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Keller, F. S. (1970). A Definição da Psicologia - uma introdução aos sistemas psicológicos

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A DEFINIÇÃO DA PSICOLOGIA
FRED S. KELLER
A DEFINIÇÃO DA PSICOLOGIA
Uma introdução aos sistemas psicológicos
Tradução brasileira de 
RODOLPHO AZZI
EDITÔRA HERDER 
SÃO PAULO 
1 9 7 0
Versão brasileira do original inglês: The Dejinilion oj Psycfiologry, publicado peia D. Apple toa- Cen tu r y Company, Inc., New York. 
1965.
© Editôra Herder — São Paalo — 1970 
Impresso na República Federativa do Brasil 
Printed in lhe Federative Republic oj Brazil
Í N D I C E
PREFÁCIO .............................................................. 1
Cap. I — A história do problem a ......................... 3
Cap. 11 — A fundação da psicologia moderna . . . 25
Cap. III — Titchener e o estruturalismo............... 33
Cap. IV — Os Estados Unidos e o funcionalismo 55
Cap. V — Watson e o behaviorismo..................... 73
Cap. VI — A Alemanha e a gestalt . . ................... 105
Cap. VII — O problema da definição ................... 132
REFERÊNCIAS ...................................................... 143
ÍNDICE DE ASSUNTOS E DE AUTORES . . . . 145
>
PREFÁCIO
Êste livro é o resultado parcial de minhas tentati­
vas, durante os últimos seis anos, de prover um curso in­
trodutório que servisse ao mesmo tempo de orientação 
para os que esperam prosseguir neste campo e de ex­
posição para os que desejam dedicar-se a outros. O 
material apresentado aqui foi escolhido com o objetivo 
de conduzir o principiante ao longo de parte da estrada 
percorrida pelos precursores e fundadores em direção 
aos problemas modernos de definição e sistematização 
da ciência. Na minha experiência pessoal de ensino, 
este material tem constituído a primeira parte de um 
curso que é regularmente acompanhado de um tratamen­
to sumário dos quatro campos principais — animal, de­
senvolvimento, diferencial e patológico — para os quais 
um texto se acha agora em preparação. Esta maneira 
de iniciação se prende a minha convicção de que os 
textos comuns para principiantes deixam de fornecer 
uma concepção adequada de aspectos de constituição 
desta província do saber e da amplitude e variedade da 
investigação dentro dela.
Será difícil poder retribuir ao Dr. B. F. Skinner da 
Universidade de Minnesota, ao Professor Clarence W.
1
Young da Universidade de Colgate e à minha espôsa 
Frances, o encorajamento e auxílio que me deram quan­
do da composição destes capítulos. Sem as críticas amis­
tosas que fizeram e sem os comentários editoriais do 
Professor Elliott, muito mais defeitos seriam encontra­
dos no presente retrato do que os agora expostos.
Às seguintes editoras: Harcourt, Brace and Company, 
Henry Holt and Company, J. B. Lippincott Company, 
Liveright Publishing Corporation, Longmans, Green and 
Company, The Macmillan Company, W. W. Norton and 
Company e Charles Scribner’s Sons meus agradecimentos 
por terem permitido citações de passagens de livros que 
publioem.
Hamilton, Nova York, 1937 Fred S. Keller
CAPITULO I
A história do problema
Muito antes que a psicologia viesse a ser tratada 
como uma ciência experimental havia homens interes­
sados nestes assuntos que hoje seriam chamados psico­
lógicos. A influência dêstes homens sôbre as gerações 
posteriores foi bem grande e não é demais que se deva 
abordar a questão de definir a psicologia moderna pela 
menção de suas opiniões e descobertas. Na verdade, é 
só assim fazendo que se pode apreciar as dificuldades em 
definir a psicologia e avaliar o tremendo avanço dos 
últimos anos.
Embora nossa preparação histórica tenha de ser li­
mitada a mera meia dúzia de nomes, na realidade houve 
centenas — talvez milhares — que poderiam ser consi­
derados precursores da psicologia atual. Nenhuma ciên­
cia progride aos trancos e barrancos, como uma excur­
são inicial pela sua história parece indicar. O pro­
gresso é lento, fato que deve ser encorajador para o es­
tudioso que aspire adicionar o seu quinhão às realiza­
ções do passado.
3
Ao tratar aqui de algumas crenças de antigas figu­
ras representativas, não pretendo sugerir que as subscre­
vo, nem as cito como autoridades. Algumas seriam hoje 
consideradas fantásticas — e mesmo tôlas — e a maio­
ria só tem importância histórica. Hm regra, que tives­
sem sido sustentadas serviu apenas para que êste ou 
aquêle problema fôsse trazido para o foco da atenção, 
e não para resolvê-lo a contento de todos.
Quão longe no passado deveremos recuar para en­
contrar os fios históricos? Não é questão fácil de res­
ponder. Poderíamos começar com as opiniões “psicoló­
gicas” do homem primitivo, especialmente com a cren­
ça das “almas-sombras”; mas o embasamento factual 
não seria muito seguro a esta distância. Ou se poderia 
começar em uma época mais “consciente” — com Aris­
tóteles (382-322 a. C.), o verdadeiro pai de toda a psi­
cologia; ou com Claudius Galeno (c. 130-199 d. C.), mé­
dico grego cuja classificação dos temperamentos e loca­
lização da razão no cérebro antecipam muita pesquisa e 
doutrina moderna ou com Tomás de Aquino (1224-1275), 
santo que foi a voz da igreja medieval em muita ques­
tão de psicologia. Nenhum dêles, entretanto, está tão 
direta e imediatamente alinhado com as preocupações 
atuais quanto o filósofo e matemático francês René Des­
cartes (1596-1650) — figura tão sedutora intelectual e 
pessoalmente, como se possa encontrar virando as pá­
ginas de um livro de história.
Nascido na pequena nobreza, estudante de um co­
légio jesuíta, soldado por certo tempo (segundo alguns, 
culpado mesmo de “excessos da juventude”) e, final-
4
mente, erudito de alta categoria e opiniões radicais — 
a história da vida dêste homem poderia facilmente des- 
viar-nos de nossa principal rota de interesses. Devemos, 
por isso, contentar-nos aqui com uma breve exposição 
das razões que sobejamente o autorizam a ser denomi­
nado o pai da psicologia moderna.
René Descartes foi o primeiro grande “dualista” 
dentre os filósofos do mundo. Foi o primeiro a fazer 
uma nítida distinção entre “corpo” e “mente” — distin­
ção que, desde então, tem dado não pouco trabalho aos 
psicólogos, até mesmo hoje. Além disso, foi dos dua­
listas que se costuma chamar “interacionistas” — isto 
é, acreditava que a mente podia afetar o corpo e o corpo, 
a mente.
As opiniões de Descartes eram quase idênticas às 
do “bom senso” da maioria das pessoas que possivel­
mente lerão este relato — prova bastante convincente 
de sua influência sôbre o pensar das gerações que o se­
guiram. A “mente”, para Descartes, era o que “pensa”; 
a principal sede de sua atividade estava na cabeça; e 
não poderia ocupar nenhum espaço físico. O “corpo”, 
de outro lado, era uma “substância extensa” claramente 
objetiva, mecânica na sua ação e obediente a tôdas as 
leis da natureza inanimada. Os animais eram, na ver­
dade, não tendo mente nem alma (êstes dois têrmos eram 
sinônimos para Descartes), considerados nada mais do 
que máquinas.
A hipótese adiantada por Descartespara explicar a 
interação mente e corpo era, se inacurada, pelo menos 
engenhosa e algo de acordo com o que se sabe hoje das
5
funções do sistema nervoso. Como ilustração podemos 
examinar um aspecto de suas especulações — o que 
concerne à maneira pela qual a mente influencia o corpo.
Os nervos sensoriais do corpo eram comparados 
por Descartes às cordas de sino que transmitiam a in­
fluência do mundo externo à caverna central ou ventrí­
culo do cérebro; e os nervos motores eram tidos como 
pequenos tubos pelos quais os “espíritos animais” ou 
vapores do sangue surgidos do coração passavam da ca­
verna do cérebro para os músculos e aí causavam os mo­
vimentos do corpol . Assim a excitação de certo ór­
gão dos sentidos produzirá um puxão na corda de sino, 
que, na sua terminação central é capaz de abrir minús­
culas válvulas nas extremidades dos nervos motores pró­
ximos, permitindo o subseqüente fluxo dos espíritos até 
os músculos apropriados e provocando, finalmente, as 
ações. É uma visão extremamente mecânica do sistema 
nervoso, e, ao mesmo tempo, uma antecipação de outras 
que, sendo muito mais modernas, são muito menos vi­
síveis.
Mas, e a influência da mente? A resposta de Des­
cartes é direta, senão plausível. O argumento é o de 
que sendo a alma (ou mente) unitária, deve influenciar 
o corpo que tem* duas metades simétricas, através de 
uma estrutura única compartilhada pelas duas metades.
1) “Sensoriais” e “motores”, como o leitor deve saber, 
são têrmos aplicados respectivamente aos nervos que conduzem 
impulsos dos órgãos dos sentidos para o cérebro ou para a 
medula e do cérebro ou da medula para os órgãos motores, por 
exemplo, os músculos.
6
A estrutura que escolheu foi o corpo píneal, uma pe­
quena glândula do cérebro projetada, para Descartes, nos 
turbulentos vapores da caverna central. O movimento 
desta estrutura, ao comando da mente, deveria ser ca­
paz, supunha, de modificar o fluxo dos espíritos e in­
terromper a seqüência de atividade de corda de sino — 
tubo; o desejo da alma transladava-se assim em movi­
mento coipóreo e a interação era conseguida.
Descartes fêz outras contribuições, algumas das 
quais serão mencionadas em conexão com outros pro­
blemas e opiniões, mas nenhuma demonstrou ser tão 
teorèticamente exasperadora como as concepções gerais 
de dualismo e interacionismo. Isto se verá mais clara­
mente à medida que examinarmos as concepções dos 
“sistematizadores” modernos da psicologia.
John Locke (1632-1704), o filósofo inglês, tornou­
-se interessado em assuntos psicológicos através de uma 
discussão amistosa sôbre a natureza e a aquisição do 
conhecimento. Nesta ocasião resolveu escrever uma bre­
ve dissertação de suas opiniões sôbre a questão. Vinte 
anos mais tarde publicou o livro que resultou desta ten­
tativa, um Ensaio sôbre a natureza humana — livro 
que pode até hoje ser uma fonte de tranqüilo deleite 
para o leitor desapressado.
No livro encontramos desenvolvido o tema, na oca­
sião bastante radical, de que “tôdas as idéias provém 
da experiência”. Locke comparava a mente, no seu es­
tado virginal, a uma fôlha de papel em branco sôbre a 
qual a experiência escrevia. Dizia: “Imaginemos que a
7
mente seja, como dissemos, um papel branco, vazio de 
qualquer marca, sem nenhuma idéia; como virá a ser 
mobiliado?... A isto respondo em uma só palavra, pe­
la experiência”. Esta concepção não era na verdade, 
historicamente nova. Mesmo Aristóteles já tinha falado 
da mente como uma tabuinha inicialmente cm branco 
(tabula rasa). Mas o desenvolvimento desta concepção 
é do próprio Locke; e veio em um momento muito 
apropriado. Decartes e outros defenderam as idéias “ina­
tas” — idéias particularmente claras e pertencentes à in­
teligência sem o influxo do mundo exterior.
Ao assumir esta posição e elaborá-la, defendendo-a 
a cada página de uma análise cuidadosa e firmando-se 
em sua própria experiência, John Locke inaugurou o 
movimento conhecido na filosofia como o “Empirismo 
Inglês”, que teve tamanha repercussão que mal reconhe­
cemos sua presença no nosso pensar de hoje em dia. 
Sem êle, entretanto, o nascimento da moderna psicologia 
experimental, da qual tão orgulhosos estamos, poderia 
ter sido retardado por muitos anos.
Uma “idéia”, para Locke, era “qualquer coisa na 
qual ao pensar a mente se possa aplicar”. Brancura, du­
reza, doçura, movimento, embriaguês, elefante, exército 
e pensamento — tudo isso foi por êle citado, como idéias 
típicas, e tudo pode ser tido como oriundo de uma de 
duas fontes: diretamente, dos sentidos, ou indiretamente, 
da reflexão da mente sôbre o conhecimento vindo dos 
sentidos — idéias, idéias de idéias!
Além disso, Locke tinha que as idéias podem ser
8
simples ou complexas, as últimas sendo na realidade com­
postas das primeiras e a elas redutíveis, através da aná­
lise cuidadosa. Assim, se à idéia de substância “fôr 
unida a idéia simples de uma certa côr esbranquiçada 
opaca, com certos graus de pêso, ductibilidade e fusi- 
bilidade, teremos a idéia de chumbo”, uma idéia com­
plexa. Dêste modo Locke lançou um pomo de discórdia 
longe no futuro, pois, como se verá, a possibilidade de 
analisar a mente humana em elementos, bem como a da 
natureza provável dêstes elementos, tem sido questão ar­
dentemente debatida em anos bastante recentes. Os su­
cessores imediatos de Locke levaram estas noções de aná­
lise e composição a extremos lamentáveis, e a reação 
veio vigorosa.
Uma vez que Locke tem sido com freqüência ro­
tulado “o primeiro associacionista” pode-se bem incluir 
aqui menção do fato que o têrmo mais geralmente usa­
do para descrever a combinação e composição de idéias é 
“associação”. O próprio Locke empregou a frase “as­
sociação de idéias” como título de um capítulo do en­
saio, mas deixou a seus seguidores o dar-lhe a ênfase que 
a embebeu tão firmemente em nosso vocabulário coti­
diano.
Outra das distinções feitas por Locke pode servir 
como uma boa introdução aos ensinamentos do próximo 
filósofo que devemos examinar em nossa lista: é a dis­
tinção entre o que chamava qualidades “primárias” e 
“secundárias” dos objetos, e que podemos tratar como 
diferença entre idéias. Concisamente enunciada é assim:
9
algumas idéias simples dos sentidos assemelham-se aos 
objetos do mundo exterior que as causam; outras idéias 
simples dos sentidos, embora causadas por objetos ex­
teriores, não se lhes assemelham. Por exemplo, idéias 
de solidez, figura e movimento são como os objetos ex­
ternos; mas idéias de côres, sons, ou sabores são des­
semelhantes a qualquer coisa que possa haver nos ob­
jetos que as provocam.
Não há necessidade de ocuparmo-nos com as razões 
desta divisão das idéias simples dos sentidos em dois gru­
pos, mas deve ser indicado que está aqui o reconhe­
cimento por Locke de que nossas percepções do mun­
do, pelo menos em alguns casos, podem não ser “refle­
xos especulares” do próprio mundo — concepção simi­
lar a de um famoso fisiólogo de data mais recente, que 
argiiía que não temos conhecimento direto dos objetos 
dos sentidos, mas apenas dos nervos que estão entre os 
objetos e nossas mentes!
Se John Locke, o inglês, acreditava que podíamos, 
direta ou indiretamente, conhecer o mundo exterior, esta 
opinião não era certamente compartilhada pelo irlandês, 
igualmente brilhante, cujas concepções examinaremos em 
seguida. George Berkeley (1685-1753), nascido em Du­
blin, formado no colégio da Trindade (Oxford), bispo 
por nomeação e filósofo por inclinação — não acreditava 
na existência da substância material!
A crença na mente como única realidade verdadeira, 
embora ainda hoje refletida em algumas filosofias e dou­
trinas de certas seitas, não c obviamente uma caracte-
10
rística do “bom senso” moderno. As pessoas médias 
tendem a concordar com Byron que quando o bispoBerkeley dizia “não há matéria” e o provava — era 
imaterial o que dizia (*).
Não obstante, esta concepção, filosoficamente, não 
é tão inusitada e fácil de contradizer como indicaria o 
seu aparente absurdo. Além disso, de uma forma ou de 
outra, tem sido tomada sèriamente por alguns psicólogos 
que procuram uma definição de sua ciência e buscam de­
terminai seu lugar entre as outras ciências.
Como as qualidades secundárias de John Locke (co­
res, sons, sabores, etc.) revelavam suas duvidas sôbre a 
existência de certas coisas no mundo exterior — pelo 
menos como eram representadas na mente — pode-se 
dizer que o Bispo Berkeley chegou à sua posição seguin­
do Locke mais além do que êle tinha ido, Berkeley nega 
que a mente represente de alguma maneira os objetos. 
Um pouco de reflexão convencerá o leitor desta possi­
bilidade perturbadora. Pense, por um momento, que 
a página que está sendo lida agora pode não estar fisica­
mente “lá fora”, mas apenas “na mente”! O que há, 
com absoluta certeza, senão umas tantas sensações de 
qualidades visuais, auditivas ou tácteis — certos modos 
de experiência, por assim dizer — distinguidas umas das 
outras e nomeadas apenas por suas diferenças “mentais”?
Outra contribuição de Berkeley, mais concreta e 
compreensível, é obrigatoriamente mencionada pelos his­
*) When Bishop Berkeley said “there was no matter”, 
And proved it, — ‘twas no matter what he said.
11
toriadores. Trata-se da questão de como sabemos a dis­
tância a que estão de nós os objetos que pertencem ao 
mundo da visão. Mais especificamente, como sabemos 
a que distância está de nós este livro, o quadro na parede, 
ou as árvores que se vêem pela janela?
A despeito do fato de que o leitor possa nunca ter 
achado que haja problema na avaliação das distâncias 
ou da solidez dos objetos — os assim chamados aspectos 
tridimensionais de nossa experiência visual — isso tem 
sido há muito um problema psicológico bastante incômo­
do. Leonardo da Vinci, o artista-cientista reconheceu-o* 
bem como Descartes; mas foi Berkeley quem o analisou 
mais completamente e, por muitos anos, conclusiva­
mente.
Berkeley sustentava que nunca percebemos a visão 
em profundidade ou a terceira dimensão diretamente, 
mas sempre através de indícios ou “critérios’’ cujo sig­
nificado para tais avaliações aprendemos a interpretar; 
pois como, poderia ter dito, como pode um objeto-ima- 
gem, impressionado sôbre a superfície sensitiva do ôlho, 
dizer-nos de quão longe vem — ou a distância que per­
correu antes de alcançar aquela superfície? É como um 
envelope postal em que o carimbo estivesse ausente ou 
borrado.
Em sua “Nova Teoria da Visão” (1709) Berkeley 
descreve a natureza provável destes importantes indícios 
ou “carimbos”. Em primeiro lugar há a questão do ta­
manho relativo. A meio quilômetro de distância vemos 
a figura de um amigo. A imagem que se impressiona em
12
nossos olhos, pode-se concordar, é bastante pequena. Jul­
garíamos por isso que nosso amigo tenha encolhido? De 
modo nenhum! Não vemos nada estranho em seu tama­
nho; apenas vemo-lo à distância. E o que vale para o 
amigo vale para todos os outros objetos — quanto maio­
res mais próximos, quanto menores mais longínquos — 
de modo que dizemos, com Berkeley, que o tamanho re­
lativo dos objetos é um critério de seu afastamento.
Além disso há outros fatôres. Por exemplo, esti­
ma-se que o objeto está mais perto se estiver parcial­
mente escondido por outro — c o fator “interposição”; 
côres desmaiadas e pouco saturadas (p. ex. o azulado das 
montanhas longínquas) estão freqüentemente associadas 
com distância — é o fator “perspectiva aérea”. Tama­
nho relativo, interposição e perspectiva aérea — todos 
foram indícios mencionados por Berkeley (em têrmos 
menos modernos) como auxílios de nossa avaliação da 
distância, e todos há séculos têm sido propriedade téc­
nica de todos os pintores.
O critério seguinte não é, entretanto, tão óbvio. Ber­
keley chamava-o “apreciação da distância entre as pu­
pilas dos olhos” e nós, de “convergência binocular”. 
Quando “fixamos ou focalizamos” um objeto próximo, 
os dois olhos convergem (em casos extremos “vesgueiam”), 
e uma avaliação desta convergência em têrmos dc sen­
sação dos músculos dos olhos, nos diz da distância do 
objeto fixado — assim, quanto maior a convergência, 
mais próximo está o objeto e vice-versa.
O critério final é o que chamamos agora “acomoda­
ção” e se explica pela mudança na forma das lentes dos
13
olhos em resposta à contração dos pequenos músculos 
presos a elas. Objetos muito próximos do ôlho reque­
rem grande contração dêstes músculos; os que estão me­
tro ou metro e meio além, requerem muito pouco. Em­
bora pouco familiarizado com êstes detalhes, Berkeley 
chegou a reconhecer a influência destas sensações e tra- 
tou-as como outra fonte de informação relativa à distân­
cia dos objetos olhados.
Esta contribuição altamente especializada está tal­
vez mais próxima dos estudos contemporâneos de psi­
cologia do que qualquer outra que eu tenha citado antes. 
Tivesse Berkeley tentado de uma forma qualquer verifi­
car sua teoria pelo recurso a técnicas experimentais mais 
objetivas e controladas, pela medida das condições em 
que os critérios que propôs funcionam em um grupo 
de pessoas, e poderíamos considerá-lo hoje o pai da 
psicologia experimental. Mas se o tivesse feito, isso te­
ria sido uma exceção ao vagaroso desenrolar do curso 
da história, e não se pode pedir tanto de um homem — 
especialmente quando seus interêsses eram mais filosó­
ficos do que científicos. O surpreendente é que George 
Berkeley, um “idealista subjetivo” entre os filósofos, te­
nha chegado tão perto quanto o fêz da solução de um 
problema científico que ainda nos ocupa.
Assim como a inclusão do nome de um conviva 
muitas vêzes requer a inclusão de outros, da mesma for­
ma a tentação é grande de acrescentar muitos nomes em 
nossa lista dos homens que foram de algum modo res­
ponsáveis pela natureza de nossas definições de psico­
logia.
14
Talvez, pois, eu seja perdoado se devotar uma ou 
duas sentenças a cada um de uns poucos mais, principal­
mente filósofos, que ajudaram a montar o palco psico­
lógico. David Hume (1711-1776), filósofo escocês, his­
toriador e estadista fêz com Berkeley o que êste tinha 
feito com Locke. Para citar uma recente resenha das 
contribuições de Hume à psicologia:
“Locke tinha eliminado da experiência tudo menos 
as impressões dos sentidos e suas combinações. Ainda 
aceitava a existência de objetos que fôssem semelhantes 
às nossas idéias. Berkeley foi um passo além, negando 
a própria existência dos objetos. Justificava as idéias 
pelo fato que Deus era quem as dava e garantia.. . 
Hume deu o óbvio passo seguinte questionando a exis­
tência de Deus e da alma. Não ficava nada de real ex­
ceto as sensações e idéias” 2.
Além disso, Hume fêz uma nítida distinção, ainda 
predominante, entre sensações (Hume dizia “impressões”) 
e idéias (dizemos “imagens”); e tratava o que encara­
mos como “causa e efeito” no nosso mundo diário como 
mera seqüência de eventos mentais ocorrendo com re­
gularidade tal e tal ordem que nos dá a ilusão de que 
há uma conexão necessária entre duas coisas quaisquer 
no mundo objetivo. A significação destas idéias tornar- 
-se-á aparente quando chegarmos ao exame de opiniões 
bastante recentes sôbre o verdadeiro assunto da psico­
logia.
2) W. B. PILLSBURY, The History of Psychology, pp. 92-93.
15
A David Hartley (1705-1757), médico inglês e eru­
dito da geração de Hume, atribui-se o desenvolvimento 
de dois conceitos, ambos tratados num livro trazendo o 
comezinho título de “Observações sôbre o Homem, Seu 
Enquadramento, Seus Deveres e Suas Expectativas”. O 
primeiro foi o de “associação” (já considerado por Locke, 
Berkeley e Hume) e que Hartley amplioupara incluir não 
só idéias mas também sensações e ações, e que usava 
para explicar a natureza da memória, imaginação, emo­
ção e outros estados mentais complexos — mesmo aquê- 
les atinentes à moral. O segundo conceito é o que hoje 
chamamos “paralelismo psicofísico”, segundo o qual sen­
sações, idéias e outros eventos mentais correm paralelos, 
mas não afetados pelos eventos de natureza corporal — 
especificamente, modificações físicas no cérebro e nos 
nervos. (Expressão anterior desta opinião comparava a 
mente e o corpo a dois relógios, colocados um de cos* 
tas para o outro, andando exatamente ao mesmo tempo 
um com o outro, mas sem nenhuma influência recíproca). 
Hartley, como Descartes era um dualista, mas paralelista 
em vez de interacionista. Das duas concepções, ao con­
trário do que se poderia esperar, a de Hartley foi a 
mais aceita pela maioria dos psicólogos mais modernos.
James Mill (1773-1836), filho de um remendão es­
cocês, foi o descendente intelectual de Hartley. Fêz da 
“associação de idéias” uso extremo na explicação da vi­
da mental. Começando da maneira usual com sensa­
ções e suas cópias, as idéias, indicou em grande porme­
nor como as últimas poderiam estar logicamente ligadas 
e compostas. De acôrdo com suas concepções, sumaria­
16
das por um bem conhecido historiador,
“Toda a experiência se resolve em sensações e idéias, 
combinadas em grupos, ou sucedendo-se temporalmente 
pelo processo singular da associação; e o próprio princí­
pio da associação se reduz a seus têrmos mais simples — 
a tendência das idéias a se agruparem ou sucederem se­
gundo a maneira de seus originais” 3.
John Stuart Mill (1806-1873) concordava com seu 
pai James Mill, ao dar grande importância ao princípio 
da associação na explicação das idéias complexas, mas, 
ao contrário do pai, apelava mais para a experiência do 
que para a lógica em suas análises. Para James Mill, 
uma idéia complexa — a de “casa” por exemplo — 
devia na realidade consistir de muitas idéias simples 
(idéias de “assoalho” “paredes”, “janelas”, e assim por 
diante), mesmo quando tais idéias pudessem escapar ao 
escrutínio mais cuidadoso. John Stuart Mill dizia sim­
plesmente que idéias mais complexas são definitiva­
mente mais do que a mera soma de componentes simples. 
Por causa desta diferença entre as opiniões de pai e filho, 
as concepções do primeiro têm sido freqüentemente cha­
madas de “mecânica mental” e as do último de “química 
mental”. Cada um deles supunha que as unidades fun­
damentais da mente fôssem as sensações (bem como suas 
cópias: as idéias) e que estas fôssem unidas de acôrdo 
com certas leis prescritas de associações; mas John Stuart
3) H. C. WARREN, A History of the Association Psy­
chology, (Charles Scribner’s Sons, 1921) p. 94.
17
Mill estava menos interessado no que deveria ser um 
complexo de idéias do que no que poderia ser encon­
trado. Onde diferiu de seu pai, mais se aproximou das 
doutrinas modernas.
Já agora, talvez, uma certa tendência no desenvol­
vimento dêste esbôço, seja aparente ao leitor. Vimos 
como a mente tornou-se separada do corpo; ouvimos o 
argumento de que as idéias tôdas vêm da experiência; 
fizemos a distinção entre sensações e idéias; e notamos a 
elaboração do conceito de “associação” para explicar a 
formação de idéias complexas e cadeias de idéias. Além 
disso, demos uma olhada em uma teoria psicológica da 
“causalidade” (Hume); foram dadas duas ou três res­
postas diferentes à questão “mente-corpo” — interacio- 
nismo (Descartes), idealismo (Berkeley) e paralelismo 
(Hartley); e vimos uma ou duas aproximações especí­
ficas à pesquisa e teorização contemporâneas.
No entanto não seria justo deixar a Inglaterra sem 
alguma referência a outro conceito teórico que estava 
destinado a figurar proeminentemente na origem da psi­
cologia norte-americana. É a famosa teoria da evolução. 
Dois nomes merecem menção especial em conexão com 
a evolução: Charles Darwin (1809-1882) e Herbert Spen- 
cer (1820-1903).
Descartes, pode-se dizer, tirou a alma dos animais; 
Charles Darwin devolveu-a com juros. Na opinião de 
Descartes só o homem possuía alma. Para Darwin, a al­
ma humana difere da animal só em grau, não em espé­
cie, e esta forma mais elevada era um desenvolvimento 
evolucionário direto da inferior. Êste é um aspecto algo
18
negligenciado dos ensinamentos de Darwin, mas muito 
importante para o psicólogo. Qualquer que seja o 
status atual da “mente” em psicologia, devemos consi­
derar o seu desenvolvimento bem como sua natureza; e 
foi Darwin quem, mais do que ninguém nos fêz reconhe­
cer esta obrigação. Veremos isto particularmente no de­
senvolvimento do movimento popular na psicologia nor­
te-americana conhecido como “funcionalismo” ; mas a 
influência não ficou confinada a uma dada escola. Mes­
mo o folhear mais casual de qualquer texto psicológico 
trará à luz algum vestígio desta doutrina darwiniana.
Nos escritos de Herbert Spencer, filósofo e cientista 
inglês, o princípio evolucionista assumiu uma perspectiva 
diferente. Spencer foi um associacionista em psicologia 
que empreendeu reconciliar a noção de “algo inato” com 
a noção de “tudo da experiência” e nos deu assim a 
concepção do “associacionismo evolucionário”. O cer­
ne desta concepção é que a mente humana é o que é 
através da experiência racial tanto quanto da individual. 
Associações muito repetidas através de muitas gerações 
geram “conexões psíquicas automáticas” que têm tôdas 
as marcas de idéias inatas mas que podem ser na verda­
de retraçadas até à experiência ancestral. Esta doutrina 
da “herança das associações adquiridas” não é tomada 
muito a sério, mas encontra eco na questão moderna do 
que é aprendido e do que não é aprendido, ou dado, na 
conduta humana.
Não se deve concluir muito rapidamente que o pro­
blema de definir a psicologia atual tenha se originado
ùnicamente na especulação de gabinete dos filósofos, es­
tadistas e eruditos inglêses. No continente europeu, par­
ticularmente na Alemanha, havia outra fonte maior de 
influências, de natureza mais científica, que contribuiu 
com o seu quinhão para o crescimento de que nos ocupa­
mos neste capítulo.
Esta corrente, que ganhou grande volume e movi­
mento na primeira metade do século XIX, era de na­
tureza fisiológica. Compreendia o estudo dos sentidos
— visão, audição, tato, olfato e paladar, bem como do 
recém-descoberto sentido muscular (cinestético); estudos 
da atividade dos nervos de homens e animais; e mesmo 
estudos das funções de diferentes partes do cérebro. In- 
cidentalmente, êstes estudos de como o cérebro trabalha 
tiveram seus começos na assertiva ousada da agora desa­
creditada frenoíogia, segundo a qual certas “faculdades” 
mentais, comparáveis aos modernos “traços” de perso­
nalidade, relacionavam-se diretamente ao desenvolvimen­
to de certas áreas do cérebro (e assim as várias protube­
râncias ou “calombos” do crânio).
Sob certo aspecto êste trabalho era uma elaboração 
de idéias de teorizadores como Descartes e Hartley, mas 
foi muito além dos grosseiros esboços imaginários da 
estrutura e do funcionamento do organismo humano e 
oferecia uma base mais sólida para as especulações do 
futuro. Era trabalho de caráter analítico e experimen­
tal e indicava a importância de uma variedade de agen­
tes (estímulos) na excitação de órgãos sensoriais e de ner­
vos; a alta velocidade de transmissão do impulso nervo­
so; a localização específica de certas atividades simples
20
— tais como as acarretadas no uso dos sentidos e mo­
vimentos dos músculos — em certas porções do cérebro.
Um grande número de afamados cientistas, ingleses, 
franceses bem como alemães, contribuíram para êste amplo 
movimento. Se nos confinamos aqui ao exame de um úni­
co representante, é apenas porque os limites de espaço e 
tempo proíbem a discussão dascontribuições de muitos e 
porque o homem escolhido representa suficientemente a 
combinação de crença filosófica e disciplina científica 
que foi tão característica da psicologia da época.
Gustav Theodor Fechner (1801-1887) é mais conhe­
cido como o “pai da psicologia quantitativa”, e entre­
tanto, jamais pretendeu ser psicólogo! Nascido era uma 
pequena aldeia da Alemanha sudeste, filho de um pas­
tor luterano, educado em ambiente estudioso e formado 
em medicina, foi subseqüentemente matemático e físico 
de distinção (com certo gôsto pela composição de poe­
mas satíricos). Esta é a história da primeira metade da 
vida de Fechner. Não foi, com efeito, senão em 1850, 
depois de um sério e prolongado “esgotamento nervoso” 
que se tornou ativamente interessado na questão filo­
sófica das relações da mente com o corpo — questão 
que o conduziu em virtude de sua formação de ciência 
natural à psicologia experimental.
Vimos o reconhecimento dêste problema corpo-men- 
te no trabalho de Descartes, Locke, Berkeley, Hume e 
Hartley, mas foi Fechner quem viu a possibilidade de 
atacá-lo pelo método experimental. Se com isso o re­
solveu é duvidoso, mas em dez anos de paciente investi-
21
gaçao fundou a ciência da “psicofísica” — o estudo 
quantitativo das relações entre a vida mental (Fechncr 
tratava com sensações) e certos aspectos do mundo fí­
sico (estímulos).
Não é essencial examinarmos aqui em pormenor 
a psicofísica de Fechner. Deixou claro, uma vez por 
tôdas, que técnicas experimentais e procedimentos ma­
temáticos podiam ser aplicados a problemas psicológi­
cos. Os métodos de mensuração que desenvolveu são 
ainda hoje levados a uso, em forma ligeiramente mo­
dificada, sempre que se quer encontrar algo definido so­
bre a sensitividade do organismo humano, ou mesmo 
animal, às inúmeras e perturbadoras mudanças no mundo 
exterior. Quão brilhante deve ser uma estrela para ser 
vista; quão alto um som para ser ouvido; quão pesado 
o toque para ser sentido? Para responder estas questões 
e milhares de outras voltamo-nos para os métodos psi- 
cofísicos de Fechner.
O que tem isso a ver com o problema de de­
finir a psicologia? A resposta é simples. O trabalho de 
Fechner (e outros) mostrou irrefutàvelmente que quais­
quer que sejam as opiniões filosóficas a respeito do pro­
blema corpo-mente há ainda a possibilidade de cons­
truir uma psicologia experimental. Algo específico acêr- 
ca da atividade humana (Fechner chamava-o algo men­
tal) podia ser medido e relacionado; de maneira exata a 
outra coisa (que Fechner chamava algo físico). O enor­
me volume de material relevante reunido não foi o re­
sultado de um acidente, nem foi fruto da especulação 
filosófica. Poucos psicólogos hoje têm conhecimento das
22
opiniões de Fechner sôbre a relação mente-corpo, mas 
nenhum pode ignorar suas descobertas experimentais.
E assim tem sido a história desde então. Quaisquer 
que sejam as conclusões sôbre o verdadeiro objeto da 
psicologia, há sempre o formidável e crescente corpo de 
fatos científicos que justificam a tentativa de um trata­
mento sistemático. As fronteiras das ciências nunca são 
nitidamente definidas, e um nôvo campo de pesquisas 
não deve ser desprezado na base da falta temporária de 
uma definição universalmente satisfatória. Se esta de­
claração parecer obscura ao leitor, que tenha paciência; 
logo a neblina erguer-se-á ao tratarmos diretamente da 
“construção de sistemas”.
23
CAPÍTULO II
A fundação da psicologia moderna
Uma distinção deve ser feita entre “pais” e “funda­
dores” das ciências. Comparemos, um instante, uma 
ciência com um jardim. Os “pais” prepararão o solo e 
lançarão as sementes; os “fundadores” manterão o ter­
reno livre de ervas daninhas, aguarão as plantas, trans­
plantá-las-ão e cuidarão das cêrcas — tomarão conta do 
jardim no seu primeiro desenvolvimento. As sementes 
poderão ter sido lançadas por inúmeras mãos, e por mui­
tas delas descuradamente; daí poder haver muitos pais, 
cada um desconhecendo o papel que desempenhou. Mas 
os fundadores devem ter consciência de que se trata de 
um comêço de jardim, e dêles é a tarefa árdua de aten­
dê-lo até que outros venham ajudar. São poucos os 
fundadores.
Chamei Aristóteles o pai da psicologia; Descartes, 
o pai da psicologia moderna; e Fechner, o pai da psi­
cologia quantitativa ou experimental. Outros candida­
tos a tais distinções poderiam ter sido propostos. Além 
disso, à medida que a especialização aparece no jardim
25
I
psicológico, mais fácil é identificar a ascendência, e mais 
e mais podem ser apontados pais, com maior justificação.
Fechner pode, por boas razões, ser chamado o fun­
dador da psicofísica e o pai da psicologia experimental, 
desenvolveu a primeira e mostrou o caminho da segun­
da. Ficou, entretanto, para outro alemão notável o tor­
nar-se o verdadeiro fundador da moderna psicologia ex­
perimental; e ao tratar das realizações dêste homem 
aproximamo-nos da solução do nosso problema de de­
finição.
Wilhelm Wundt (1832-1920) foi, como Fechner, fi­
lho de pastor luterano de paróquia de aldeia e também, 
da mesma forma que Fechner, estudou medicina na Uni- 
verseidade de Heidelberg. Como Fechner, seus interêsses 
passaram do prático para o acadêmico durante os 
anos de sua educação formal. Fisiologia, filosofia, 
lógica e ética — todos êstes campos chamaram sua 
atenção em um ou outro momento, mas foi fundamen­
talmente um psicólogo e, ao contrário de Fechner, sabia-o.
Tinha chegado o tempo para a fundação da psico­
logia moderna. Ao lado do legado intelectual que já dis­
cutimos, havia muitas contribuições de outros campos. 
O maior era da fisiologia. A psicologia experimental 
primitiva baseava-se cm técnicas e descobertas fisiológi­
cas. Mas, a isto e à tradição filosófica, somavam-se pro­
blemas transmitidos pela astronomia, antropologia e pe­
lo estudo do hipnotismo. Faltava só um homem do ca­
libre de Wundt que os tecesse no padrão de uma psicolo­
gia nova.
26
t
Em 1873-1874, depois de pelo menos 15 anos de 
preparação, Wundt publicou seus Esboços de Psicolo­
gia Fisiológica, considerado por um historiador o “li­
vro mais importante na história da psicologia moderna”; 
em 1879, na Universidade de Leipzig estabeleceu o pri­
meiro laboratório psicológico do mundo; em 1881 inau­
gurou uma revista científica para a publicação de pes­
quisas psicológicas. Seu livro passou por seis edições 
revistas e aumentadas de um para três volumes; o labo­
ratório prosperou, e estudantes pesquisadores, vindos de 
perto e de longe, encheram a revista com relatórios de ex­
perimentos psicológicos.
O próprio Wundt era incansável. Além do traba­
lho de ensinar, administrar, editar e dirigir pesquisa, es­
creveu copiosamente. A sua Psicologia Fisiológica 
será examinada em um momento, mas houve ainda ou­
tros livros sôbre outras fases da psicologia, bem como 
textos de filosofia, ética e lógica que lhe ocuparam o 
tempo. Estimou-se que êle publicou, em média, mais 
de duas páginas por dia, durante sessenta e oito anos — 
e nenhum dêste material é de leitura “fácil”!
Na Psicologia Fisiológica Wundt nos dá a nossa pri­
meira psicologia “sistemática”; diz-nos o que a psicolo­
gia é; esboça os métodos de investigação; indica os pro­
blemas; e classifica os resultados obtidos até então. Da 
amplitude e profundidade de sua formação filosófica e 
científica, suplementada pelo trabalho de seu laborató­
rio, produz o primeiro livro de texto da nova ciência — 
e estabelece o padrão para o futuro.
i — Keller
27
Logo mais tratarei em detalhe do sistema de psi­
cologia adiantado por um dos mais ilustres discípulos de 
Wundt. É um sistema tão semelhante ao de Wundt e 
tão mais fácil de resumir que não precisamos aqui de- 
morar-nos muito entre os pronunciamentos do fundador. 
Será bastante mencionarcertas características mais sa­
lientes com as quais cunhou a nova psicologia.
Em primeiro lugar, Wundt, como tantos outros des­
de o tempo de Hartley, era um paralelista psicológico em 
sua atitude em relação ao problema corpo-mente. De 
um lado havia o mundo físico, o mundo dos objetos 
materiais; de outro, havia o mental, o mundo da experiên­
cia. A psicologia devia tratar primordialmente do últi­
mo, e podia, por isso, ser definida como “a ciência da 
experiência imediata” . Por experiência Wundt incluía 
fenômenos como as sensações, percepções, sentimentos, 
emoções e que tais.
O método a ser usado pelo psicólogo era chamado 
por Wundt “introspecção” — termo muito malbaratado 
mais tarde — e implicava pouco mais que o ter a expe­
riência. O “ter” era para ser considerado equivalente 
ao “observar” da consciência. O que venho até agora refe­
rindo como “o mundo exterior” era para Wundt mera­
mente tanto outra experiência ou “processo mental” ; e 
quando alguém o tinha, estava observado.
O problema para a psicologia era na verdade o pro­
blema de o que fazer cientificamente a propósito desta 
experiência, e Wundt dava uma dupla resposta: a expe­
riência devia ser analisada em seus elementos; os ele­
mentos deviam por sua vez ser examinados com a na­
28
tureza de suas conexões uns com os outros; e, finalmen­
te, as leis destas conexões deveriam ser determinadas.
Deve ter ficado aparente ao leitor que estas no­
ções, especialmente as de análise e associação (“cone­
xões”) não são de modo nenhum novas na história do 
problema. Não obstante Wundt abordou-as com a men­
te ordenada de alguém treinado nos modos científicos de 
pensamento e acostumado a distinções cuidadosas e ri­
gidamente mantidas — em uma palavra, à técnica do 
fisiólogo. Há um vasto abismo entre a “idéia” experien- 
ciada pelo empirista inglês e o “processo” sensorial ou 
imagético da instrospecção wundtiana. Por exemplo, a 
idéia de “elefante” ou “todo” é uma espécie diferente de 
elemento mental que a sensação ou imagem de “verme­
lho” ou “Dó sustenido” e só estas últimas seriam aceitá­
veis para Wundt como verdadeiros elementos. Análise 
de “elefante” (em sensações, imagens, ou ambos) po­
deria ser possível — e era na verdade inevitável — gra­
ças a uma descrição cuidadosa da experiência, mas uma 
dissecção mental de uma unidade simples como “verme­
lho” não poderia ser feita. Wundt propunha descer aos 
elementos fundamentais, irredutíveis antes de empreen­
der a demonstração de suas relações uns com os outros 
em fusões e combinações da vida mental cotidiana.
Monumentais estudos na fisiologia da visão, audição 
c de outros sentidos já tinham sido conduzidos por ho­
mens como Fechner, Weber (que antecipou alguns dos 
trabalhos de Fechner) e Helmholtz (que talvez seja mais 
conhecido como físico). Êstes alemães tinham feito mui­
to na direção de uma análise experimental, de modo que
29
não é estranho que o texto de Wundt contenha muitos 
dos resultados que obtiveram. Além disso, entretanto, 
a Psicologia Fisiológica apresentava material sôbre ima­
gens, sentimentos, ação, atenção e uma infinidade de ou­
tros processos. De fato não houve praticamente nada 
de psicológico que tivesse escapado ao ôlho do fundador; 
e não é de espantar que seu manual tenha estabelecido 
estilo por muitos anos a vir.
Finalmente, voltemos ao paralelismo psicológico de 
Wundt. Acreditava que para cada processo mental hou­
vesse um correspondente, e concorrente processo físico. 
Estímulos do mundo exterior, agindo sôbre os órgãos 
dos sentidos, provocavam impulsos nervosos que, por sua 
vez, davam lugar à atividade do cérebro. Com a ativi­
dade do cérebro vinha a atividade mental, mas a pri­
meira na realidade não “causava” a segunda, nem pode­
ria a segunda causar a primeira. Eram duas esferas de 
atividade distintas, uma fisiológica e a outra psicológica; 
e “psicologia fisiológica” parecia a Wundt a melhor ma­
neira de designar o interêsse duplo da nova psicologia 
e a íntima relação entre as duas áreas de pesquisa.
Já se pode agora começar a ver a forma e a fisiono­
mia da psicologia do século dezenove. Foi, antes de 
mais nada, um produto da união da filosofia com a fi­
siologia. Seu objeto era a mente (experiência, consciên­
cia), seu método era introspectivo, analítico e experimen­
tal; e seus problemas eram o descrever o conteúdo ou 
estrutura da mente em têrmos de elementos e suas com­
binações. Além disso, tratava de questões de desenvolvi­
mento mental e evolução, de causa e efeito, do inato e
30
do adquirido; e tinha algo a dizer sôbre a linguagem, 
memória, pensamento, volição e tópicos psicológicos da 
mesma ordem. Sua filosofia era predominantemente pa­
rai eli st a, e ambicionava explicar as relações da mente ao 
corpo pelo uso dos métodos da ciência.
A influência de Wundt foi tremenda. Seus alunos 
e seus livros levaram seus ensinamentos às partes mais 
longínquas do mundo civilizado, despertando um agudo 
interesse no dissecar as partes da mente com os “instru­
mentos de latão” da fisiologia. Novos laboratórios fo­
ram criados em várias universidades, novos cursos dc 
instrução foram oferecidos, novas revistas de psicologia 
apareceram e novos livros de textos foram escritos.
Eventualmente, é claro, vieram à luz novos sistemas 
de psicologia. Nossa tarefa presente teria sido muito 
mais simples se isso não tivesse acontecido, mas é da na­
tureza de uma ciência saudável crescer e mudar, rever 
seu programa de tempos em tempos. Diferenças de opi­
nião tinham de aparecer, mesmo entre os mais leais dis­
cípulos de Wundt, quanto ao tema, métodos e problemas 
da psicologia.
Um sistema de psicologia, em certo sentido, nada 
mais é, que um quadro de referências lógico no qual 
possam ser encaixados os achados da ciência. Represen­
ta uma tentativa, geralmente de um só homem, de arran­
jar e coordenar os fatos da psicologia de maneira simples 
e inteligível. Quando o sistema ou ponto de vista de 
um autor é aceitável para certo número de outros, que 
tomam parte ativa em espalhar sua influência, o resulta­
do é ordinàriamente uma “escola de psicologia”. Nem
31
todos os sistemas geraram escolas, mas uma escola não 
pode viver sem uma profissão de fé em um sistema. 
Quando êste compromisso se perde, a escola se desintegra 
e deve ser remodelada ou suplantada.
O sistema de Wundt não foi tanto suplantado como 
foi revisto. Foi “enchido” em vez de “esvaziado” por 
um dos mais distintos discípulos do fundador. Não foi 
atacado por um estranho sem “espírito da escola” que 
embotasse o gume de sua espada. A influência de Wundt, 
com efeito, nunca teria sido tão grande sem os labores do 
homem que apresentou sua própria versão revista ao 
mundo de língua inglêsa.
32
CAPITULO III
Titchener e o estruturalismo
Edward Bradford Titchener (1867-1927) era inglês 
por nascimento, alemão por temperamento, e norte-ame- 
ricano por residência. Foi a Leipzig em 1890, depois 
de brilhantes estudos em Oxford, a fim de aprender de 
primeira mão a nova psicologia. Já tinha traduzido para 
o jnglês a terceira edição da Psicologia Fisiológica. 
Em um período de dois anos doutorou-se e aceitou o 
chamado da América, para assumir o encargo do nôvo 
laboratório de psicologia experimental da Universidade 
de Cornell. Lá passou o resto de sua vida, trinta e cinco 
anos, sem se naturalizar cidadão estadunidense — nem 
no sentido cívico, nem no acadêmico.
Em Cornell, Titchener fêz jus ao prestígio de seu 
mestre. Continuou a tradição wundtiana de uma ma­
neira wundtiana — ensinando, escrevendo e dirigindo 
pesquisa — e com uma habilidade extraordinária. Sua 
erudição era profunda; suas aulas e escritos, modelos de 
exposição clara e digna; sua personalidade magnética e 
poderosa. Os alunos afluíam às suas aulas, e doutorandos
33
ao seu laboratório.ComelI tornou-se logo o quartel ge­
neral e o centro de dispersão de um ramo muito impor­
tante da psicologia experimental nos Estados Unidos. A 
de Titchener pode não ter sido a única psicologia do 
lado de cá do Atlântico, mas por duas ou três décadas 
foi a melhor organizada, mais bem expressa e a mais 
próxima do padrão exigido por Wundt. Em nossa procura 
de uma definição da psicologia poderemos proveitosa­
mente examinar em algum pormenor este produto de 
Leipzig-Comell, e ver o que Titchener pensava que a 
psicologia era.
As opiniões de Titchener modificavam-se algo dc ano 
para ano, mas a gente pode obter uma excelente noção 
de suas principais idéias sistemáticas em dois de seus 
textos publicados: o Manual de Psicologia (1910) e a 
Psicologia para principiantes (1915). Nestes livros
escritos principalmente para alunos de seus cursos, encon­
tramos um relato mais franco do que nos delineamentos 
mais avançados preparados para colegas.
“Psicologia é a ciência da mente”. Êste é o enun­
ciado geral com que Titchener começa seu relato siste­
mático. Mas, apressa-se a acrescentar, êste enunciado 
pode ser fàcilmente mal interpretado pelo “bom senso”, 
e passa a qualificá-lo de certos modos. “A mente de 
que a psicologia trata deve ser a mente que pode ser 
descrita em têrmos de fatos observados”; não deve ser 
identificada com um serzinho insubstancial dentro de
nossas cabeças. A fim de aproximar uma compreensão 
verdadeiramente científica do têrmo, Titchener faz então 
uma distinção entre o mundo da física e o mundo da
34
psicologia. Leiamos mais uma vez do texto para prin­
cipiantes:
“O mundo da física é incolor, sem som, nem frio 
nem quente; seus espaços têm sempre a mesma extensão; 
seus tempos são sempre da mesma duração, sua massa 
é invariável; seria exatamente o que é agora se a huma­
nidade fôsse varrida da face da terra. Pois que é a luz 
em um texto de física? — a propagação de ondas eletro- 
-magnéticas; e som é movimento vibratório do ar e água; 
e calor é uma dança de moléculas; e todas essas coisas 
são independentes do homem”.
Na visão física do mundo o homem é “deixado de 
fora”, por assim dizer; a psicologia, de outro lado, des­
creve o mundo tal como é na experiência humana — 
encara o mundo com o homem “dentro dele”.
“O mundo da psicologia contém vistas e sons e sen­
timentos; é o mundo do claro-escuro, de ruído e silêncio, 
do áspero e do liso; o espaço é algumas vêzes amplo e 
outras, estreito, como sabe tôda a gente que na vida 
adulta tenha voltado ao seu lar de infância; o tempo 
às vêzes é breve, às vêzes é longo; é um mundo sem 
invariâncias. Contém também pensamentos, emoções, 
memórias, imaginações e volições que são atribuídos na­
turalmente à mente. . . a mente é simplesmente o nome 
inclusivo de todos êstes fenômenos”.
Destas citações não se deve concluir que haja uma 
diferença fundamental entre a experiência do físico e a 
do psicólogo. Titchener não negava que o físico tivesse 
experiência; meramente salientava o bem conhecido fato 
de que a descrição que o físico faz de seu mundo é em
35
têrmos de coisas conceituais, como ondas eletromagnéti­
cas, movimentos vibratórios e moléculas. Poderia ter 
coerentemente ido mais longe e tornar claro que o psi­
cólogo também descreve o seu em termos conceituais; 
mas êste é assunto sutil e não é necessário que nos de­
tenhamos aqui em discuti-lo.
Titchener nos diz em seguida que no mundo físico 
existem objetos como os corpos humanos, com sistemas 
nervosos que os organizam em todos orgânicos, integra­
dos e singulares. Já aprendemos de uma variedade de 
fontes que o “fenômeno” da psicologia deve ser relacio­
nado a certas atividades dêstes sistemas nervosos. Por 
exemplo, a destruição de uma porção do ccrebro é fre­
qüentemente vinculada à perda de alguma forma de ex­
periência, digamos visual. Da mesma forma, perturbação 
na experiência, ou falta de experiência, pode denotar a 
perda de certa função cerebral. O homem “deixado den­
tro” é pouco mais que o próprio sistema nervoso. A 
psicologia poderia mesmo ser definida como o estudo dos 
fenômenos (experiência, mente) considerados como de­
pendentes de um sistema nervoso; pois onde quer que 
encontremos experiência ou fenômeno mental encontra­
mos também um sistema nervoso. Nem todos os eventos 
nervosos têm paralelo nos eventos mentais, mas todo o 
mental tem sua contrapartida em algo físico que ocorre 
no cérebro em resultado da estimulação dos órgãos dos 
sentidos ou nervos.
Não deve o leitor desesperar se êste raciocínio pa­
rece um pouco complicado. Muito se torna claro quan­
do passarmos aos detalhes menos abstratos da psicologia
36
de Titchener. O que se pode observar de passagem é que 
está implícito em tudo isso o dualismo filosófico, uma 
distinção entre corpo e mente, que remonta a Wundt e 
mesmo antes, a Descartes, embora Titchener não tivesse 
subscrito o interacionismo.
O método da psicologia é nosso ponto seguinte. A 
mente para ser estudada cientificamente, devia ser obser­
vada. Observação é a condição sine qua non de tôda a 
ciência. Titchener achava, com Wundt, que ter experiência 
se aproximava muito de observá-la: e acentuou o método 
de introspecção. Mas sua fórmula para a observação in­
trospectiva era mais ampla do que a de Wundt, e 
nos dá a base para distinguir entre observação psicológi­
ca e observação física. Mostra que tôda a observação 
científica requer três coisas: uma certa atitude em relação 
a própria experiência, o experienciar êle próprio, e um 
reiato adequado da experiência em palavras. Onde a 
atitude fôr a do psicólogo pode-se chamar a totalidade 
do processo de observação de “introspecção” ; onde é a 
atitude do físico que está em jôgo, chamamos o processo 
de inspecção — ou de simples “observação”. Ê só a 
diferença de atitude que distingue a observação do psicó­
logo da dos outros cientistas.
“Introspecção” 6 uma palavra infeliz porque, gra­
ças a sua história e uso cotidiano, presta-se a mal-enten­
didos. Titchener sabia-o e insistiu em mostrar que não 
devia ser tomada como uma reflexão sôbre, ou con­
templação da própria experiência (como Descartes e os 
Empiristas ingleses tê-la-iam tomado) ou como uma es­
pécie de mórbida autopreocupação (para a qual um têr-
37
mo melhor é “introversão”). Titchener sempre estêve 
alerta em mostrar que os termos científicos em geral de­
vem sempre ser cuidadosa e univocamente usados, e fre­
qüentemente indicou a confusão resultante quando signi­
ficados do “bom senso” eram dados a palavras cien­
tíficas.
Quando lemos a formulação de Titchener do proble­
ma da psicologia, vemos claramente a marca dos ensina­
mentos de Leipzig. O problema, mais uma vez, é triplo. 
Há, em primeiro lugar, a análise dos fenômenos mentais 
em seus elementos. A descrição de qualquer secção da 
experiência tende a ser uma análise, pois analisamos o 
que quer que descrevamos — dividimos o objeto de 
nossa observação em certas partes fundamentais. (Se 
o leitor desejar verificar a veracidade disto, tente descre­
ver qualquer objeto comum que esteja à mão. Analisar é 
uma das atividades humanas mais naturais, mas rara­
mente é levada tão longe quanto o necessário para se 
tornar suficientemente científica).
A síntese, embora mais difícil que a análise, acom- 
panha-a pari passu. Exige o estudo das conexões entre 
os processos mentais elementares e é o caminho para a 
determinação das leis de conexão destes processos, é 
a segunda fase do problema e responde à pergunta “co­
mo?” tanto quanto a análise, à pergunta “o quê?”.
O terceiro aspecto do problema vai além da descri­
ção da mente (e além do enunciado de Wundt dos pro­
blemas da psicologia) para a explicação da mente. Pre­
tende responder à pergunta “por quê?” e, ao fazê-lo, ape­
la para os eventos paralelos no sistema nervoso e órgãos
38a êle ligados; ambiciona correlacionar a mente com o 
sistema nervoso.
Titchener negava que a atividade nervosa fôsse causa 
da experiência; mas afirmava que um enunciado comple­
to das condições ou circunstâncias sob as quais ocorrem 
os processos mentais exigia referência a esta atividade 
por razões explicativas. “O orvalho se forma em con­
dições de diferença de temperatura entre o ar e o solo; 
as idéias se formam em condições de certos processos no 
sistema nervoso”.
Basta o que ficou dito sobre os enunciados das pre­
missas fundamentais do sistema de Titchener. Podemos 
agora examinar os resultados dêste ataque sobre a fortaleza 
da mente, para ver como o sistema manejava a pes­
quisa experimental que era a base real da nova psico­
logia.
A análise introspectiva, dizia Titchener, traz à luz 
três classes de elementos mentais. (Êste número dimi­
nui com o desenvolvimento das idéias de Titchener; 
corresponde neste caso a 1910). Estas classes são sen­
sações, imagens e afecções (sentimentos). Podemos exa- 
miná-las nesta ordem.
“Sensações são. . . os elementos característicos da 
percepção, das vistas, dos sons e experiências similares 
devidas ao nosso ambiente presente” . Podem ser divi­
didas em várias “modalidades” ou departamentos de 
acordo com 1) suas semelhanças introspectivas (p. ex. 
um tom é mais parecido com um ruído do que com um 
sabor); 2) os órgãos dos sentidos de cujas funções depen­
dem (p. ex. — há uma sensação do ôlho e uma sensa­
39
ção do ouvido); ou 3) os tipos de estímulo que as de­
terminam, localizados quer dentro quer fora do orga­
nismo. Titchener dependia principalmente das diferenças 
introspectivas na classificação de departamentos, mas 
usava os outros métodos quando faltavam nomes ade­
quados para os grupos.
As principais modalidades de elementos sensoriais 
são então arroladas. Encontramos sete ao todo: visual, 
auditivo, olfativo, gustativo, cutâneo, cinestético e or­
gânico. Cada um dêstes sentidos, por sua vez, pode so­
frer análise ulterior e subdivisão. Assim a visão produz 
sensações de cor e luz — cromática e acromática; audi­
ção, tons e ruídos; e o olfato dá uma variedade de sen­
sações que podem ser colocadas em grupos distintos (co­
mo odores fragrantes, perfumes e fedores) na base de se­
melhanças e diferenças. As sensações cutâneas são di­
visíveis em sensações de pressão (tacto verdadeiro), frio, 
quente e dor; a cinestética, o velho sentido “muscular”, 
revela conter componentes de músculos, tendões e juntas. 
“Orgânico” acaba sendo um têrmo geral para tôdas as 
sensações mal definidas provenientes dos sistemas diges­
tivo, urinário, circulatório, respiratório e genital.
Uma palavra de cautela pode ser apropriada neste 
ponto. Titchener nunca descobriu estas sensações. Nem 
descobriu as leis de suas relações com os estímulos am­
bientais, de que trata longamente em seus textos. Êste 
trabalho de descoberta, classificação e correlação já tinha 
começado muito tempo atrás, mesmo nos dias de Aris­
tóteles, e tinha alcançado um alto grau de exatidão nos 
estudos dos fisiólogos do século XIX cujo trabalho já
40
mencionamos, O que Titchener fêz foi o que outros sis­
tematizadores tinham feito e ainda fazem; apropriou-se 
dêstes fatos (adicionando itens de seu próprio laboratório) 
e arranjou-os dentro de seu sistema — para melhor in­
tegração e clareza.
Do ponto de vista de Titchener, as sensações eram 
elementos mentais comparáveis aos elementos da quími­
ca. Define-se um elemento químico fazendo referência 
a certas propriedades tais como a capacidade de refletir 
a luz, gravidade específica, ponto de fusão, etc. Da mes­
ma maneira caracterizam-se os elementos mentais pela re­
ferência a certas propriedades que possuam ou não. 
Assim chegamos à noção titcheneriana de atributos.
As sensações, como unidades irredutíveis do mundo 
mental, possuem certas características às quais nos refe­
rimos quando queremos descrever estas unidades com mi­
núcia. Por exemplo, tôdas as sensações de qualquer es­
pécie e de qualquer fonte possuem o atributo qualidade. 
Êste é o atributo em virtude do qual nomeamos as sen­
sações. Dó sustenido, côr-de-rosa, quente ou azêdo são 
qualidades tais, e servem para distinguir uma sensação 
da outra.
Um segundo atributo de tôdas as sensações é a inten­
sidade. Isto se verifica sempre que consideramos a fôrça 
ou grau de uma sensação. Um tom pode ser alto ou 
baixo, a pressão leve ou pesada, um cheiro forte ou fraco; 
e na descrição somos auxiliados por estas características 
de intensidade. Incidentalmente, foi com êste atributo 
de intensidade que Fechner lidou na maioria de seus es­
tudos psicofísicos, pois se presta a proposições quanti-
41
tativas. Teoricamente, embora não pràticamente, qual­
quer sensação pode receber uma designação numérica em 
uma escala graduada do menos para o mais intenso.
Qualidade e intensidade são os mais importantes 
atributos das sensações, mas há outros. Titchener arro­
la-os, em 1915, como duração, vivacidade e extensão 
A duração refere-se ao aspecto temporal da sensação: “é 
o simples prosseguir, adiantar-se, manter-se que pode ser 
observado em cada uma e em tôdas as sensações”. A 
vivacidade é difícil de descrever: “se você quiser saber 
com o.. . se sente a vivacidade... observe o seu processo 
mental agora, enquanto você se intriga com êste livro; a 
diferença entre primeiro plano e plano de fundo, foco e 
margem — entre idéias dominantes despertadas pelo que 
você lê, e percepções obscuras do ambiente circundante
— mostrar-se-á pelo menos grosseiramente”. Extensão 
é o fator especial elementar na experiência tal como a du­
ração é o fator temporal; “é a base . . . de nossa percep­
ção de forma, tamanho, distância, localização e direção” ; 
a menor estrêla no céu vespertino, ou a gôta de chuva 
na mão estendida — ambas têm tamanho perceptível.
Os primeiros quatro destes atributos — qualidade, 
intensidade, duração e vivacidade — são propriedades 
de tôdas as sensações; mas só os elementos cutâneos c 
visuais, tais como cores e pressões, possuem nitidamente 
um atributo extensivo, cuja remoção anularia a própria 
sensação.
1) Mais tarde tornaram-se respectivamente “protensity”, 
“attensity” e “extensity” .
42
Além disso, mesmo um atributo simples como a 
qualidade pode êle próprio ser a resultante de dois ou 
três atributos distintos, cuja detecção é o objetivo últi­
mo da análise introspectiva. A qualidade visual “ver­
melho”, por exemplo, é uma combinação de atributos 
tais como saturação, brilhância e tonalidade, todos quan­
titativos. Não é necessário, entretanto, que entremos aqui 
nestes assuntos mais delicados. Há outros elementos 
mentais, além das sensações, a serem examinados neste 
levantamento dos ensinamentos de Titchener.
David Hume, como vimos, foi dos primeiros a dis­
tinguir entre sensações e imagens, chamando-as respec­
tivamente “impressões” e “idéias”, e imaginando as úl­
timas como cópias desmaiadas das primeiras. Mas Hume 
foi também arguto e observador o bastante para ver que 
é freqüentemente difícil distingui-las apenas na base da 
experiência:
“Não é impossível mas em casos particulares podem 
aproximar-se bastante uma da outra. Assim no sono, na 
febre, na loucura ou em muitas das emoções violentas 
da alma, nossas idéias podem aproximar-se de nossas im­
pressões: como de outro lado acontece algumas vêzes, 
que nossas impressões sejam tão desmaiadas e fracas que 
não se possam distinguir de nossas idéias”.
Exceto em diferenças menores de terminologia isto 
formula quase exatamente a posição de Titchener, cento 
e setenta e seis anos depois, a respeito da questão das 
sensações e imagens como elementos de igual dignidade 
e pêso. Vai alguns passos além de Hume, entretanto, 
quando diz, na Psicologia para Principiantes que “é
43
muito duvidosoque haja qualquer diferença entre sen­
sação e imagem”, mas, como Hume, recua para diferen­
ças não psicológicas ao definir a imagem como “um pro­
cesso elementar mental, parente da sensação e talvez 
indistinto dela, que persiste quando o estímulo sensorial 
desaparece (é retirado) e aparece quando o estímulo sen­
sorial está ausente”.
Se isto parecer obscuro ao leitor, lembrc-se que a 
função do psicólogo, de acôrdo com Titchener, era-des­
crever a experiência e só a experiência. Estímulos não 
são processos mentais, embora possam dar origem a êstes 
e possam ser em relação a êstes considerados. Assim, 
quando diz que sensações e imagens são talvez indistintas, 
quer dizer que, exclusivamente na base da observação 
introspectiva, não podemos dizer a diferença: nada cm 
um processo mental êle próprio se identifica como “éu 
sou uma sensação” ou “sou uma imagem”. (Se Titche­
ner levava a sério sua própria sugestão, em outro con­
texto, de uma diferença “textural” introspectivamente 
observável entre as duas, poderá permanecer uma ques­
tão sem resposta).
Titchener encontra uma imagem para cada sentido, 
com a possível exceção do cinestético e encontra-as de 
diferentes espécies dentro, de um mesmo sentido. Além 
das modalidades visual, auditiva e outras, existem tipos 
de imagens como as recorrentes por exemplo, uma mu- 
siquinha que persiste em nossa cabeça, alucinatória (ba­
tem à porta, mas não há ninguém), imagens oníricas, mne­
mónicas, etc. — a lista é longa. Estas imagens, como 
as sensações, têm seus atributos de qualidade, intensidade,
44
duração, e outros; e, como as sensações, vão longe ao su­
prir os componentes elementares da vida mental.
Falta discutir a terceira classe de elementos de Tit- 
chener — as afecções ou simples sentimentos. Êstes se 
definem por contraste com o processo elementar da sen­
sação. Uma afecção difere de uma sensação pelo nú­
mero de atributos que possui; falta-lhe clareza (vivacida­
de) e falta-lhe extensão. Pode variar na duração do tempo 
que ocupa; pode ser de grau maior ou menor (intensida­
de); e sempre tem uma de duas qualidades — agrado e 
desagrado. Nunca estas duas qualidades existem ao 
mesmo tempo (não existem sentimentos “mistos”); e não 
devem nunca estas formas de sentimento serem confun­
didas com os “sentimentos” do vocabulário popular. 
Quando se diz “sinto isto liso ou enrugado”, “sinto-me 
bem”, “êle sente que estou certo”, estamos tentando apli­
car o têrmo a experiências muito mais complicadas em 
sua natureza e nas quais os verdadeiros sentimentos (afec­
ções) desempenham quando muito um papel inconside- 
rável. (Obviamente, não devemos confundir esta “afec­
ção” com a “afeição” entre filhos e pais, não importa o 
quanto de prazer ou desprazer possam acarretar!).
No seu tratamento da afecção Titchener se afasta 
vigorosamente dos ensinamentos de Wundt. Êste último 
não se dispunha a reconhecer o status de agradável ou 
desagradável com qualidades de processos — elementares, 
e tinha dado posição igual a sentimentos tais como tensão 
e relaxamento, excitação e calma. Titchener examina a 
teoria de Wundt em detalhe, bem como os testemunhos 
experimentais subjacentes, e conclui pelo caráter elcmen-
45
tar apenas das afecções, sendo as outras categorias de 
sentimento de Wundt de caráter combinatório. Argu­
menta que tensão, relaxamento, excitação e calma são 
na realidade “sentimentos-sensoriais”, combinações de 
sensações orgânicas e sentimentos verdadeirosz.
E chega de análise mental. Ao voltarmo-nos dos 
elementos do sistema de Titchener para as combinações 
destes elementos, vamos do simples para o complexo. 
Trataremos aqui das estruturas mentais como percepções, 
idéias e emoções; com associação, memória e pensamen­
to; e mesmo com coisas tão complicadas como os sen­
timentos e 0 “eu”. Não se pode aqui fazer justiça a to­
dos estes tópicos, mas certos princípios gerais podem ser 
esboçados e algum material ilustrativo apresentado que 
ajude o leitor a “sentir” o sistema de Titchener.
Percepções e idéias são as primeiras coisas a con­
siderar. São assuntos da experiência cotidiana que se 
oferecem à análise. Só quando assumimos a atitude de 
laboratório é que compreendemos sua natureza composta.
Percepção e idéias são as unidades de nossa vida men­
tal diária, tal como as sensações e sentimentos são as uni­
dades da análise psicológica. Estas percepções podem ser 
analisadas, pela introspecção cuidadosa, em (1) certo nú­
mero de sensações que são suplementadas por (2) várias 
imagens e (3) “moldadas pela ação de fôrças nervosas que 
não se mostram nem na sensação nem na imagem”. De-
2) A controvérsia entre mestre e discípulo não deve nos 
deter aqui. Além disso, Titchener, antes de sua morte, chegou 
à conclusão de que mesmo os sentimentos de agrado e desagrado 
seriam provàvelmente redutíveis a sensações.
46
ve-se notar que só as duas primeiras características são na 
realidade “experienciais”; a terceira é uma inferência, não 
um verdadeiro conteúdo mental mais sim algo que jaz por 
trás dêle. Um exemplo: o núcleo de nossa experiência de, 
digamos, uma árvore não é mais do que um arranjo de 
sensações de côr. Com estas sensações-nucleares vêm 
certas imagens suplementares — é a árvore que sombreia 
o canteiro de flores de nosso vizinho no verão, a árvore 
que causou uma demanda judicial, a árvore que ostenta 
“ninhos de pardais em seus cabelos”. Mais ainda, a árvore 
é automàticamente tomada como sendo uma “coisa” real, 
que ocupa um “espaço” real; e estas caracterizações po­
dem ser fundadas sobre material absolutamente não-men- 
tal — nem sensação nem imagem — mas devidas a uma 
espécie de hábito cerebral a que falta um representante 
na assembléia dos elementos.
Tal como a percepção é algo composto em que a 
sensação figura predominantemente, assim a idéia típica 
é uma estrutura mental que possui um núcleo de imagens. 
“A neve do último inverno pode chegar a nós. . . como 
um quadro visual, um espalhamento desigual de branco, 
com traços de marrom-acinzentado nos picos e ao longo 
dos vales, intercruzado e quebrado parcialmente pelo 
degêlo”. Êste é o núcleo imagético — o conteúdo básico 
de imagens da idéia. Outras imagens podem sobrepor-se 
a êste núcleo: “lembramo-nos do dia em que fulano che­
gou com os pés molhados, ou a grande nevada daquela 
quinta-feira de dezembro”. Mesmo isto não é tudo. “Di­
ficilmente podemos pensar em chegar com os pés molha­
dos. . . sem algum movimento que desperte a sensação”.
47
A idéia pode, pois, incluir sensação material que adicio­
ne à sua complexidade. Finalmente, como na percepção, 
um hábito cerebral pode jazer atrás de nossa idéia como 
fator modelador ou determinador.
Gs sentimentos (agradável e desagradável), combi­
nados em um nível elementar com certas sensações, prin­
cipalmente cinestéticas e orgânicas, dão-nos “sentimentos- 
-sensoriais”. Há seis espécies dêstes “sentimentos-sen- 
soriais”: os excitantes e os calmantes, os que provocam 
tensão e os que relaxam e o agradável e o desagradável, 
cada um dependendo da natureza peculiar da mistura 
sensação-sentimento. Cada um pode se combinar, por 
sua vez, com ulteriores processos sensoriais e imagéticos 
e sob certas condições produzir emoções como a alegria 
e o mêdo, cólera e pesar, esperança e alívio.
Não há necessidade de prosseguir além com êste 
aspçcto da composição psicológica. Sua natureza geral 
e a direção que assumiu devem já agora ser claras; e há 
dois ou três outros assuntos que são dignos de uma 
revisão rápida antes de concluir nossa inspeção do edi­
fício que Titchener construiu.
A primeira concerne à questão que foi perguntada 
e respondida, já em 1709, no livro Nova Teoria da 
Visão do bispo Berkeley,' e uma citação dos bons es­
critos do bispo introduzir-nos-ão ao problema:
“Sentado em meu estúdio ouçouma carruagem pas­
sar pela rua; olho pela janela e vejo-a; saio de casa e 
entro nela. Assim através da linguagem comum alguém 
seria levado a pensar que ouvi, vi e toquei a mesma coisa, 
a saber, a carruagem. É não obstante certo que as idéias
48
introduzidas por cada sentido são amplamente diversas 
e distintas umas das outras; mas, tendo sido observado 
que constantemente vão juntas, fala-se delas como sendo 
uma e mesma coisa”.
Berkeley propunha isso meramente como um exem­
plo da maneira pela qual a “mente” gera a “matéria” 
(mais especificamente “coisas” ou “objetos”) pela com­
binação ou associação de certas idéias. Já vimos uma 
ilustração da mesma espécie de raciocínio na sua teoria 
da percepção de distância. O estudante de história, en­
tretanto, pode achar nesta citação uma antecipação de uma 
teoria muito mais conhecida —■ a teoria do contexto do 
significado — de Titchener 3.
Característica óbvia de nossas percepções e idéias, 
de acôrdo com Titchener, é que ambos têm um significado. 
A neve do inverno passado, a árvore do pátio, o estrépido 
da carruagem do bispo Berkeley — são todos eventos 
significativos. Mas qual é psicologicamente, isto é, in- 
trospectivamente, o significado? A resposta pode já ter 
sido dada quando discutimos a questão das percepções e 
idéias, mas não faz mal ampliar um pouco.
3) Poderá ajudar, nesta discussão, dar outro paralelo ao 
exemplo de Berkeley. Ouço o som de um latido, e digo, “eis 
meu cachorro”; à distância vejo um objeto de fornia familiar em 
movimento, digo “meu cachorro” ; sinto frio na minha orelha 
fora das cobertas pela manhã, “meu cachorro” ; sinto um 
punjente cheiro de canil e digo outra vez “meu cachorro”. O 
núcleo sensorial destas percepções é diferente em cada caso, vindo 
como vem de diferentes departamentos sensoriais; mas cada 
percepção significa “meu cachorro”. O porquê c assim a 
questão que nos ocupará a seguir.
49
Quando analisamos a mente introspectivamente des­
cobrimos, não significados, mas processos mentais — 
sensações, imagens, sentimentos e suas combinações. A 
árvorr de nosso exemplo, concordamos, tinha tanto de 
sensação, mais um acréscimo de imagens; a neve do in­
verso passado era afinal um tanto de imagem, mais ou­
tras imagens e sensação. É neste fator mais do processo 
mental que encontraremos a resposta da pergunta.
O “significado”, diz Titchener “ . . . é sempre con­
texto; um processo mental é o significado de outro pro­
cesso mental se fôr o contexto dêste outro”. O próprio 
contexto não é nada senão “a fímbria de processos re­
lacionados que se reúne em tômo de um grupo central 
de sensações ou imagens”. Na percepção e na idéia há 
um núcleo mais um contexto, e é o último que “carre­
ga” o significado do primeiro, isto é, é o que se encontra 
quando perscrutamos a experiência na nossa busca de 
uma contrapartida do significado lógico cotidiano.
Titchener oferece um certo número de ilustrações 
para mostrar a sabedoria desta distinção núcleo-contexto. 
O contexto pode, em certos casos, ser desnudado do 
núcleo — como quando repetimos alto uma palavra até 
que o contexto desapareça e a palavra se torne sem sen­
tido; o contexto pode ser adicionado ao núcleo — como 
quando aprendemos o significado de um desenho estra­
nho ou de uma palavra estrangeira; contexto e núcleo 
podem ser separados no tempo — como quando sabe­
mos o que queremos dizer mas precisamos tempo para 
encontrar as palavras expressivas, ou quando a graça de 
uma anedota só é percebida em aparência mais tarde; o
50
mesmo núcleo pode ter vários contextos — como está 
implícito nas nossas preocupações sôbre o verdadeiro sig­
nificado de uma observação casual; o mesmo contexto 
pode ser acrescido de diferentes núcleos — como no caso 
da carruagem do bispo Berkeley; etc. Não faltavam a 
Titchener exemplos para defender esta distinção. Sua 
inabilidade, entretanto, em demonstrar que o significado 
fôsse sempre contexto se revela na admissão de que po­
deria ser carregado por uma “disposição cerebral” na au­
sência de representação consciente — como quando o 
leitor traquejado aprende o significado de uma página 
impressa, ou uma composição musical é executada na 
classe apropriada, sem a presença de uma fímbria de ima­
gens que suplementem o núcleo da percepção.
O contexto se acrescenta ao núcleo associativamente. 
Titchener não formulou esta afirmação explicitamente, 
mas é claro que não se pode entender a composição de 
nenhuma outra maneira. Podemos, pois, ràpidamente, 
inspecionar o tratamento que Titchener dá a associação 
como princípio psicológico, e assim ver o que aconteceu 
à velha doutrina inglêsa nas mãos de um experimenta­
lista.
“Sempre que um processo sensorial ou imagético 
ocorre na consciência, há a tendência de aparecerem com 
êle (naturalmente em têrmos imagéticos) todos os proces­
sos sensoriais e imagéticos que ocorreram juntos com êle 
em qualquer presente consciente anterior”. Esta afirma­
ção que é a “lei” fundamental da associação, foi tomada 
do Manual de 1910, onde é precedida por uma exaustiva 
crítica do antigo assoeiacionismo e seguida de um vasto
51
conjunto de cláusulas restritivas e condicionais que não 
precisamos considerar aqui. A intenção é que seja uma 
fórmula descritiva dos fatos observados da doutrina an­
terior; a fórmula explicativa de Titchener apela para os 
eventos neurais que correm paralelos aos processos sen- 
soriais e imagéticos acima mencionados.
A Lei da Associação torna-se muito importante no 
sistema de Titchener, particularmente em sua abordagem 
da memória e imaginação, mas o próprio Titchener com- 
prefendia que não era completamente suficiente para o en­
tendimento das conexões mentais tôdas. Isto é aparente 
na própria formulação da lei. Notar que diz “tendem a 
aparecer” (grifo meu) quando fala dos processos senso- 
riais e imagéticos associados. Lembrar também o uso 
que. fazia do “hábito-cerebral” como fator modelador e 
determinador na construção de percepções e idéias. Isto 
se resume em reconhecer que os processos mentais, bem 
como as ações, aparecem não só como resultado da for­
ça. dos vínculos associativos, mas também por causa de 
certas fôrças diretivas — “hábitos cerebrais”, “tendências 
instintivas”, “disposições nervosas”, etc. — que podem 
mesmo trabalhar, contra a influência de associações mui- 
to> repetidas. Assim, em acréscimo às tendências associa­
tivas, temos “tendências determinantes”. Processos sen- 
soriais e imagéticos que, na base de associação passada 
freqüente, deveriam juntar-se na mente, podem, graças à 
pressão de algumas tendências determinantes, manterem- 
rse apartados — ter apenas provável o seu aparecimento. 
Um simples exemplo: a palavra “prêto”, pode, em vir­
tude da associação, evocar “branco” na mente do leitor,
52
e “amargo” similarmente eliciar “doce”; mas que teria 
acontecido se se lhe tivesse dito (“disposto” ou “deter­
minado”) que encontrasse rimas para “prêto” e “amargo”?
Nosso propósito presente não exige um retrato mais 
completo ou inclusivo do ponto de vista de Titchencr. 
Coloquei aqui, a despeito do que o especialista possa 
chamar trivialmente “flagrantes omissões”, um esquema 
razoável do sistema — o bastante, pelo menos, para pro­
ver um quadro de referência quando examinarmos outras 
concepções. Há a experiência (processo mental); deve 
ser analisada introspectivamente em elementos (sensa­
ções, imagens e sentimentos), com seus atributos (quali­
dade, intensidade, etc). Os elementos se fundem ou for­
mam padrões no espaço e tempo (associados) para dar- 
-nos estruturas mentais tais como a percepção, idéias, 
sentimentos-sensoriais, emoções e que tais.
Finalmente êstes processos — tanto o simples como 
o complexo — são acompanhados de eventos paralelos 
no sistema nervoso e determinados por êles.
Êste produto de

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