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www.cers.com.br OAB XVII EXAME – 1ª FASE Filosofia do Direito Bernardo Montalvão 1 FRIEDRICH MULLER A METÓDICA DE FRIEDRICH MULLER: Segundo Müller, a métodica de concretização da norma não se confunde com uma métodica de interpretação de textos de linguagem, com recurso às regras artificiais da hermenêutica clássica. Neste erro, afirma Müller, incorreram Laband e, também, de certa maneira, Hans Kelsen. Segundo Müller, a norma não é uma proposição idiomática posta no papel, não é um mero texto, logo, a interpretação jurídica também não é uma mera interpretação do texto da lei. O processo de concretização (ou interpretação jurídica), segundo Müller, envolve três elementos básicos, são eles: a) O FATO (o RELATO que se fez do caso concreto); b) o PROGRAMA DA NORMA; c) o ÂMBITO NORMATIVO. Como se vê, para Müller, a concretização da norma é um PROCESSO ESTRUTURADO. Segundo Müller, toda concretização normativa é aperfeiçoadora e criativa. Isto porque, segundo ele, a interpretação não deve se prestar nem a descobrir "a vontade do legislador" (uma ficção, segundo ele) nem "a vontade da lei" (uma vontade desatualizada e imobilizada pelo texto da norma). O processo de concretização da norma abrange o funcionamento dela, o seu reconhecimento e a sua eficiência na atualidade. O texto da norma não é a norma. O texto é apenas a ponta de um grande iceberg. Logo, não é o texto da norma que regula o caso concreto, mas, sim, o que diz o juiz, o administrador, o órgão de governo, o corpo legislativo etc. A concretização da norma e o seu processo estruturado é construído a partir da observação do que diz a ciência e o seu conhecimento teórico, mas, também, e sobretudo, o que prescreve a praxis. O texto da norma, segundo Müller, não contém a NORMATIVIDADE e a sua estrutura material concreta. Do que se deduz que não é possível isolar a norma da "realidade", antes é a realidade em seus respectivos dados (o círculo ou o âmbito da norma - ÂMBITO NORMATIVO) afetada pela disposição da norma (o PROGRAMA DA NORMA) o elemento material constitutivo da da própria norma. Em suma, o processo de concretização (ou interpretação jurídica) que cria e aperfeiçoa a norma para um certo caso concreto é estruturado a partir de três elementos: a) O FATO: que é o RELATO que se fez do caso concreto; b) o PROGRAMA DA NORMA (Normprogramm): é a pretensão ou disposição da norma, ou seja, o objetivo que a norma do caso concreto pretende alcançar; c) o ÂMBITO NORMATIVO (Normbereich): é o rol de situações concretas a que a norma pode se dirigir ou pretende controlar. OS MÉTODOS DE INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL DA NOVA HERMENÊUTICA. O MÉTODO CONCRETISTA DE INSPIRAÇÃO TÓPICA (A NOVA HERMENÊUTICA CONSTITUCIONAL DE FRIEDRICH MÜLLER). Síntese feita por mim a partir do Curso de Direito Constitucional do Ilustre Professor Emérito Paulo Bonavides. O método de Müller é concretista. Tem sua base medular ou inspiração maior na tópica, a que ele faz alguns reparos, modificando-a em diversos pontos para poder chegar aos resultados da metodologia proposta. Todas as diligências empreendidas por Müller se concentraram em estruturar e racionalizar o processo de concretização da norma, de modo que a atividade de interpretação, deixada em aberto pela tópica, possa por meio da racionalização método-lógica tornar-se minimamente controlada, de sorte a não enfraquecer o caráter de obrigatoriedade e normatividade da regra inscrita na Constituição. A interpretação em Müller, bem como nos demais autores concretistas (Konrad Hesse e Ehmke, por exemplo), se qualifica como concretização. Ou seja, é a interpretação que especifica qual será a www.cers.com.br OAB XVII EXAME – 1ª FASE Filosofia do Direito Bernardo Montalvão 2 norma aplicável a um determinado caso concreto. Em outras palavras, a concretização se caracteriza por ser feita através da interpretação, e esta se caracteriza por ser o próprio processo de concretização. Mas a interpretação é a interpretação do quê? Da norma. Porém, o que é a norma? É aqui que se concentra a essência da originalidade contida na posição desse jurista (Friedrich Müller), quando ele responde a esta indagação. Ele compreende a norma jurídica como algo que vai além do texto de uma regra normativa inscrita na Constituição ou em um Código. Logo, a interpretação ou concretização de uma norma não se confunde com a mera interpretação do texto de um artigo de lei, por exemplo. Por conseguinte, a interpretação ou concretização para Müller não tem o mesmo significado que a interpretação tem para uma boa parte do juristas, isto é, como sendo um processo de interpretação de um texto, explorando as suas possibilidades semânticas ou sintáticas. A concretização da norma para Müller é algo mais abrangente, pois envolve outras variáveis, e não apenas o texto da lei, além de ser algo mais arrojado. Nas palavras de Müller, a "metódica" envolve todos os meios de trabalho mediante os quais se chega a concretizar a norma e a realizar o direito. Logo, é uma operação mais complexa, pois envolve diversas outras variáveis, além do texto de lei. A concretização empreendida pelos Tribunais, com frequência, se socorre de TOPOI ou pontos de vistas (lugares comuns, opiniões compartilhadas pela maioria dos juristas e que não estão previstas expressamente na lei). Exemplos de topoi: o princípio da unidade da Constituição; a presunção de que há uma "natureza das coisas"; a necessidade de uma interpretação conforme o caso concreto; a possibilidade de mudança de importância de uma norma constitucional em razão de alterações fáticas do mundo social; a importância que a matéria tem tanto para interpretação da norma como para decisão do conflito; a importância que considerações históricas, políticas e científico-sociais têm para que seja proferida a decisão. A METÓDICA DE FRIEDRICH MULLER: UMA ESTRUTURAÇÃO CONCRETISTA DO DIREITO E DA REALIDADE: O ÂMBITO DA NORMA FUNDAMENTA A NORMATIVIDADE. A partir da lição de Müller é possível concluir que, ao analisar a praxis jurídica, a normatividade se apresenta como um "processo estruturado". E que, ao analisar a relação da normatividade com a norma e o texto da norma, é preciso, logo a seguir, analisar a estrutura da norma. Ou seja, segundo Müller, a norma jurídica não é um juízo hipotético diante de um grupo de situações abstratamente imaginadas e que possam ser isoladas. Ela não é, prossegue o professor de Heidelberg, um comando autoritário sobreposto à realidade. Pelo contrário, ela é a consequência de um processo. Uma consequência que ordena a própria estrutura material da esfera social a ser regulada. Em outras palavras, o direito e a realidade não são esferas incomunicáveis nem categorias autônomas subsistentes por si mesmas. O âmbito da norma é fator que fundamenta a normatividade. Não é uma simples soma de fatos, mas um conjunto de elementos estruturais extraídos da realidade social. Isto é, o conjunto de circunstâncias sociais encontradas na realidade de uma certa sociedade e que fundamenta a normatividade. Como Müller parte da ideia de que o texto, a rigor, não é a lei, mas tão-somente a forma da lei, ele propõe uma teoria estruturalista em que a normatividade da prescrição jurídica se fundamenta através do âmbito da norma (conjunto de circunstâncias sociais encontradas na realidade, por exemplo, as presunções compartilhadas). E o âmbito normativo, por sua vez, é extraído do conteúdo fático geral da esfera regulativa da prescrição. Ou seja, se é a realidade social que se quer regular, é preciso extrair dela as premissasque devem balizar e www.cers.com.br OAB XVII EXAME – 1ª FASE Filosofia do Direito Bernardo Montalvão 3 fundamentar a norma jurídica que decidirá o conflito. Sendo assim, o texto funciona como aquilo que irá dirigir e delimitar a concretização possível. Como a interpretação do texto da norma forma uma parte importante da norma, mas não a única, por meio da qual se converte os sinais gráficos de ordenação normativa aplicada a determinados casos, é mais correto se falar em concretização de normas, e não de interpretação ou exegese. A metodologia jurídica, daqui para frente precisa levar em consideração as condições que cercam as "funções de concretização da norma" (a fixação da norma,o Governo, a Administração, a Jurisprudência, a Ciência). A "METÓDICA ESTRUTURANTE" NA CONCRETIZAÇÃO DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS. Em se tratando de concretização de normas constitucionais, preconiza Müller que haja, além dos elementos clássicos e tradicionais distinguidos e apontados por Savigny, elementos adicionais a serem acrescentados, cabendo à nova metodologia completar a análise estrutural do processo de concretização por meio de um modelo de estrutura, também de concretização, de maneira que disso tudo resulte uma "metódica estruturante" (strukturierende Methodik). Entram em jogo na teoria de Müller os seguintes elementos de concretização da norma: a) os elementos metodológicos em sentido estrito (os da interpretação gramatical, histórica, genética sistemática e "teleológica", além de alguns princípios isolados de interpretação constitucional); b) os elementos do âmbito da norma; c) os elementos dogmáticos; d) os elementos teóricos ou de uma Teoria da Constituição; e) os elementos técnicos de solução; f) e os elementos político-jurídicos ou político-constitucionais. Dentre estes elementos, alguns se relacionam de maneira direta com a norma, ao passo que outros apenas o fazem de forma indireta. Estão em relação direta com a norma os elementos metodológicos em sentido estrito, os do âmbito da norma e parte dos elementos dogmáticos. Os demais, não se relacionando diretamente com a norma, desempenham funções auxiliares, bem delimitadas durante o ato de concretização. Müller, ao tratar sobre o aspecto mais complexo e delicado de sua teoria estrutural da norma, concebida em sua normatividade dentro de um âmbito fático (ou material), cuja análise é fundamental para o hermeneuta, estabelece uma hierarquia entre os elementos de concretização da norma. Em caso de conflito, ou seja, em que os resultados possíveis da interpretação são contraditórios entre si, deve prevalecer os elementos imediatamente relacionados com a norma sobre os demais. E se entre os elementos imediatamente vinculados à norma surgir um conflito, isto é, se entre as interpretações possíveis a partir dos elementos diretamente ligados à norma também houver contradição, devem prevalecer os elementos gramaticais e sistemáticos, vez que eles se referem a interpretação de texto de normas, enquanto os demais se relacionam a textos que não são textos de normas. Nas palavras do autor: "A função da limitação jurídico-estatal do texto da prescrição que se vai concretizar (e do texto da norma sistematicamente tirado de outras prescrições) prevalece sobre os resultados empíricos provenientes do âmbito da norma". Robert Alexy I – INTRODUÇÃO: Segundo Robert Alexy, na obra Teoria dos Direitos Fundamentais, a norma jurídica é o gênero que admite duas espécies, são elas: os princípios e as regras. Tanto regras quanto princípios são normas, porque ambos dizem o que deve ser. O referido autor chama atenção de que a distinção entre princípios e regras não é nova. www.cers.com.br OAB XVII EXAME – 1ª FASE Filosofia do Direito Bernardo Montalvão 4 Porém, como ele esclarece, há uma pluralidade de critérios distintivos. Joseph Raz faz alusão ao critério da generalidade. De acordo com este critério, os princípios são normas com grau de generalidade relativamente alto, enquanto o grau de generalidade das regras é relativamente baixo. Josef Esser menciona, ainda, outros critérios, são eles: a) o da "determinabilidade dos casos de aplicação"; b) a forma de seu surgimento; c) o caráter explícito de seu conteúdo axiológico; d) a referência à ideia de Direito ou a uma lei jurídica suprema;e) ou, ainda, o critério da importância para ordem jurídica. Por fim, Hyman Gross faz referência ainda a dois outros critérios: a) princípios são o fundamento das regras, ao passo que as regras são elas mesmas regras; b) princípios são normas de argumentação, ao passo que as regras são normas de comportamento. II - O JUSPUBLICISMO PÓS-POSITIVISTA DETERMINA A HEGEMONIA NORMATIVA DOS PRINCÍPIOS (Friedrich Müller e Ronald Dworkin). A construção doutrinária de que os princípios têm força de norma, provém, em grande parte, do empenho da Filosofia e da Teoria Geral do Direito em buscarem algum campo neutro onde se possa superar a antinomia clássica Direito Natural / Direito Positivo. Tanto Friedrich Müller quanto Ronald Dwokin, segundo Paulo Bonavides, já se encontram na faixa histórica do pós- positivismo, cujas teses mais fecundas e representativas são encabeçadas por eles. De um lado, a doutrina de Müller, caracterizada pelo normativismo de sua teoria estruturante do direito, intenta ultrapassar pelas vias conceituais de uma concepção material o formalismo normativista de Kelsen. Do outro lado, a lição de Dworkin, que parte da conexão entre o Direito e a Moral, com o intuito de abalar a Ciência Jurídica da maneira como ela é definida pelo positivismo de Herbert Hart. Trata-se de uma reviravolta na doutrina. Os princípios jurídicos passam a ser entendidos como normas, normas-valores com positividade e que se encontram inscritas na Constituição, e não nos Códigos. Normas providas, dentro do sistema jurídico, do mais alto peso, por fazerem parte da norma de eficácia suprema, Esta norma não pode deixar de ser o PRINCÍPIO. Deste modo, fica ultrapassada a antiga e embolorada distinção entre princípios e normas. Agora, com base no novo discurso metodológico, a norma se torna o gênero que possui duas espécies: os princípios e as regras. Esta nova distinção já se acha difundida e estabelecida, basta consultar a obra de Robert Alexy, cuja obra reflete o influxo da doutrina pós- positivista. III - OS DISTINTOS CRITÉRIOS PARA ESTABELECER A DISTINÇÃO ENTRE REGRAS E PRINCÍPIOS (ROBERT ALEXY). Ao estudar uma teoria material dos direitos fundamentais em bases normativas - teoria normativa-material - Alexy instituiu a distinção entre regras e princípios, que, na essência, é a mesma de Dworkin. Conjugou as duas modalidades debaixo do conceito de normas. Tanto as regras como os princípios também são normas, escreve ele, porquanto ambos se formulam com a ajuda de expressões deônticas fundamentais, como mandamento, permissão e proibição. Em seguida, ele assevera que os princípios, assim como as regras, constituem fundamentos para juízos concretos de dever, embora sejam fundamentos de espécie mui diferentes. A diferença entre princípios e regras é, portanto, a diferença entre duas espécies de normas. Alexy lembra que há inúmeros critérios acerca da distinção entre princípios e regras. O mais frequente, segundo ele, é o da generalidade. De acordo com este, diz Alexy, os princípios são normas dotadas de alto grau de generalidade relativa, ao passo que as regras, sendo também normas, têm, www.cers.com.br OAB XVII EXAME – 1ª FASE Filosofiado Direito Bernardo Montalvão 5 contudo, grau relativamente baixo de generalidade. Alexy exemplifica. E o faz tomando a norma segundo a qual toda pessoa desfruta da liberdade de crença, como norma com um grau relativo de alta generalidade, ao passo que a norma sobre o direito que todo preso possui de fazer proselitismo (converter a uma nova religião) em favor de suas crenças junto doutros presos presos seria ilustração das normas de reduzido grau de generalidade. Portanto, é possível, segundo se lhe afigura, classificar as normas de acordo com o critério da generalidade, sendo umas princípios, enquanto outras são regras. Os demais critérios de distinção seguem adiante relacionados: a) o da determinabilidade dos casos de aplicação (Esser), b) o da origem, c) o da diferenciação entre normas criadas e normas "medradas" ou crescidas, referido por Schuman e Eckhoff; d) o da explicitação do teor de valoração (Canaris); e) o da relação com a ideia de Direito (Larenz), ou com a lei suprema do Direito (H. J Wolff) e f) o da importância que tem para ordem jurídica (Peczenik e Ziembinski). Com fundamento em tais critérios, Alexy parte para descoberta de três possíveis teses acerca da distinção que vai das regras aos princípios. A primeira, rodeada de ceticismo, entende que nenhum daqueles critérios, unilaterais, em razão de sua própria diversidade, serve para fundamentar uma tal distinção. Valendo-se da autoridade de Wittgenstein, entende ele, portanto, que o alvo há de ser colocado nas inumeráveis homogeneidades e heterogeneidades, semelhanças e dessemelhanças, dentro da classe das normas, e não em uma divisão em duas classes. A segunda tese, prossegue Alexy, é representada por quantos admitem que as normas, de modo relevante, se repartem em princípios e regras, mas pondera que esta distinção se faz de forma GRADUAL. Seus adeptos, via de regra, são aqueles numerosos autores que se valem do grau de generalidade por critério decisivo de distinção. A terceira tese, enfim, vem a ser aquela que Alexy considera como correta e consiste em afirmar que entre os princípios e as regras não impera tão somente uma distinção de GRAU, mas de QUALIDADE também, Somente por meio desta última tese é possível fazer uma distinção específica entre as normas. O critério gradualista-qualitativo de Alexy não se acha contido, conforme ele mesmo declara, na lista dos critérios mencionados anteriormente, mas explica a maior parte daqueles até então tradicionais e que se reputavam decisivos. Ponto determinante deste critério - entendidos os princípios como MANDAMENTOS DE OTIMIZAÇÃO - é o reconhecimento de que eles são normas. Mas NORMAS DE OTIMIZAÇÃO, cuja principal característica consiste em poderem ser cumpridas em distinto grau (pode ser cumprido mais ou menos) e onde a medida imposta de execução não depende apenas de possibilidades fáticas, senão também jurídicas (o cumprimento depende de possibilidades fáticas e jurídicas). Disto resulta, segundo Alexy, que a esfera das possibilidades jurídicas se determina por princípios e regras de direção contrária. Por outro lado, prossegue Alexy, as regras são normas que sempre podem ser cumpridas ou não, e quando uma regra vale, então se á de fazer exatamente o que ela exige ou determina. Nem mais, nem menos. Demais disso, como as regras contêm, desse modo, ESTIPULAÇÕES no espaço fático e jurídico do possível, isto significa, segundo ele, que, então, existe aí, entre as regras e os princípios, distinção qualitativa, e não de grau, e que toda norma é regra ou princípio. IV – O CONFLITO DE REGRAS SE RESOLVE NA DIMENSÃO DA VALIDADE E A COLISÃO DE PRINCÍPIOS NA DIMENSÃO DO VALOR. Mas onde a distinção entre regras e princípios desponta com maior nitidez, no dizer de Alexy, é ao redor da colisão de princípios e do conflito de regras. Em www.cers.com.br OAB XVII EXAME – 1ª FASE Filosofia do Direito Bernardo Montalvão 6 comum entre as colisões e os conflitos é que duas normas, cada qual aplicada de per si, conduzem a resultados entre si incompatíveis, a saber, a dois juízos concretos e contraditórios de dever-ser jurídico. Distinguem-se, por conseguinte, no modo de solução do conflito. Afirma Alexy: “Um conflito entre regras somente pode ser resolvido se uma cláusula de exceção, que remova o conflito, for introduzida numa regra ou pelo menos se uma das regras for declarada nula”. Juridicamente, segundo Alexy, uma regra vale o ou não vale, e quando vale, e é aplicável a um caso, isto significa que suas consequências jurídicas também valem. Com a colisão de princípios, tudo se passa de modo inteiramente distinto, conforme adverte Alexy. A colisão ocorre, por exemplo, se algo é vedado por um princípio, mas permitido por outro, hipótese em que um dos princípios deve recuar. Isto, porém, não significa que o princípio do qual se abdica seja declarado nulo, nem que uma cláusula de exceção nele se introduza. Antes quer dizer, esclarece Alexy, que, em determinadas circunstâncias, um princípio cede ao outro ou que, situações distintas, a questão de prevalência se pode resolver de forma contrária. Com isso, afirma Alexy, se quer dizer que os princípios têm um PESO diferente nos casos concretos, e que o princípio de maior peso é o que prepondera. Já os conflitos de regras se desenrolam na dimensão da validade, ao passo que a colisão de princípios, visto que somente princípios válidos podem colidir, transcorre fora da dimensão da validade, ou seja, na dimensão do PESO, isto é, do VALOR. Da posição de Alexy se infere uma suposta proximidade da teoria dos princípios com a teoria dos valores. Aquela se acha subjacente a esta. Se as regras têm que ver com a validade, os princípios têm muito que ver com os valores. Teoriza Alexy na mesma direção da Jurisprudência dos Valores, e aqui reside a inteira contemporaneidade do seu pensamento jurídico no que ao valor normativo dos princípios. V - AS CRÍTICAS AO CONCEITO DE PRINCÍPIO DE ROBERT ALEXY. Contra o conceito de princípio formulado por Alexy levantam-se, contudo, conforme ele mesmo arrolou, três objeções principais. A primeira forceja por demonstrar a existência de colisões de princípios que se resolvem mediante a declaração de invalidade de um deles. Mas, quando isso ocorre, é porque se trata de princípio extremamente fraco, isto é, princípio que em nenhum caso prevalece sobre qualquer outro. A segunda objeção envolve a ocorrência de princípios absolutos. Jamais podem eles ser colocados, porém, numa relação de preferência perante outros princípios. Neste ponto, Alexy rebate dizendo: "Se existem princípios absolutos, então cabe modificar a definição do conceito de princípio, visto que, se um princípio, em caso de colisão, precede todos os demais princípios, e também o de que uma regra estabelecida se há de seguir, significa que sua realização não conheceria limites jurídicos. Haveria somente fronteiras fáticas. Não seria aplicável o teorema da colisão". A terceira crítica é a de que o conceito de princípio é demasiado vasto e, portanto, imprestável, ou seja, inútil, porque faria objeto de avaliação todos os interesses possíveis. Esta é a mais fraca das críticas, e a ela pouca ou nenhuma atenção lhe concede o formulador da nova teoria dos princípios, salvo para deixar bem clara a sua divergência com Ronald Dworkin, que entende de maneira restritiva os princípios , fazendo dos bens coletivos meras POLICIES (políticas), ao contrário de Alexy, que alarga o conceito de princípio e insere neles também as políticas (bens ou interesses de natureza coletiva). Em Dworkin os princípios se referemunicamente aos direitos individuais, mas para Robert Alexy, os princípios englobam tanto os direitos individuais como os de natureza coletiva. www.cers.com.br OAB XVII EXAME – 1ª FASE Filosofia do Direito Bernardo Montalvão 7 VI - A TEORIA DOS PRINCÍPIOS É HOJE O "CORAÇÃO" DAS CONSTITUIÇÕES: A CONTRIBUIÇÃO DE RONALD DWORKIN NA IDADE DO PÓS-POSITIVISMO. A distinção entre regras e princípios é também um dos pontos centrais da original concepção de Dworkin sobre as normas jurídicas. Em muitos aspectos, mas não em todos, ela coincide com a de Robert Alexy. É possível até dizer, com alguma ousadia, que Alexy se inspirou, de certo modo, a partir da obra de Dworkin. De forma sucinta, se passará a expor o pensamento de Dworkin acerca dos princípios, cuja normatividade foi ele um dos primeiros a admiti-la com toda a consistência e solidez conceitual, posto que com as insuficiências e imperfeições restritivas corrigidas por Robert Alexy, ao fazer o necessário e indeclinável enriquecimento dos conteúdos materiais dos princípios, cujo raio de abrangência ele alargou com maior rigor científico, segundo Paulo Bonavides. A teoria dos princípios, depois de acalmados os debates acerca da normatividade que lhes é inerente, se converteu no coração das Constituições, ainda de acordo com Paulo Bonavides. Voltemos a Dworkin, As regras, segundo ele, são aplicáveis segundo o método do TUDO OU NADA (an all or nothing). Se ocorrerem os fatos por ela estipulados, afirma ele, então a regra será válida e, nesse caso, a resposta que der deverá ser aceita; se tal, porém, não acontecer, aí a regra nada contribuirá para decisão. Sempre que se tratar de regra, para torná- la mais precisa e completa, faz-se mister enumerar-lhe todas as exceções. O conceito de validade da regra é conceito de tudo ou nada apropriado para a mesma, mas incompatível com a dimensão de PESO, que pertence à natureza do PRINCÍPIO. Entenda-se bem: PESO ou VALOR. A dimensão de peso, ou importância ou valor (valor aqui numa acepção específica) só os princípios a possuem, as regras não, sendo este, talvez, o mais seguro critério com que distinguir tais normas. A escolha ou a hierarquia dos princípios se dá por meio de sua relevância. Das reflexões de Dworkin infere-se que um princípio, aplicado a um determinado caso, se não prevalecer, nada obsta a que amanhã, noutras circunstâncias, volte ele a ser utilizado, e já então de maneira decisiva. Já em um sistema de regras, segundo Dworkin, não é correto afirmar que uma regra é mais importante do que a outra. De tal sorte que, quando duas regras entram em conflito, não se admite que uma possa prevalecer sobre a outra em razão de seu maior peso. "Se duas regras entrarem em conflito, uma delas não pode ser regra válida. A decisão acerca de qual será válida e qual deverá ser abandonada ou reformada fica sujeita a considerações exteriores às próprias regras". As soluções possíveis para o conflito, referidas por Dworkin, são as seguintes: um sistema legal pode regular conflitos de regras por meio de outras regras, de preferência a que for decretada pela autoridade mais alta (hierarquia); a regra que houver sido formulada primeiro (cronologia); a mais específica ou algo desta natureza (especialidade) e, por fim, a que tiver apoio dos princípios mais importantes. Só as regras determinam o resultado, segundo Dworkin, não importa o que aconteça. Se um resultado contrário acaba ocorrendo, a regra é abandonada ou alterada, de acordo com Dworkin, ao passo que com os princípios isto não ocorre, pois com estes as coisas não se passam deste modo; se os princípios se inclinam por uma decisão, de maneira não conclusiva, e ela não prevalece, os princípios sobrevivem intactos. O princípio, ainda de acordo com Dworkin, pode ser relevante em caso de conflito, para um determinado problema legal, não estipula uma solução particular. E quem houver de tomar a decisão levará em conta todos os princípios envolvidos, elegendo um deles, sem que isso signifique, todavia, identificá-lo como "válido". Princípios não são válidos, antes têm peso. Regras, elas sim, são válidas.
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