção de encontros entre os usuários da saúde mental e a população em geral (Aleixo, 2016).
“Isso aí é uma coisa de que quando eu comecei a trabalhar no CECCO eu tive que repensar sobre a psicologia e as práticas do psicólogo. O CECCO não é um espaço de praticar a psicologia como estamos acostumados ver e praticar e aprender a reproduzir. Lá não há atendimento individual, por exemplo. Os grupos do CECCO, por exemplo, não são terapêuticos. É um lugar de cuidado, mas não é um lugar de tratamento, entende?”
	A fala de Luiza traz a questão do cuidado versus tratamento, que pode ser entendida como uma fuga do modelo asilar, ilustrado durante muito tempo pelos chamados manicômios ou hospitais psiquiátricos. Novamente, é percebida a sensibilidade da proposta dos CECCOs de se colocarem como uma alternativa de tratamento, focada na assistência no território, no meio social e cultural. Como destacado por Aleixo (2016), esse modelo busca o cuidado em saúde e não apenas uma busca pela ausência da doença.
	Ainda sobre a atuação do psicólogo nos CECCOs, a entrevistada compartilha outra concepção que têm a respeito da função deste profissional no serviço, que vai ao encontro do conceito de clínica ampliada, que considera que não há problemas de saúde ou doenças sem que elas estejam ligadas a um sujeito, devendo-se, então, pensar no indivíduo quando se pensa no cuidado, formando assim a clínica do sujeito (Campos e Amaral, 2007). 
“Atua mais como mediador, trabalha mais pensando no campo da saúde mental, pensar mais nas atividades, nas oficinas. A escuta é a maior ferramenta que o psicólogo tem, entra como agente fundamental no trabalho, mas ela acontece de uma maneira bemdiluída, às vezes dentro do contexto de uma atividade, às vezes na convivência tomando um café… Alguém que está ali para garantir que a atividade aconteça, alguém para pensar com o grupo o processo da atividade…”
	A posição do psicólogo como um facilitador, alguém que possibilita que haja uma integração dos indivíduos com as atividades propostas para que eles as tomem para si e se sintam pertencentes e capazes de realizá-las é condizente com a ideia da busca da autonomia e inserção desses sujeitos na sociedade, situações que são preconizadas pelos ideais dos CECCOs (Alvarez e Silva, 2015).
	As dificuldades e limitações encontradas pela profissional entrevistada ao que diz respeito da sua atuação no CECCO dividiram-se em questões práticas a respeito de verba para a realização do trabalho e questionamentos a respeito da melhor forma de atuar no serviço como uma profissional da Psicologia. Como primeira dificuldade encontrada, Luiza discorre sobre a questão do financiamento do serviço, que ainda está sendo debatido pelo Ministério da Saúde.
	“A maior dificuldade não tem muito a ver como ser psicólogo no CECCO, acho que tem a ver com o investimento nesse serviço. O CECCO vai depender da gestão municipal, tem pouco investimento. É uma equipe muito reduzida, se tivessem mais funcionários contratados, teria uma possibilidade muito maior de atuação.”
	Essa indecisão a respeito da regulamentação ministerial é uma situação que põe frágil o serviço, colocando-o marginal aos investimentos direcionado às políticas públicas. Embora haja um reconhecimento de sua existência e expressão nas práticas de cuidado, ainda não pode-se contar com o compromisso de torná-lo um serviço regulamentado com investimentos próprios, fator que fortaleceria as frentes alternativas ao modo asilar (Aleixo, 2016). 
	A segunda dificuldade permeia a própria atuação da psicóloga e sua reinvenção a cada encontro que tem no CECCO. Com as novas propostas de modelo de cuidado da saúde mental, o psicólogo deve se retirar da posição que por muito tempo ocupou e se recolocar de maneiras que possam beneficiar os usuários do serviço.
“É um espaço de se rever o tempo todo enquanto profissional, porque é uma proposta muito diferente do que tudo que eu estava acostumada a fazer como psicóloga. Com o tempo eu fui entendendo que é você estar atento, você estar disponível, você fazer a atividade junto e a partir disso a demanda vai aparecer. O nosso trabalho é possibilitar que aqueles que poderiam ter alguma dificuldade para realizar a atividade possam estar ali, entende? Isso coloca muitos desafios e como fica fora do lugar comum, sentar e escutar queixas para mim é um desafio muito grande.”
	Para desenvolver um bom trabalho nesse serviço, é necessário pensar além do diagnóstico, da psicopatologia do usuário. É enxergá-lo não só como alguém que possui um transtorno mental, mas como um indivíduo multifacetado que suscita diversas demandas para além de seu diagnóstico psiquiátrico.
	Ao se discutir a questão da psicopatologia, Luiza deixa clara a posição que o serviço toma de não rotular o usuário a partir de uma classificação feita com manuais diagnósticos como o Código Internacional de Doenças (CID-10) ou o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-V). O intuito é pensar o usuário como parte de uma comunidade e trabalhar para encontrar meios de inserção do mesmo nesta. Apesar de não negligenciar a questão quando esta é trazida pelos próprios indivíduos, destaca a não utilização de diagnósticos ou pré-suposições acerca das psicopatologias que acometem os usuários.
“O CECCO não é um lugar de pensar tratamento, não é lugar de pensar doença, não é lugar de pensar diagnóstico. Nós não temos prontuário. Mas já aconteceu uma vez de um usuário que frequentou o CAPS e o CECCO, ele teve um momento de crise dentro do CECCO, então houve um acolhimento, mas o CECCO não é um lugar que vai pensar, por exemplo… dificilmente você vai ter uma conversa sobre medicação ali dentro. Se tem um momento de crise, a gente acolhe ali e como a gente tem contato com o CAPS a gente diz ‘ah, fulano tava meio mal, aconteceu tal coisa’, aí a gente conversa com o CAPS. No CECCO não é um lugar que se pensa a psicopatologia. É um lugar em que tem a pessoa sendo só mais uma ali dentro, mas no melhor dos sentidos. Que se possa partilhar o comum. 
Se isso surgir como demanda de discussão partindo do usuário, isso será discutido. Mas o serviço não se organiza a partir disso de maneira alguma.”
	Quando questionada se era possível informar os transtornos mentais mais comuns do CECCO, a psicóloga esclarece que não há dados para tal informação e que não há prontuários como em outros serviços da Rede, uma vez que o Centro não pensa a partir do diagnóstico e que existem pessoas que não possuem diagnóstico algum e frequentam as oficinas, situação possibilitadora da inserção social do indivíduo com transtornos mentais.
	A respeito do Projeto Terapêutico Singular (PTS), sendo este uma estratégia de cuidado organizada por meio de ações articuladas desenvolvidas por uma equipe multidisciplinar e definida a partir da singularidade do indivíduo, considerando suas necessidades e o contexto social em que está inserido (Boccardo, Zane, Rodrigues & Mângia, 2011), Luiza retoma a questão da ausência de prontuário e conta melhor como o CECCO se posiciona a respeito do PTS. 
“O CECCO entra como parte do PTS das pessoas. É um serviço que tem a flexibilidade como, por exemplo, existem pessoas que acessam o CECCO mais do que qualquer outro serviço, às vezes não vai no posto de saúde mas vai no CECCO. Os registros que são feitos são os registros dos grupos, a gente tem pastas de todos os grupos em que são relatadas o que aconteceu no grupo. Existe uma pasta de acontecimentos do cotidiano, que contém as discussões de caso, atendimento com familiar… mas é raro.”
	Com essa explicação, é entendido que o papel do CECCO é olhar para o potencial do indivíduo e não para seu problema ou dificuldade. Em contraponto ao serviço oferecido pelos postos de saúde, como citado pela entrevistada, que se pautam no cuidado voltado para um modelo ainda muito médico, o trabalho no Centro parte muito mais das iniciativas dos usuários e do que constroem em conjunto. Isso ressalta o caráter singular e autônomo da participação do usuário em seu processo de cuidado em contato com esse serviço.
Um pouco mais a respeito do Centro de Convivência Rosa dos Ventos
“Inaugurado em 2005, o Ceco Rosa dos Ventos nasceu do CAPS III da região sul de Campinas em parceria com a Fumec (Fundação Municipal de Ensino Comunitário). Parte da equipe do Caps idealizou um espaço para além do serviço, de circulação e socialização dos usuários com a comunidade local. Iniciaram-se, então, as negociações para o aluguel de uma casa próxima ao CAPS.
Com a forte parceria da educação, inicialmente, o espaço foi nomeado Casa-escola Rosa dos Ventos. As ações começaram com as salas de aula para alfabetização de adultos e algumas oficinas de artesanato oferecidas por trabalhadores do CAPS. Como não havia uma equipe própria destinada ao serviço, estruturaram-se horas de trabalho de alguns funcionários do CAPS para desenvolver as atividades propostas. A coordenação era compartilhada por uma gestora que coordenava outros dois Cecos, totalizando, com a Rosa dos Ventos, três Cecos sob a mesma gestão, dois na região leste e um na região sul de Campinas.
O Fórum de Cecos de Campinas, como já apresentado, passou a fortalecer a política dos Cecos, estruturando propostas de gestão e equipes próprias. O debate foi ampliado em torno deste tema nos fóruns de saúde mental com trabalhadores e gestores. Nesse momento, a Casa-escola Rosa dos Ventos passou a ser Centro de Convivência Rosa dos Ventos, pois suas ações aproximavam-se das propostas dos Cecos.
Ao longo de quatro anos, alguns profissionais remanejados de outros serviços passaram a compor a equipe do Ceco Rosa dos Ventos e, em 2009, constituiu-se umagestão única para o serviço. Novas negociações se instauraram com a ampliação da carga horária de alguns profissionais. Em 2012, a sede do serviço mudou, adequando o espaço e a localização; em 2013, houve nova ampliação da equipe, com a vinda de mais um técnico de nível superior.
Atualmente, a equipe é composta por duas técnicas de nível superior (uma psicóloga e uma terapeuta ocupacional), uma monitora, uma assistente administrativa, uma auxiliar de higiene e uma gestora. Há também duas psicólogas, remanejadas da atenção básica, aguardando o processo de demissão da instituição.
Pelo segundo ano consecutivo, o Ceco também é campo da residência multiprofissional, contando com mais uma terapeuta ocupacional, além de campo de estágios e visitas técnicas das graduações de Psicologia e Terapia Ocupacional.
Hoje, entre as atividades propostas, há aquelas que acontecem na sede do Ceco, coordenadas pela equipe, grupos em parceria com outros serviços da rede que também ocorrem espaço do Ceco e grupos itinerantes, que acontecem fora da sede.
Essas atividades incluem diversos grupos de artesanato (Pintura em vidros, madeiras, patchcolagem, geração de renda, crochê, etc.), dança, Yoga, culinária e contação de estórias; há, também, atividades desenvolvidas em parceria com outros serviços da rede, como o ateliê de artes (em parceria com o CAPS III), a música (em parceria com os Serviços residenciais terapêuticos), o papel machê (em parceria com a Fumec e grupo de geração de renda de luminárias em parceria com o CAPS ad) e as atividades itinerantes que acontecem fora da sede, em oficinas em que a equipe do Ceco vai até os serviços parceiros, como a Yoga, o artesanato e a culinária, que ocorrem em Centros de Saúde e num abrigo da assistência social.
Grupos de passeios, eventos com a rede, confraternizações diversas também fazem parte da programação do Ceco. 
Essas atividades abrangem um conjunto de oficinas, grupos, propostas de encontros, propostas de conexões, propostas de possíveis desvios na produção de cuidados, nas produções de desejos de trajetórias singulares que se expressam nos coletivos.
Muitas trajetórias dizem dessas possibilidades, muitas identidades, outros
lugares a serem experimentado a partir dos encontros.
Muitas Marias, Pedros, Paulos, Teresas, Anas…”
Os trechos e imagens foram retirados de Aleixo (2016), que produziu uma belíssima tese de mestrado com as experiências do Centro de Convivência Rosa dos Ventos.
Reflexões do grupo acerca do serviço
De acordo com Deleuze (2002), nossa consciência emerge da reflexão acerca dos encontros que temos, sejam eles bons ou maus. Para o autor, o que nos motiva a agir diferentemente diante dos objetos que encontramos são as afecções que temos a respeito deles. Essas afecções tem um movimento pendular o qual nos faz passar a uma perfeição maior ou menor, pela alegria ou tristeza, conforme o objeto encontrado nos componha, sendo assim um bom encontro, ou tenda a decompor-nos, sendo assim um mau encontro. 	
Tomando tais reflexões do filósofo, podemos entender que o encontro em si é essencial para que haja uma consciência. Os Centros de Convivência e Cultura, em sua proposta mais pura, são nada mais do que serviços que promovem esses encontros e vivências entre os usuários, fazendo com que eles sejam mais conscientes de sua própria existência e de questões que os permeiam. Esse trabalho é feito a partir das atividades culturais promovidas, que incitam de uma maneira diferente do modelo asilar o acontecimento desses encontros.
É aprofundar as reflexões com os usuários além do estigma do transtorno mental e fazê-los encontrarem sua essência, mas a sua essência dotada de forma, que para Aristóteles se firma no que “aquilo que o ser é”. Esse trabalho árduo e poético é encontrado na última fala que Luiza proferiu na entrevista.
“Eu acredito muito nessa proposta. Eu acho que é um lugar que radicaliza a ideia da reforma, né? De colocar a doença entre parênteses e a doença… Para mim é um lugar de experimentação, que as pessoas podem experimentar o que elas podem ser. É o melhor do CECCO, mas ao mesmo tempo é difícil legitimar um modelo assim porque ainda vivemos num modelo medicocentrado que foca em uma doença. É uma proposta de não pensar diagnóstico mas um projeto de vida.” 
Por ser tão complexo em seu cerne e tão simples em sua aparência, houve a reflexão grupal de que os CECCOs tem a dificuldade de se legitimar por serem essa proposta radical, como já dito pela entrevistada, que tem uma casca tão “rudimentar” ao olhar exógeno. Como destacado por Santos, Barros e Santos (2016), projetos culturais são um meio que traz a possibilidade da inclusão social e a promoção da cidadania da pessoa com transtorno mental, sendo uma ferramenta de peso para a questão da reabilitação psicossocial.
Com essas reflexões, o grupo termina este relato com a esperança de que mais pessoas vejam os Centros de Convivência e Cultura como uma alternativa ao modelo asilar, tendo um formato capaz de promover o cuidado de uma maneira menos taxativa e mais livre de estigmas, desaprisionando os usuários dos pré-conceitos que ainda existem na sociedade a respeito de saúde mental.
Por mais Centros de Con(vivências) e Cultura que estimulem encontros!
Referências
Aleixo, J. M. P. (2016) Centro de convivência e atenção psicossocial: invenção e produção de encontros no território da diversidade. Tese de Mestrado, Faculdade de Ciências e Letras de Assis – Universidade Estadual Paulista.
Alvarez, A. P. E. e Silva, J. O. (2015) Centro de Convivência e Cultura: diálogos sobre autonomia e convivência. Estudos Contemporâneos da Subjetividade, 6(1), 5-19. 
Boccardo, A. C. S., Zane, E. F. C., Rodrigues, S. & Mângia, E. F. (2011) O projeto terapêutico singular como estratégia de organização do cuidado nos serviços de saúde mental. Revista de Terapia Ocupacional da Universidade de São Paulo, 22(1), 85-92.
Cambuy, K. & Amatuzzi, M. M. (2012). Experiências comunitárias: repensando a clínica psicológica no SUS. Psicologia & Sociedade, 24(3), 674-683.
Campos, G. W. S. e Amaral, M. A. (2007) A clínica ampliada e compartilhada, a gestão democrática e redes de atenção como referenciais teórico-operacionais para a reforma do hospital. Ciência & Saúde Coletiva, 12(4), 849-859
Deleuze, G. (2012) Espinoza: filosofia prática. São Paulo: Escuta.
Lei nº 10.216 de 6 de abril de 2001. (2001, 6 abril) Dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental. Diário Oficial da União, Brasília-DF.
Nicácio, F. e Campos, G. W. S.(2005) Instituições de “portas abertas”: novas relações usuários-equipes-contextos na atenção em saúde mental de base comunitária/territorial Revista de Terapia Ocupacional da Universidade de São Paulo, 16(1), 40-46. 
Portaria nº 396 (2005, 07 julho) Aprova as diretrizes gerais para o programa de centros de convivência e cultura na rede de atenção em saúde mental do SUS. Diário Oficial da União, Brasília-DF.
Portaria n° 3.088 (2011, 23 dezembro/2013, 21 de maio) Institui a Rede de Atenção Psicossocial para pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Diário Oficial da União, Brasília-DF.
Santos, I. M. M., Barros, S. & Santos, J. C. (2016). Projetos culturais nos centros de atenção psicossocial: um desafio em direção à cidadania. Cadernos Brasileiros de Saúde Mental, 8(20), 118-141.

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