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EDUCAÇÃO ESCOLAR INDIGENA E QUALIDADE DE VIDA Adriana Peschisky Pawlak Acadêmica no curso de Pedagogia. UNICENTRO. 2013. E-mail: adriana_peschisky@hotmail.com Indiamara Pelisson Acadêmica no curso de Pedagogia. UNICENTRO. 2013 E-mail: indi.pelisson@hotmail.com Orientadora: Patrícia Regina Ciaramello Programa de Pós Graduação em Educação. UNICENTRO. RESUMO Considerando o contexto histórico, os povos indígenas Kaingang que habitavam o segundo e terceiro planalto do estado do Paraná sofreram um violento processo de desterritorialização, no século XIX, que afetou consideravelmente sua qualidade de vida. Começam então a usar novas estratégias de luta para exigir do governo a demarcação de suas terras, entre outros direitos. Uma das estratégias utilizadas se deu via educação. Partindo deste contexto, este artigo traz como tema “Educação Escolar Indígena” e “Qualidade de Vida”, ao refletir sobre o papel da escola e da apropriação dos conhecimentos que proporcionarão à comunidade Kaingang buscar uma melhor qualidade de vida. Para isso, foi realizada uma pesquisa qualitativa, contando com coleta de dados por meio de observação, conversas informais, entrevistas e questionários, realizados junto à comunidade indígena Kaingang de Boa Vista Passo Liso localizada no município de Laranjeiras do Sul, sudoeste do estado do Paraná. Como se trata de uma terra que se encontra em processo de demarcação, onde ainda habitam agricultores não-índios e a situação econômica dos moradores indígenas é precária, sendo que a pequena renda que possuem vem do artesanato, algumas aposentadorias e políticas públicas oferecidas pelo governo, o presente artigo tem por objetivo compreender se a escola da comunidade contribui para uma melhor qualidade de vida, partindo das percepções do próprio povo Kaingang acerca da escola e do que é uma boa “qualidade de vida”. Palavras-chave: Educação Escolar Indígena, Qualidade de Vida. 1 Summary Considering the historical context, the Kaingang indigenous peoples who inhabited the second and third plateau of Paraná state suffered a violent process of dispossession, in the nineteenth century, which affected their quality of life considerably. Then, they begin to use new strategies to fight the government to require the demarcation of their lands, among other rights. One strategy is given via education. From this context, this article presents the theme "Indigenous Education" and "Quality of Life", to reflect on the role of schools and the acquisition of knowledge that will provide the community Kaingang seek a better quality of life. For this, it was done a qualitative research, with data collection through observation, informal conversations, interviews and questionnaires, conducted by the Indian community Kaingang Boa Vista Passo Liso localized in Laranjeiras do Sul, southwestern state of Paraná. As this is a land that is in the process of demarcation, where non-Indians farmers still inhabit and the economic situation of the indigenous people is precarious, and the small income that they have, come from the handcraft, some pensions and public policies offered by the government, this article aims to understand if the school community contributes to a better quality of life, based on the perceptions of the people themselves Kaingang about the school and what is a good "quality of life" . Keywords: Indigenous Education , Quality of Life . 1. INTRODUÇÃO O artigo traz como tema “Educação Escolar Indígena” e “Qualidade de Vida”. A necessidade de pesquisar esse tema surgiu devido às dúvidas que nos foram aparecendo durante o tempo em que trabalhamos em escola indígena e através de alguns questionamentos feitos durante as aulas da disciplina de Pesquisa1, onde optou-se pela realização de uma pesquisa qualitativa, mais especificamente um estudo de caso, contando com coleta de dados, questionário e entrevista. A pesquisa foi realizada em uma escola indígena pública de educação infantil e ensino fundamental – E.E.I.K.H. – localizada na aldeia Boa Vista do Passo Liso, onde estudam aproximadamente 60 alunos indígenas que se encontram na faixa etária de 3 a 18 anos de idade2. A escola conta com dezesseis funcionários no total, é pequena e de madeira, possuindo apenas duas salas grandes, outras salas foram improvisadas para atender os alunos – não tem espaço suficiente, falta sala de aula para atender à demanda de turma para o Ensino Médio, pois agora com as partes de terras que os indígenas 1 Disciplina Pesquisa da Educação III – trabalho de Conclusão de Curso, realizada no 7º semestre do Curso de Pedagogia do Polo avançado de Laranjeiras do Sul, UNICENTRO. 2 A escola contém duas classes de educação infantil, uma classe de 1º ano, uma de 2º ano e uma de 3º ano; o 4º e o 5º anos são juntos (classe multisseriada); dos Anos Finais do Ensino Fundamental, tem uma turma de 6º ano, uma de 7º ano e uma de 8º ano; não possui Ensino Médio. 2 conseguiram das famílias assentadas, já se fala em construir uma escola padrão de alvenaria, onde possa atender toda a demanda de educação infantil, ensino fundamental, e ensino Médio. Do total de funcionários, dez são não-índios, sendo que quatro são professores que atuam nos anos iniciais do Ensino Fundamentais, cinco são professores dos anos finais e um atua como agente educacional I. Os outros seis funcionários são Kaingang, sendo que uma atua como professora tanto nos anos iniciais quanto nos finais; dois trabalham na gestão escolar, um deles atua como agente educacionais II e os outros dois como agentes educacional I. A aldeia Boa Vista do Passo Liso está localizada no município de Laranjeiras do Sul, Paraná, cuja terra em que habitam foi alvo de disputas entre indígenas e não-indígenas que também possuem documento de posse da terra. Até 1962 as terras pertenciam aos Kaingang, o que foi comprovado com a localização de um cemitério indígena, no ano de 2005. Conta-se que nesta época foi mandado retirar e até matar os índios que nela moravam sendo, posteriormente, legalizada e vendida para os não-índios, inclusive com documentação. Hoje moram nessa terra cerca de 120 famílias brancas, num total de aproximadamente 35.000 hectares de terra. Doze famílias que não possuíam documentação, mas moravam na área e eram assentados, já desocuparam a terra e foram indenizados pela FUNAI – Fundação Nacional do Índio. No momento atual, moram aproximadamente 33 famílias indígenas Kaingang, num total aproximado de 100 índios. O processo de retomada pelos indígenas se deu no ano de 2005 e, atualmente, a terra está sendo demarcada. Considerando um histórico de conflito que ocorreu entre os indígenas e os agricultores no passado, por causa de terras, pode se dizer que nos dias de hoje a situação está bem melhor, sendo que alguns moradores não-índios até colocam seus filhos para estudar na aldeia, como também se visitam, compram e vendem comida e objetos uns dos outros. A demarcação de terra está ocorrendo de maneira relativamente “pacífica”, segundo as observações realizadas por nós, enquanto educadoras do espaço escolar da aldeia e enquanto proprietárias e agricultoras. O que se percebe é que ambos os lados (indígenas e agricultores) entendem seus direitos e esperam que a justiça determine se a terra será indígena, ressarcindo assim, os agricultores de maneira que ninguém saia prejudicado. Quando se iniciou a pesquisa procuramos conhecer melhor qual o papel da escola na comunidade, se estava contribuindopara proporcionar uma vida melhor aos Kaingang de Boa Vista, partindo da compreensão da perspectiva de estudantes indígenas para o futuro; e registrando o que é qualidade de vida para os mesmos. Apesar da dificuldade de encontrar materiais bibliográficos que abordassem a temática da “Qualidade de vida”, as entrevistas e 3 questionários realizados proporcionaram a compreensão do significado disso para os próprios indígenas. 2. EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA A educação escolar de uma comunidade indígena deve estar subordinada aos interesses e ao projeto de vida da própria comunidade. A educação faz parte das políticas que cada sociedade ou comunidade adota, buscando a sua sobrevivência e a continuidade das coisas que ela valoriza e em que acredita (sua língua, música, sua religião). Na sociedade atual, a educação escolar reflete muito das diferentes opiniões, crenças e valores que as pessoas ou grupos de pessoas adotam, por isso há muitas escolas diferentes (católicas, batistas, luteranas, judaicas). Pode-se afirmar que o conceito de Educação Escolar Indígena se difere do conceito de Educação Indígena. Ambos devem caminhar em consonância, no entanto, este último não ocorre necessariamente de forma institucionalizada. Segundo Rezende (2004), desde às origens, os indígenas entendem a Educação a partir da compreensão de sua própria vida, do funcionamento da natureza (animais, vegetais, cachoeiras, peixes...) e da vida em comunidade. Os nossos avôs procuravam formar bons indígenas, para que seus filhos e netos fossem capazes de respeitar as outras pessoas da família, irmãos da etnia e pessoas de outras etnias. Capacitavam seus filhos para os trabalhos (plantio, caças, pescas, artesanatos...), pois através disso se podia ver uma pessoa preparada para a vida. Era outro modelo de educação e ai se podia fazer o discurso sobre a “educação para a vida indígena”. E, não como agora que na escola se tenta preparar o jovem para um estilo de vida diferente e ao terminar os estudos ele acaba voltando para um estilo de vida para o qual não foi preparado (vida indígena: na roça, na pesca...) (REZENDE, 2004, p. 9). Como a Educação Escolar Indígena, por sua vez, pressupõe um espaço institucionalizado - a escola - o que aproxima esse conceito do anteriormente apresentado é a garantia de ser diferenciada, intercultural, bilíngue. O que determina uma escola como escola indígena são os currículos e métodos pedagógicos diferenciados, apropriados à cultura indígena, o que lhes é garantido, inclusive, por meio de leis, decretos e pareceres, segundo os critérios das etnias, ou seja, compreende-se, desta forma, que uma Escola Indígena só vai ser realmente indígena quando partir dos conteúdos e metodologias criados pela própria comunidade indígena. 4 De acordo com Rezende (2004), a escolas indígenas não têm conseguido alcançar esses objetivos, uma vez que quem continua ditando as regras é o homem branco; é ele quem cria normas e leis de como deve ser a educação indígena, quem diz que para educar é preciso escola. Essa constatação nos leva a pensar: “Será que pelo menos foi perguntado aos indígenas o que acham da escola? Será que é ela tão importante na vida deles? Vai acrescentar algo positivo ao seu conhecimento, à sua cultura? Que tipo de educação o índio está recebendo? Qual a finalidade de estar na escola? O que eles estão aprendendo vai ajudar para terem um futuro melhor com qualidade de vida?”. Segundo Rezende (2004), o indígena deveria ser preparado para viver no seu espaço de aldeia de maneira que a escola contribuísse a levá-los a viver da agricultura, pecuária como, por exemplo, a piscicultura e apicultura seriam alternativas propícias para a localidade da Aldeia Boa Vista Passo Liso. Bem como com a agricultura: o plantio de mandioca, batata doce, chuchu, abobora, além das hortaliças e cultivo de cereais. Na pecuária a criação de animais de pequeno e grande porte. Partindo de questionamentos e apontamentos como os realizados anteriormente, foi possível a elaboração das perguntas utilizadas nas entrevistas e questionários aplicados num total de 12 (doze) alunos indígenas. Aos alunos do 7º ano (03 alunos) e do 8º ano (05 alunos) da escola pesquisada foram entregues questionários com as seguintes perguntas: 1- O que você acha da escola?; 2- Que contribuição a escola está trazendo em relação a cultura e conhecimento?; 3- Qual a finalidade de estar na escola?; 4- O que você está aprendendo vai ajudar a ter um futuro melhor?; 5- Para você o que é qualidade de vida?; 6- O que você pretende ser no futuro? (qual profissão). Essas mesmas questões foram utilizadas como roteiro de entrevista realizada junto aos alunos do 3º ano do Ensino Médio3 (04 alunos), que estudam em uma escola do campo próximo à aldeia. O público de educandos foi pré-selecionado devido se encontrarem em uma faixa etária que lhes permite refletirem e decidirem sobre o que desejam para o futuro. Os questionários foram aplicados no dia 09 de maio de 2013, contando com o apoio do Cacique, dos professores, da direção, e coordenação pedagógica da escola. Antes da aplicação do questionário apresentou-se o tema, o objetivo da pesquisa e a importância das informações concebida por cada um. Percebeu-se que os alunos mostravam-se tímidos, envergonhados e com muitas dificuldades para responder o questionário devido não compreender o significado de que seria qualidade de vida. Foi preciso explicar de várias formas exemplificando para que compreendessem. 3 Muitos alunos da escola K. H. ainda possuem dificuldades em se comunicar em português, além de ficarem tímidos ao serem entrevistados. 5 Nos primeiros questionamentos, sobre o que a escola vem contribuindo para agregação de conhecimento, para a cultura e qualidade de vida, observou-se que a maior inferência referia-se ao aspecto positivo no que diz respeito à contribuição que a escola traz para a comunidade. Relataram que a escola vem contribuindo para melhor qualidade de vida, dizendo que através da escola eles adquirem conhecimento de mundo, aprendem a respeitar os outros, ou seja, (diversidade Cultural) a valorizar a cultura, a língua, e tradições. Afirmam que seus irmãos mais novos comentam o quanto gostam da escola, a qual vem trazendo um conhecimento de fora da aldeia e que contribui para eles ficarem menos tímidos, mais espontâneos e com um bom relacionamento entre todas as pessoas. Ao questionar sobre suas perspectivas para o futuro, dizem que pretendem continuar os estudos, prestar vestibular, cursar uma universidade, ter uma casa própria, ter uma profissão como professor, motorista, enfermeira, médica, jogador de futebol. Em conversa informal com o cacique, o mesmo enfatiza a importância da escola para a comunidade. De acordo com ele, é necessário que os alunos convivam com não- indígenas na escola, que aprendam a falar bem o português neste espaço escolar, para posteriormente terem uma boa comunicação (saibam fazer uso da linguagem culta oferecida através da educação escolar) com a sociedade nos momentos que encontrarem-se fora da aldeia para não serem explorados. Para isso, procura colocar os professores não-índios para alfabetizar os alunos de 1º ao 5º ano. O cacique acredita que quanto antes os alunos entendam o português, mais fácil será a alfabetização dos mesmos, proporcionando assim um desempenho melhor nos estudos. Apesar de não ser esse o processo de alfabetização bilíngue considerado ideal para as escolas indígenas(D’ANGELIS, 2012), o cacique relata que os alunos não correm o risco de perderem sua língua materna, pois falam diariamente em casa e na escola, entre os colegas. Segundo Silva e Bonin (2003, p.37), a escola pode vir a ser hoje um instrumento decisivo na reconstrução e afirmação das identidades, o desafio é o de colocar nas escolas as pedagogias indígenas, nos seus limites e possibilidades dentro de uma realidade globalizante. Neste contexto, há alguns princípios básicos que se destacam: a inserção das escolas nos sistemas indígenas de educação, a participação das comunidades na elaboração do PPP, assim como na gestão e avaliação. O espaço escolar pode ser também uma possibilidade de informações a respeito da sociedade nacional, favorecendo as relações igualitárias, fundamentada no respeito, reconhecimento e valorização das diferenças culturais entre os povos indígenas e a sociedade civil e o Estado. 6 Existem atualmente, no Brasil, leis e decretos que referem questões como direitos aos povos indígenas. Entre eles, podemos citar a Constituição de 1988, que assegurou o direito das comunidades indígenas a uma educação escolar diferenciada, específica e intercultural respeitando-os como grupos éticos diferenciados. Na Constituição traçou- se um quadro jurídico para a regulamentação das relações do Estado com as sociedades indígenas, principalmente nos artigos 210 e 2154. Nesse contexto, a escola tornou-se um instrumento de valorização dos saberes e processos próprios de produção e recriação da cultura (BRASIL, 1988). A partir da nova Constituição Federal, surgiram leis complementares, dentre as quais encontramos: a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, de 1996; o Decreto Presidencial nº 26, de 1991 (que atribuiu ao MEC a competência para integrar a educação escolar indígena aos sistemas de ensino regular, coordenado às ações referentes aquelas escolas em todos os níveis e modalidade de ensino); e a Portaria Interministerial nº 559/91; o Decreto nº 1.904/96. No entanto, a existência dessas leis não é suficiente para garantir a qualidade da escolarização indígena. Segundo Silva e Bonin (2003, p.38), pensar em uma Pedagogia Indígena, o que implica compreender que cada povo e comunidade têm sua própria maneira de educar, na qual são criadas e modificadas atendendo a necessidade de cada povo. Na E.E.I.K.H, a educação é vista como um processo, que se constrói ao longo da vida. A comunidade indígena de Boa Vista Passo Liso participa da vida escolar nas reuniões ocorridas no início do ano, onde o cacique chama a comunidade para apresentar novos professores, a comunidade avalia os professores que recebem orientação de como devem agir na escola, não devendo reparar nos alunos, tratar diferenciado (já que a escola possui alunos não-índios também), devem ser seguidas as ordens do cacique, que está diariamente na escola. O Projeto Político Pedagógico na escola indígena foi elaborado pela pedagoga e equipe pedagógica. Às vezes é chamada a comunidade para participar de reuniões referentes a questões da escola, construções, reformas, compras etc. A comunidade também acompanha o processo pedagógico, como o desempenho dos alunos e a entrega de boletim e conselho de classe. Segundo o Projeto Político Pedagógico (2013) a escola deve: ...respeitar, valorizar a cultura e revitalizar a língua materna dos alunos, as professoras procuram relacionar os conhecimentos da cultura e língua 4 Art.210 O ensino fundamental regular será ministrado em língua portuguesa, assegurada as comunidades indígenas também a utilização de suas línguas maternas e processos próprios de aprendizagem. Art. 215 O Estado protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e afros brasileiros e das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional. 7 kaingang nas suas aulas, levando em conta o conhecimento dos valores, sentidos e princípios gerais da existência. Os professores procuram diversificar a metodologia, onde os alunos possam estar fazendo a correlação entre conteúdo e a sua prática social. O coletivo da escola mostra-se preocupado com os resultados obtidos no processo de aquisição do conhecimento pelos alunos, quando o professor faz uma avaliação do rendimento escolar e percebe que seus alunos não atingiram os objetivos propostos, estão sempre buscando uma mudança na metodologia, seguindo outros caminhos, afim de que seus alunos consigam alcançar por outros meios os mesmos objetivos (PPP da Escola Estadual Indígena Ko Homu, 2011). Na perspectiva de um ensino mais eficaz para todos, organizar e dirigir situações de aprendizagem são, sobretudo, despender energia, tempo e dispor das competências profissionais necessárias para imaginar e criar situações de escolarização que requerem reflexão e métodos de pesquisa. 3. PERCEPÇÕES ACERCA DE QUALIDADE DE VIDA Para as sociedades não-indígenas, qualidade de vida significa um conjunto de prioridades, qualidades, atributo ou condição das coisas ou das pessoas, que se distinguem das outras e lhe determina a natureza. Graças às quais animais e plantas se mantém em contínua atividade. Viver bem, ter lazer com a família, uma boa casa um carro e, além disso, ter um bom emprego que propicie conforto e segurança. Sendo assim, a qualidade de vida é fundamental para o bom desempenho profissional tanto para o desenvolvimento das nossas relações pessoais com os nossos familiares, amigos e demais membros da sociedade em que vivemos e participamos. Muitos são os fatores que influenciam na qualidade de vida e os mais importantes dependem de cada um de nós, da nossa visão do ideal, da nossa herança familiar e cultural, da fase da vida em que estamos, da nossa expectativa em relação ao futuro, das nossas possibilidades, do ambiente, da visão que temos do mundo e da vida, dos nossos relacionamentos, etc. É claro que existem certas condições básicas, como: ter o que comer, morar, saúde, liberdade de escolha... Quando elas não existem, tornam-se prioridade número um e não há muito que discutir (www.pime.org.br/missaojovem/mjecologia vida .htm ). Segundo a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, “toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação” (artigo XXV, item 1). Porém, sabe-se que ainda hoje muitas pessoas, inclusive os povos indígenas, ainda não possuem as condições básicas asseguradas como direitos de uma qualidade de vida e 8 passam necessidades por falta de moradia, alimentação adequada, e vestuário comprometendo assim a qualidade de vida. Na comunidade Indígena Kaingang de Boa Vista Passo Liso atualmente encontram- se aproximadamente 100 Kaingang, incluindo idosos, jovens e crianças. A maioria das casas são feitas de madeira e de chão batido, construídas pelos próprios moradores. Nelas não possui repartição, poucos possuem água encanada dentro das casas. Na comunidade há apenas dois banheiros comunitários, que ficam longe de algumas casas. Na maioria das casas moram mais de uma família, que dormem no chão, compartilhando lugar com o outro. Ao analisar o que poderia ser qualidade de vida para o indígena, destacamos aqui alguns benefícios oferecidos pelo Governo Federal às comunidades indígenas, como o programa Diversidade na Universidade, que permite o ingresso de jovens e adultos pertencentes a grupos socialmente menos favorecido no Ensino Superior; o PROLIND, que é um programa que tem como finalidadeapoiar projetos devolvidos por instituições de Educação Superior Pública em conjunto com comunidades indígenas, que visem a formação de superiores docentes indígenas para os Anos Finais do Ensino Fundamental e o Ensino Médio; Projeto Rondon, que se caracteriza pela aliança entre governo e instituições de Ensino Superior onde estudantes e universitários e comunidades se unem na busca de soluções que ampliam o bem estar comunitário e o desenvolvimento comunitário; O programa Carteira Indígena, que pretende assegurar a alimentação nutricional e o desenvolvimento sustentável de comunidades indígenas; A Funasa, que apoia os grupos familiares e saúde nas aldeias, malocas e comunidades, a promoção e a melhoria das condições das atividades que visa atender a saúde indígena e suas necessidades como uma política de saúde que permite acompanhar e avaliar a saúde das comunidades; O projeto Vigisus, que é um programa de bolsa de estudo para formação superior em cursos na área de medicina, enfermagem e odontologia, articula o conjunto de ações para melhorar a qualidade e a satisfação dos povos indígenas em relação aos serviços de saúde (BRASIL http://www.mec.gov.br) Em questionamentos realizados (nas entrevistas e questionários) com os alunos da aldeia Boa Vista Passo Liso, ao apresentar sobre o tema qualidade de vida, os mesmos se mostraram não saber se referir ao que se tratava. Após algumas conversas, vieram a compreender e responder aos questionamentos, através do qual se apresentaram interessados e preocupados em ter uma qualidade de vida, que venha lhe garantir um futuro melhor. Nas questões apresentadas sobre “Para você o que é qualidade de vida?” e “O que você pretende ser no futuro (profissão)?”, os alunos colocaram (unânimes) as respostas que, por qualidade de vida, gostariam de ter uma casa própria e um trabalho. No que se 9 refere à profissão, colocaram que gostariam de ser professor de educação física, além de enfermeira, médica, jogador de futebol, e motorista. Na comunidade possui um agente comunitário de saúde e um posto que encontra-se em condições precárias; uma enfermeira, uma auxiliar de enfermagem. Apenas recentemente a aldeia ganhou da FUNAI – Fundação Nacional do Índio uma camionete Mitsubishi que tem sido usada para saúde, buscando diariamente a enfermeira que vem para a aldeia e levando para o hospital os indígenas doentes. A escola também ganhou da prefeitura um automóvel, em comodato para a APMF, o qual está sendo usado para beneficio da comunidade. Podemos destacar também como qualidade de vida, para os Kaingang de Boa Vista, os benefícios do governo que chegam até lá, como o programa “compra direta”, na qual os indígenas recebem nas aldeias mandioca, carne de porco, milho verde, abóbora, laranja, feijão, etc, vendidos dos produtores ao governo e entregues direto nas aldeias; além de outros programas como: o leite e o pão para as crianças, bolsa família, cesta básica. Nos que diz respeito aos estudos, os alunos do 3º ano ensino médio têm oportunidades de ingressarem na faculdade, principalmente na Universidade Federal da Fronteira Sul – UFFS, localizada na cidade de Laranjeiras do Sul, onde possui cursos voltados para a agricultura e que traz como benefícios para os indígenas o auxilio alimentação, moradia, transporte. No entanto, apesar de haver a oferta, ainda não se pode considerar que esse fator vem contribuindo com a melhora na qualidade de vida dos Kaingang, pois o que se percebe em nossa região é que são poucos os alunos indígenas que estão cursando o ensino superior; daqueles que vêm dando continuidade aos estudos, a maioria cursa o Magistério Indígena para atuar nas escolas. Vale ressaltar que, apesar dos esforços por parte das escolas indígenas, o baixo índice de índios no ensino superior está relacionado com alguns fatores como: falta de acesso a informações, transporte, a dificuldade de entender a linguagem acadêmica, as leituras e falta do domínio da informática. Pensando em outros fatores, além da educação e dos auxílios governamentais, o que tem contribuído de forma fundamental para uma melhor qualidade de vida dos Kaingang de Boa Vista atualmente, foi a desapropriação ocorrida em maio de 2012 de doze famílias assentadas que viviam nessa terra e ocupavam um espaço de aproximadamente 288 equitares, ficando essa área disponível para os indígenas plantarem alimentos para consumo próprio. 10 A comunidade também utiliza como sustento e fontes de renda, além das aposentadorias, a pesca e o pinhão, que quando sobra são comercializados trazendo renda para as famílias. Além disso, também vivem do artesanato, ou seja, as mulheres indígenas passam o ano todo fazendo as cestarias e balaios e no fim do ano elas saem da aldeia para vendê-lo em outras regiões, como Guarapuava, Curitiba e Rio Grande do sul. Atualmente percebe-se que a qualidade de vida dos indígenas ainda é precária, mas que aos poucos a aldeia está se desenvolvendo. Ainda tem falta de moradia, as casas construídas de madeira são poucas e pequenas, o que os leva a viverem em grande quantidade de pessoas dentro das casas, não possuindo repartição entre os cômodos, além da falta de banheiros para higiene pessoal, pois os banheiros que foram construídos pela FUNASA – Fundação Nacional de Saúde não se localizam junto das casas. 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS Com base nos dados coletados se tornou possível perceber que a escola faz realmente diferença na vida daquela comunidade, sendo ela um lugar que vem abrindo horizontes para uma melhor qualidade de vida em sociedade. Conhecendo a realidade de fora da aldeia os possibilita refletir sobre os problemas e dificuldades que enfrentam dentro da aldeia, levando-os a lutarem pelos seus direitos e deveres em busca de viverem não como excluídos da sociedade, mas como pessoas que participam das transformações da mesma. No entanto, devido à situação inicial vivida em relação a essa terra onde vivem, a comunidade indígena enfrenta outros problemas e dificuldades que afetam sua qualidade de vida, sendo: falta de moradia, saneamento básico, lazer, políticas públicas que lhe possibilitem a realização uma melhor qualidade de vida. Em quase todos os questionários e entrevistas, os indígenas responderam que Qualidade de Vida é ter uma casa, um lugar para morar, para cozinhar... Percebeu-se que os alunos também almejam um futuro melhor para eles e toda comunidade indígena, reconhecendo a importância de estudar, de cursar uma universidade, retornando posteriormente para trabalhar na sua própria comunidade, trazendo assim uma melhor qualidade de vida para todos. É visível as dificuldades que os alunos possuem e muitos não chegam a frequentar uma universidade, a dificuldade é grande no que se refere ao transporte, à língua portuguesa, às atividades escolares, ao manuseio com a informática, à pesquisa; muitos alunos não conseguem passar de ano e ficam em dependência, e tudo isso faz com que os alunos indígenas abandonem os estudos. 11 Apesar de muitos dos elementos apontados anteriormente como contribuintes para uma baixa qualidade de vida dos indígenas fugirem ao alcance da instituição escolar, a E.E.I.K.H. tem como objetivo compreender e ajudar o aluno indígena, respeitando e valorizando sua diversidade, tendo como função principal mediar a educação, preservando o bem-estar físico dos alunos e estimulando seus aspectos cognitivo, emocional e social, respeitando o educandoem seu desenvolvimento, considerando suas particularidades, auxiliando-os com isso a terem uma melhor relação com a sociedade não-indígena (PPP da E. E. I. K. H., 2013). Nesse contexto, a escola oferece aos professores formação continuada para que trabalhem com projetos que abordem temas relevantes à realidade da comunidade Indígena como a valorização da cultura as músicas indígenas, artes, artesanato, meio ambiente, bullyng, lixo, higiene, envolvendo escola e comunidade, conscientizando e os auxiliando a conquistarem uma melhor qualidade de vida. A partir das observações, das leituras, dos questionamentos, percebeu-se que a realidade educacional da Escola Indígena ainda precisa ser muito melhorada, pois os alunos não tem acesso a laboratório de informática, a escola não possui biblioteca e nem espaço suficiente para tal, somente recentemente recebeu do governo uma antena para funcionamento da internet e telefone na escola. Empecilhos que, no entanto, não neutralizam seu papel na melhora da qualidade de vida da comunidade, como observado nas respostas dos alunos e na fala do cacique. Concluímos assim que, para se ter uma qualidade de vida melhor, não basta apenas a educação. Ela é fundamental, mas é apenas uma parte de um todo no processo; precisa-se de apoio de leis governamentais, estaduais, municipais e de políticas públicas voltadas às comunidades indígenas. 5. REFERÊNCIAS BRASIL. Constituição: República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, Centro Gráfico, 1988. BRASIL. Referencial Curricular Nacional para Escolas Indígenas. Brasília: Ministério da Educação, 1998. Disponível em: www.pen.uem.br/… etrizes/Parecer_CNE-CEB_1999_14.doc> Acesso em agosto de 2013. BRASIL. Portaria Nº 1.794, de 29 de outubro de 2007. Brasília: Ministério da justiça, gabinete do ministro. Disponível em: <http://www.jusbrasil.com.br/… ios/20662775/pg-24-secao-2> Acesso em 20/09/2013. 12 BRASIL. Lei 11.645/08. Brasília: 2008. Disponível em: <www.leidireto.com.br/lei- 11645.html> Acesso em julho de 2010. CAMARGO Olivir João. Nerje Laranjeiras do Sul “Raízes da Nossa Terra”. A história épica e contemporânea 1ª edição Laranjeiras do Sul- Paraná, 1999. CIARAMELLO, Patrícia Regina. Educação Escolar Indígena: um olhar desde a Pedagogia. Monografia de Conclusão do Curso de Graduação. Campinas, SP: UNICAMP, 2005. D’ANGELIS, Wilmar da R. Educação escolar e ameaças à sobrevivência das línguas indígenas no Brasil meridional. In D’ANGELIS, W. da R. Aprisionando Sonhos – A educação escolar indígena do Brasil. Campinas, SP: Curt Nimendaju, 2012, p.175-190. DEMO Pedro. Pesquisa Qualitativa. SP: Cortez,1987, p.23. HELEM, Vieira Maria Cecília. Relatório de Identificação e Delimitação da Terra Indígena Boa Vista. 2001. Pesquisa de campo da cidade de Laranjeiras do sul Paraná prefeitura municipal. KO HOMU. Projeto Político Pedagógico. PR: 2011. MILESKI, Gustavo Keros e FAUSTINO, Célia Rosangela. A contribuição da educação no processo de reorganização de sistema de liderança Kaingang no Paraná. Anais do XXVI Simpósio Nacional de História – ANPUH. São Paulo, julho 2011. REZENDE, Sarmento Justino. Repensando a educação indígena. Tuyuka Iauaretê, 2004. SILVA, Rosa H. D. da. e BONIN, Iara T. Pedagogia e Escola Indígena, Escola e Pedagogia Indígena. In: VEIGA, Juracilda e D’ANGELIS, Wilmar R. (Org.). Escola Indígena, Identidade Étnica e Autonomia. Campinas: ALB; IEL/UNICAMP, 2003. Sítios Consultados http://www.trilhasdeconhecimentos.etc.br/acoes_governamentais/index.htm. Acesso em agosto de 2013. http://www.pime.org.br/missaojovem/mjecologiavida.htm. Acesso em março de 2013. http://www.mec.gov.br http: //www.dhnet.org.br/…/br/rs/terra_trab/dh_moradia.html o que e o direito humano a moradia digna?. Acesso em outubro de 2013. 13 6. Anexos Foto da escola inaugurada ano 2012. 14 Existem atualmente, no Brasil, leis e decretos que referem questões como direitos aos povos indígenas. Entre eles, podemos citar a Constituição de 1988, que assegurou o direito das comunidades indígenas a uma educação escolar diferenciada, específica e intercultural respeitando-os como grupos éticos diferenciados. Na Constituição traçou-se um quadro jurídico para a regulamentação das relações do Estado com as sociedades indígenas, principalmente nos artigos 210 e 2154. Nesse contexto, a escola tornou-se um instrumento de valorização dos saberes e processos próprios de produção e recriação da cultura (BRASIL, 1988).
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