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ob jet ivo s 3 Meta da aula Apresentar a importância das diversas concepções de homem, segundo modelos que foram influenciados pela perspectiva ambientalista, assim como sua repercussão nos estudos psicopedagógicos. Esperamos que, após o estudo do conteúdo desta aula, você seja capaz de: 1. conceituar ambientalismo, identificando suas interrelações com teorias filosóficas, analisando as influências dessas teorias nas concepções do conhecimento e do desenvolvimento humanos; 2. analisar como a abordagem ambientalista do conhecimento e desenvolvimento humanos pode influenciar o campo educacional; 3. conceituar ambientalismo, comparando-o com o inatismo. Pré-requisito Tenha em mente o que foi visto na Aula 2, sobre inatismo. O que você verá nesta aula aqui é constantemente relacionado com o conteúdo daquela aula. As concepções de homem relacionadas ao desenvolvimento humano: o ambientalismo Marise Bezerra Jurberg A U L A 3 6 C E D E R J C E D E R J 3 7 Psicologia e Educação | As concepções de homem relacionadas ao desenvolvimento humano: o ambientalismo 3 6 C E D E R J C E D E R J 3 7 Se alguém lhe disser, atualmente, que é um ambientalista, você provavelmente pensará que essa pessoa possui princípios e valores ligados à preservação dos recursos naturais, ou então que pertence a algum movimento social voltado a um desenvolvimento sustentável, que não altere o equilíbrio do meio ambien- te. Essas ideias existem desde o período pré-moderno, incrementaram-se com os progressos científicos durante o Iluminismo e chegaram a um certo radicalismo no século XIX e principalmente no século XX, com as preocupa- ções da Ecologia. Os movimentos ecológicos transformaram, para sempre, a relação entre sociedade e natureza. Ecologia: o prefixo “eco” vem do grego oikos, que significa casa, meio ambiente, habitat. As principais correntes ecológicas incluem diversas posições: a tradicional, ou conservadora, que defende que o meio ambiente não deve ser tocado e apenas preservado, e não admite a expansão da indústria e do consumo; contrariamente, o grupo capitalis- ta acredita que o avanço tecnológico descobrirá formas não poluentes de produzir, sem a necessidade de mudanças estruturais na sociedade; outro grupo defende mudanças sociais e a criação de uma nova ordem social comunitária, descentralizada e independente; a posição socialista é contra as formas capitalistas de produção e incentiva uma produção menos poluente; finalmente, o ecofeminismo, que denuncia e se opõe às formas paternalistas e machistas de dominação do espaço, que são as principais causas do desequilíbrio ecológico. Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro: Protect_earth.png Introdução 3 6 C E D E R J C E D E R J 3 73 6 C E D E R J C E D E R J 3 7 A denominação ambientalista, dentro da Psicologia, embora atu- almente inclua a Ecologia Humana e Social, possui outra conotação: este termo refere-se a qualquer teoria que dê mais importância à influência do ambiente do que às habilidades inatas, às competências e a estados atuais de animais, aí incluídos os seres humanos, em termos de evolução. O estudo do inatismo e do ambientalismo é importante devido ao fato de que muitas questões polêmicas perduram, em nossos dias, em torno destas duas abordagens. Isso resulta em diferentes consequências para o campo da educação, assim como em outros campos de conhecimento. Ina- tismo versus ambientalismo tiveram, posteriormente, outras denominações, como racionalismo versus empirismo, natureza versus cultura. Tem sido um grande desafio, ao longo da história da humanidade, o problema de como alcançamos o conhecimento e de como o corpo e a alma tomam parte nesse processo. Segundo Farias (s/d), as imposições derivadas das necessidades práticas da existência foram sempre a força propulsora na busca do saber. Para isto, os homens criaram lugares, como a Academia de Platão, o Liceu de Aristóteles, as escolas e univer- sidades medievais, onde se reuniam com a finalidade de descobrir como o ser humano teria acesso ao saber. Muitos filósofos e, posteriormente, diversos psicólogos tentaram explicar como se dá esse processo, muitas vezes assumindo posições contraditórias. A grande questão que tem ocupado a mente de inúmeros pensado- res, ao longo de vários séculos, tem sido: os seres humanos desenvolvem suas habilidades ou já nascem com elas? Figura 3.1: Desenvolvemos nossas habilidades ou já nascemos com elas? A U LA 3 3 8 C E D E R J C E D E R J 3 9 Psicologia e Educação | As concepções de homem relacionadas ao desenvolvimento humano: o ambientalismo 3 8 C E D E R J C E D E R J 3 9 o ambIEntalIsmo dE arIstótElEs: as sEnsaçõEs vão Formando a mEntE Aristóteles contrapõe-se ao inatismo de Platão, para o qual conhe- cer é recordar a verdade que já trazemos em nós, verdade esta que é inerente ao aparato racional e intuitivo de que somos dotados, desde o nascimento. Seu objeto de estudos é o mundo animado, ou seja, aquilo que tem vida, que se diferencia essencialmente do mundo inorgânico. O princípio da atividade, portanto, é a alma. Figura 3.2: Aristóteles (384-322 a./C.), discípulo da Acade- mia de Platão durante vinte anos; fundou o Liceu. Fonte: www.vidalusofonas.pt/aristoteles.htm Aristóteles defende uma posição contrária, tornando-se um exemplo de tendência ambientalista. Ele aceita a distinção platônica entre sensação e pensamento, mas diverge ao rejeitar o inatismo de seu mestre, colocando a mente como uma tabula rasa, sem ideias inatas. Na visão aristotélica, nada está em nossa mente que não tenha antes passado pelos sentidos. Aristóteles percorreu novos caminhos, inclusive por sua escola – denominada escola per ipatét ica – para fundamentar suas críticas, revisões e novas proposições ao platonismo. Para ele, só existe este mundo em que vivemos; o que está além de nossa experiência sensível per ipatét ica Do grego peripa- tetikós, que gosta de passear. Em seu Liceu, Aristóteles costumava andar com seus discípulos pelos jardins, obser- vando a natureza e discutindo as sensa- ções que ela lhes des- pertava, motivo pelo qual sua escola era assim denominada. 3 8 C E D E R J C E D E R J 3 93 8 C E D E R J C E D E R J 3 9 não é nada, não existe para nós. Posição bem diferente daquela de seu mestre: para o platonismo, apenas o conhecimento que se denomina apr ior íst ico , inato – como as intuições lógicas e matemáticas – é que pode existir dentro de nós, sem qualquer experiência prévia. A fim de passar da sensação ao pensamento, Aristóteles dá grande destaque ao associacionismo, em seu ensaio sobre Memória, escrito em 400 a.C. Acreditava que as associações eram feitas porque os objetos eram similares, opostos, ou estavam próximos no espaço ou no tempo. Neste sentido, ele pode ser considerado um precursor das teorias associacionistas da aprendizagem. Mostra-se, portanto, favorável a medidas educacionais condicionantes, conforme ressalta Gadotti (2008, p. 38). Na área de fenômenos psicológicos, irá nortear o entendimento do processo de aprendizagem, que estaria sujeito às leis da associação, com a participação de funções cognitivas como a sensação, a memória e a imaginação. Para Aristóteles, a alma é o princípio de todos os fenômenos vitais, no ser humano. As características da alma humana são a racionalidade, o pensamento e a inteligência, pois ela é o espírito que anima o corpo animal. Embora tenha funções superiores, a alma também desempenha as funções de alma sensitiva e alma vegetativa. Mesmo assim, ela continua sendo única, mas com várias funções, evidenciadas pelos atosdiversos que podemos desempenhar. Aristóteles desenvolveu igualmente uma outra área do saber, a Lógica, que considerava um instrumento útil para nossa entrada no mundo do conhecimento e nas ciências. Sua lógica é dividida em três partes, que estudam a ideia, o juízo e o raciocínio. Sua lógica formal, segundo Kant, é uma obra completa, à qual nada foi acrescentado, ao longo dos séculos. Seus estudos nessa área baseiam-se no s i log ismo . o ambIEntalIsmo dE John lockE: a ExPErIêncIa PrEcEdE a razão No século XVII, a discussão entre inato e aprendido voltou a preocupar os filósofos, agora com outra denominação – racionalismo e empirismo, graças principalmente à divulgação das obras de Descartes (1596-1650), considerado o pai da filosofia moderna e defensor do ina- tismo, ao qual se opôs o empirista inglês John Locke (1632-1704). aprior íst ico Adjetivo derivado de apriorismo: do latim a priori +ismo; em filosofia, consiste na aceita- ção, na ordem do conhecimento, de fatores independen- tes da experiência (FERREIRA, 1999, p. 172). O s i log ismo consis- te em um raciocínio formalmente estru- turado que a partir de duas premissas, colocadas previa- mente, chega-se a uma conclusão necessária. O silo- gismo é dedutivo e, portanto, parte do universal para o particular, enquan- to a indução parte do particular para o universal. No silogismo, se as pre- missas forem verda- deiras, a conclusão também o será. Um exemplo clássico de silogismo é: Todos os homens são mor- tais. José é homem; logo, José é mortal. A U LA 3 4 0 C E D E R J C E D E R J 4 1 Psicologia e Educação | As concepções de homem relacionadas ao desenvolvimento humano: o ambientalismo 4 0 C E D E R J C E D E R J 4 1 John Locke também defende a importância da experiência na construção do conhecimento. Sua obra o destaca entre os filósofos empi- ristas que abriram espaço para a ciência, junto com a filosofia. Para ele, as ideias não são inatas, sendo a experiência a única fonte das ideias e do conhecimento. A mente humana, no início, é um papel em branco (ou uma tabula rasa) que vai sendo preenchido aos poucos, através das experiências que nos chegam através das sensações. Para ele, a noção de experiência não se refere apenas à sensação proveniente dos órgãos dos sentidos, pois isso só implicaria um conjunto caótico de ideias na mente, mas não um conhecimento da realidade. Para que cheguemos ao conhecimento, é necessário que a mente realize certas operações. Através da experiência interior, ou seja, da reflexão, a mente é capaz de perceber suas próprias operações. As operações da mente – o pensamento, o racio- cínio, a dúvida – são, também, uma fonte de ideias, embora estas não se originem das coisas exteriores e sim dessas atividades interiores. O conhecimento é, portanto, o resultado das operações que a mente realiza com as ideias, tanto as oriundas da sensação, quanto aque- las advindas da reflexão. Locke realiza um minucioso exame de todos os tipos de ideias e operações da mente, fazendo uma distinção entre ideias simples e ideias complexas. Nas ideias simples, que constituem o material primitivo do conhecimento, o espírito é passivo; nas ideias complexas, ele é ativo. A experiência, portanto, envolve fenômenos externos (realizados através da sensação, que gera representações dos objetos externos) e fenômenos internos (obtidos através da reflexão). As ideias simples resultam da experiência de qualidades sensoriais básicas e da realização de reflexões simples. As ideias complexas abrangem várias outras, que podem ser combinações de ideias simples e ideias comple- xas. As ideias complexas, por sua vez, podem ser decompostas em ideias simples, mas não o inverso. ! É em sua obra Ensaio acerca do entendimento humano (1690) que Locke formula sua teoria acerca da aquisição do conhecimento, propondo que a experiência é a fonte do conhecimento, mas que este se desenvolve, depois, por esforço da razão. A finalidade da filosofia, 4 0 C E D E R J C E D E R J 4 14 0 C E D E R J C E D E R J 4 1 segundo sua visão, é essencialmente moral e cabe aos filósofos prover uma norma racional para a vida do ser humano. Ressalta a necessidade de integrar o racional dentro de uma visão empirista. Ele tenta elaborar uma gnos iologia para encontrar um critério de verdade. Figura 3.3: John Locke: 1632-1704. Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/ File:John_Locke.jpg a InFluêncIa do EmPIrIsmo dE lockE na Educação E na concEPção do sEr humano Quanto às suas ideias pedagógicas, Locke as compilou na obra intitulada Pensamentos sobre a educação, publicada em 1693, em que mostra como o pensamento empirista pode ser aplicado a todos os aspectos da educação infantil. Nela ele afirma nossa passividade, pois ao nascermos somos ignorantes e recebemos tudo da experiência. Ao mesmo tempo, somos igualmente ativos, uma vez que nosso intelecto constrói a experiência, ao elaborar as ideias simples. Defende que o treinamento educacional deva iniciar-se cedo, pois as crianças menores são mais maleáveis; um dos maiores erros dos pais, para ele, era não tornar a mente dos filhos obediente à disciplina e suscetí- vel à razão, justamente nesse período do desenvolvimento infantil. Como a aprendizagem exige prática, as atividades devem ser repetidas. Nos séculos XV a XVII, época em que o sistema disciplinar era cada vez mais rigoroso, como aponta Ariès (1981), chegando a casti- gos corporais humilhantes, aplicados a adultos e crianças, houve um gnosiologia Teoria do conheci- mento. Volta-se para reflexão em torno da origem, natureza e limites do ato do conhecimento. A U LA 3 4 2 C E D E R J C E D E R J 4 3 Psicologia e Educação | As concepções de homem relacionadas ao desenvolvimento humano: o ambientalismo 4 2 C E D E R J C E D E R J 4 3 incremento na concepção autoritária, absolutista de sociedade. Locke destaca-se ao condenar o uso do castigo físico no processo educacional. Acreditava que o castigo imposto porque uma criança não fizera seus deveres, por exemplo, acabaria levando-a a ter aversão aos estudos. Recompensas, como presentes, doces ou quaisquer privilégios, por sua vez, deveriam ser evitadas, uma vez que a criança deve interessar-se pelo processo educativo, despertando o amor ao mérito e ao que é correto. Ele marca o início de novas atitudes em relação à criança – um ser que demanda cuidados especiais para sua formação, vindo a influenciar o conceito de educação no século XX. Figura 3.4: A palmatória é um exemplo clássico de castigo corporal escolar. Os pro- fessores puniam os alunos batendo com isto em suas mãos. Em sua obra já se evidenciava uma defesa de uma teoria da apren- dizagem baseada nas leis de associação, conforme formulara na obra Ensaio acerca do entendimento humano. Como exemplo, cita o fato de que, se dermos mel a uma pessoa até que ela sinta enjoo, da próxima vez que ela sentir o cheiro de mel, ou escutar a palavra mel, ela sentirá novamente náuseas. Não se conhecia, no entanto, como se formavam tais associações, o que só começou a ser estudado cerca de dois sécu- los mais tarde, através das duas teorias que marcaram a contribuição pavloviana – as leis que regulam a aprendizagem por condicionamento e as leis sobre a atividade nervosa superior – e, posteriormente, com a difusão do behaviorismo (ou comportamentismo). O livro I deste ensaio compreende a crítica ao inatismo, que para Locke constitui uma doutrina fomentadora de preconceito e que leva ao individualismo dogmático. No livro IV desta mesma obra, ele trata doconhecimento, destacando a experiência como a única fonte possível das ideias; o intelecto apenas combina as ideias percebidas pelos sentidos, 4 2 C E D E R J C E D E R J 4 34 2 C E D E R J C E D E R J 4 3 ou seja, só depois a alma trabalha o material percebido. As ideias são o material do conhecimento e este nasce da percepção; o conhecimento propicia conexões, semelhanças e diferenças entre as ideias. Quanto à percepção da realidade, ela pode realizar-se de duas maneiras: por intuição, que não necessita de prova, porquanto vem da evidência imediata; por demonstração, que justamente deriva da capaci- dade de o espírito perceber diferenças e semelhanças entre ideias, o que se desenvolve por associação das intuições. Para John Locke, a certeza de que Deus existe é mais absoluta que as impressões dos sentidos, ponto em que ele concorda com o cartesianismo. Para ele, todos os homens nascem iguais, todos são iguais por natureza e por direitos. Todos usam a razão, que é um bem comum, e são todos responsáveis pela construção da sociedade, devendo parti- lhar os resultados da organização social, cabendo ao Estado garantir o bem-estar geral. Afirma que o Governo não pode ser patriarcal nem tirânico, nem deve estar baseado na fé ou na religião. Caso o Governo falhe, o povo tem direito a promover uma revolução, pois o direito do governante vem do povo. Locke é considerado o fundador do libera- lismo constitucional, além de ser reconhecido, enquanto atuou, como o filósofo moderno que possuía as opiniões filosóficas e políticas mais bem definidas. Ele influenciou os pensamentos de David Hume e Berke- ley, no século seguinte, enquanto Leibniz escreveu uma resposta a seus Ensaios, propondo uma volta ao inatismo. Tais fatos demonstram como as divergências fomentam estudos. Além de sua teoria das ideias, portanto, ele dedicou-se à política, defendendo a legitimidade da propriedade e o dever do Governo de proteger esse direito, que é básico para a liberdade humana, sem deixar de lado os tópicos tradicionais da filosofia: o Eu, o Mundo, Deus e as bases do conhecimento. Para Locke, não há poder inato, nem os reis possuem direitos políticos divinos. Uma boa ação deve seguir as nor- mas morais, que são de três tipos: a divina, a política e a da opinião pública. Sua influência foi grande, tanto em sua época, quanto mais tarde, no século XVIII, quando iluministas franceses nele foram buscar as principais ideias que culminaram com a Revolução Francesa, assim como pensadores que colaboraram para a declaração da Independência americana, em 1776. A U LA 3 4 4 C E D E R J C E D E R J 4 5 Psicologia e Educação | As concepções de homem relacionadas ao desenvolvimento humano: o ambientalismo 4 4 C E D E R J C E D E R J 4 5 Figura 3.5: Quadros que remetem à Revolução Francesa e à Independência americana, respectivamente. Fontes: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Eug%C3%A8ne_Delacroix_-_La_libert%C3%A9_guidant_le_peuple.jpg ; http://en.wikipedia.org/wiki/File:Washington_Crossing_the_Delaware.png Atende ao Objetivo 1 1. Leia o texto abaixo, sobre inatismo, e tente estabelecer comparações com as visões filosóficas de Aristóteles e de Locke. A perspectiva inatista baseia-se em uma concepção de ser humano que se originou na filosofia e, séculos após, passou a ser designada uma pers- pectiva racionalista ou idealista. Nessa abordagem, o único meio para se chegar ao conhecimento é por intermédio da razão, que é inata, e portanto imutável, sendo uma característica de todos os homens. Uma vez que seus dons são de procedência divina, o ser humano, na teoria inatista, já nasce pronto, não tem possibilidade de mudança, não recebe influências signifi- cativas do social e nem age sobre este. Como a concepção de ser humano é divina e biologicamente determinada, infere-se que a sociedade seja hierarquizada e que cada um ocupe seu lugar segundo suas capacidades, dificultando a mobilidade social. O individual é mais valorizado que o social, criando maior competição e maior discriminação, de acordo com as diferenças entre os indivíduos, sejam elas determinadas por classe social, etnia ou gênero. ATIVIDADE 4 4 C E D E R J C E D E R J 4 54 4 C E D E R J C E D E R J 4 5 o ambIEntalIsmo dE humE: um sEr humano maIs sEnsívEl quE racIonal A contribuição de David Hume (1711-1776) foi no sentido de reelaborar e ampliar a posição de Locke, que deixara em aberto a ques- tão de como captamos as propriedades de um objeto. Embora Locke e Berkeley tenham abordado a questão da associação de ideias, eles não examinaram atentamente o fenômeno de como as experiências sensoriais simples se aliam para criar formas complexas de conhecimento, ou seja, como se dá o processo de associação. Este processo foi retomado mais tarde, por diversos psicólogos da aprendizagem. Resposta Comentada A visão ambientalista inicia-se com a visão aristotélica, segundo a qual nossa mente nasce vazia de conteúdos, sendo preenchida pelas experiências que nos chegam pelos sentidos. A fim de passar da sensação para o pensamento, Aristóteles dá grande destaque ao associacionismo, que posteriormente será desenvolvido por Locke. Na perspectiva empirista, denominação que passou a substituir o termo ambientalista, Locke faz críticas ao inatismo, que para ele constitui uma doutrina fomentadora de preconceitos e que leva ao individualismo. Para Locke, todos nascemos iguais, por nossa natu- reza e temos, portanto, direitos iguais. Todos usamos a razão, que é um bem comum, e somos corresponsáveis pela construção da nossa sociedade. E cabe ao Estado garantir o bem-estar de todos. A U LA 3 4 6 C E D E R J C E D E R J 4 7 Psicologia e Educação | As concepções de homem relacionadas ao desenvolvimento humano: o ambientalismo 4 6 C E D E R J C E D E R J 4 7 Figura 3.6: David Hume, nascido em Edimburgo, Escócia (1711-1776). O pensamento de Hume possui ainda grande relevância na filosofia atual, principalmente pelas suas contribuições acerca do problema da causalidade. Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:David_ Hume.jpg Hume começa questionando o fato de que, quando observamos que um evento provoca um outro evento, ou quando os dois eventos estão próximos no tempo, isto faz com que pensemos que existe uma conexão entre os dois. Ele diz que, se é óbvio que nos apercebemos de dois eventos, não temos que, necessariamente, apreender uma conexão entre os dois. É nossa percepção que nos dá esta conexão que interpre- nos dá esta conexão que interpre- tamos como causalidade. É esta conjunção constante, assim como a expectativa que temos sobre ela, que constituem tudo o que podemos saber da causalidade. A causalidade é, portanto, inferida, o que minimiza a força que o termo tivera nas ideias de outros filósofos. Na perspectiva de Hume, temos uma crença na causalidade semelhante a um instinto, originado do desenvolvimento de hábitos, em nossa mente. Esta crença não pode ser eliminada, nem pode ser provada como verdadeira. A base de sua investigação sobre a teoria do conhecimento é a divisão dos objetos da consciência em duas classes: impressões e ideias. As impressões correspondem aos dados fornecidos pelos sentidos, tanto 4 6 C E D E R J C E D E R J 4 74 6 C E D E R J C E D E R J 4 7 os oriundos de dados externos (como o calor de uma fogueira), quanto de estados internos (como a dor provocada pelo contato com o fogo). As ideias correspondem às representações, na memória, dessas impressões. A ideia que nos vem da lembrança da queimadura é mais fraca do que a impressão que tivemos na hora em que realmente nos queimamos. Asimpressões são, portanto, o que de mais forte existe na nossa mente (são os prazeres e as dores) e as ideias são reproduções ou cópias das impressões. As ideias podem sofrer associações através de três fatores: pela seme- lhança, pela contiguidade (no espaço ou no tempo) e pela causalidade. A mais forte relação entre as ideias é a de causa e efeito, categoria de relação que nos leva além de nossos sentidos e nos informa da existência de objetos que não vemos nem sentimos. Como exemplo, o resultado de uma colheita, embora esteja além da nossa experiência presente, pode ser previsto pela relação de causa e efeito, pois se as condições climá- ticas fazem as plantas crescerem, elas são as causas e a boa produção constituirá o efeito. Quanto à questão da indução e da dedução, Hume inicia sua discussão a partir da crença de que o que nos aconteceu no passado constitui uma orientação confiável para prevermos o futuro. Para ele, há duas justificativas para isso, mas ambas seriam inadequadas: Caso façamos isso por necessidades lógicas de que o futuro tem • que ser semelhante ao passado, podemos pensar que a ordem da natureza, por exemplo, pode mudar e o equilíbrio ambiental pode ser rompido, tornando o mundo caótico; Caso o façamos usando uma justificativa mais simples (“o • mundo sempre foi assim e vai continuar desse jeito”), estamos sendo redundantes, tautológicos, ou seja, explicando a causa pelo efeito e este por aquela. Neste último caso, estamos usando um raciocínio circular que provém de hábitos desenvolvidos em nossa mente. Os hábitos são difíceis de ser eliminados e constituem a base de nossas crenças, as quais não podemos confirmar nem negar usando qualquer tipo de raciocínio, seja indutivo ou dedutivo. A U LA 3 4 8 C E D E R J C E D E R J 4 9 Psicologia e Educação | As concepções de homem relacionadas ao desenvolvimento humano: o ambientalismo 4 8 C E D E R J C E D E R J 4 9 Nesse ponto, é importante que você assista a um vídeo sobre David Hume, intitulado Ser ou não ser, que explora inclusive hábitos e crenças em relação à natureza e ao ambiente escolar. O vídeo tem a duração de 7:45 min. e está disponível em: http://paginasdefilosofia.blogspot.com/2009/10/sensacoes- impressoes-e-ideias-em-david.html As relações de causalidade ou de associação lógica são possíveis entre as ideias, mas não são necessárias entre as impressões. O estudo das relações predomina na obra de Hume. Ele discorda de Aristó- teles, para quem as coisas possuem uma essência. Para Hume, cada coisa é composta de outras coisas e as ideias simples juntam-se para formar uma ideia complexa. Ele começa interrogando-se sobre o que é o “eu”, o “espírito”, questionando como esse “eu” pode ser consi- derado substância (algo estável, imutável), quando o que se percebe desse “eu” são apenas impressões e ideias, em constante variação. Com esta nova visão, conseguiu mudar a atenção de filósofos, que passaram do estudo das essências (essencialismo) e das substâncias para o estudo das relações. Ao defender um empirismo extremo, Hume transforma as representações do mundo, que perdem sua aparente estabilidade e objetividade; o papel do cientista não mais seria propor hipóteses que tentassem verificar a ordem dos fenômenos, nem sua universalidade. Nossas representações acerca do mundo e acerca do ser humano não são mais do que os produtos de experiências subjetivas e de hábitos bem estabelecidos. Segundo Figueiredo (2002, p. 110), David Hume e George Berkeley (1685-1753) desvendaram aquilo que podemos chamar de a fábrica psicológica do mundo: associações arbitrárias mas regulares entre ideias sensoriais, ou impressões, geram o mundo supostamente objetivo e autônomo, ou melhor, nossa experiência e conhecimento do mundo. 4 8 C E D E R J C E D E R J 4 94 8 C E D E R J C E D E R J 4 9 Hume chega à conclusão de que todos os fatos são exteriores entre si. Não há nada de interior e intrínseco que os relacione necessariamente uns aos outros, daí defender que a relação de causalidade é apenas uma crença baseada no hábito. O filósofo mostra que os homens associam ideias e acreditam nessa associação por força do hábito ou costume. O costume, no entanto, não é a repetição de experiências semelhantes por parte de um único indivíduo, mas de muitos, ou seja, há um aspecto coletivo no costu- me. Mesmo quando se tem um prazer individual e esse prazer foge ao que é costume, que é diferente dos que são aprovados social e culturalmente, passa-se a ter dúvidas sobre este comportamento singular. Na realidade, a ideia de causalidade, para ele, não existe de fato, senão o peso do meu hábito e da minha expectativa, como acontece quando espero a ebulição da água que coloquei no fogo. A expectativa não possui base racional. Qualquer coisa pode produzir qualquer coisa, diz Hume. Se a causalidade é explicada por uma ilusão psicológica, ela não possui qualquer valor de verdade. Seu empirismo, portanto, representa um ceti- cismo. Para Figueiredo (1991, p. 119), a dialética do empirismo, ao por em questão as ideias inatas, resultava no ceticismo que diluía a certeza acerca do mundo e a certeza acerca do sujeito, restando apenas as sensações e os nomes inventados para designar conjuntos de sensações. A concepção de ser humano se modifica; ele passa a ser visto como pro- duto do meio em que vive, de suas experiências e dos condicionamentos que recebe. O homem passa a ser cada vez mais concebido como um ser extremamente plástico, que desenvolve suas características em função das condições presentes no meio em que se encontra (DAVIS, 1990). Fonte: http://www.sxc.hu/photo/68669 ! A U LA 3 5 0 C E D E R J C E D E R J 5 1 Psicologia e Educação | As concepções de homem relacionadas ao desenvolvimento humano: o ambientalismo 5 0 C E D E R J C E D E R J 5 1 O termo ceticismo refere-se a uma corrente filosófica que defende a ideia da impossibilidade do conhecimento de qualquer verdade. Foi criado na Antiguidade, por um filósofo grego chamado Pirro de Élis, que rejeitava qualquer tipo de dogma (afirmação considerada verdadeira sem comprova- ção). A dúvida é o principal mecanismo do ceticismo e todo conhecimento é relativo, pois depende da realidade da pessoa que o possui e das condições do objeto que está sendo analisado. Como as visões do mundo, as crenças, valores, costumes e ideologias mudam em cada período da história, os céticos acreditam ser impossível estabelecer o que é real e irreal, correto e incorreto, o que os faz defenderem uma postura de neutralidade em todas as questões, de indiferença, abstendo-se de julgamentos de valor. Uma das instituições que mais questiona o ceticismo é a religião. Há duas formas de ceticismo: o filosófico e o cientifico, que seguem basicamente a mesma linha: o primeiro, avaliando os pensamentos; o segundo, tentando encontrar explicações para as pesquisas científicas. Fonte: http://pt.wikipedia. org/wiki/Ficheiro:Question_ mark.png Face à impossibilidade de enumerar todas as causas dos fenôme- nos, o pensamento indutivo – que parte do singular para tentar atingir o geral – fica inviabilizado como um caminho possível para alcançar a verdade. Tal constatação faz da ciência algo que não pode ser executa- do. A vinculação entre causa e efeito, tida como lógica e necessária, é decorrente de crenças e não pode ser considerada uma inferência lógica válida. Se A sempre for seguido de B, tendemos a considerar que A é a causa de B, o que representa uma ilusão de causa e efeito. Ele usa o termo crença em um sentido estrito, como algo ligado a um fato ou a qualquer coisa existente, e reivindica ter sido o primeiro pensadora investigar a natureza da crença. Usa este termo em sentido estrito, de crença em termos de qualquer coisa existente. Ele afirma que os eventos são relacionados causalmente e que, no futuro, serão relacio- nados da mesma forma como o eram no passado, porque acreditava que essas são crenças naturais, que não serão extintas, porque representam propensões da natureza humana. 5 0 C E D E R J C E D E R J 5 15 0 C E D E R J C E D E R J 5 1 O conhecimento científico, para ele, é um conhecimento irracional, uma vez que se baseia em crenças, as quais não possuem estrutura lógica através da dedução. Seu ceticismo não consiste na negação da crença, mas da evidência, concluindo que o ser humano caracteriza-se mais como um ser de percepção sensível do que como um ser racional. Finalmente, podemos dizer que Hume sistematizou a abordagem associacionista. A investigação de Hume coloca em questão o status do conhecimento, mas não a objetividade do mundo (FIGUEIREDO, 2002). Opondo-se às filosofias cartesianas e às que consideravam o espírito humano através de um ponto de vista teológico-metafísico, o empirismo radical de Hume abriu caminho à utilização do método experimental para o estudo dos fenômenos mentais, embora ele criticasse o princípio da causalidade, que é a base das hipóteses a serem testadas pela experimentação. Atende aos Objetivos 1 e 2 2. Esta atividade consiste em analisar alguns dos temas apresentados no vídeo Ser ou não ser, sob a ótica de Hume. Você se lembra do garoto que conhecia o mundo pela internet, sem nunca ter tido contato com os locais e os fatos vistos na tela do computador? E dos passeios pelos campos, feitos pelas crianças? Quanto aos relatos de alunos em sala de aula, que relações teriam com a visão de mundo de David Hume? Resposta Comentada As impressões são mais fortes, mais nítidas que as ideias, que se originam das primeiras. A ideia que uma das crianças tem de outros países ou de lugares que só conheceu pela internet mostra como ela própria sabe que, se os visse pessoalmente, suas ideias sobre eles poderiam mudar. A busca por explorar o meio ambiente, observar o que ainda é desconhecido, à procura de novas impressões e forma- ção de novas ideias é uma preocupação dos adultos que orientam as crianças. Na sala de aula, as ideias que circulam sobre determinados alunos demonstram aquilo que Hume chama de consenso e que, ATIVIDADE A U LA 3 5 2 C E D E R J C E D E R J 5 3 Psicologia e Educação | As concepções de homem relacionadas ao desenvolvimento humano: o ambientalismo 5 2 C E D E R J C E D E R J 5 3 o EmPIrIsmo FIrma-sE aInda maIs na InglatErra – stuart mIll Ainda dentro da tradição empirista, temos a contribuição do filósofo e economista inglês John Stuart Mill (1806-1873), para o qual a experiência constitui a base dos processos mentais. A partir dela, são formadas as representações, que, por sua vez, formam as associações e, por fim, surgem as ideias. Dentro de sua visão, toda ciência deve voltar-se para a experiência, uma vez que toda ideia e todo conhecimento encontram-se circunscritos aos limites daquilo que é vivenciado. Os estudos baseados na experiência devem ser efetuados tanto para a lógica e as ciências matemáticas, quanto para as ciências humanas. No campo da lógica, Mill contribuiu para a radicalização do papel da indução, pois todo conhecimento seria formado a partir do acúmulo de impressões, que são da ordem particular, do individual. Para ele, também o pensamento dedutivo, mesmo em sua forma clássica, o silo- gismo, possui um fundamento indutivo. A premissa geral, no silogismo, expressa uma característica que, apesar de coletiva, é inferida a partir de indivíduos, ou seja, do particular para o geral. Somente através da indução chegar-se-ia ao conhecimento. A indução deve ser o método utilizado também nas ciências huma- nas, embora estas lidem com fenômenos mais complexos, que implicam um número maior de variáveis a serem investigadas. Mill opõe-se ao positivismo de A. Comte, que será visto a seguir, na medida em que defende que a Psicologia é uma ciência independente e que ela deve oferecer os fundamentos para os estudos do ser humano e da moralidade. Para ele, a Psicologia forneceria as bases para as demais ciências morais. como ideias compartilhadas, acabam tornando-se estereótipos que servem à discriminação social. O professor pode tentar aumentar a autoestima dos alunos, mostrando crença na capacidade que eles têm de superar seus problemas de desempenho. 5 2 C E D E R J C E D E R J 5 35 2 C E D E R J C E D E R J 5 3 Figura 3.7: John Stuart Mill (1806-1873) foi um filósofo e economista inglês, e um dos pensadores liberais mais influentes do século XIX. Foi um defensor do utilitarismo, a teoria ética proposta inicialmente por seu padrinho, Jeremy Bentham. Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:JohnStuart Mill.jpg EntrE o EmPIrIsmo E o racIonalIsmo: o PosItIvIsmo InIcIal Como reação ao idealismo, ou seja, unificação da experiência mediante a razão, surge outro movimento: o positivismo, que se carac- teriza por limitar-se à experiência imediata, pura, sensível, como já fizera o empirismo. O positivismo aparece como uma proposta a ser colocada no lugar do idealismo da primeira metade do século XIX, como uma reação ao apriorismo, ao exigir maior respeito para os dados da realidade objetiva. Embora o positivismo não tenha a riqueza filosófica de outras abordagens, o seu maior valor está na análise objetiva da experiência, o que fez com que se difundisse por toda a Europa, face à sua aplicação na prática e na tecnologia. Em um período em que a produção de bens materiais se intensifi- cava, procurava-se uma base filosófica mais positiva, mais materialista, que fundamentasse as ideologias vigentes, a busca de resultados práticos para a produção de bens influenciaram o desenvolvimento das ciências naturais. A filosofia acabou sendo reduzida à metodologia e à sistema- tização das ciências. A U LA 3 5 4 C E D E R J C E D E R J 5 5 Psicologia e Educação | As concepções de homem relacionadas ao desenvolvimento humano: o ambientalismo 5 4 C E D E R J C E D E R J 5 5 O positivismo surgiu na França, com Auguste Comte (1798- 1857), ganhando força na segunda metade do século XIX e no começo do XX, quando suas ideias chegaram ao Brasil. Defende a ideia de que o conhecimento científico é a única forma de conhecimento verdadeiro e que só se pode afirmar que uma teoria é correta se ela for comprovada através da metodologia científica. Para os positivistas, o progresso da humanidade depende tão somente dos avanços científicos. No início do século XIX, as descobertas científicas e os avanços técnicos faziam crer que o homem podia dominar a natureza e este era um campo fértil para o nascimento de uma corrente filosófica que pudesse se contrapor às abstrações da teologia e da metafísica. O positivismo, enquanto ideologia e movimento filosófico, foi fundado por Auguste Comte (1798-1857), que trabalhou com Saint-Simon, de quem seguiu a orientação para o estudo das ciências sociais: os fenômenos sociais, assim como os físicos, podem ser reduzidos a leis; todo conhecimento científico e filosófico deve ter como finalidade o aperfeiçoamento moral e político da humanidade. O positivismo é produto direto de sua época, tendo sido influencia- do pela Revolução Industrial, já plenamente realizada, e pelo nascimento e desenvolvimento crescente das ciências experimentais, que ocupavam o espaço anteriormente ocupado pela especulação racionalista. Figura 3.8: Auguste Comte (1798-1957).Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/ Ficheiro:Auguste_Comte.jpg 5 4 C E D E R J C E D E R J 5 55 4 C E D E R J C E D E R J 5 5 Comte escreveu diversos livros, como Curso de Filosofia Posi- tiva, sua principal obra, composta de seis volumes, publicados entre 1830 e 1842. No livro Política Positiva, ou Tratado de Sociologia, (1851-1854), cria uma nova religião: a religião da humanidade, que deveria substituir a Igreja. Na segunda fase de sua vida, esforça-se por transformar a ciência em religião, assim como na primeira fase procurou transformar a ciência em filosofia. O positivismo sofreu influência de diversos movimentos do século XVIII, dos quais destacaremos dois: o empirismo radical de David Hume, que priorizava a experiência no processo do conhecimento; o iluminismo, com sua crença no progresso da humanidade por meio da razão. Comte nunca se declarou a favor de um empirismo radical e colocava o positivismo entre o empirismo (a experiência direta do fato) e o racionalismo, que ele denominava de misticismo. Para ele, o saber científico depende tanto de dados empíricos como de elaboração racional, pois a realidade não nos é dada diretamente pela sensação; os dados precisam ser complementados pela ação do intelecto. É o espírito que elabora os dados originados nos órgãos dos sentidos e os organi- za, criando uma imagem de mundo que é formada tanto de elementos empíricos quanto racionais. Segundo Gadotti (2001), o positivismo tem como base teórica três pontos capitais: todo conhecimento do mundo material decorre dos dados • “positivos”, oriundos da experiência, e é somente a eles que o investigador deve se ater; existe um âmbito puramente formal no qual se relacionam as • ideias, que é o da lógica pura e da matemática; todos os conhecimentos tidos como “transcendentes”, oriundos da • metafísica, da teologia ou da especulação acrítica, estão além de qualquer verificação prática e, portanto, devem ser descartados. Para Comte, uma verdadeira ciência deve analisar todos os fenô- menos, incluindo os humanos, como fatos. Tanto nas ciências naturais quanto nas humanas, deve-se afastar todo preconceito e todo pressuposto ideológico, uma vez que ciência e cientistas devem ser neutros. i lumin ismo Em termos histó- ricos, refere-se à era dos iluministas, que pertenciam a uma corrente filo- sófica que dava valor absoluto à Razão e desprezava qualquer forma de crença religiosa; em filosofia, refere-se à concepção pela qual a inteligência do ser humano necessita da assistência divi- na para alcançar o conhecimento. A U LA 3 5 6 C E D E R J C E D E R J 5 7 Psicologia e Educação | As concepções de homem relacionadas ao desenvolvimento humano: o ambientalismo 5 6 C E D E R J C E D E R J 5 7 o PosItIvIsmo E a humanIdadE: da Fé Em dEus à Fé na cIêncIa A filosofia de Comte está descrita em sua obra Curso de Filosofia Positiva (1830-1842), na qual apresenta a lei dos três estados ou etapas do desenvolvimento intelectual da humanidade: o primeiro é o estágio • teológico, no qual o ser humano explica os fenômenos da natureza através de entes sobrenaturais ou divindades, até chegar a um Deus único, base das religiões monoteistas; o segundo estágio é o • metafísico, no qual o mundo sensível não é explicado por fatores ou seres exteriores a ele, mas por conceitos imanentes e abstratos (formas, ideias, potências, princípios); finalmente, o terceiro estágio • – o positivo – é alcançado quando o ser humano limita-se a descrever os fenômenos e a estabelecer “as relações constantes de semelhança e sucessão entre eles”; consiste no estágio atual, em que se buscam as leis científicas. Desta lei dos três estágios, Comte deduz o sistema educacional, o qual deve considerar as fases históricas por que passou a humanidade, pois elas reproduzir-se-iam em cada ser humano: Na primeira fase, a aprendizagem não teria um caráter formal; • o fetichismo inicial e natural desta fase deve, gradativamente, transformar-se em uma concepção abstrata do mundo. Na segunda fase, que inclui a adolescência e a juventude, o ser • humano entraria em preocupações teológicas e no estudo sistemá- tico das ciências, portanto, através de uma educação formal. Finalmente, ao chegar à idade madura, o homem atingiria o • estado positivo, sem um Deus abstrato e abraçando a religião do grande ser, que é a humanidade. A solidariedade humana seria formada através da educação. Segundo o pensamento social de Comte, as leis naturais regeriam a sociedade e a política deveria ser uma ciência exata. Para Gadotti (2001), o positivismo representou a doutrina que tentara consolidar a ordem pública, mas a lei dos três estágios não foi compatível com a evolução dos educandos, que não seguiam as previsões de Comte: nem as crianças imaginavam forças divinas para explicar o mundo, nem os jovens se dedicavam a abstrações metafísicas. Ainda para este autor: 5 6 C E D E R J C E D E R J 5 75 6 C E D E R J C E D E R J 5 7 O positivismo, cuja doutrina visava à substituição da manipulação mítica e mágica do real pela visão científica, acabou estabelecendo uma nova fé, a fé na ciência, que subordinou a imaginação científica à pura observação empírica. Seu lema sempre foi ordem e progresso. Acreditou que, para progredir, é preciso ordem e que a pior ordem é sempre melhor que qualquer desordem. Portanto, o positivismo tornou-se uma ideologia da ordem da resignação e, contraditoria- mente, da estagnação social (GADOTTI, 2001, p. 110). conclusão Tanto o ambientalismo quanto o inatismo radicais caminham na direção de concepções autoritárias de exercício de poder. Em suas formas radicais, enquanto o inatismo biológico esteve associado ao elitismo, ao racismo, à política da direita, ao colonialismo e à hierarquização da sociedade, o ambientalismo também influenciou diversas áreas. Segundo Marilena Chauí (1999), a dicotomia inatismo-ambientalismo teve, como consequência, uma tendência ao ceticismo, à dúvida quanto à possibili- dade de um conhecimento racional, verdadeiro. Em função das premissas teóricas do positivismo, resultaram concepções morais hedonistas e utilitárias, além do surgimento de novos sistemas políticos e econômicos, como a democracia moderna. Como a realidade física é a única que existe, a única cognoscível, os valores espiri- tuais, a metafísica e a filosofia são todos relegados a um segundo plano. Severas críticas têm sido feitas à ciência mecanicista, um ideal do positivismo, críticas estas que provêm de dentro do próprio âmbito das ciências positivas, originando uma tendência atual em direção ao que se tem denominado pós-positivismo. Segundo este, não há relações causais inequívocas entre os fenômenos; todas as entidades envolvidas estão em estado de moldagem recíproca, sendo impossível detectar causas e efeitos. Na Psicologia, observa-se o aumento de novos“saberes” e novos “fazeres” (BONFIM, 1992). Nenhuma pesquisa é independente dos valores do observador. Afirmar a neutralidade da ciência é não aceitar que, em uma investigação, pelo menos cinco aspectos são influenciados pelos valores do pesquisador: a escolha dos problemas a serem estudados; a escolha do paradigma que orientará o estudo; a teoria escolhida para orientar a pesquisa; os valores inerentes ao contexto; finalmente, a investigação ou será ressonante ou dissonante desses valores. A U LA 3 5 8 C E D E R J C E D E R J 5 9 Psicologia e Educação | As concepções de homem relacionadas ao desenvolvimento humano: o ambientalismo 5 8 C E D E R J C E D E R J 5 9 O positivismopós-moderno tem cada vez mais adeptos, inclusive através de pesquisas que comprovam a influência de múltiplas variáveis sobre as investigações, dando lugar a outras interpretações do mundo, em geral, e do ser humano, em particular. Cada vez mais se percebe a necessidade de contextualização de estudos e pesquisas (JURBERG, 2000); o objetivo não é explicar, mas compreender a forma pela qual se alcança o conhecimento. Como profissionais ligados à área pedagógica, seria atender à necessidade de “multirreferencialidade” nas ciências, como defende Barbosa (1998). atIvIdadE FInal Atende aos Objetivos 2 e 3 Agora que você teve contato com as duas perspectivas – inatismo e ambientalismo – vamos tentar aplicá-las na educação e no desenvolvimento humano. Para isso, assinale, ao lado de cada afirmação, as letras I ou A, caso se trate de uma proposição inatista ou ambientalista. a. ( ) A aprendizagem depende do desenvolvimento das aptidões e potencialidades do indivíduo, tendo o professor o papel de facilitar que os dons de seus alunos manifestem-se, que floresçam naturalmente. b. ( ) Aprendizagem e desenvolvimento são termos praticamente sinônimos, pois ocorrem simultaneamente; o desenvolvimento nada mais seria do que o resultado final das respostas aprendidas e das consequentes mudanças de comportamento. c. ( ) Quanto menor a interferência do professor, maior será a criatividade do discípulo. No campo educacional, tal concepção do ser humano influenciou diferentes tipos de pedagogia, desde o imobilismo ao espontaneísmo. d. ( ) Lançando mão de incentivos que gerem motivação, o professor estimula o ritmo e a eficácia da aprendizagem, o que pode resultar em um diretivismo excessivo, de sua parte. Nessa abordagem, seus postulados podem servir para legitimar e justificar práticas pedagógicas como o assistencialismo, o conservadorismo e o tecnicismo. 5 8 C E D E R J C E D E R J 5 95 8 C E D E R J C E D E R J 5 9 e. ( ) Na área da educação, as técnicas de ensino são mais valorizadas e tenta-se propiciar o maior número de estímulos e informações, colocando escola e professor como responsáveis pelo bom desempenho e desenvolvimento do aluno. f. ( ) Certas pedagogias atribuem o sucesso ou o fracasso escolar unicamente ao aluno, uma vez que as diferenças entre eles não poderão ser superadas, isentando escola e professor de qualquer responsabilidade. g. ( ) Não há preocupação em prover situações em que o aluno possa desenvolver sua criatividade espontaneamente, mas uma valorização da quantidade de informação retida e de associações efetuadas. Resposta Comentada As afirmações que pressupõem atributos inatos aos seres humanos, deixando que a educação transcorra de forma espontânea, denotam uma visão inatista (é o caso das questões contidas nos itens a, c, f). As afirmações que atribuem todo o desenvolvimento do ser humano às experiências vivenciadas, ou seja, a fatores do ambiente, responsabilizam e supervalorizam o papel dos pais, dos educadores e da própria sociedade; tal visão ambientalista está presente nos itens b, d, e f. r E s u m o Esta aula poderia ser resumida em uma frase: da fé em Deus à fé na experiência, depois à fé na razão e, finalmente, à fé na ciência. No que se refere ao ambientalismo, depois denominado empirismo, vimos que ele inicia-se trezentos anos antes da era cristã, com a visão aristotélica, que enfatizava o papel das sensações para que o homem chegasse ao conhecimento. A passagem das sensações (originadas no corpo) para o pensamento dar-se-ia através de associações: relacionamos os objetos que estão próximos, seja no tempo ou no espaço. Com o passar dos séculos, a dicotomia alma x corpo passa a caracterizar a separação entre o empírico e o racional. Dentro da visão empirista, destacam-se as contri- buições de John Locke, no século XVII, o qual enfatizava o papel da experiência na construção do conhecimento humano. As vivências seriam a única fonte das A U LA 3 6 0 C E D E R J C E D E R J P b Psicologia e Educação | As concepções de homem relacionadas ao desenvolvimento humano: o ambientalismo ideias e, portanto, do conhecimento acerca do mundo. As ideias não têm origem exclusiva na experiência exterior, através dos próprios objetos, mas podem originar- se de operações da mente, pelo uso da reflexão. No século seguinte, o ambientalismo de D. Hume tenta preencher a lacuna deixada por Locke, em relação ao processo pelo qual as experiências simples aliam-se para criar formas complexas de conhecer. Para resolver a questão, ele divide os objetos da consciência em duas classes: as impressões, causadas pelos objetos, e as ideias, que são os correspondentes, na memória, das impressões. Para ele, as relações de causalidade não existem no nível das ideias; critica o princípio de causa e efeito, considerando-o uma crença, com a qual nos habituamos, pela associação. O conhe- cimento científico, portanto, baseado na causalidade, é impossível. Finalmente, os séculos XIX e XX são marcados, respectivamente: – pelo empirismo inglês de Stuart Mill, para quem também a experiência é a base dos processos mentais, que criam as representações que, por sua vez, formam as associações, das quais emergem as ideias. A ciência deve basear-se na experiência e o método a ser utilizado deve ser o indutivo, uma vez que o conhecimento do indivíduo forma-se a partir do acúmulo de suas impressões; pelo positivismo de A. Comte, aplicando-o à sociedade, que deveria seguir as leis naturais, e à política, que deveria ser também uma ciência exata; – pelo positivismo moderno e pós-moderno; o primeiro, priorizando o pressu- posto da causalidade e a crença na neutralidade do pesquisador; o segundo, reconhecendo a complexidade dos fenômenos e defendendo a necessidade de contextualizar os estudos acerca do desenvolvimento humano.
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