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PSICOLOGIA -- ARTIGOS DIVERSOS PRIMEIRO VOLUME Dessensibilização Sistemática Victor Silva; Bruno Silva História Para Wolpe (1958) a dessensibilização obedece ao principio do contracondicionamento. Um dos primeiros exemplos divulgados da utilização do procedimento de contracondicionamento para superar uma resposta de ansiedade foi relatada por Mary Cover Jones que conseguiu eliminar o medo de coelhos numa criança, utilizando uma técnica que envolvia entre outras coisas emparelhar o alimento com o coelho. Contudo não ficou completamente evidente quais eram os factores responsáveis pela reduzão do medo. Esta tarefa foi realizada três décadas depois por Wolpe. Dessensibilização sistemática A dessensibilização sistemática desenvolvida por Joseph Wolpe destina‑se ao alívio da ansiedade mal adaptada.. Consiste em reduzir uma resposta condicionada (ansiedade) através do emparelhamento do estímulo causador da ansiedade com um estímulo que evoque uma resposta antagónica à ansiedade, por exemplo, o relaxamento. Relaxamento e Dessensibilização Sistemática Apesar de alguns autores como Richardson afirmarem que o relaxamento é melhor utilizado dentro do contexto da auto‑administração, Rimm e Masters, (1983) sugerem que é útil apresentá‑lo inicialmente como algo que o psicoterapeuta está a fazer pelo e para o cliente como maneira eficaz de estabelecer um relacionamento e sentido de confiança nas competências do psicoterapeuta. O cliente deve sentar‑se numa cadeira confortável e o psicoterapeuta geralmente começa com uma explicação dos fundamentos (fornecimento do racional teórico subjacente à técnica de dessensibilização sistemática e do relaxamento) numa linguagem acessível aos conhecimentos e caracteristicas do cliente, como por exemplo da seguinte maneira: "Vamos utilizar uma técnica que tem muito bons resultados em problemas como o seu. No incio do tratamento faremos com que voçê se sinta relaxado. Depois, vai imaginar cenas relacionadas com o seu medo começando com aquelas que só causam um pouco de medo e assim gradualmente. Uma vez que vou introduzir as cenas de uma maneira gradual e porque você estará relaxado ao imaginá‑las, em pouco tempo será capaz de imaginar situações cada vez mais fortes e ao mesmo tempo sentir‑se confortável. Se ao conseguir imaginá‑las e mesmo assim não sentir medo, verá que mais tarde, ao se deparar com essas situações na vida real, descobrirá que já não tem medo. É muito importante que perceba como esta técnica funciona. Tem alguma dúvida?". Posteriormente passar‑se‑ia à metodologia de indução de relaxamento e depois poder‑se‑á começar com a dessensibilização propriamente dita (construção de hierarquia de estímulos ansiogénicos e consequente emparelhamento com o relaxamento). As cenas ansiogénicas são apresentadas gradualmente conforme uma � hierarquia construida pelo cliente e posteriormente discutida com o psicologo, emparelhadas sempre com o relaxamento. Normalmente, numa das primeiras consultas, o psicologo pede ao cliente para descrever 3 cenas ansiogénicas, uma com pouca intensidade, outra com intensidade intermédia e outra com grande intensidade, com grande detalhe de pormenores, de forma a que o psicologo possa depois aplicar essas cenas o mais realisticamente possível, possibilitando ainda ao cliente algum conhecimento e capacidade para em casa trabalhar numa hierarquia de estímulos com pelo menos 8 itens, uniformemente graduada, para ser utilizada nas sessões seguintes. As hierarquias podem ser temáticas, espácio‑temporais ou místicas. Antes de iniciar a dessensibilização deve‑se pedir ao cliente que pense numa ou duas cenas que evoquem sensações agradáveis, de relaxamento. Durante a dessensibilização pode‑se pedir ao cliente para imaginar essas cenas afim de facilitar o relaxamento. Este pedido deve realizar‑se entre a apresentação dos itens da hierarquia. Quando o cliente indica que está no nível 1 de ansiedade, e o psicologo verifica que não há nenhum sinal de ansiedade o cliente está preparado para a primeira cena da hierarquia. Quando isto se verifica: * Os clientes são informados que serão solicitados a imaginar as cenas o mais nitidamente possível. * Os clientes são também informados de que se a cena começar a mudar deve trazê‑la à forma original * Os clientes são instruídos para fazer um sinal, erguendo um dedo quando obtêm uma imagem nítida da cena * Os clientes são instruídos para fazerem um sinal quando sentem alguma ansiedade. Se o cliente não revela ansiedade após três apresentações imaginadas de um item, este pode ser considerado dessensibilizado. As cenas deverão ser imaginadas durante até 30 segundos. A primeira aplicação da cena deverá durar 10 segundo. A segunda até ao máxiimo de 30 segundos, já que mais do que isso poderá levar a uma mudança no conteúdo da cena ou dificuldade de imaginação da cena. O nível de ansiedade deve ser avaliado mesmo na ausência de qualquer sinal. Quando o cliente dá sinal de ansiedade, a imaginação da cena é interompida imediatamente, voltando o cliente à situação de relaxamento, através da sua indução através de uma das imagens agradáveis trabalhadas anteriormente. Se a ansiedade se manter, e for necessário, deve‑se retomar os exercicios de relaxamento. No caso da ansiedade não ser reduzida nos três primeiros ensaios, no caso de um item intermédio, o psicopsicoterapeuta deverá, depois de induzir o relaxamento, repetir o último item onde houve sucesso. Só isso, na maior parte das vezes é suficiente para atingir o sucesso posteriormente. Possíveis dificuldades Pode acontecer que o cliente pura e simplesmente não consiga superar a ansiedade num item. Neste caso deverá estudar‑se se o item não estará deslocado em termos de hierarquia de ansiedade ou então, se não será � necessário introduzir um item adicional e intermédio na hierarquia. Requisitos básicos do cliente Antes do psicoterapeuta decidir‑se pela dessensibilização sistemática deve verificar se: 1 ‑ O cliente sofre de relativamente poucas fobias 2 ‑ As fobias apresentadas pelo cliente reflectem uma ansiedade irracional, isto é, verificar se o cliente possui habilidades para dominar aquilo que teme (convém salientar que a ansiedade pode ser racional, isto é, falta ao cliente habilidades para dominar aquilo que teme. Por exemplo: sujeitos que desejam interacção social mas não a obtêm. O psicoterapeuta pode sentir‑se tentado a usar a dessensibilização sistemática, por pensar que o cliente é inibido pela ansiedade que surge na situação de interacção. No entanto, o cliente pode ficar ansioso porque lhe faltam as habilidades sociais necessárias ‑ saber conversar, marcar um encontro, etc.) 3 ‑ O cliente possui capacidade imagética 4 ‑ O relaxamento muscular profundo consegue induzir o relaxamento Transição de uma sessão para a outra * Deve‑se iniciar a dessensibilização com o último item completado satisfatoriamente. Isto por duas razões: por uma questão de continuidade natural entre as sessões e possibilitar verificar se houve alguma recaída * Não se deve apresentar novos itens da hierarquia durante os útimos minutos da consulta de forma a evitar acabar a consulta com alguns sinaisde ansiedade Duração da dessensibilização sistemática A duração da dessensibilização sistemática é variável, mas não deve exceder os noventa minutos por consulta. Na maioria dos casos, 20 a 30 minutos é o limite razoável. Considerando o periodo de tempo padrão de duração de cada consulta (50 minutos) o resto do tempo deve ser utilizado para discutir o curso da psicoterapia, as experiências relevantes vividas, etc. Dessensibilização "In Vivo" Alguns autores acreditam que os contactos na vida real com os estímulos fóbicos são beneficos. No entanto, uma palavra de precaução é necessária. É uma imprudência total encorajar os clientes a se colocarem em situações correspondentes a itens ainda não dessensibilizados. É muito importante que o sujeito não seja confrontado com um insucesso, pois, pelo processo de generalização, poderia fazer com que cenas anteriormente dessensibilizadas causassem novamente ansiedade. Deve‑se levar o paciente a experientar in vivo as situações fóbicas, inicialmente acompanhado pelo psicologo, sendo muito provavelmente necessário retomar o sistema de itens hierarquizados na exposição. Eficácia da técnica Há evidências de que a dessensibilização sistemática é mais eficaz com as fobias simples (medo de alturas, cães, etc) do que com fobias sociais, incluindo a agorafobia, em parte talvez porque os meios � sociais, podem reflectir dificiências nas habilidades sociais. No entanto, a ténica foi utilizada com sucesso num grande número de perturbações comportamentais envolvendo uma certa "carga ansiosa", como todas as fobias, as dificuldades de contactos sociais, a angústia do fracasso em certas disfunções sexuais, a angústia "existencial", certas formas de obsessão e de compulsões de repetição (gaguez). Num grande número de casos a dessensibilização sistemática é utilizada juntamente com outras técnicas: por exemplo, numa psicoterapia conjugal, paralelamente a técnicas como o treino de comunicação ou como o contrato terapeutico instaurado para resolver uma atitude‑problema num dos conjugues, pode‑se utilizar a dessensibilização sistemática num dos parceiros, que se mostre demasiado ansioso para participar de um modo adequado nna psicoterapia. Noutros casos, a dessensibilização sistemática será por vezes a introdução a uma psicoterapia que seguirá por uma abordagem cognitiva. Este pode ser o caso no tratamento de certas pessoas que sofrem de "incompetência social"; após uma dessensibilização sistemática das principais situações ansiogénicas em relação com o contacto com os outros, estabelece‑se uma psicoterapia visando modificar as distorções cognitivas que o individuo tem sobre si próprio. Victor Silva e Bruno Silva � Consulta Psicológica e Desenvolvimento Considerações acerca da sua aplicabilidade aos domínios de intervenção da Psicologia Social, do Trabalho e das Empresas Por: Alexandre M. Campos Psicólogo, Universidade do Porto Porto, Agosto de 1994 INTRODUÇÃO Este trabalho tenta fazer uma exploração sobre a perspectiva preventiva, social e comunitária da intervenção psicológica e, mais especificamente, reflectir sobre a aplicabilidade deste tipo de intervenção psicológica, na perspectiva de um modelo desenvolvimental ‑ ecológico, a problemas, populações, e contextos específicos dos domínios de intervenção da Psicologia Social, do Trabalho e das Empresas. Atenta‑se ainda a um conjunto de modalidades de actuação do exercício profissional da consulta psicológica, tanto às formas tradicionais como o aconselhamento e a psicoterapia, visando alcançar objectivos mais remediativos, como às modalidades mais recentes, nomeadamente, os grupos de desenvolvimento e diversos tipos de consultadoria tendo como objectivos a prevenção e promoção ao nível do pessoal e do transpessoal. CONSIDERAÇÕES Ao falar‑se no modelo desenvolvimental‑ecológico estamos a debruçarmo‑nos sobre o desenvolvimento humano, e sua inserção nos vários contextos de vida. O desenvolvimento humano é considerado como uma variável dependente das interacções ocorridas nos vários contextos em que as pessoas vivem. Assim, há que conhecer o processo de desenvolvimento do indivíduo nos vários sistemas em que ele se insere, sistemas como a sua família, a escola, o local de trabalho, etc., assim como o seu processo de desenvolvimento relativamente aos diversos papéis que desempenha em cada um, nomeadamente pai, mãe, filho, cônjuge, professor, aluno, trabalhador, cidadão, etc...(Campos,1985). A Psicologia Comunitária vai então enquadrar‑se nesta pesrpectiva, o que obriga a uma reflexão posterior. "Não é apenas o desenvolvimento dos indivíduos ou das pessoas significativas dos meios em que vivem que está em questão: é também o dos próprios grupos em que os indivíduos se inserem e das redes de relações comunitárias de que fazem parte"(Campos,1988). É de acordo com este pressuposto que a perspectiva ecológica se organiza, isto é, há que, além de considerar os sistemas pessoais, abranger também os sistemas transpessoais. O desenvolvimento psicológico é importante, mas ele não é nem deve ser a única dimensão � do desenvolvimento humano a ser considerada, nem se poderá de modo algum reduzir este desenvolvimento humano a um desenvolvimento baseado unicamente no psicológico. Deste modo, o psicólogo, se pretende intervir, deverá estar preparado, para adoptar uma abordagem multidimensional dos problemas humanos (Coimbra,1991), para observar todas as facetas de cada problema de cada cliente, mantendo‑se sempre presente uma posição holística uma vez que vai actuar não só no desenvolvimento do indivíduo, mas também no desenvolvimento de pessoas significativas do cliente, e ainda no conjunto de relações em que ele se insere. Todas estas "dimensões" convergirão para o todo que o indivíduo é, mas não deverão ser observadas segundo uma perspectiva estanque ou determinista. Como já foi dito, a actuação do psicólogo está grandemente orientada para as relações que os indivíduos têm com os outros e com os diversos contextos de vida à sua volta. Nesta linha, há que actuar para transformar tanto os microssistemas como os mesossistemas do cliente. Os primeiros porque constituem, de acordo com Bronfenbrenner, conjuntos estruturados de relações interpessoais, actividades e papéis que o indivíduo em desenvolvimento experiencía (por exemplo, o grupo de amigos, de colegas de trabalho, ou mesmo o casal, etc.). Os segundos pois definem as relações que existem entre o pares de microssistemas (e. g.: a relação entre o emprego e a família). Portanto, ao nível da intervenção, além de uma actuação no sistema pessoal ela deve orientar‑se para os vários ecossistemas em que o cliente se enquadra, assim como todos os outros sistemas transpessoais. De acordo com a perspectiva que se tem estado a desenvolver, a intervenção poderá ter diferentes objectivos, consoante a situação específica em que o cliente se encontre. Em situações de crise, nas quais o cliente está em pleno desequilíbriopsicológico, o indivíduo está a enfrentar uma situação que constitue um problema, e não consegue resolvê‑la com os recursos que lhe estão disponíveis no momento, e que ele normalmente utiliza para as outras situações. Neste tipo de situações, o objectivo é Remediar a situação, identificando e tratando o problema. Trata‑se de um processo reactivo, visto ele ser ocasionado pela crise. Em situações de crise potencial, já se visa Prevenir o aparecimento da crise. Há que actuar, não quando a crise está a manifestar‑se, mas sim previamente, quando é provável que ela surja. Tanto neste caso como no seguinte, os sujeitos estão em posição de adquirirem competências e capacidades nas várias áreas de vida. Deste modo, há agora uma atitude proactiva. Nas situações fora da crise o objectivo é Promover as competências do sujeito. Assim, a intervenção tanto pode ocorrer quando os sujeitos se encontram em situação de crise (e. g.: a morte de um outro significativo), de transição (e. g.: o divórcio), de confusão (e. g.: o sentido de auto‑competência), como quando estão disponíveis para adquirirem capacidades cada vez mais complexas de expressão e criação, nos vários domínios da existência (Campos,1985). � Se na perspectiva remediativa a atitude é claramente reactiva, na perspectiva preventiva e de promoção a atitude é proactiva. E se relacionarmos esta última atitude com a nossa tentativa de evitar que algo aconteça, nomeadamente uma situação negativa, a crise, temos que falar na prevenção. A prevenção primária deve ser a detentora de primazia uma vez que está dirigida para o evitamento da crise em populações de risco e para os processos de promoção de capacidades (perspectiva do prevenir e do promover). A recessividade das prevenções secundária e terciária deveria justificar‑se, a meu ver, pelo facto de a primeira apenas tentar evitar que uma dada situação se agrave, e de a segunda ser um processo de prevenção discutível, pois enquadra‑se numa linha remediativa, especificamente na cura. Nesta perspectiva, os alvos da intervenção psicológica encontram‑se não só ao nível dos indivíduos (clientes e outros significativos) mas também os vários grupos, comunidades e organizações. Segundo o modelo desenvolvimental‑ecológico, para haver mudança há que intervir nos sistemas pessoais, interpessoais e transpessoais, isto é, nos domínios da realidade intrapsíquica, das relações entre os indivíduos, e dos muitos e variados contextos de vida. A promoção do desenvolvimento humano, enquanto intervenção psicológica, deverá ainda contar com todos os contingentes sócio‑económicos do momento. Assim, ela será melhor efectuada se enquadrada nos projectos de desenvolvimento sócio‑económico da comunidade (Campos,1988). O macrossistema (Bronfenbrenner,1979) (as crenças, as ideologias vigentes num dado momento histórico‑social) que envolve o indivíduo influencia tanto este como todos os outros sujeitos e os contextos de vida (e naturalmente a orientação sócio‑económica da comunidade). Relativamente às estratégias utilizadas para alcamçar os objectivos desejados junto dos alvos, elas podem ser directas (efectuam‑se junto do sujeito), nomeadamente o Aconselhamento Psicológico, a Psicoterapia, a Educação Psicológica ou Grupos de Desenvolvimento, (intervenção fora da situação de crise) e indirectas (efectuam‑se juntos do meio, no transpessoal, embora se vise a promoção do sujeito), como é o caso da Consultadoria (seja ele triádica, de grupo, organizacional ou comunitária). A perspectiva desenvolvimental‑ecológica privilegia os grupos de desenvolvimento ou de educação psicológica e a consultadoria e dá menos importância ao aconselhamento psicológico e à psicoterapia. Assim, os Grupos de Desenvolvimento ou de Educação Psicológica tratam‑se de uma estratégia de intervenção directa, consistem em intervenções realizadas a grupos, fora das situações de crise, que visam desenvolver, capacitar ou educar o indivíduo. Trata‑se de, mais do que ensinar e instruir, desenvolver e construir. A Consultadoria já se trata de uma estratégia indirecta de intervenção psicológica, visto efectuar‑se não directamente no sujeito, mas nos indivíduos com que ele contacta, como outros significativos ou profissionais que têm alguma ligação com o cliente. Deste modo, estes vão exercer, consequentemente, influência e pressão no sentido � positivo junto do cliente. Ao consulente cabe a responsabilidade da implementação das soluções resultantes do processo. É um tipo de intervenção que tenta actuar nas redes sociais do cliente e deste modo ajudar a sua vida. Por e. g.:, o psicólogo pode intervir no professor (o consulente), prevendo a intervenção futura deste no aluno (o sujeito, alvo de mudança). Fornece‑se serviços directos ao consulente, capacitando‑se este e logo agindo‑se indirectamente no cliente. Esistem vários modelos históricos de consultadoria; a Consultadoria‑Diagnóstico que prevê o recurso a um especialista para produzir um diagnóstico e uma prescrição quanto a um problema; na Consultadoria de Formação faz‑se a actualização e formação de profissionais e disseminação de competências, tendo sempre em vista que a aprendizagem acontece ao longo de todo o ciclo vital. O planeamento destas acções de formação propiciará melhores resultados se for colaborativo, incluindo indivíduos presentes nas várias áreas envolvidas. A Consultadoria centrada no Desenvolvimento Profissional do consulente está mais orientada para o desenvolvimento deste e a aquisição de competências por parte do mesmo, do que propriamente em formar e treinar profissionais na área técnica. Em colaboração com o consultor, o consulente deve, no final do processo, ser capaz de resolver os seus problemas autonomamente, em virtude das "coping skills" que adquiriu. Na Consultadoria Organizacional, faz‑se sobretudo uma análise da organização, atentando a aspectos da sua estrutura e do seu funcionamento, e incidindo em temas como estilos de liderança, estratégias para negociação e resolução de conflitos, ou a participação dos trabalhadores nas tomadas de decisão. As intervenções preventivas, sociais e comunitárias podem, ora centrar‑se na competência do sistema pessoal e/ou na qualidade dos contextos de vida, ora serem especificamente psicológicas ou integradas em projectos de desenvolvimento humano e social. No primeiro caso, tenta‑se intervir no sistema pessoal do indivíduo (o intrapessoal), ao nível interpessoal (nomeadamente as redes sociais de apoio) ou nos sistemas transpessoais, visando modificar os contextos de vida (o desenvolvimento dos indivíduos acontece nos vários microssistemas, e a qualidade destes tem repercussões naquele mesmo desenvolvimento). Para o segundo caso, conta‑se com o facto de os projectos de desenvolvimento muitas vezes não serem especificamente psicológicos. Deste modo, estando presentes outros profissonais integrados numa equipa, teremos que actuar a outros níveis que não só o psicológico. Assim, "o psicólogo apercebe‑se rapidamente de que é ilusório trabalhar em termos individuais quando se desejam resultados positivos e que, em trabalho de grupo, o modelo mais eficaz é o colaborativo" (Coimbra,1991). O modelo do especialista (tradicional), devido às consequências que acarreta, não vai ser muito desenvolvido.Ele conduz a uma estanquicidade da área de actuação, uma excessiva valorização das competências, técnicas e instrumentos de acção do psicólogo, e a uma errada legitimação das práticas de intervenção baseada na pretensa "cientificidade" das técnicas. "O modelo de especialista instaura, efectivamente, uma relação de poder e dependência" (Coimbra,1991). O modelo colaborativo, alternativo ao anterior, baseia‑se na colaboração, na interdisciplinaridade e numa abordagem global dos problemas. Por um lado, "o psicólogo é percepcionado como um recurso, envolvido na prossecução de objectivos gerais, para os quais a sua � acção concorre..." (Coimbra,1991). Ao mesmo tempo, ele é "um profissional...cuja intervenção ocorre a par da de outros profissionais" (Dinkmeyer & Dinkmeyer,1984; citados por Coimbra, 1991). Esta abordagem permite observar com maior nitidez todas as dimensões que, para além da psicológica, constroem a grande complexidade dos problemas de cada indivíduo (as dimensões social, económica, cultural, etc.). Além da partilha de responsabilidades e negociação conjunta das decisões, há ainda a partilha dos conhecimentos, experiências e competências que cada interveniente tem, e que são úteis para se atingir o fim proposto. "O apoio psicológico ao desenvolvimento psicológico dos alunos e à sua orientação escolar e profissional bem como o apoio psicopedagógico às actividades educativas e ao sistema de relações da comunidade escolar " (artº 26º e 24º da Lei de Bases do Sistema Educativo) são objectivos que os psicólogos devem ter quando estiverem a intervir no contexto escolar.E que intervenção cumpre melhor estes fins que não a intervenção ecológica ou comunitária, nomeadamente a Consultadoria Ecológica? Cleto (1989) considera que o psicólogo a exercer na escola deve dar resposta à diversidade de pedidos e problemáticos de adolescentes e jovens quer os que se ligam directamente à dimensão escolar em sentido estrito... quer os que se prendem com outras dimensões, papéis e contextos de vida do adolesente (Coimbra,1991). Assim, e em virtude do papel que os psicólogos têm na promoção do desenvolvimento pessoal e social dos alunos, foi implementada a área curricular de formação pessoal e social, visando tanto a capacitação para a resolução de vida, como a promoção do desenvolvimento psicológico, e mesmo uma educação para os valores. Neste contexto, a intervenção deve efectuar‑se tanto através de programas de intervenção exclusivamente psicológicos, como através de estratégias de consultadoria. No 1º caso, as intervenções de "educação psicológica deliberada " destinam‑se a desenvolver nos alunos capacidades psicológicas de preparação para as várias tarefas. No 2º caso, pode‑se falar em "consultadoria‑formação psicológica junto de professores" (Alpert & Ass. ,1982; Campos, 1987; Cole & Siegel, 1990; Vandenplas‑Holper, 1991), tratando‑se de um processo destinado ao desenvolvimento de programas, ou à inovação pedagógica, ou mesmo de integração, em termos de igualdade numa equipe de projecto (Campos, 1990). Assim, a consulta para o desenvolvimento humano do aluno deve estender‑se à colaboração com os professores, para os apoiar no seu papel de profissionais do desenvolvimento. Deve‑se ainda alargar a intervenção a todo o sistema organizacional da escola, pois "o desenvolvimento das competências de vida e da respectiva dimensão psicológica resulta ainda do impacto que neles tem o sistema ecológico constituído, nomeadamente pela estrutura e organização da instituição escolar e do processo de ensino/aprendizagem, bem como das relações que aquelas mantém com os outros contextos directos de vida" (Campos, 1990). É necessária assim uma intervenção ecológica que se dedique tanto às actividades e relações interpessoais dos alunos (microssistema) como as relações das escolas com a família e a comunidade (mesossistema), no fundo uma Consultadoria Ecológica (Campos, 1990). Felizmente, a reforma curricular em curso abre perspectivas para o incremento de um modelo desenvolvimental‑ecológico (Campos, 1990; Christenson, Abery & Weinberg, 1988). Ao nível do desenvolvimento do sistema pessoal do indivíduo, a acção � do psicólogo pode passar pela criação de competências para lidar com a vida, com as transições e tarefas desenvolvimentais, fornecendo às pessoas capacidades para agirem na interacção com o meio, promovendo a sua capacitação comunitária e social. Os sujeitos devem obter autonomia para conseguirem inplementar os seus projectos e ao mesmo tempo ultrapassarem os obstáculos que se lhes deparam, especialmente originados por um confronto com os projectos sociais. Segundo a perspectiva desenvolvimental do "life‑span" ou ciclo vital, a intervenção deve estar orientada para tornar o indivíduo mais autónomo, promovendo assim o desenvolvimento de capacidades para lidar com momentos importantes como os que já foram referidos: tarefas desenvolvimentais, transições e tarefas de vida. Segundo Havighurst (1972) uma "developmental task" é uma tarefa que aparece em determinado momento da vida e, caso ela seja resolvida, o indivíduo adquire capacidade para resolver situações futuras, assim como satisfação. A não resolução origina infelicidade e incapacidade de resolver tarefas que o indivíduo venha a ter que ultrapassar. Ainda para Hopson & Adams (1976), uma transição consiste numa "descontinuidade consciente no espaço de vida de uma pessoa, que vai exigir novas respostas comportamentais". Transições como o divórcio, mudança de emprego, etc. podem activar crises nas quais as pessoas veem os seus recursos de coping a serem totalmente esmagados. No geral, uma crise é um desiquílibrio psicológico numa pessoa que enfrenta uma situação perigosa e que constitui um problema importante do qual não consegue escapar, e nem o consegue resolver com os seus habituais recursos de resolução de problemas (Caplan, citado por Sandoval, 1988). As noções de tarefas desenvolvimentais e transições relacionam‑se nitidamente com o modelo do ciclo vital. Esta perspectiva, visto considerar um desenvolvimento ao longo da vida do indivíduo, assume que existe uma continuidade temporal, marcada por mudanças activas e sistemáticas, e que os indivíduos, em todo este processo, interactuam com os contextos de vida (perspectiva ecológica do desenvolvimento). Essas mudanças e acontecimentos de vida podem estar associados à idade do indivíduo ou ao momento histórico geracional que ele atravessa (normativos), mas podem ser ainda acontecimentos idiossincráticos (não normativos). Devem abranger ainda uma das dimensões de vida do sujeito (psicológica, social, cultural), e serem ou não esperados por este. As transições, períodos de conflito de papéis, obrigam a um questionamento pessoal e a um iniciar de novos estilos de vida, e têm implicações aos níveis da percepção de si próprio, da percepção da relação do indivíduo com os outros, ou da percepção da acção que ele desenvolve nas várias áreas. Algumas perspectivas referem também o conceito de Crise, situações de excessiva carga assumida. Ao nível da intervenção, há que evitar a ocorrência destes acontecimentos, ou preparar os sujeitos para aqueles, bastando muitas vezes o fornecimento, ou melhor ainda, a promoção de competências para lidar com estas situações negativas. Não nos podemos esquecer, contudo,que, apesar das suas consequências negativas, estes acontecimentos são frequentemente promotores potenciais do desenvolvimento do indivíduo. Ao porem "em crise estrutural, funcional ou emocional o sistema pessoal, e lhe exigirem mudanças, constituindo assim tarefas de desenvolvimento ..." (Campos, 1990), vão permitir que se construa um sistema pessoal mais auto‑organizado e mais integrado. � Quando pensamos em intervir para desenvolver as capacidades para lidar com as tarefas de vida e com as transições desenvolvimentais, devemos estudar e definir as dificuldades, exigências das situações para, de seguida, identificar competências específicas. Vai ser necessário desenvolver métodos sistemáticos para ensinar aquelas competências, assim como elaborar programas para a sua disseminação. Os programas devem estar elaborados de acordo com as necessidades concretas e reais dos indivíduos, assim como permitirem a estes a transformação das situações problemáticas em oportunidades de desenvolvimento psicológico. A intervenção deve focar‑se em três diferentes áreas onde a promoção e o desenvolvimento de competências é de extrema importância: O indivíduo deve adquirir competências relativamente a si próprio (e. g.: competências de estudo, ou de tomada de decisão, etc.), relativamente à relação com os outros (e. g.: competências de emissão de feed‑back), e competências mais específicas relacionadas com contextos específicos e mais previsíveis que ocorrem ao longo da vida, como o emprego, a família, ou a comunidade (e. g.: competência para manter o emprego, ou ser um(a) pai/mãe eficaz). Nelson‑Jones (1984) apresenta a terapia da responsabilização pessoal, na qual a noção de "tarefas individuais" se liga com a ideia de que as pessoas criam as suas vidas através das escolhas diárias. Em suma, a terapia e consulta da responsabilização pessoal foca‑se sobretudo sobre os desejos e tarefas que fazem parte da vida de todos nós. Segundo Moos & Schaffer (1987), e de acordo com a teoria das crises, um indivíduo está especialmente receptivo à influência externa no tempo de mudança. Esta acessibilidade oferece aos psicólogos uma preciosa oportunidade de provocar um impacto construtivo. Há que transformar as situações de crise em oportunidades de desenvolvimento psicológico. Sandoval (1988) apoia esta perspectiva, e afirma que o objectivo não é propriamente reorganizar completamente as dimensões da personalidade do indivíduo, mas sim restaurá‑lo para que ele tenha um resolver criativo dos problemas. O sucesso na resolução de uma crise leva provavelmente à aquisição de novas capacidades para lidar com situações problemáticas, e à adopção de um melhor funcionamento. As mudanças de residência, mudanças de emprego e de estatuto ocupacionais, assim como a grande mobilidade em diferentes relações interpessoais, ou mesmo a situação de desemprego são momentos de vida importantes, que ocorrem, no presente, com uma maior frequência do que em gerações anteriores (Felner et al., 1983) e que constituem acontecimentos de vida stressantes e de crise. E são ainda muitas outras as problemáticas que os indivíduos apresentam, consoante o seu periodo desenvolvimental. (Wortley & Amatea, 1982, citados por Costa & Menezes, 1991), nomeadamente as fases universitária, de jovem adulto, da vida adulta e de idosidade. Na fase adulta, por ex:, são comuns problemas relacionais e de comunicação (com os colegas, com a família), problemas de realização (dificuldades escolares, de tomada de decisões, etc.), e problemas de identidade (ou auto‑organização, como por ex: dificuldades ao nível da auto‑definição e da consciencialização dos sentimentos (Costa & Menezes, 1991). Visto o modo como as pessoas lidam com situações de crise, transições e problemas vários estr sujeito a vários constrangimentos que têm a vêr com as características do próprio indivíduo e do acontecimento � como também com as características do contexto de vida (Brammer & Abrego, 1981; Hopson, 1985; citados por Costa e Menezes, 1991), que contextos de intervenção psicológica a este nível são mais apropriados que os centros comunitários. Estes constituem un contexto privilegiado para a operacionalização da perspectiva ecológica da consulta psicológica, visto, em virtude da sua própria inserção, poder mobilizar com mais facilidade os recursos ao nível dos microssistemas e mesossistemas, o que é muito relevante na intervenção para a promoção do desenvolvimento humano (Soares, 1991). Além disso, a intervenção não deve assentar num "psicocentrismo do exercício profissional"(Soares,1991), pois o psicólogo não é o único a contribuir para o desenvolvimento, devendo‑se trabalhar em conjunto com professores, família, pares, e outros. Os centros comunitários têm realmente uma efectiva integração comunitária (através das estruturas aí inseridas, com os centros sociais, as autarquias, etc.), trabalhando assim em sintonia com os problemas e recursos que a comunidade possui. (Campos 1989; citado por Costa & Menezes, 1991). A situação de desemprego trata‑se de um momento de crise para o indivíduo. O trabalho representa, para as pessoas o seu contexto de ligação com a realidade, o meio que lhe confere uma identidade de pertença a uma determinada colectividade, além de ser uma fonte de estruturação das relações humanas. No fundo, ele é fornecedor de auto‑estima e ponto de referência. Além disso, o não ter emprego tem, a nível social,*/* uma conotação negativa. O desempregado é visto como um indivíduo diferente. Uma situação deste tipo pode provocar reacções como a agressividade. desânimo, desespero, ansiedade, inibição, apatia, culpabilidade, perda de identidade, abaixamento da auto‑estima, desorientação, ..." (Kaufman, 1982; citado por Rodrigues & Rodrigues, 1987). São assim, aspectos com que o psicólogo terá de lidar ao nível da intervenção (Rodrigues & Rodrigues, 1987). Uma vez que o problema do desemprego é claramente um problema social, económico e político, a intervenção não deverá situar‑se apenas no domínio do psicológico, mas deverá obedecer ao já referido e desenvolvido modelo desenvolvimental‑ecológico da intervenção psicológica, isto é, além de atentar ao pessoal e ao interpessoal, deve incidir também no transpessoal. A consulta psicológica na situação de desemprego deve tentar, em primeiro lugar "estimular a procura de emprego". Para tal dever‑se‑ão manter sessões de grupo com objectivos vários, visando sobretudo a aquisição de informação e competências de competitividade no mercado de trabalho. Claro que se estas iniciativas forem complementadas com medidas sociais, económicas e políticas tomadas conjuntamente, as probabilidades de sucesso serão maiores (Pombo, 1985; citado por Rodrigues & Rodrigues, 1987). Em segundo lugar há que "capacitar para viver com o desemprego", pois nem todas as situações de desemprego poderão ser solucionadas. Assim, os indivíduos têm direito e necessidade que lhes sejam fornecidas capacidades e condições para lidarem de um modo saudável com a situação. Aqui a intervenção deve tanto apoiar directamente ao nível individual, como promover encontros entre desempregados, intervir em contextos como a família ou a sociedade (promoção social da mentalidade que � tende a vêr o desempregado como algo mau), e mesmo criar alternativas deocupação que criem os benefícios de "ter emprego" (Rodrigues & Rodrigues, 1987). A intervenção psicológica para o desenvolvimento do sistema pessoal do indivíduo pode incidir também nas estruturas cognitivas da acção humana. Segundo Kohlberg, o indivíduo constrói uma nova estrutura em função do desiquilíbrio na acção, sendo este provocado pelo conflito cognitivo, ou então para Coimbra (1991) o desenvolvimento do cliente ocorre a partir de um processo de transformação do seu sistema pessoal, integrando níveis anteriores (mais simples) em níveis mais complexos de compreensão da realidade. A intervenção visa então promover a facilitação do processo de transição, ou seja desenvolver competência(s) no indivíduo. Está‑se assim a falar de estratégias. cognitivo‑desenvolvimentais. As estratégias que vão ser desenvolvidas são para se‑ rem aplicadas em situações de ausência de crise. São assim essencialmente educativas. A intervenção pode ser ora sectorial, ora global. Uma técnica de desenvolvimento sectorial das estruturas cognitivas é a "Discussão de Dilemas", a qual visa desenvolver o raciocínio moral e promover o desenvolvimento interpessoal. Esta técnica baseia‑se no pressuposto de que a apresentação de problemáticas com um conflito de interesses (o que vai levar à consideração de vários pontos de vista ‑Tomada de Perspectiva Social‑), conduz ao conflito cognitivo, e a consequente resolução deste último leva ao desenvolvimento do indivíduo, mais concretamente à ou às estrutura(s) cognitiva(s) abrangida(s). O cliente vai passar assim para um nível mais complexo de compreensão da realidade. Em virtude de a discussão de dilemas não intencionalizar mudanças de comportamento, Kohlberg começa a desenvolver a sua "Abordagem da Comunidade Justa", visando a mudança do sistema interpessoal. A Educação Psicológica Deliberada é uma intervenção que já tem como ambição o desenvolvimento global das estruturas cognitivas, tem por base uma "orientação holistica da intervenção" Coimbra, 1991). Aqui, Sprinthall apoia o princípio de que o desenvolvimento do indivíduo (passagem para estádios de desenvolvimento mais complexos) ocorre quando este vive experiências significativas, desafiantes e mais complexas do que o permitido pelo seu desenvolvimento actual, o que vai provocar um desiquilíbrio. Esse desiquilíbrio não deve ser demasiado, ou o indivíduo não conseguirá evoluir e sucumbirá. Segundo Coimbra (1991), "na educação psicológica deliberada, o processo de intervenção organiza‑se no sentido de melhorar a própria qualidade de vida psicológica do cliente, proporcionando‑lhe a oportunidade de viver e integrar experiências reais de vida em contextos genuinos". Assim, e como se pode observar, esta é uma estratégia que incide não só nos recursos do próprio sujeito mas também nos recursos dos vários contextos, o que faz dela uma intervenção não exclusiva e somente centrada no indivíduo mas tambem orientada para a psicologia ecológica. � As estruturas idiossincráticas são as regras a partir dos quais o indivíduo organiza e atribui significado à realidade. São dimensões tácitas, quer do auto‑conhecimento, quer das teorias do sujeito e da sua relação com o mundo. São no fundo regras abstratas que o indivíduo não consegue enunciar mas que organizam a sua acção. Como no fundo o processo de construção dos significados é um percurso de auto‑reconhecimento, para o psicólogo produzir mudança e logo intervir nas estruturas indiossincráticos ele deve, segundo Marcia, antes de mais, desenvolver uma relação segura com o cliente (assim como em qualquer outra intervenção), criar condições para o investimento do indivíduo e propiciar possibilidades de exploração de alternativas. Analisando‑se a lógica actual do funcionamento do indivíduo, consegue‑se saber o que é que o perturba, e pode‑se então desafiar a estrutura do cliente, fazendo‑se perguntas desiquilibrantes (mas emparelhando‑as com o apoio), que desafiem a estrutura tácita cliente tendo como objectivo a progressão de uma dimensão explícita (acontecimento) para uma dimensão tácita (regras, estruturas). O apoio social é, segundo Vaux (1988), um processo transaccional complexo que envolve um intercâmbio activo entre o indivíduo e a rede social de apoio. Esse apoio social tem, na opinião de Cobb, uma grande importância em relação ao stress e ao bem estar, pois o indivíduo necessita ser querido, respeitado e protegido de muitos acontecimentos frustrantes. A família, os amigos, os serviços sociais, os vizinhos, etc, são, para Caplan, sistemas de apoio muito importantes que desempenham um papel crucial no resultado das crises e transições desenvolvimentais das pessoas. As redes de apoio ao fornecerem apoio social, podem ter funções instrumentais (dando resposta a necessidades materiais) e/ou funções expressivas (dando resposta a necessidades de amor, afecto, amizade, etc.). O indivíduo tem assim necessidade de possuir redes sociais de apoio que consigam abranger todas as suas carências. A ajuda deve ser efectiva, surgindo frequentemente situações em que as redes de apoio são vistas como tal, mas efectivamente são fonte de perturbação, ou por outro lado, as redes fornecem apoio concreto mas o indivíduo não percebe ou sente esse apoio. Há que intervir nomeadamente ao nível da percepção de apoio que o indíviduo tem, ou orientá‑lo para o apoio (avaliação da necessidade de apoio pelo indivíduo e mobilização das suas redes). As redes sociais apresentam mais vantagens se forem grandes (maior distribuição dos pedidos de apoio), e se tiverem uma maior diversidade da sua composição. A densidade da rede deverá ser idealmente alta em questões emocionais, e baixa em actividades instrumentais. A densidade pode ser positiva ou negativa, conforme as situações, isto é, pode ser que a partilha da mesma perspectiva ou problemática para muitas pessoas diminua o conflito ou a confusão, mas por outro lado, diminua a disponibilidade dos membros da rede. Redes com relações complexas e recíprocas são muito importantes e indispensáveis, preenchendo muitas necessidades de apoio, mas são também muito dispendiosas em termos de tempo e esforço. Há que não ter apenas "amigos íntimos". A família, por ex:, envolve afecto e assistência, é uma grande fonte de apoio, mas é um sistema que como qualquer outro, poderá não saber responder a todo o tipo de exigências. O processo de apoio é influênciável por um conjunto de factores. As características pessoais como a empatia, a extroversão, etc. � condicionam a quantidade e qualidade de apoio que o indivíduo recebe. Também existem influências do contexto social em que o sujeito se insere. A profissão exercida, a comunidade em que o sujeito vive, e mesmo a família da qual o indivíduo tem origem são factores determinantes das redes de apoio. Por ex:, quando eventualmente um indivíduo muda de casa, a sua rede pode ser quebrada, mantendo‑se algumas relações e construindo‑se outras. A apreciação não só da influência do indivíduo nas suas redes e o apoio individual dos elementos ao sujeito, mas também dos vários contextos sociais em interacção com o indivíduo e entre si, faz vislumbrar um modelo ecológico de todo o processo de apoio social. Também o sexo ou o momento do ciclo vital em que o indivíduo se encontra são variáveis que condicionam o apoiosocial. Geralmente os homens tem redes de apoio maiores que as mulheres, visto muitas destas últimas serem "donas de casa". Assim, o fenómeno de diferenciação do apoio social em função do género tem muito a ver com os papeis sexuais e a sua socialização. Por outro lado, ao longo do ciclo vital o sujeito sofre mudanças, nomeadamente na sua capacidade de envolver outros como figuras de apoio, na sua disponibilidade para investir nas redes sociais, ou ainda ao nível da mutabilidade das suas necessidades, o que obriga à constante actualização e renovação das redes. Também os contextos de vida do indivíduo mudam o que acarreta constrangimentos à capacidade do sujeito criar, manter, e inovar as redes sociais de apoio que necessita. Segundo Gottlieb (1988), o apoio social é um recurso que é mais acessível, é culturalmente válido e aceite, do que os serviços oferecidos pelos profissionais de saúde mental. Não só com base nisto mas também em função da importância que o apoio social tem para o indivíduo há que assegurar que as pessoas tenham apoio suficiente e adequado sempre que ele seja necessário, e que estejam cientes dessa situação. É este o objectivo das intervenções de apoio social. A intervenção visa assim em primeiro lugar fazer com que a pessoa utilize mais eficazmente a rede de apoio existente. Em segundo lugar, há que, determinar se é necessário desenvolver novas redes de relações, e se se deve manter a(s) rede(s) de apoio actual(ais). Além da promoção da oferta e aceitação de comportamentos de apoio, deve‑se alterar as apreciações subjectivas que o indivíduo faz do apoio recebido. Na avaliação da sua rede, o indivíduo pode ter percepções irrealistas que urgem serem tornadas realistas. As intervenções podem ser efectuadas a vários níveis: no indivíduo (permitindo que seja feita uma avaliação profunda e clara da rede do indivíduo), na família, nos grupos (não nos grupos já existentes, mas na criação de novos grupos, como por ex: os grupos de inter‑ajuda), nas organizações (a escola, o contexto de trabalho, etc.), na comunidade (o bairro, a freguesia em que se vive) e mesmo na sociedade em si. O local de trabalho, por ex:, apresenta, segundo Price (1985), oportunidades para projectos de apoio social. O contexto de trabalho oferece frequentemente uma população segmentada pela idade, sexo, nível educacional, no fundo grupos de pessoas que partilham situações e responsabilidades e enfrentam problemas comuns. O clima deste contexto pode ou não facilitar o estabelecimento de relações entre os vários funcionários, mas este último "constitui sem dúvida uma importante fonte de ligações sociais potenciais, para adultos e jovens". (Vaux, 1988). Não se está a falar apenas de relações de � trabalho, mas também de relações sociais que surjem daqueles momentos de interacção não relacionados com o trabalho, e que poderão ter um efeito positivo no bem estar das pessoas no próprio contexto de trabalho, e no quotidiano. A política da organização em que se insere o posto de trabalho pode incrementar a cooperação ou por outro lado instigar à competição. Ainda ao nível do local do trabalho, este pode conter factores importantes de stress (House, 1981), como ambiguidade e conflito de papeis, ou trabalho repetitivo, entre outros. Segundo Vaux (1988), são os próprios colegas de trabalho que melhor respondem a muitos dos problemas neste contexto, em virtude de estarem por dentro das restrições e constrangimentos que ele impõe. A família apenas poderá dar algum apoio emocional, e estando ela envolvida com a pessoa em crise (especialmente os membros mais próximos) não poderá deixar de se envolver demasiado emocionalmente, e provavelmente acabar por ficar psicologicamente afectada e desenvolver críticas e comportamentos hostis à pessoa em crise (Gottlieb, 1988). A intervenção ao nível das redes de apoio previligia estratégias como a Construção de Competências, orientada para a comunidade em geral e não para um grupo específico. Esta estratégia tem como princípio o facto de todos os indivíduos deverem possuir competências que mais cedo ou mais tarde virão a precisar. É uma estratégia que dirige as atenções não para a resolução de perturbações, mas para a obtenção do bem estar (Vaux, 1988). Outra estratégia é o "Empowerment" dos indivíduos. Profissionais e membros da comunidade colaboram em esforços para capacitar, fornecer mestria, aos indivíduos para eles resolverem as suas dificuldades e atingirem os seus objectivos (Rappoport referido por Vaux, 1988), mestria essa aplicável ao nível individual mas também ao nível comunitário. As técnicas de mudança social reflectem três processos de intervenção distintos: informar, persuadir e exercer coerção. A informação baseia‑se na crença de que as pessoas agem com base em interesses próprios clarificados, enquanto que o uso da coerção assenta na necessidade do seu emprego alcançar e eliminar conflitos de interesses e/ou atitudes que estão enraizadas no indivíduo. Mas é a persuasão que, segundo Vaux (1988) se mostra como sendo a estratégia mais promissora para as intervenções de apoio social. Os processos de intervenção que se enquadrem nesta área de estratégia são, por um lado, mais eficazes do que se se orientassem para o fornecimento de informação. Por outro lado, as tácticas persuasivas são bastante menos propensas em gerarem oposição ou problemas éticos do que a coerção para a mudança. Por outro lado, como Vaux afirma, a influência social persuasiva é mais vista como ferramenta legítima dos profissionais da psicologia e outros afins da elaboração dos programas de apoio social. Assim, as intervenções são multiplas, por ex:, a Terapia da Rede visa, segundo Schoenfeld et al. (1985) restabelecer a rede do indivíduo como uma unidade funcional, com o propósito de aumentar a proximidade e capacidade de apoio e ajuda dos membros do grupo, entre si. Esta estratégia envolve o trabalho directo do psicólogo com a totalidade ou segmentos da rede do indivíduo, como vizinhos, família, amigos etc. Há que reunir a rede, juntar os membros, alterar a responsabilidade, através da mobilização da rede ao nível da sua energia, cuidados, comportamentos de apoio, tudo para ajudar o indivíduo em crise. Outro exemplo é o caso dos Grupos de Inter‑ajuda e de Apoio, que pretendem sobretudo aumentar o apoio social através do suplemento ou � substutuição dos recursos das redes actuais do indivíduo. De acordo com Gottlieb (1988), as pessoas têm o direito absoluto de definir aquilo que para elas, constitui apoio e de determinar os seus níveis ideais de participação num grupo. Este é um princípio muito importante ao qual os grupos de apoio obedecem. Esta modalidade de intervenção propicia a solidariedade, o apoio emocional e o corte do isolamento dos indivíduos, mas poderá criar uma dependência entre os vários elementos do grupo, o que conduzirá a dificuldades quando a separação se torna necessária. Não se pode isolar as pessoas dos contextos em que elas vivem. O conceito de "pessoa‑‑em‑contexto" é assim importante para compreendermos a interacção que existe ao longo do tempo entre o indivíduo em desenvolvimento e os seus contextos de vida, e para nos apercebermos que é por causa dessa mesma interacção que surgem muitos problemas. Orford (1992) afirma que os indivíduos estão num estado de "transacção"contínua com os vários contextos em que vivem, num processo de influência recíproca. Assim, o objectivo da intervenção para a mudança dos contextos institucionais de vida é presisamente essa "interface" entre a pessoa e os contextos sociais. Orford, propõe assim uma perspectiva centrada na noção de Contexto, a qual enfatiza a referida transacção contínua entre os indivíduos e os vários contextos, e uma outra perspectiva mais abrangente que a anterior, centrada na noção de Sistema. Atenta‑se nesta última à interrelação que existe entre os vários contextos, sempre numa tentativa de integração e de relação dos diversos contextos de vida. Ao abrigo das metodologias centradas na noção de Contexto estão o Modelo de Barker e os seus "contextos comportamentais". Estes "padrões estáveis de comportamento e ambiente", fenómenos naturais, muitas vezes criados para servir interesses e necessidades humanas, têm, segundo Barker (citado por Orford, 1992), um poder quase coersivo sobre o comportamento das pessoas, levando à perda da individualidade das pessoas nesses contextos comportamentais. Este "condicionamento" acaba por ser excessivo e logo nefasto para o indivíduo. Como Moos, e a sua "Ecologia Social", surge o conceito de "atmosfera" ou "clima" social, que consiste, em traços gerais, na percepção que o indivíduo tem do ambiente num determinado contexto. Esta perspectiva tenta assim compreender o impacto que o ambiente tem no indivíduo (enfatizando a percepção individual do ambiente), ambiente esse com duas vertentes intimamente ligadas, igualmente contributivos para a experiência individual e, deste modo, dignas de estudo: o ambiente físico e o ambiente social. Ao nível da intervenção, há que descobrir os diferentes aspectos de organização dos ambientes para que se possa maximizar o desenvolvimento pessoal dos seus habitantes. Só após recolha de informação que permita um conhecimento estruturado do ambiente pelos indivíduos, eles poderão ter o controlo ambiental de que necessitam para melhor serem capazes de proceder à transformação desse mesmo ambiente, de forma a torná‑lo mais adequado. Em função da relação directa entre complexidade do indivíduo e capacidade de transformação e adaptação, será útil promover o desenvolvimento do sujeito através de outro tipo de intervenções. Já no domínio das perspectivas orientadas para a noção de Sistema surgem‑nos modelos que se preocupam mais com as conexões que existem � entre os muitos e diferentes contextos de vida do indivíduo. É o caso da Teoria do Comportamento Interpessoal, com a sua perspectiva base da complementaridade da açcão, tão importante quando pensamos num bom funcionamento das relações interpessoais, por exemplo, nos contextos de trabalho. Pode‑se referir também o interaccionismo (interacção entre o indivíduo e o contexto) e a congruência pessoa‑ambiente.Aqui, e segundo Holland, é importante que o ambiente corresponda ao tipo de personalidade do sujeito( ex: se o indivíduo é compe‑titivo, o ambiente também o deve ser) . Há então que melhorar a qualidade psico‑social dos contextos de vida recorrendo à modalidade de intervenção indirecta ‑ consultadoria ‑, e utilizando uma estratégia colaborativa. A colaboração ou cooperação entre psicólogos e profissionais propicia um maior investimento, por parte destes últimos, nas mudanças que forem necessárias implementar, assim como aumenta a probabilidade da intervenção se situar no campo do possível. Além disso, é sempre útil obter novas perspectivas e experiências e trabalhar com um leque maior de percepções e competências, se bem que a cientificidade do processo possa ser abalada em virtude de os próprios profissionais estarem envolvidos na mudança. No caso concreto da situação de trabalho, e da intervenção na organização, Jetton (1984) alerta‑nos para a utilidade de intervir junto dos líderes quando produzir mudança é o nosso objectivo. Poder‑se‑à mudar o funcionamento organizacional ?...Provavelmente não, mas talvez se consiga, em vez de de mudar a estrutura da organização ao menos permitir a partipação dos trabalhadores nas tomadas de decisão. Tal será positivo para a empresa (maior informação a dar entrada no processo de tomada de decisão e maior eficácia organizacional) e ao mesmo tempo para os trabalhadores (aumento da motivação e investimento e maior sentimento de gratificação). No fundo, tratemos de actuar nos problemas do quotidiano e no modo de lidar com esses problemas, através da intervenção nos vários e diferentes níveis de análise que o permitam (psicológico, social, profissional), sem perder de vista todos os recursos que a comunidade nos oferece. BIBLIOGRAFIA ‑ Baker, S. & Shaw, M. (1987). Improving counseling through primary prevention. (cap.2). Merril Pub. Comp.. ‑ Bronfenbrenner, U. (1979). The ecology of human development. Harvard University Press. ‑ Campos, B. (1985). 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Campos Ana Maria Diogo Psicólogos, Universidade do Porto Porto , Junho de 1994 _________________________________________________________________ INTRODUÇÃO O objectivo deste estudo foi o de enquadrar um determinado posto de trabalho no envelhecimento diferencial da população activa determinando o conteúdo e a organização do trabalho na indústria gráfica. Este processo de envelhecimento tem em especial relevância se o inserirmos no contexto da gestão previsional dos empregos, mais concretamente uma gestão para alcançar a harmonia entre o que é humano e o que é material (o homem com as suas afecções, desenvolvimento e envelhecimento, e o meio material, com as suas características específicas e o seu constante desenvolvimento tecnológico). Pretende‑se portanto, trabalhar no domínio de interacção entre o envelhecimento do trabalhador, um envelhecimento biológico e as condições de trabalho. Trata‑se, no entanto, de uma interacção que actua efectivamente nos dois sentidos: as condições de trabalho têm grande peso no envelhecimento biológico do indivíduo trabalhador e o envelhecimento biológico condiciona o relacionamento com o emprego. Como ilustração podemos referir por exemplo, que determinado factor agressivo no meio do trabalho pode, além de ser fisicamente incómodo e mesmo pôr em risco a sua integridade física, afectar o seu campo motivacional ou mesmo prejudicar as suas redes sociais no emprego. As diferentes categorias profissionais condicionam diferencialmente o envelhecimento dos seus trabalhadores. Assim, será interessante observar a evolução do trabalho e as transformações de um trabalhador, num posto de trabalho, ao longo da sua vida para, posteriormente, relacioná‑las com a forma como executa o seu trabalho. Tentamos assim, atentar a todos os processos pelos quais os trabalhadores passam, e as suas implicações, tanto ao nível mental como físico. Assim, o trabalhador está constantemente submetido a um conjunto de � condições de trabalho. Dominando‑as é possível influenciar positivamente o relacionamento do trabalhador com o seu posto de trabalho e reduzir ou eliminar factores negativos a incrementarem o seu envelhecimento. As características do meio de trabalho são as que constituem aquilo a que correntemente se chama condições de trabalho (...) As várias características do meio de trabalho são: a) A organização do trabalho. Pode caracterizar‑se, antes de mais, pelas modalidades da repartição das funções entre os operadores e entre os operadores e as máquinas: é o problema da "divisão" do trabalho. A organização define‑se também pelas "regras" que regem o funcionamento da estrutura assim definida (...) b) A tecnologia da produção. Tem um efeito duplo nas condições de trabalho: um efeito directo, através da modificação dos postos de trabalho, e um efeito indirecto, através da modificação da organização que determina. A mudança das condições de trabalho com a evolução dos materiais é evidente: basta pensar na transformação do trabalho operário, no sector da mecânica, com a introdução das máquinas, o seu aperfeiçoamento e, recentemente, a sua programação. Com a evolução tecnológica, as profissões alteram‑se, as qualificações exigidas são diferentes. Estas modificações produzem‑se, actualmente, a um ritmo mais rápido que no passado, sendo os trabalhadores levados a mudar cada vez mais de profissão ao longo da sua carreira (...) c) Uma empresa, uma administrativa ou comercial está, ela própria, inserida num sistema mais vasto, que se pode considerar o seu contexto ou o seu meio ambiente. Este determina, por um lado, muitas vezes de maneira bem importante, as suas regras de organização e de funcionamento e, mais geralmente, as condições de trabalho locais (...) As características socio‑económicas da sociedade global desempenham aqui um papel importante, na medida em que impõem às unidades consideradas e, por elas, aos trabalhadores, modalidades de funcionamento determinadas: repartição do poder, forma e montante da remuneração, duração do trabalho, legislações sociais, legislação sobre a segurança, etc. (...) O meio ambiente é também constituído por condições locais mais específicas, quer socio‑económicas (estado do emprego e da mão‑de‑obra na região), quer geográficas (tipo de clima, de habitat) (Leplat & Cuny, 1977). O trabalhador submete‑se àquelas condições de trabalho em virtude da interacção que tem com o seu posto de trabalho. Assim, quando atentamos a esta relação, não nos podemos esquecer que em primeiro lugar, o trabalhador tem determinada condição física e psicológica, e presta diferentes contributos ao modelo do seu posto. Em segundo lugar, este trabalhador executa um trabalho que não depende apenas do trabalhador em si, não é independente, mas depende também de um cinjunto de especificações e restrições oriundas de um nível mais alto, isto é, as estratégias da organização. E em terceiro lugar, as características do trabalho previstas pela organização podem não ser as mesmas do trabalho efectivamente executado pelo trabalhador. Trata‑se, portanto, do estudo das discrepâncias entre o que é previsto pela organização (as "regras de produção") e o que é realmente efectuado pelo trabalhador. � A organização da informação neste relatório obedece a uma lógica bastante simples. Se a introdução tem como função actualizar rápida e objectivamente o leitor acerca das principais questões deste trabalho, o segundo capítulo já é de extrema utilidade para se conseguir inserir este estudo numa realidade histórica e actual que é a da indústria gráfica em Portugal. Chegamos ao capítulo 3, onde nos debruçaremos sobre a empresa deste estudo proriamente dita. Podemos agora falar do grosso do nosso trabalho, referindo objectivos, metodologia, actualização global acerca da empresa, a análise de um posto de trabalho em si. Por último, no capítulo 4, não poderíamos deixar de fazer uma avaliação final do trabalho, ou apresentar as nossas conclusões e elaborar sugestões para o futuro. A Indústria das Artes Gráficas em Portugal Iremos neste capítulo expôr um conjunto de dados históricos e informações do presente da indústria das artes gráficas no contexto português, que achamos serem bastante úteis paramelhor compreendermos onde o tema do nosso trabalho se insere, e qual a sua situação a um nível mais global. História A par do desenvolvimento tecnológico que atingiu as indústrias durante todo o século XX e obviamente de todas as mudanças que tal implicou (nomeadamente de novos materiais e novas tecnologias), começou a dar‑se grande importância ao processo de formação dos trabalhadores, para fazerem face àquelas novas tecnologias. Pode‑se assim considerar que esta relação materiais/tecnologia = indivíduo/formação (para a tecnologia funcionar precisa de mão‑de‑obra especializada, e a mão‑de‑obra necessita de formação para poder trabalhar com essa mesma tecnologia) explica de certo modo a relevância da actuação nos trabalhadores de que o nosso estudo trata, mais concretamente no domínio das artes gráficas. A Actualidade O sector das artes gráficas, domínio de estudo no nosso trabalho, tem denotado um certo desenvolvimento, mais especificamente no contexto português, nesta fase final do século XX. Tal pode ser constatado quando atentamos ao aumento do número de empresas gráficas, estas fundamentalmente pequenas e médias empresas, na década de 80 que ronda os 30%, ou um aumento, ainda que ligeiro, do número de trabalhadores nesta área (entre os 3 e os 4 pontos percentuais). � Ainda, com o volume de vendas aumentado em cerca de 47% das empresas, como resultado de, por um lado, uma melhoria da qualidade dos produtos gráficos, e por outro lado, uma intensificação da procura interna, as empresas passaram a dispôr de uma situação económica mais propícia para investirem no seu desenvolvimento, tanto no domínio comercial como no domínio da aquisição de novos equipamentos. Isto só veio contribuir para toda uma evolução maciça das tecnologias das artes gráficas. Podemos agora dizer que o presente estudo é de grande importância se pensarmos nas consequências do desenvolvimento dessas tecnologias: capacidade de resposta da mão‑de‑obra, competências, adaptação a diferentes exigências, actualização de conhecimentos, etc.. Por outro lado, podemos concluir que a situação dos trabalhadores nas artes gráficas é difícil na sua capacidade de resposta às inovações tecnológicas se nos debruçarmos sobre alguns traços importantes desses mesmos trabalhadores, ou seja, de um modo geral, um baixo nível socio‑económico a quando da altura da entrada para a empresa acrescido de uma fraca formação humana e cultural e baixas competências técnicas. No entanto, os trabalhadores parecem estar cientes de que têm de obter formação para conseguirem responder às funções que lhes são exigidas, se bem que, a maior parte da formação a que têm acesso é obtida através do contacto com os técnicos de assistência dos equipamentos que são adquiridos pela empresa. Como se irá verificar à frente, pudemos observar este facto no caso concreto do nosso estudo. Todos estes factores obrigam a uma reestruturação das várias formas de organização do trabalho, indo aquela ter uma forte acção sobre os "indivíduos" (trabalhadores) da empresa, entidades passíveis não só de produzir "índices de produção" e exibir competências específicas, mas também de serem afectadas nas suas identidades biopsicossociais. A INVESTIGAÇÃO Objectivos Pretende‑se através de um processo estruturado de recolha e exploração de dados e sua interpretação e integração com dados teóricos, num contexto real, estudar o problema do envelhecimento na empresa, ora identificando os factores actuais de trabalho que contribuam para o aparecimento de problemas nos trabalhadores, ora o estudo da interacção entre a história profissional dos trabalhadores e toda uma organização do trabalho. A um nível instrumental, perspectivamos fazer uma análise das condições de trabalho e do sujeito no seu posto de trabalho Metodologia Inicialmente, fez‑se um contacto pessoal com o indivíduo que nos foi indicado na empresa (pelo Director Administrativo). Neste primeiro momento, identificamo‑nos e explicamos o âmbito do nosso trabalho. Posteriormente, tendo a empresa mostrado estar receptiva ao nosso � estudo, foi enviada por correio uma carta com a descrição da nossa intervenção na empresa (anexo 1). Esta carta, além de descrever o processo com rigor, serviu também para satisfazer o pedido do Director Administrativo de receber especificações por escrito. Ficou assim a decisão de aceder ou não à nossa participação à consideração do D.A.. Procedeu‑se então execução de 4 entrevistas semi‑estruturadas ao D.A. (anexo 2), com a duração média de hora e meia meia, com as quais obtivemos dados acerca da história e evolução da empresa, dinâmica de funcionamento, estratégias, relações com o meio, etc.. Estes dados mostraram‑se de grande importância para melhor entender os aspectos da dinâmica da empresa que influenciam os trabalhadores e condicionam o envelhecimento destes. Na última entrevista com o D.A:, foi‑nos sugerido um trabalhador disponível, para a seguinte fase do nosso trabalho, trabalhador esse que correspondia às nossas exigências de antguidade na empresa e um bom conhecimento geral do funcionamento e organização daquela. Escolheu‑se um trabalhador com mais de 10 anos de serviço para nos darmos conta da evoluçãao do seu trabalho ao longo dos anos e sua influência no desenvolvimento do trabalhador. No fundo tratou‑se de verificar se se tinham vindo a reunir situações que contribuiam negativamente para a saúde e logo estimulando o envelhecimento. Quisemos assim recolher dados sobre o posto de trabalho (história, transformações, etc.), sobre o trabalhador (idade, cargo, história profissional, etc.), e sobre as condições de trabalho do trabalhador no seu posto. Para obtermos todas estas informações procedemos à construção de entrevistas semi‑estruturadas (anexo 3) aplicadas em 3 administrações, com uma média de 90 minutos cada. Grande parte das questões que constituiam as entrevistas eram perguntas abertas, formuladas deste modo para que o sujeito dissesse tudo o que desejasse e pudessemos assim obter o máximo de informação possível (diminuindo possiveis perdas de informação). As directrizes que nos guiaram no planeamento das entrevistas foram retiradas da Grelha de Lest (uma grelha de análise das condições de trabalho) e de informações adquiridas na aula. O apoio nesta grelha é legitimado pelo facto de ela avaliar as "contraintes" e as "astraintes" dos diferentes tipos de exigências que aparecem num posto de trabalho. Tenta assim definir para cada factor o limiar de constrangimento acima do qual o trabalhador compromete o seu equilíbrio psicofisiológico (Freitas, 1993). O estabelecimento desse limiar é de grande importância para verificar, caso existam, até que ponto características prejudiciais do trabalho afectam a integridade dos trabalhadores. As "contraintes" referem‑se aos limites das variáveis de trabalho que se ultrapassadas podem conduzir a perturbações no trabalho (...) As "astraintes" referem‑se ao modo como o trabalhador vai viver, sentir o constrangimento, e que depende nomeadamente das suas características � pessoais (Freitas, 1993). Esta grelha, ao avaliar
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