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1 AULA 8 A ADOLESCÊNCIA Sílvia Maria Melo Gonçalves Etimologicamente, adolescer provém do verbo “adolescere”, que significa crescer, desenvolver-se; compreende o período que se estende da terceira infância até a idade adulta, caracterizado psicologicamente por intensos processos conflituosos e persistentes esforços de autoafirmação. É, sem dúvida, um período de grandes mudanças, positivas ou negativas, com enorme repercussão na vida futura. As transformações, físicas ou psicológicas, serão responsáveis pela personalidade e pelo caráter do futuro adulto, mas, enquanto adolescente, são responsáveis pela ansiedade em relação às transformações que começam a acontecer, é a incerteza em relação ao desconhecido. Para Santrock (2003, p.11), a adolescência “é definida como o período desenvolvimentista de transição entre a infância e a vida adulta; envolve mudanças biológicas, cognitivas e socioemocionais”. É difícil estabelecer idades para o período da adolescência na medida em que esta retrata o cumprimento de um papel social e depende de circunstâncias culturais e históricas. Mas, de um modo geral, há um consenso para o início por volta de 10/11 anos de idade, (término da terceira infância) perdurando até 21/22 anos. Os desenvolvimentistas também tendem a descrevê-la como adolescência inicial, época do ensino fundamental, incluindo as mudanças decorrentes da puberdade; e a adolescência posterior, quando os interesses estão voltados à carreira, vida amorosa e problemas identitários. Histórico do conceito de adolescência A concepção de adolescência, assim como a de infância, do modo como as concebemos nos tempos atuais, é relativamente recente. A evolução desses conceitos remonta aos filósofos gregos, sendo importante que levantemos alguns fatos pertinentes a esse respeito. 2 Algumas considerações sobre adolescência Compreender a adolescência sempre foi alvo de interesse de filósofos, pensadores e demais interessados em entender o comportamento dos jovens. Platão (428-347 a.C), filósofo racionalista grego, considerava que o raciocínio despontava somente na adolescência, razão pela qual os jovens deveriam estudar matemática e ciências, enquanto as crianças deveriam somente brincar. No mesmo século IV a.C, Aristóteles (384-322 a.C), filósofo empirista grego, dizia que o adolescente possuía habilidade para efetuar escolhas, sendo esta uma condição da maturidade. Essa autodeterminação dos jovens está de acordo com muitas ideias contemporâneas de que a independência, a identidade e a escolha da carreira sejam os pontos cruciais da adolescência (SANTROCK, 2003). O egocentrismo dos jovens, que persiste em alguns comportamentos, foi apontado de forma crítica por Aristóteles, dizendo que estes se consideram oniscientes, que pensam que sabem tudo e que são donos da verdade (ARISTÓTELES, 2001). As crianças e os adolescentes não tinham qualquer privilégio na Idade Média, eram compreendidos como adultos em miniatura e viviam sob rigorosa disciplina (SANTROCK, 2003). Por não serem percebidos como diferentes dos adultos, crianças e adolescentes não tinham as necessidades peculiares à idade atendidas e tampouco reconhecidas; assim, não havia quaisquer preocupações ou contribuições significantes para um desenvolvimento satisfatório (ARIÈS, 1981). Esse modo de perceber as crianças também estava presente na arte desse período da humanidade, quando escultores e pintores retratavam-nas como adultos encolhidos, dando a impressão de que eram incapazes de ver que a aparência das crianças era diferente do aspecto dos adultos, com traços faciais e proporções peculiares. Segundo Ariès (1981), até por volta do século XII, a criança não era representada pela arte medieval e, acrescenta que “é difícil crer que essa ausência se devesse à incompetência ou à falta de habilidade. É mais provável que não houvesse lugar para a infância nesse mundo” (ARIÈS, 1981, p.50). Por outro lado, a ideia da divisão da vida humana em etapas já era concebida nesse período histórico da humanidade, como afirma Ariès (1981): As “idades da vida” ocupam um lugar importante nos tratados pseudocientíficos da Idade Média. Seus autores empregam uma terminologia que nos parece puramente verbal: infância e puerilidade, juventude e adolescência, velhice e senilidade – cada uma dessas 3 palavras designando um período diferente da vida. (ARIÈS, 1981, p.33) No século XVIII, Jean-Jacques Rousseau, filósofo francês, retomou o pensamento de que crianças e adolescentes não são iguais aos adultos e, como Platão, julgava que o raciocínio só apareceria na adolescência, quando o emergir da razão encerraria a infância, dando início à adolescência. Desse modo, propõe que as crianças, assim como o célebre Emílio, deveria aprender com a natureza e que a curiosidade deveria ser instigada, principalmente na educação de adolescentes de 12 a 15 anos de idade. Para Rousseau, entre 15 e 20 anos, há o amadurecimento emocional dos jovens e, no lugar do egoísmo, surgirão comportamentos altruístas (ROUSSEAU, 1992). Assim, aos poucos, desde Rousseau, ao invés de serem reconhecidas como um adulto em miniatura, as crianças começaram a ser percebidas como um adulto em potencial. Mas, apesar de Rousseau ter pressuposto o desenvolvimento em fases diferentes, o termo adolescência não significava a distinção entre períodos de desenvolvimento, ao contrário, as crianças passavam pela puberdade e imediatamente entravam em alguma espécie de aprendizado referente ao mundo adulto. No início do século XX, com o estudo científico da adolescência, o período entre a puberdade e o estado adulto assumiu um caráter próprio (SANTROCK, 2003). Uma curiosidade sobre o termo adolescência é apontada por Martins (1996) quando relata que a palavra adolescens é encontrada em uma comédia de Plauto, em 193 a.C. Mas, o termo adolescência só foi solidificado com a evolução social e econômica da sociedade, quando as crianças e, posteriormente os jovens, foram desobrigados de trabalhar e passaram a ser percebidos por suas peculiaridades. Mesmo com a majoração do tempo de permanência na escola, como decorrência desse processo, os jovens passaram a permanecer desocupados por muito mais tempo, causando problemas e desenvolvendo comportamentos típicos, tal como os adolescentes atuais (ARIÈS, 1981). E, nas palavras de Gallatin (1986): A infância tem sido vista como um período realmente crítico da existência humana, os ‘anos formativos’, quando tornam-se manifestos todos os traços que distinguem nossa espécie do resto do reino animal. Em comparação, a adolescência aparece, se não como rotineira, pelo menos como bem definida – por isto, o profundo interesse para com o primeiro período e a comparativa negligência para com o último. (GALLATIN, 1986, p.13) 4 O período entre o final do século XIX e o início do século XX foi crucial para o fenômeno designado adolescência. Mas, foi no século XX que ocorreram as mudanças fundamentais para a vida dos jovens. Ritos de passagem Embora a puberdade possa variar de um jovem para outro, ela é universal, normativa e filogenética, pois é definida dentro de padrões próprios da espécie. Por outro lado, Mead (1972) considera que os problemas dos adolescentes nem são universais, nem estão ligados à natureza humana, já que dependem do contexto cultural no qual estão inseridos. Do nascimento à morte, a vida perpassa por inúmeras passagens. São etapas geralmente difíceis, ambíguas ou contraditórias. São momentos de crise, de questionamentos sobre si, de seus valores, da base da vida cotidiana. Nas sociedadesonde há ritos de iniciação, como em inúmeras sociedades da Oceania, enquanto os rapazes e as moças não se submeterem ao ritual, não serão considerados membros de pleno direito dessas comunidades. São práticas bastante antigas para marcar a passagem da infância para a conquista de seu lugar, em relação aos adultos, na sociedade (ELIADE, 1975). A função do ritual é propiciar ensinamentos que levem a uma transformação ontológica do iniciado, além de estabelecer uma ligação do indivíduo ao grupo, permitindo a estruturação da vida desse indivíduo em etapas precisas. Com a transformação do status social de forma predefinida, os ritos de passagem permitem evitar os conflitos (ELIADE, 1975). Este fenômeno é importante pelo favorecimento da relação entre o indivíduo e o grupo, e pela coesão do grupo como um todo, como afirma Muuss (1973): Em alguns casos a transição da infância para a fase adulta é suave e sem reconhecimento social; em outros casos, os ritos de puberdade acarretam uma transição, não da infância para a adolescência, mas da infância para a idade adulta. A pubescência parece ser o único aspecto do processo de maturação que algumas sociedades primitivas reconhecem; depois da puberdade o jovem ou a jovem obtêm o status e os privilégios dos adultos. O período prolongado de adolescência (algumas vezes, de quase uma década) em sociedades de maior índice técnico não é fisiológico, mas uma invenção social. (MUUSS, 1973, p.17) 5 Eliade (1975) resume as diferentes facetas da iniciação quando, através dos ritos da puberdade, os neófitos tomam consciência do valor sagrado do alimento e assumem a condição de adultos. Ou seja, não dependem mais da mãe ou do trabalho de outros para se manter. A iniciação equivale, então, a uma revelação do sagrado, da morte, da sexualidade e da luta pela subsistência. Só é possível ocupar seu lugar depois de ter assumido as dimensões da existência humana. Essas sociedades tradicionais têm muitas informações para transmitir a seus adolescentes, já que estes devem perpetuar os fatos, a ordem da natureza, a ordem sagrada e a ordem social, para que tudo recomece, idêntico ao que sempre fora, mas pela nova classe etária, pois cada geração tem que estar integrada em um círculo do tempo (ELIADE, 1975). Por outro lado, os ritos de iniciação servem igualmente para detectar aqueles que não são capazes de se submeter às normas do grupo. Estes deverão procurar acolhimento em outro grupo que não pratique tais rituais ou que os execute de uma forma que lhes pareça menos constrangedora. Para as sociedades tradicionais, a adolescência é um período breve que deve ser moldado de modo que a indeterminação que o caracteriza se transforme em certeza para os adolescentes, de ambos os sexos, sobre o lugar que vão ocupar e o papel que vão desempenhar na sociedade dos adultos. As sociedades atuais não são estáveis como as tradicionais, pois suas inúmeras conquistas científicas e a expectativa do que ainda está por vir transformam a sociedade estável em sociedade inacabada, um devir científico e social (FELLOUS, 2001). Assim, como as sociedades modernas, a adolescência é um período inacabado. A importância da teoria de G. Stanley Hall É comum os historiadores considerarem G. Stanley Hall o pai do estudo moderno da adolescência. Em 1904, Hall publicou dois volumes sobre adolescência (intitulados “Adolescence”), totalizando um estudo de 1.300 páginas. Sua obra foi muito importante para o surgimento de um novo olhar sobre os jovens da época, quando Hall afirmou que embora muitos adolescentes aparentassem passividade, estavam, na realidade, vivendo um enorme turbilhão interior. Hall sofreu grande influência da teoria da evolução de Charles Darwin, desenvolvendo uma parte dessa teoria para explicar como se processa o ciclo da vida 6 humana, afirmando que fatores fisiológicos geneticamente determinados provocam reações psicológicas. A adolescência foi concebida como uma parte de sua teoria principal de que “a ontogenia recapitula a filogenia”. Sua teoria propõe que as etapas entre a infância e a idade adulta da espécie humana refletem os diversos estágios da história da humanidade. Na infância, por exemplo, supõe-se que a criança se assemelhe a um ancestral bastante primitivo da raça humana, que existiu há inúmeros séculos atrás. A meninice expressa uma versão mais avançada, mas ainda pré-histórica da humanidade. De fato, afirma Hall, isto é mais do que uma mera semelhança. A história evolutiva da raça humana como um todo determina a maneira pela qual qualquer indivíduo se desenvolverá. (GALLATIN, 1986, p.26) Hall dividiu os estágios do desenvolvimento em quatro, e bem semelhantes a concepção de Rousseau. Segundo Hall, os principais estágios do desenvolvimento são: primeira infância, infância, juventude e adolescência. A adolescência compreende o período da puberdade até o estado de adulto, entre 22 e 25 anos (MUUSS, 1973). Para uma melhor compreensão da obra desse pioneiro do estudo científico sobre a adolescência, Gallatin (1986) propõe um esquema de organização em tópicos para facilitar o agrupamento da enorme quantidade de observação de Hall: as dimensões da experiência adolescente, a dimensão emocional, a dimensão cognitiva, a dimensão social e os problemas das diferenças sexuais. Em relação às dimensões da experiência adolescente, e por ser partidário da teoria da evolução, Hall descreve as mudanças biológicas decorrentes do desenvolvimento físico em vários capítulos de sua obra. Considerava ser esta uma característica marcante deste período da vida e acrescentou, a cada observação registrada, inúmeros gráficos e estatísticas. No tocante ao desenvolvimento sexual, devido talvez à influência da psicanálise que começa a surgir e à grande admiração por Sigmund Freud, chegando a escrever o prefácio para a edição americana da “Introdução Geral à Psicanálise” (MUUSS, 1973) e a promover o único ciclo de conferências que este realizou nos Estados Unidos (GALLATIN, 1986), Hall aduz a ideia de que os impulsos sexuais adormecidos durante a infância são repentinamente despertados, graças a um poderoso estímulo dado pela natureza, fazendo com que o adolescente se veja às voltas com sentimentos nunca antes experimentados. Ao primeiro olhar, parece que Hall estava adiante de seu tempo quando descreveu de maneira clara o despertar dos impulsos sexuais do adolescente; mas, por 7 outro lado, sua obra adverte sobre os riscos dos excessos sexuais e considera a masturbação como um grande mal (GALLATIN, 1986). A dimensão emocional na adolescência, descrita por Hall, caracteriza-a como um estágio transitório e turbulento do desenvolvimento da humanidade. A visão da adolescência como um período de “tempestade e tormenta” pode ser explicada pela instabilidade emocional gerada, em parte, pelo súbito aparecimento dos impulsos sexuais. Nesta fase, a emergência dos sentimentos sexuais e a acentuação das capacidades sensoriais propiciam o desenvolvimento da capacidade de amar, explicando as amizades apaixonadas e os romances inesperados da adolescência (GALLATIN, 1986). O comportamento extremado e imprevisível do adolescente também se explicaria pelas mudanças bruscas de humor oriundas dessa peculiar instabilidade emocional. Assim, os desafios das instituições de ensino em lidar com os jovens da época de Hall persistem com os adolescentes hodiernos. Sobre a dimensão cognitiva, Hall observou que o nascimento do intelecto ocorre ao mesmo tempo que o nascimento da sexualidade. Com isso, além das influências do darwinismo, Hall também defendia a ideia de Rousseau, já que somente na adolescênciao jovem teria capacidade para raciocinar. O raciocínio aparece tardiamente no ciclo do desenvolvimento humano do mesmo modo que as capacidades superiores de cognição da humanidade estão entre as últimas que evoluíram. Mais uma vez, o desenvolvimento do indivíduo acompanha a história evolutiva da espécie (GALLATIN, 1986). Com o deslanchar dessas novas habilidades, o adolescente torna-se apto a empregar certos princípios lógicos, começa a desenvolver uma verdadeira noção de tempo, da história e capacidade de visualizar o futuro. Essas habilidades intelectuais são fundamentais para que o adolescente se adapte, tornando parte integrante da sociedade civilizada. A dimensão social e moral do “Adolescence” de Hall explica como o jovem torna-se capaz de compreender com mais vigor e maturidade as regras e os regulamentos sociais. Quando o adolescente passa a pensar como um adulto, devido ao aumento de seu intelecto, também será capaz de compreender os princípios que determinam o comportamento adulto, suas regras e regulamentos sociais. O surgimento do valor moral e social no adolescente descortina uma visão mais ampliada da vida em comum com os outros. Como afirma Gallatin (1986), citando o segundo volume da obra de Hall: “com o aparecimento da adolescência surge o reconhecimento de uma 8 perspectiva mais ampla da vida, uma vida a ser vivida em comum com os outros, e com esta, o reconhecimento da necessidade de manter o código social estabelecido para o bem-estar comum” (GALLATIN, 1986, p.38). Em relação à religião, devido aos seus princípios universais de dignidade humana e ao destaque dado à abnegação, Hall considerava-a como uma manifestação indubitável da natureza superior do homem. Mas, cabe ressaltar que o autor em tela não estabeleceu qualquer vínculo explícito entre o desenvolvimento da moral e o crescimento da religiosidade. A obra de Hall trouxe polêmicas ao considerar as diferenças sexuais e tornou-se antiquada até para sua época, principalmente nos capítulos dedicados à menstruação e à educação das jovens adolescentes. Como grande crítico do espírito feminista que começava a surgir, e por pensar no papel reprodutor da mulher, afirmou que a natureza não quis que a mulher fosse igual ao homem e que qualquer interferência em seu destino biológico poderia levar risco para a sobrevivência da humanidade (GALLATIN, 1986). Mas, de uma maneira geral, Hall estava à frente de sua época ao caracterizar a adolescência como um período do desenvolvimento humano. Embora tenha identificado inúmeras categorias básicas da experiência do adolescente, Hall não tentou mostrar como estas interagiam. Assim, sua teoria foi severamente criticada e, como os estudos da psicologia da personalidade eram recentes, a psicologia ainda não atribuía importância à adolescência para considerá-la como um período essencial do desenvolvimento humano. Mas, de acordo com Santrock (2003, p.4), “foi ele quem iniciou a teorização, a sistematização e o questionamento que foram além de simples especulação e filosofia”. As grandes teorias do desenvolvimento humano As teorias que explicam o desenvolvimento humano podem ser classificadas, de maneira geral como: a teoria psicanalítica que aponta para a importância das primeiras experiências infantis e da força das motivações inconscientes sobre o comportamento; a teoria da aprendizagem, que é importante por mostrar os efeitos do ambiente sobre o organismo; a teoria cognitiva, que esclarece como os processos intelectuais e o pensamentos afetam os comportamentos; a teoria sociocultural, que acrescenta que o 9 desenvolvimento se dá dentro de um contexto cultural multifacetado; e a teoria dos sistemas epigenéticos, que prioriza as forças biológicas que atuam nos indivíduos e em toda a humanidade (SANTROCK, 2003). Todas as teorias supracitadas sofreram críticas específicas: a teoria psicanalítica pela sua subjetividade; a teoria da aprendizagem por ser mecanicista; a teoria cognitiva por não valorizar as diferenças genéticas; a teoria sociocultural por negligenciar os indivíduos; enquanto a teoria dos sistemas epigenéticos desatenderia à sociedade (SANTROCK, 2003). Mas, para que se tenha uma visão abrangente do desenvolvimento humano há que se levar em consideração todos os fatores envolvidos nessas teorias: processos inconscientes, ambiente, intelecto, cultura e genes. Muitos psicólogos do desenvolvimento almejam que uma nova integração possa emergir na forma de uma abordagem de sistemas que unirá as teorias biológicas, sociais, cognitivas e emocionais em uma estrutura mais coerente (PARKE, ORNSTEIN, RIESER e ZHAN-WAXLER, 1994). Desenvolvimento físico e puberdade O corpo humano está em constante transformação, desde o nascimento até a morte. Abandonar a infância representa a descoberta de si mesmo, de um corpo sexuado, de sensações e de sentimentos até então desconhecidos. Por outro lado, é durante essa época tumultuada da vida que o jovem dará os primeiros passos em direção à vida adulta, à autonomia afetiva e de relacionamentos. Puberdade e pubescência são palavras derivadas do latim pubertas, significando a idade da maioridade e pubescer, referindo-se a apresentar cabelo no corpo. O conceito de adolescência é mais amplo e abarca também mudanças no comportamento e implicações sociais (MUUSS, 1973). A puberdade corresponde ao início do período da maturação física, biológica e afetiva. Pode ser definida como o período do desenvolvimento físico em que a reprodução sexual torna-se possível. Nessa fase, as transformações corporais são vividas com muita ansiedade, exigindo que o adolescente faça uma reformulação de seus mundos interno e externo. A puberdade conduz à adolescência, e consequentemente a todas as alegrias e dissabores provenientes desta etapa da vida (DOLTO, 1995). 10 As mudanças hormonais decorrentes da puberdade não se restringem exclusivamente às transformações físicas, já que os hormônios responsáveis pelas mudanças físicas também causam mudanças emocionais. O aumento no nível dos hormônios faz com que as emoções sejam mais rapidamente desencadeadas; nos meninos, desperta a vontade de fazer sexo e de se masturbar; nas meninas, os hormônios durante o ciclo menstrual produzem alterações de humor, principalmente alguns dias anteriores ao ciclo menstrual; ocasiona, também, mudanças bruscas nas emoções, fazendo com que passem de um extremo a outro (SUSMAN, 1997). Por outro lado, há também o aspecto psicológico decorrente das mudanças físicas. A preocupação com o corpo tem sido uma constante no mundo contemporâneo, porém, durante a adolescência, o jovem tem que reestruturar a concepção que tinha de seu corpo, podendo desencadear inúmeros sentimentos. Essas emoções são ainda mais intensificadas durante a puberdade, quando as mudanças são mais rápidas e costumam trazer insatisfação para o adolescente que pode não mais se reconhecer nesse novo corpo (WRIGHT, 1989). Com o início da adolescência começa o deslanchar de um crescimento progressivo que pode ser definido como sendo a puberdade. Evidentemente que esta evolução pode variar de uma pessoa para outra e de um sexo para outro. Assim, de acordo com Berger (2003), a sequência provável de transformação nas meninas começa por volta dos 10 ou 11 anos de idade, com o início da aceleração do crescimento progressivo do esqueleto e dos seios; seguindo-se do alargamento dos ombros e dos quadris, acentuação da cintura e aparição de pelos pubianos em torno de 11-12 anos de idade. Aos 12-13 anos, quando o crescimento físico atinge sua aceleração máxima, pode-se notar o aparecimento de pelos nasaxilas, nos membros e o reforçamento dos pelos pubianos. Há o aparecimento da menstruação. Entre 14-16 anos, ocorre a desaceleração do crescimento físico, surgindo também a voz de mulher. O crescimento físico dos meninos não se apresenta na mesma época que o das meninas, pois a sequência das transformações ocorre mais tardiamente. Aos 11-12 anos, há um aumento do tamanho dos testículos e da bolsa escrotal. Em seguida, aos 12 ou 13 anos, começa a aceleração progressiva do esqueleto e da massa muscular. O tamanho do pênis começa a mudar. O aumento e a intensificação do funcionamento das glândulas acontecem por volta dos 13-14 anos, proporcionando um crescimento físico máximo aos 14-15 anos. As primeiras ejaculações e o aparecimento dos pelos da axila e dos pelos pubianos mais densos manifestam-se em torno dos 15 anos. Ainda, por volta dos 11 15 ou 16 anos, o menino muda de voz e sobrevém a barba adulta. Finalmente, somente aos 17-18 anos, haverá uma maturação final da voz e da progressão da pilosidade adulta, enquanto a força física estará se aproximando, cada vez mais, de seu ápice (BERGER, 2003). Desenvolvimento cognitivo do adolescente Segundo Piaget (1993), por volta dos 12 anos, com o desenvolvimento do pensamento hipotético-dedutivo, o adolescente será capaz de elaborar hipóteses, testá- las depois de avaliá-las, podendo construir sistemas formais e teorias gerais ignorando a experiência prática. É a época do desenvolvimento das operações que necessitam do raciocínio abstrato. O adolescente é capaz de se libertar inteiramente do objeto, podendo, inclusive, representá-lo, operando agora com a forma, em contraposição ao conteúdo, situando o real em um conjunto de transformações. Ele é capaz de considerar proposições como puras hipóteses e de inferir as consequências. Assim, há o desenvolvimento das capacidades lógicas e de representação simbólica tal como são usadas pelos adultos. É capaz de analisar seu próprio pensamento, desenvolvendo estratégias metacognitivas e ampliando seu raciocínio (SUTHERLAND, 1996). Esse período do desenvolvimento depende, em grande parte, do grau de instrução. Embora Piaget não acreditasse que a educação e a cultura exercessem tanta influência no desenvolvimento, seus críticos comprovaram que o período das operações formais é também produto da sociedade. A possibilidade prática que a cultura oferece para o sujeito determina a idade em que será adquirida a capacidade cognitiva, ademais, o pensamento operacional é mais raro em países em desenvolvimento do que em países que oferecem excelentes oportunidades de educação (SUTHERLAND, 1996; BERGER, 2003). A capacidade de introspecção pode ser alterada pelo egocentrismo adolescente, fazendo com que o jovem tenha um ponto de vista de si mesmo, considerando-se muito mais importante do que realmente é. O egocentrismo pode levar a inúmeras falsas conclusões, como a lenda da invencibilidade, quando os jovens imaginam que nunca serão vítimas de comportamentos perigosos, o que é preocupante em relação aos inúmeros riscos da vida em sociedade. Os jovens criam, também, verdadeiras fábulas pessoais, imaginando que suas vidas são heróicas ou até mesmo míticas ou podem achar que estão sendo assistidos por uma audiência imaginária, pois acredita que é foco de 12 atenção e julgam que as outras pessoas estão sempre interessadas neles (Berger, 2003; SANTROCK, 2003). Em relação ao desenvolvimento moral, Piaget (1993) considerava que seria uma decorrência do desenvolvimento cognitivo, mas abandonou esses estudos e Kohlberg (1987) deu continuidade aos trabalhos sobre desenvolvimento moral. As normas de moralidade não são aceitas passivamente sem que se tenha passado para um nível mais elevado do desenvolvimento moral. Kohlberg (1987) acreditava que quando os pais impõem normas e regras não há nenhum salto no desenvolvimento moral, ao passo que a interação com os pares propicia às crianças e aos adolescentes mudarem sua orientação moral na medida em que permite que se assuma o papel do outro, gerando normas democráticas. Por outro lado, “os pais que permitem ou estimulam a conversa sobre questões impregnadas de valores promovem o pensamento moral mais avançado em suas crianças e adolescentes” (SANTROCK, 2003, p.269). Walker e Taylor (1991) pesquisaram sobre desenvolvimento moral de crianças e interação com os pais, encontrando que quando estes tinham bom relacionamento com seus filhos, apoiando-os e conversando, o pensamento moral era mais avançado na medida em que as crianças sentiam-se motivadas para reestruturá-lo. A teoria do desenvolvimento moral de Kohlberg é importante para compreender o adolescente porque explica como as pessoas esforçam-se para alcançar a significação de conceitos como “sociedade, normas e papéis, instituições e relacionamentos. Essas concepções básicas são fundamentais para adolescentes, para os quais a ideologia torna- se importante para orientar suas vidas e tomar decisões” (SANTROCK, 2003, p.269). Ao pensar como um adulto, o adolescente tem uma grande expansão de sua autoconsciência que lhe permite: praticar suas novas habilidades cognitivas com ele próprio, preocupando-se pelo modo como é percebido pelos outros; tentar uma melhor maneira de lidar com seus conflitos em relação aos pais, escolas e amigos; pensar em seu futuro, ainda que de modo pouco realista; e refletir sobre os acontecimentos diários. E, como acrescenta Berger (2003), o interesse dos desenvolvimentistas é saber como os avanços cognitivos da adolescência poderão ajudá-los a tomar decisões adequadas para uma vida saudável e feliz. Os adolescentes estão na posição de tomar decisões pessoais e de fazer escolhas independentes que têm consequências de longo alcance para o futuro. Eles decidem, por exemplo, o que e como estudar, se vão para alguma universidade e para qual delas irão, de quem ser amigo, se vão se tornar ou não sexualmente ativos, que habilidades 13 profissionais adquirir e se vão usar drogas ou não. (BERGER, 2003, p.315) Desenvolvimento emocional do adolescente De um modo geral, a adolescência também é chamada de puberdade, já que as mudanças devidas ao aparecimento das características sexuais secundárias têm sido o marco dessa etapa evolutiva. Mas, são contextos distintos, pois a puberdade reporta-se ao desenvolvimento orgânico, e pouco informa sobre as mudanças comportamentais que se manifestam a partir de influências sociais e culturais (BERGER, 2003; SANTROCK, 2003). Vivendo uma transformação assaz peculiar, os adolescentes se dividem entre a atitude de desafio ao olhar do mundo dos adultos e a dificuldade de abandonar a infância. O adolescente exterioriza seus conflitos e tenta elaborá-los de acordo com suas possibilidades e as do seu meio. As interações sociais O adolescente não está sozinho nesta fase da vida, pois, frequentemente, a família vê-se envolvida com as questões difíceis de serem vivenciadas pelo jovem. O adolescente precisa obter as informações de que necessita, pois sua curiosidade é legítima e saudável. Este período, inúmeras vezes, representa uma fase de reflexão de toda a família, embora algumas delas não cheguem a encontrar recursos internos para administrar esse momento difícil, resultando em numerosas dificuldades para todos. Pois, muitas vezes, tanto os adolescentes como seus familiares estão desinformados sobre as mudanças que ocorrem nesta fase, ocasionando conflitos no relacionamento e dificuldades na convivência familiar (BERGER, 2003; SANTROCK, 2003). Ao confrontar-se com as demandas que lhe são impostas, o adolescente percebe sua vulnerabilidade epoderá tentar compensar sua falta de defesa através de mudanças repentinas em seu comportamento, sendo estes inadequados, excessivos e até desviantes. Assim, o comportamento dos adolescentes é bastante peculiar, caracterizando-os como um tipo de grupo social à parte, com o qual os pais, os educadores e a sociedade em geral não sabem exatamente como estabelecer uma comunicação adequada. Como suas condutas nem sempre serão aceitas como normais pela sociedade, não é raro relacionar adolescência com drogas, sexo, educação, problemas de imposição de limites, violência, delinquência etc. (BERGER, 2003). 14 A relação de dependência natural proveniente do convívio da criança com os pais dá lugar a uma confusão de papéis, pois o adolescente não se percebe mais como criança e tampouco como adulto, passando a sentir dificuldades em se definir nas diversas situações de suas relações interpessoais. Os pais, que antes foram idealizados e supervalorizados, agora são alvos de críticas e de questionamentos. Em relação à comunicação, o adolescente pode ser considerado como um verdadeiro paradoxo. Quando este se percebe necessitando ficar perto de seus pais, mais ele tentará se afastar ou mantê-los à distância. Assim, para alcançar certa autonomia afetiva, ele vai rejeitar aquilo que até então amava (SANTROCK, 2003). Deste modo, o adolescente buscará figuras de identificação fora do âmbito familiar, substituindo muitos aspectos da sua identidade familiar por outros mais individuais. Enquanto não alcança sua independência, o adolescente sente-se ora inseguro, ora temeroso, e será de extrema importância que encontre apoio em um grupo de pares, pois nesse período em que o adolescente está experimentando mudanças no relacionamento com seus familiares, a relação com os amigos é fundamental; ele precisa encontrar seus pares para se sentir mais forte, um confidente para dividir suas dificuldades, alguém que o ajudará a avançar nessa etapa de transição. A insegurança do adolescente o levará a ficar parecido com o grupo de amigos, é o modo de encontrar uma realidade mundana, comparando-se com outros de sua idade. O adolescente procura seus pares, outros iguais a ele por não estar seguro de si, para conseguir sair da dependência infantil e alcançar a independência adulta. Para o adolescente, a imagem do grupo é vital, levando-o a procurar identificar-se, a tornar-se parecido com os outros pelo medo de ser rejeitado. A uniformidade entre os integrantes do grupo, seja em roupas, linguagem ou preferências, transforma-o em grupo de referência e auxilia a construção da identidade do adolescente. Os amigos têm grande importância e são os maiores representantes do ambiente social. A opinião dos pares e a percepção que o adolescente tem de si fixam o modelo de conduta, entrando em oposição aos ensinamentos da autoridade. Em contrapartida, terão grande impacto em alguns traços futuros da personalidade. Entretanto, à medida que o adolescente se apaixona por alguém e as pulsões sexuais aparecem de forma mais evidente, os vários grupos vão se reduzindo. As relações amorosas e o sexo são situações novas, instigantes e, por isso, fundamentais para a construção da nova identidade. 15 Mas, cabe ressaltar que além do grupo de amigos e dos pais, também contribuem para o desenvolvimento do adolescente, as instituições (escolas, igrejas etc.), os veículos de comunicação (televisão, internet, entre outros), a sociedade em que esteja inserido, bem como, em um nível mais amplo, a estrutura sócio-econômica-política do país e as transformações históricas que acontecem mundo afora (SANTROCK, 2003). Desenvolvimento psicossocial do adolescente Os psicólogos que estudam a adolescência podem classificá-la como normal ou patológica, mas não deixam de reconhecer que são fatores de normalidade a busca de identidade, ansiedade, rebeldia, contestação dos valores impostos pela família, dentre outras situações inerentes a esta etapa da vida, quando muitas emoções tendem ao exagero ou ao radicalismo. A imagem que Dolto e Dolto-Tolitch (1999) apresentam sobre a adolescência é bastante pertinente: o jovem, nesta etapa da vida, apresenta semelhanças com uma lagosta na época de muda, quando está sem carapaça e, por isso, está vulnerável a toda sorte de perigo. Para proteger-se, vê-se obrigada a fabricar uma outra concha, e enquanto a nova não estiver pronta, será obrigada a esconder-se sob as rochas. A busca da identidade A adolescência é, sem dúvida, uma época de crise, já que, em busca da identidade adulta, os jovens passam por um período “turbulento” (variável segundo o seu sistema sócio-familiar). Hall (citado por GALLATIN, 1986) considerava a tormenta da adolescência como uma recapitulação de um momento dos ancestrais da história humana. Anna Freud (1974) explica o turbilhão da adolescência como um ressurgimento da sexualidade infantil. Sullivan (citado por GALLATIN, 1986) rejeitou o reducionismo da psicanálise e atribuiu essa tormenta às dificuldades de integrar a sexualidade e as necessidades interpessoais. Freud (1974) não se interessou pela adolescência porque considerava a infância como o período crucial, baseando-se em sua experiência com pessoas com perturbações emocionais, concluiu que estas eram o resultado de situações que haviam ocorrido durante os primeiros cinco anos de vida (estágios pré-genitais). 16 Anna Freud (1974) considerava a adolescência mais importante para a formação do caráter do que seu pai. Para ela, a libido é despertada e ameaça o equilíbrio entre o Isso e o Eu que estava mantido no período de latência, surgindo conflitos que causam ansiedade, temores e sintomas neuróticos. Enquanto Freud (1974) afirmava que o desenvolvimento do ser humano é determinado pela pulsão sexual, Sullivan (citado por GALLATIN, 1986) sustentava um ponto de vista sócio-psicológico que, segundo ele, permite atribuir às relações humanas seu valor merecido. Sullivan não despreza os fatores biológicos como condição do crescimento da personalidade, mas os subordina aos determinantes sociais do desenvolvimento psicológico; o indivíduo não existe nem pode existir sem que sejam consideradas suas relações com outras pessoas; “a personalidade é um padrão, relativamente constante, de situações interpessoais periódicas que caracterizam a vida humana” (citado por HALL & LINDZEY, 1984, p.134). Assim, a partir de um substrato biológico, o ser humano é o produto da interação com os outros e a personalidade emerge a partir das forças pessoais e sociais que agem sobre o indivíduo, desde seu nascimento. A organização da personalidade se dá através de ocorrências interpessoais, e não intrapsíquicas (GALLATIN, 1986). O ser humano tem dois propósitos na vida: a procura do prazer e a procura da segurança. A procura do prazer se refere principalmente às necessidades biológicas, mas a procura da segurança diz respeito aos processos culturais dos quais ela resulta. Com a puberdade, os adolescentes desenvolvem uma nova necessidade interpessoal, a necessidade denominada por Sullivan de satisfação sensual. Esta necessidade deve estar integrada com a outra importante necessidade interpessoal, a necessidade de segurança, ou, como é descrita por Sullivan, “a necessidade de manter- se livre da ansiedade” (GALLATIN, 1986, p.96). As duas se entrelaçam, se o meio cultural impõe um obstáculo sério à procura do prazer, como é o caso do prazer sexual, por exemplo, certamente seria um problema. Mas, muitos problemas psicológicos são provenientes das dificuldades encontradas na formação do sistema de segurança. Se o adolescente conseguiu integrar a sexualidade em suavida, sem grandes problemas, os últimos anos anteriores à idade adulta serão dedicados, através das relações interpessoais, à adaptação da vida madura (SULLIVAN, 1953, citado por GALLATIN, 1986). Para chegar à condição de adulto, Sullivan considera que o indivíduo sofreu grandes transformações através de suas relações interpessoais; “partindo de um simples 17 organismo animal e chegando à condição de ser humano. Ele não é um animal vestido de civilização e humanidade, mas um animal tão drasticamente alterado que não é mais um animal, e sim um ser humano” (HALL & LINDZEY, 1984, p.144). Erikson (1987) acrescentou uma visão da Antropologia Cultural à teoria Psicanalítica e apresentou uma teoria do desenvolvimento que ocorre durante a vida toda, indo do nascimento até a velhice, numa sequência de oito estágios (você encontrará a sequência de estágios da teoria de Erik Erikson na aula 10). Em cada um desses estágios há uma luta entre duas tendências conflitantes que precisa ser resolvida satisfatoriamente para ser incorporada uma qualidade positiva no desenvolvimento; caso contrário, o indivíduo estará com o desenvolvimento do seu processo de individuação prejudicado. Esse desafio abarca tanto os processos internos (psicológicos) como os processos externos (sociais). O adolescente já adquiriu habilidades mentais que possibilitam que pense sobre si próprio e que faça uma integração de diferentes imagens que havia construído de si mesmo. Se tiver desenvolvido o sentimento de autonomia, iniciativa e produtividade, o jovem terá mais capacidade de produzir uma ideia clara sobre sua própria identidade. Entretanto, seu sucesso ainda dependerá de seu relacionamento com o ambiente e dos papéis sociais que lhe forem destinados. Para Erikson (1987), a fidelidade é o valor que surge nesse estágio, destacando a importância da capacidade de manter lealdade com seus pares. A adolescência é descrita por Erikson (1987) como uma espécie de “moratória” entre a infância e a idade adulta, caracterizando-se como uma época crítica de preparação, treinamento e experimentação para que os jovens tornem-se aptos a desempenhar o papel de adultos na sociedade. A crise desse estágio de desenvolvimento é a identidade versus confusão de identidade. Esse é um período muito intenso para o adolescente, pois, com a confusão de identidade poderá sofrer tão intensamente como jamais lhe acontecera antes na vida. Nesta época, os adolescentes quase nunca se identificam com os pais; ao contrário, rebelam-se contra eles, seus valores e suas opiniões sobre sua vida particular. Essa confusão poderá trazer sentimentos de angústia e isolamento, fazendo com que o adolescente se sinta vazio, indeciso e ansioso. O adolescente sente que precisa tomar decisões importantes, mas resiste e não sabe como fazê-lo, sendo seu comportamento imprevisível e inconstante. Em certo momento, pode não ter vontade de estabelecer relacionamento de amizade com ninguém, pelo temor de ser rejeitado, e, no instante seguinte, pode intencionar ser um companheiro ou mesmo 18 manter uma relação amorosa com alguém ou, ainda, pode querer receber ensinamentos daqueles que julgue que tenham algo para ensinar. Nesse momento, os pares são fundamentais para ajudá-lo a encontrar sua própria identidade no contexto social. Nessa busca de identidade, o adolescente recorre, como comportamento defensivo, à busca de uniformidade que pode proporcionar-lhe segurança e estima pessoal dentro de seu grupo. Ao procurar amparo com seus pares, o adolescente estereotipa a si mesmo, seus ideais e seus adversários, havendo um processo de superidentificação em massa, onde todos se identificam com cada um (MUUSS, 1973). Se não for formada uma identidade estável durante a adolescência, na vida adulta, essa pessoa se deparará com sérios problemas. Marcia (1991) realizou diversos estudos baseando-se nas teorias de Erikson para determinar as maneiras pelas quais os compromissos ajudam na formação da identidade. Para Marcia (1991), o indivíduo desenvolveria uma identidade madura após passar por crises e ter se comprometido com uma profissão, um credo religioso ou uma ideologia política. Aberastury e Knobel (1977) consideram a adolescência uma época de grandes perdas e de lutos dolorosos, dependendo do adolescente e do contexto em que ele viva. Esses lutos referem-se à perda do corpo infantil devido às transformações hormonais, sendo muitas vezes difícil a aceitação dessas modificações; à perda dos pais da infância, que exigem novos comportamentos e têm atitudes diferentes em relação ao adolescente, embora continuem a acolhê-lo; e à perda da identidade e do papel sócio-familiar infantil, obrigando a assumir novas responsabilidades. Os comportamentos dos adolescentes, devido a essas dificuldades em lidar com essas perdas dolorosas e de viver esses lutos, muitas vezes parecem patológicos, mas, para esses autores, representam um passo evolutivo e caracterizam a “síndrome da adolescência normal”, cuja característica mais importante é a busca de sua identidade. Para os referidos autores, no processo de construção da identidade, o adolescente exprime o que gostaria de ser através de pseudoidentidades, que podem ser transitórias, ocasionais e circunstanciais. As identidades transitórias aparecem em determinados momentos, como por exemplo, o adolescente estudioso ou desportista. As identidades ocasionais ajudam a enfrentar situações até então desconhecidas, como começar uma primeira relação amorosa. E, as identidades circunstanciais expressam os diferentes comportamentos do adolescente de acordo com o grupo de referência, como o colégio, os amigos etc. 19 Assim, Aberastury e Knobel (1977) explicam os sentimentos de incerteza em relação à crise identitária dos adolescentes e à preocupação dos adultos que convivem com esses jovens já que todas as três identidades podem estar presentes simultaneamente no processo de uma identidade independente e madura. Um dos conceitos fundamentais de Lewin é “a lei de que o comportamento é uma função de uma pessoa e de seu meio ambiente” (MUUSS, 1973, p.89). O ambiente é percebido pelas pessoas de acordo com seu estágio de desenvolvimento, de sua personalidade e de seus conhecimentos. A soma de todos os fatores ambientais e pessoais (necessidades, motivações e outros fatores psicológicos) em interação é denominada de espaço vital ou espaço psicológico. Na adolescência, devido ao ambiente psicológico instável e difuso, os jovens ficam incertos quanto a seus comportamentos. Para Lewin (citado por MUUSS, 1973), a adolescência é um período de transição no qual o adolescente muda sua filiação em relação aos grupos, pois este pertence em parte ao grupo infantil e em parte ao grupo adulto, sendo tratado de uma maneira ambígua por seus pais, professores e membros da sociedade, sendo-lhe cobrado ora comportamentos infantis, ora comportamentos adultos. O adolescente encontra-se em “um período de locomoção social avançando para campo social e psicológico inestruturado” (MUUSS, 1973, p.93). Lewin denominou o adolescente de homem marginal por estar experimentando conflitos entre várias atitudes, valores e ideologias, já que está deixando de pertencer ao grupo infantil para pertencer ao grupo adulto. Nesse momento, seus pares são fundamentais por serem o único grupo que pode acolhê- lo e apoiá-lo. Como o adolescente ainda não tem compreensão exata de seu papel social, tampouco de suas atitudes, essas incertezas são refletidas em seu comportamento. Riscos à saúde e ao bem-estar A adolescência é uma época em que muitos problemas podem levar os jovens a não terem suas habilidadesplenas na vida adulta, com comprometimento do bem-estar subjetivo. As situações de transtornos dos adolescentes são bastante complexas, variando em sua gravidade e do nível de desenvolvimento dos jovens (SANTROCK, 2003). Os símbolos dessa crise são conhecidos, o recurso ao paraíso artificial através do uso e abuso de álcool, drogas lícitas ou ilícitas, delinquência, violência, depressão e suicídio e, às vezes, enveredar-se por alguma seita. 20 Em relação à sexualidade dos adolescentes, vários fatores podem ser atribuídos à gravidez precoce e ao contágio e transmissão de doenças sexualmente transmissíveis (DST) e Aids, tais como: ignorância e ideias erradas sobre período fértil, métodos contraceptivos e formas de se contrair DST; ilusão de invulnerabilidade, quando o adolescente nega a realidade, acreditando ser invencível; falta de acesso a preservativos por vergonha de comprá-los ou por não saber como utilizá-los adequadamente; baixa autoestima de algumas adolescentes que acreditam que ficar grávida é atraente, que ganharão status de adulta e de ser independente, além de ter “alguém que as ame”. As dificuldades na adolescência também podem levar a transtornos de outra ordem, como os alimentares, com o comportamento de comer em excesso devido à ansiedade, possuir hábitos alimentares fantasiosos ou contrários aos princípios nutricionais. A preocupação exagerada com os alimentos manifesta-se em dois distúrbios alimentares que começam, geralmente, na adolescência ou no início da fase adulta e vêm ganhando proporções maiores: anorexia e bulimia (SANTROCK, 2003). As jovens têm consciência de que o fenômeno é anormal, e por temer não ser capaz de detê-lo voluntariamente, podem se culpar e entrar em depressão. Esses dois transtornos psiquiátricos também são encontrados nos rapazes, mas, com uma frequência bastante baixa (GILA, CASTRO, CESENA e TORO, 2005). É difícil para a família identificar os sintomas da anorexia e da bulimia na medida em que muitas adolescentes conseguem escondê-los durante meses, ou mesmo anos. Essas desordens alimentares podem ser bastante sérias ou mesmo fatais. Uma jovem anoréxica é geralmente perfeccionista, pode ser boa aluna ao mesmo tempo que possui baixa autoestima. Considera-se gorda apesar de sua excessiva magreza, deixando, por isso, de se alimentar. As consequências são sérias para a saúde, podendo culminar na morte (SANTROCK, 2003). Os sintomas da bulimia são diferentes dos da anorexia. A pessoa ingere quantidades enormes de alimentos calóricos, e, para compensar, provoca vômitos ou se utiliza de laxantes. A fome compulsiva pode ser alternada por períodos de dietas severas, causando flutuações importantes de peso. Geralmente, as adolescentes escondem esses vômitos de seus pais e os resultados desse transtorno alimentar são bastante sérios: desidratação, desordens hormonais, déficit de minerais essenciais à saúde e acometimento de órgãos vitais (SANTROCK, 2003). A adolescência descortina horizontes desconhecidos, expondo os jovens a inúmeras incertezas: afirmação de si, escolha de uma orientação profissional, descoberta 21 da sexualidade etc. É uma reedição de todo desenvolvimento infantil visando definir o caráter social, sexual, ideológico e vocacional. Atualmente, a adolescência tem se prolongado em consequência da elevação da idade em que os filhos saem da casa dos pais, da idade em que começam a coabitar, da idade em que a formação profissional é concluída, da idade do primeiro matrimônio, da idade do nascimento do primeiro filho. Por outro lado, pode representar o ideal de vários adultos que recusam a maturidade (DOLTO & DOLTO-TOLITCH, 1999). Durante muitos anos, uma grande parte das pessoas considerava a adolescência como o melhor período da vida, que deveria durar eternamente. Sem dúvida, alguns adultos nostálgicos gostariam de reencontrar o ardor e a irreverência de sua adolescência assim como as crianças pequenas esperam ansiosamente por sua chegada, admirando os jovens com mais idade. Idolatrada, a adolescência é difícil de ser ultrapassada por essas pessoas (Berger, 2003). Para Csikszentmihalyi e Schmidt, em 1998 (citados por SANTROCK, 2003), a adolescência deveria ser a época da vida com mais momentos de felicidade, já que os aspectos físicos e psicológicos estão no ápice de suas funções, além da capacidade de dissipar emoções negativas na metade do tempo em que os adultos o fazem. Mas, não é realmente isso que acontece com os jovens. A explicação apresentada pelos autores supracitados, através do estudo que realizaram sobre estresse e resiliência, mediante uma abordagem evolucionista, é que apesar de os seres humanos serem programados para agir da puberdade até o início da vida adulta visando a uma adaptação saudável e proporcionando bem-estar, as mudanças culturais nos últimos dois mil anos, particularmente nos últimos dois séculos, não mais asseguram a expressão dessas características, nem tampouco garantem um ajustamento que proporcione felicidade aos jovens. É por esse motivo que os adolescentes experimentam ansiedade e estresse. REFERÊNCIAS: ABERASTURY, A. & KNOBEL, M. Adolescência normal: um enfoque psicanalítico. Porto Alegre: Artes Médicas, 1981. ARIÈS, P. História Social da criança e da família. Rio de Janeiro: LTC, 1981. BERGER, K.S. O desenvolvimento da pessoa: da infância à adolescência. Rio de Janeiro: LTC, 2003. DOLTO, F. La cause des enfants. Paris: Robert Laffont, 1985. 22 DOLTO, F.; DOLTO-TOLITCH, C. Paroles pour adolescents ou le complexe du homard. Paris: Gallimard, 1999. ELIADE, M. Rites and symbols of initiation: the mysteries of birth and rebirth. New York: Harper & Row, 1975. ERIKSON, E.H. Identidade, juventude e crise. Rio de Janeiro: Guanabara, 1987. FELLOUS, M. À la recherche de nouveaux rites: rites de passage et modernité avancée. Paris: L'Harmattan, 2001. FREUD, A. O ego e os mecanismos de defesa. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1974. FREUD, S. Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1974. GALLATIN, J. Adolescência e individualidade: uma abordagem conceitual da psicologia da adolescência. São Paulo: Harbra, 1986. GILA, A.; CASTRO, J; CESENA, J.; TORO, J. Anorexia nervosa in male adolescents: Body image, eating attitudes and psychological traits. Journal of Adolescent Health, n.36, 2005, pp.221-226. GONÇALVES, S.M.M. Aprendizagem e o Processo Afetivo. Rio de Janeiro: UFRRJ/CEP-EB, 2005. GONÇALVES, S.M.M. Mas, afinal, o que é felicidade? Ou, quão importantes são as relações interpessoais na concepção de felicidade entre adolescentes. Rio de Janeiro, RJ, 2006, 222 p. Tese (Doutorado em Psicologia) – Universidade Federal do Rio de Janeiro. HALL, C.S.; LINDZEY, G. Teorias da personalidade. São Paulo: EPU, 1984. KOHLBERG, L. Child psychology and childhood education: A cognitive- developmental view. Longman: New York, 1987. MARCIA, J. Identity and self development. In: Encyclopedia of adolescence. New York: Lerner, Petersen and Brooks-Gunn, 1991. MARTINS, G.J.S. Adolescência tem fim? In. POLLO, V.; RIBEIRO, H.C. Adolescência: o despertar. Rio de Janeiro: Kalímeros, EPB, 1996. MEAD, M. Adolescencia, sexo y cultura en Samoa. Barcelona: Laia, 1972. MUUSS, R. Teorias da adolescência. Belo Horizonte: Interlivros, 1973. PARKE, R.D.; ORNSTEIN, P.A; RIESER, J.J.; ZHAN-WAXLER, C. 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INFORMAÇÃO SOBRE A PRÓXIMA AULA Na próxima aula, você estudará a abordagem psicanalítica do desenvolvimento humano.
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