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S u m á r i o SOBRE O NEGÓCIO PROCESSUAL, PREVISTO NO CPC/2015 - Luiz R. WambieR ....................................................................................... 01 COOPERAÇÃO NO NOVO CPC (PRIMEIRA PARTE): OS DEVERES DO JUIZ - eduaRdo TaLamini ............................................................ 04 ALGUMAS LINHAS SOBRE AS DIFERENÇAS ENTRE A TUTELA CAUTELAR E A ANTECIPAÇÃO DE TUTELA NO CPC/2015- andRé Luiz bäumL TesseR .......................................................................................... 06 continua na página 2 Nº 58 - Ma io 2015 Série especial | Novo CPC SOBRE O NEGÓCIO PROCESSUAL, PREVISTO NO CPC/2015 Luiz R. WambieR Advogado inscrito na OAB/PR sob o nº 7.295, Doutor em Direito Processual Civil pela PUC-SP Professor de Direito Processual Civil no Programa de Mestrado da UNIPAR Em primeiro lugar, neste despretensioso texto, me parece relevante estabelecer necessária premissa, que diz respeito à função do proce- dimento. O procedimento, na verdade, nada mais é do que uma tessitura, uma costura cronológica dos atos processuais. É preciso dar ao movimento da relação jurídica processual um certo método, que se caracteriza por essa sucessão de atos processuais ao longo do tempo do processo. O legislador de 2015, diferentemente do que fez o legislador do código de 1973, ora vigente, simplificou a questão procedimental e escolheu um número menor de procedimentos, para serem espe- ciais, guardando fidelidade com o que se pode ler na exposição de motivos do Anteprojeto. Se no CPC de 1973 temos os procedimentos ordinário, sumário, su- maríssimo (que depois ficou entregue à competência do JEC) e uma série de procedimentos especiais, no 2 1 ADROALDO FURTADO FABRÍCIO, num de seus preciosos textos, enumera causas que poderiam ter exercido certa influência no legislador no momento de definir que matérias de direito material contemplaria com procedimentos especiais. Diz o autor: “O peso da tradição histórica, com as complicações e incongruências decorrentes de múltiplas fontes de influência, nem sempre coevas e entre si coerentes; a eventual interpenetração, em um mesmo processo, de elementos de diversas modalidades de tutela jurisdicional (de cognição, de execução e de cautela); razões de conveniência momentânea e local, com caráter meramente emergencial; até mesmo a simples impaciência do legislador frente à morosidade do aparelhamento judiciário em contraste com a pressão da demanda social – tudo influi no sentido de retirar da vala comum do rito ordinário um número crescente de ´ações`”, disponível em ADROALDO FURTADO FABRÍCIO, Justificação teórica dos procedimentos especiais. Disponível em: http://www.abdpc. org.br/abdpc/artigos/Adroaldo%20Furtado%20Fabr%C3%ADcio(3)formatado.pdf, acesso em 5 de novembro de 2011. 2 A que optei por chamar de negócio jurídico processual complexo, embora há quem prefira chamá-lo de negócio jurídico plurilateral (cf. Paula Sarno Braga. Primeiras reflexões sobre uma teoria do fato jurídico processual: plano da existência. Revista de Processo. São Paulo: RT, n. 148, jun. 2007). 3 Sobre privatização do procedimento, cf. BarBoSa Moreira, Privatização do Processo?, Temas de Direito Processual, Sétima Série, São Paulo: Saraiva, 2001, p. 7; e O neoprivatismo no processo civil, Temas de Direito Processual, Nona Série, São Paulo: Saraiva, 2007, p. 87. 4 Em 13 de dezembro de 1963, o Supremo Tribunal Federal editou a Súmula nº 335, com o seguinte teor: “É válida a cláusula de eleição de foro para os processos oriundos do contrato”. Código de 2015, o legislador optou por simplificar, adotando o modelo do procedimento comum, que passa a abarcar todas as questões gerais; alguns procedimentos especiais1, para tutelar temas, no plano do direito material, para as quais o legislador resolveu conferir tratamento procedimental especial; e também os procedimentos a que me permito cha- mar de especialíssimos, que derivem dos negócios processuais, fruto de convenção das partes, de modo bilateral e no plano contratual, ou das partes e juiz, de maneira mais complexa2, se se tratar de negócio que venha a ser pactuado endoprocessualmente. Dentre as várias regras que disciplinam o ne- gócio processual no novo código, merece destaque a do art. 190. De acordo com esse dispositivo, se o processo versar sobre direitos que admitam autocom- posição, as partes podem, desde que capazes em sua plenitude, estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa, isto é, àquilo que de especial e, portanto merecedor de destaque, exista na questão de direito material a ser veicula- da no processo. As partes podem convencionar a respeito de ônus, poderes, faculdades e deveres. E, como já afirmei, podem fazer isso mesmo antes do processo, o que significa que podem celebrar em con- trato negócio de natureza processual que vai muito além da eleição de foro. Se, no curso ou depois de extinta a relação jurídica, houver necessidade de ir a juízo, os contratantes, agora partes, irão nos moldes ali pactuados, do ponto de vista do procedimento. Estamos diante, de fato, de uma expressiva inovação. Há uma série de discussões a respeito, especial- mente nesse caso da estipulação de normas de natureza procedimental, antes do processo. Há quem diga que isso resvalaria para eventual nu- lidade, quando o pacto ocorrer no ambiente de contratos de adesão. Entretanto, os riscos de eventuais abusos nessa negociação anterior ao processo foram levados em conta pelo legislador. Diz a regra do parágrafo único do art. 190 que, de ofício ou a requerimento da parte prejudicada, o juiz controlará a validade das convenções previstas no art. 190, recusando-lhes aplicação quando houver nulida- de ou inserção abusiva na hipótese específica de contrato de adesão ou ainda naquelas situações em que a parte se encontre em manifesta situação de vulnerabilidade. Parece-me, portanto, que essa primeira crítica já está resolvida no próprio texto normativo e que o legislador, de algum modo, “cercou” os eventuais problemas que essa nova regra poderia trazer. Há outra crítica, de caráter ideológico, no sentido de que o art. 190, na verdade, estaria “privatizando” o procedimento3. Alguns, enfim, acabam envolvidos ideologicamente nessa discussão, imaginando que essa atividade privada das partes possa afetar o re- sultado do processo, o que não me parece correto. As partes podem, sim, pactuar regras de natureza procedimental e algumas delas podiam ser pactuadas mesmo antes do Código de 1973 como, por exemplo, a eleição de foro4, sem que se tivesse jamais cogitado desta espécie de problema. O Código possui uma série de regras que estão interligadas e que demandam uma interpretação ampla e sistemática para que se possa entendê-lo em toda sua extensão. O art. 200, por exemplo, é o primeiro que encabeça a sessão relativa aos atos das partes e que diz que aqueles consistentes em declarações unilaterais ou bilaterais de vontade produzem imediatamente a constituição, a modificação ou a extinção de direitos processuais, o que nos permite entender, conjugando a leitura desse dispositivo com a art. 190, que, a partir do início da vigência do CPC/15, de fato haverá um espaço amplo para o negócio processual. 3 5 Sobre o princípio da eficiência, cf. leonardo Carneiro da Cunha, A previsão do princípio da eficiência no projeto do Novo Código de Processo Civil Brasileiro, RePro, 233/65. 6 Acerca dos negócios processuais no novo CPC e do gerenciamento processual, v. huMBerto theodoro Junior, dierle nuneS, alexandre Melo FranCo Bahia e Flávio QuinauS Pedron, Novo CPC: fundamentos e sistematização, 2. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 257. 7 A respeito, cf.tereSa arruda alviM WaMBier, Maria lúCia linS ConCeição, leonardo FerreS da Silva riBeiroe rogerio liCaStro torreS de Mello, Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil: artigo por artigo. São Paulo: RT, 2015. 8 Há uma série de outros pontos que poderíamos discutir a respeito do negócio processual. Por exemplo: a possibilidade de acordo para ampliação do tempo de sustentação oral de um ou de outro, para a divisão do tempo de sustentação oral nos tribunais; a convenção sobre a prova, inclusive sobre a distribuição dinâmica do ônus da prova que as partes poderão pactuar; a renúncia ao prazo, prevista no art. 225; o acordo para suspensão do processo, previsto no inciso II do art. 313; a organização compartilhada (ou organização consensual do processo), prevista no art. 357, § 2.º; a possibilidade da escolha do arbitramento como técnica de liquidação, prevista no inciso I do art. 509. Existem ainda outros dispositivos cuja leitura é importante para que se possa entender todo o mecanis- mo engendrado pelo legislador em torno do negócio processual. Há, por exemplo, o art. 191, que dispõe que juiz e partes poderão fixar calendário para a prática dos atos processuais. Trata-se de uma regra com nítida inspiração na arbitragem. É um avanço sem tamanho, pois, na medida em que esse calendário seja fixado e respeitado pelas partes e pelo juiz, que aliás estará vinculado ao seu cumprimento, a razoável duração do processo estará previamente garan- tida. Conforme dispõe o § 1.º do art. 191, o calendário vincula as partes e o juiz, de modo que os prazos nele previstos somente podem ser modificados em casos excepcionais, quando devidamente justificado. E há um outro elemento cuja compreensão é funda- menta, e que decorre dessa possibilidade ampla de negócio processual. É o § 2.º do art. 191, que diz o seguinte: tendo havido o pacto, o negócio que fixou um calendário que passa a vincular partes e juiz, ficam dispensadas todas as intimações das partes para a prática de ato processual ou para a realização de audiências cujas datas tenham sido designadas no calendário. A eliminação de uma série de atos de comunicação no curso do procedimento, além de simplificar o trâmite do processo, certamente provocará sensível redução do custo público de manejo do processo. A desnecessidade de atendimento a prazos de- correntes de intimações significa, de alguma maneira, gerar para juiz e para partes mais conforto e menos pressão. Diminuindo a pressão, a qualidade aumenta. É intuitivo que, quanto menor a pressão, mais as partes, seus advogados e o juiz agirão com espontaneidade dentro do processo, visando ao alcance do seu efetivo resultado que é a declaração, em sentido amplo, do direito daqueles que estão litigando em juízo, daquele microrganismo social representado no processo pelas partes. São alterações extraordinariamente vantajosas. Há quem sustente, assim como também se tem dito em relação à regra do julgamento por ordem cronológica (art. 12), que o calendário atrapalhará a gestão do estoque de processos, pelo juiz. Parece-me que, assim como na ordem cronológica, desde que o juiz crie um novo método de gestão, levando em conta todas as alterações, ele poderá, sim, gerir com eficiência seu estoque de processos5, atendendo tanto à expectativa das partes, quanto à expectativa dos ór- gãos do tribunal, como a Corregedoria, e dos órgãos de controle administrativo e disciplinar, como o CNJ6. Trata-se de um grande avanço, que será muito útil para que o procedimento seja mais ágil e previsível. É interessante aqui que não se confundam os negócios processuais relativos ao objeto litigioso do processo, como por exemplo, reconhecimento da procedência do pedido, com negócios processuais que tem por objeto o próprio processo na sua estrutura, na sua dinâmica. É desta última modalidade que tratam os artigos 190, 191 e 2007. Esses dispositivos não dizem respeito à transação, por exemplo, quanto ao objeto do processo, mas do próprio processo e de suas condições de desenvolvimento ao longo do procedimento.8 Além disso, é preciso que se tenha em mente que há algumas garantias que são inegociáveis, a respeito das quais as partes não poderão pactuar, seja antes do processo, no contrato, seja ao longo dele. Não se podem estabelecer regras que eliminem, por exemplo, garan- tias constitucionais, mas se podem estabelecer altera- ções procedimentais, desde que não ofendam aquelas garantias. São situações absolutamente distintas. Esta inovação certamente é capaz de dar bom ren- dimento ao processo. Está inserida no contexto da ideia de cooperação, que permeia todo o Código, e que deve ser entendida como a necessidade de que haja esforço de todos os envolvidos na atividade processual para que resultado eficaz seja alcançado em tempo razoável. 4 COOPERAÇÃO NO NOVO CPC (PRIMEIRA PARTE): OS DEVERES DO JUIZ eduaRdo TaLamini Advogado inscrito na OAB/PR sob o nº 19.920, Livre-docente, doutor e mestre – USP, Professor – UFPR 1. Introdução Um dos traços marcantes do novo CPC é a ênfase nos princípios e garantias fundamentais do processo. Reafirmam-se e especificam-se vetores constitucionais. É nesse contexto que se insere a consagação do dever de cooperação. 2. Origens A origem da formulação teórica do dever de cooperação remonta ao direito civil. Trata-se do reconhecimento da existência, nas relações obriga- cionais, de deveres acessórios de conduta, impondo a cooperação entre as partes (deveres de informação, esclarecimento, prevenção, auxílio...). Como se vê a seguir, sua aplicação ao processo civil não deriva de um influxo do direito civil sobre o direito processual, mas, antes, da incidência dos mesmos valores funda- mentais em ambas as searas. Mesmo no processo civil a ideia de cooperação não é nova. É afirmada há décadas – ainda que com terminologias variáveis – por doutrina, jurisprudên- cia e legislação de países como Alemanha (berço da formulação), Itália, França... No Brasil, textos de Barbosa Moreira publicados há quase quarenta já tratavam do tema. Na primeira metade da década de 1990, o princípio já estava amplamente desen- volvido na doutrina brasileira. Portanto, e a rigor, já vigora no ordenamento atual. 3. Noção Mas em que consiste? Trata-se de reconhecer que – em que pesem as posições antagônicas, contrapostas, das partes; em que pese a distinção entre a posição do juiz (autoridade estatal) e das partes (jurisdicionados, sujeitos àquela autoridade) – todos os sujeitos do pro- cesso estão inseridos dentro de uma mesma relação jurídica (ou de um complexo de relações) e devem colaborar entre si para que essa relação, que é dinâ- mica, desenvolva-se razoavelmente até a meta para o qual ela é preordenada (a resposta jurisdicional final). 4. Fundamentos Os fundamentos constitucionais dessa imposição são a boa-fé (moralidade), o contraditório e a razoabi- lidade (inerente ao devido processo legal). Há quem critique a incidência do dever de coope- ração no processo civil. Impor-se às partes o dever de cooperar implicaria ignorar o litígio, a conflituosidade, a verdaderia guerra entre as partes. Dir-se-ia que “o processo não é um jardim florido em que as partes passeiam de mãos dadas”. Mas o princípio na cooperação não é uma descri- ção de como é o processo e sim uma prescrição de como ele deve ser. Trata-se de compatibilizar a ideia do processo como embate (salutar, na essência, mas cuja distor- ção conduz à ideia do “processo como jogo”) com as exigências constitucionais de boa-fé e razoabilidade. 5. A regra geral no CPC/15 O novo CPC explicita o princípio (além de for- mular diversas regras que são clara expressão dele): “Art. 6º. Todos os sujeitos do processo devem coope- rar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva.” 5 A norma impõe o dever de cooperaçãoentre to- dos os sujeitos do processo: não só do juiz perante as partes; não só das partes entre si. Neste primeiro breve texto, examinam-se os deve- res que o princípio da cooperação impõe ao juiz. Mas desde já se ressalva: as partes bembém submetem-se a deveres de cooperação – o que será objeto de um segundo texto. 6. O juiz e o dever de cooperação No que tange ao juiz, a cooperação desdobra- -se em quatro âmbitos: esclarecimento, diálogo, prevenção e auxílio. 6.1. Dever de esclarecimento Cumpre ao juiz esclarecer-se quanto às manifes- tações das partes: questioná-las quanto a obscuridades em suas petições; pedir que esclareçam ou especifi- quem requerimentos feitos em termos mais genéricos e assim por diante. Um exemplo de tal dever no CPC/73 tem-se no despacho de especificação de provas. A despeito da exigência de que as provas sejam requeridas já na inicial e na contestação e da inexistência de previsão legal desse despacho, assentou-se o reconhecimento do dever do juiz, antes de sanear o processo, dar às partes tal oportunidade de esclarecimento. No novo CPC, um dos vários exemplos é extraível do art. 357, § 3º (“Se a causa apresentar complexi- dade em matéria de fato ou de direito, deverá o juiz designar audiência para que o saneamento seja feito em cooperação com as partes, oportunidade em que o juiz, se for o caso, convidará as partes a integrar ou esclarecer suas alegações”). O dever de esclarecimento apresenta ainda uma segunda dimensão, nem sempre considerada sob essa perspectiva: o juiz deve não só buscar a clareza das partes, mas ser, ele mesmo, claro. É nesse contexto, de cooperação, que se compreende melhor o extremo detalhamento que o CPC/15 estabelece para o dever de fundamentação das decisões do juiz (art. 489, §§ 1º e 2º). 6.2. Dever de diálogo (ou de consulta) Impõe-se ainda reconhcer o contraditório não apenas como garantia de embate entre as partes, mas também como dever de debate do juiz com as partes. O CPC francês de 1975 vale-se de feliz fórmula para expressar essa exigência: o juiz deve “ele mesmo” observar o contraditório. Não se admite que o juiz surpreenda as partes com decisões tomadas de oficio. O dever de coopera- ção não tolhe o poder judicial de instrução e cognição ex officio. Enquadram-se nesse âmbito o conheci- mento da falta de pressupostos de admissibilidade da tutela jurisdicional e das nulidades processuais absolutas, os enquadramentos jurídicos diversos dos aventados pelas partes [juria novit curiam], objeções materiais etc. Inserem-se também aqui a inversão do ônus da prova e a produção de provas de ofício. Em todos esses casos, em vez de decidir diretamente, o juiz deve antes dar a oportunidade para as partes se manifestarem. Nos termos do art. 9º do CPC/15: “Não se proferirá decisão contra uma das partes sem que ela seja previamente ouvida”. E o art. 10 é ainda mais explícito quanto ao dever de diálogo: “O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício.” Estaria o juiz afetando sua imparcialidade, por estar adiantando aquilo que pretende decidir em seguida? Não, pelo contrário: ao permitir o debate, está refor- çando sua imparcialidade. Mesmo porque, depois de ouvir as partes, pode vir a mudar sua inicial impressão. A segunda crítica que se costuma a fazer ao dever de diálgo é também impertinente: ele não inviabiliza o curso do processo em prazo razoável. Primeiro, porque em muitos casos ganha-se tempo (evitando-se recursos, mediante decisões mais acertadas). Depois, mesmo que se perca tempo em outros tantos casos, é o preço que se paga por um processo com um contra- ditório substancialmente mais qualificado. 6.3. Dever de prevenção O juiz deve ainda advertir as partes sobre os riscos e deficiências das manifestações e estratégias por elas adotadas, conclamando-as a corrigir os defeitos sempre que possível. Tome-se como exemplo o art. 321 do novo CPC: “O juiz, ao verificar que a petição inicial não preenche os requisitos dos arts. 319 e 320 ou que apre- senta defeitos e irregularidades capazes de dificultar o julgamento de mérito, determinará que o autor, no prazo de 15 (quinze) dias, a emende ou a complete, indicando com precisão o que deve ser corrigido ou completado.” 6.4. Dever de auxílio Além disso, o juiz deve ajudar as partes, elimi- continua na página 6 6 andRé Luiz bäumL TesseR Advogado inscrito na OAB/PR sob o nº 29.148 Mestre em Direito pela UFPR Doutorando em Direito pela UFPR Professor universitário de Graduação e de Pós-Graduação A tutela cautelar e a antecipação de tutela estão tratadas no novo Código de Processo Civil brasileiro especialmente nos artigos 294 a 310, topograficamente inseridos no Livro V, da Parte ALGUMAS LINHAS SOBRE AS DIFERENÇAS ENTRE A TUTELA CAUTELAR E A ANTECIPAÇÃO DE TUTELA NO CPC/2015 Geral, denominado “Tutela Provisória”. Nesse parti- cular, portanto, veja-se quer o novo Código dá novo tratamento à temática dos chamados “provimentos de urgência”, topograficamente situando a tutela cautelar e a antecipação de tutela em um mesmo Livro. Tal po- sicionamento é bem diverso daquele que a legislação codificada de 1973 adota, mesmo após suas reformas. Isso porque, no CPC/1973, a tutela cautelar é vista como tertium genius de atividade jurisdicional, e, por isso é disciplinada em Livro próprio (Livro III – Do nando obstáculos que lhes dificultem ou impeçam o exercícios das faculdades processuais. Esse é o dever mais discutível, no plano da cooperação. O auxílio legítimo já não estaria con- substanciado nos demais deveres, antes mencio- nados? O auxílio direto não deveria ser propiciado por outros sujeitos processuais (ministério público, defensor público...)? Mas existe um campo específico de incidência do dever de auxílio, que nada tem a ver com assistência material a necessitados. Trata-se de uma intervenção técnica destinada a eliminar óbices ao exercício das garantias processuais (que podem pôr-se até contra litigantes de boa situação econômica). Pense-se na distribuição dinâmica do ônus da prova (art. 373, § 1º: “Nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos termos do caput ou à maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário, poderá o juiz atribuir o ônus da prova de modo diverso, desde que o faça por decisão fundamentada, caso em que deverá dar à parte a oportu- nidade de se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído”) Considere-se ainda o poder de flexibilização procedimental, para a inversão da ordem das provas (art. 139, VI), ou ainda a ampliação de prazos, quando houver dificuldade para o cumprimento do prazo posto na lei por exemplo (art. 139, VI, e art. 437, § 2º). 7 Processo Cautelar), enquanto a antecipação de tute- la, enquanto técnica genérica, é disciplinada no Livro I, do Código (Processo de Conhecimento), especial- mente nos artigos 273 e 461, § 3º. Em verdade, a nova legislação aponta que a “tutela provisória” pode ser fundada com base na urgência ou na evidência. Insere ainda as medidas urgentes ora mencionadas como espécies do gênero tutelas provisórias de urgência. É o que se depreen- de do seu artigo 294, que determina que: “A tutela provisória pode fundamentar-se em urgência ou evi- dência. Parágrafo único. A tutela provisória de ur- gência, cautelar ou antecipada, pode ser concedida em caráter antecedente ou incidental”. Mais especificamente, aliás, no Título I, do ci- tado Livro, denominada “Tutela de Urgência”. Em uma leitura sistemática, é possível dizer que a nova legislação adotasob o signo tutela de urgência, o que considerou como tutela provisória que tem por fundamento a existência de um perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo. Tal definição parece emergir de uma leitura a contrario sensu do artigo 311, do novo Código, que, ao estabelecer a chamada Tutela da Evidência a diferenciou da tute- la de urgência justamente porque independe da de- monstração das citadas situações de perigo. Portanto, tutela cautelar e antecipação de tute- la, para o novo Código de Processo Civil brasileiro podem ser definidas como tutelas provisórias de ur- gência. Ou seja, tutelas jurisdicionais que não têm o condão de serem definitivas e que são concedidas com fundamento (e em razão de) um perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo. Sobre a temática objeto desse ensaio, naturalmente há várias questões a serem discutidas. Todavia, opta-se por abordar duas perspectivas gerais importantes. A primeira diz respeito à inexistência de dis- tinção quanto aos requisitos gerais positivos para a concessão das medidas. O caput do artigo 300 do novo Código de Processo Civil especialmente dispõe que: “A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a proba- bilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo”. Assim, depreende-se de uma leitura simples do ci- tado dispositivo legal que os pressupostos que precisam estar presentes para a concessão da tutela de urgência, seja ela de natureza antecipada ou cautelar, são os mes- mos, quais sejam: a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo1. A outra perspectiva é a adoção de procedimentos diversos para cada uma daquelas espécies de tutela de urgência apontadas no novo Código de Proces- so Civil, especialmente quando forem requeridas de forma antecedente, ou seja, na dimensão da nova le- gislação, antes de ajuizada ação que busca a tutela jurisdicional definitiva. O pedido de tutela antecipada antecedente impõe ao autor, quando a medida for concedida, o ônus de aditar a petição inicial, com a complementação da sua argumentação, a juntada de novos documentos e a confirmação do pedido de tutela final, em quinze dias, ou em outro prazo maior que o juiz fixar (artigo 303, § 1º, inciso I), sendo que, o não antendimento a essa regra implica a extinção do processo sem reso- luçao do mérito (artigo 303, § 3º). Ainda, a tutela antecipada requerida em caráter antecedente pode tornar-se estável, se da decisão que a concede não for interposto o respectivo recurso (artigo 304, caput), salientando-se que o recurso ca- bível contra tal decisão é o agravo de instrumento, na forma do artigo 1.015, inciso I, da nova legislação. Assim, e porque o artigo 304, § 1º, determina que, no caso de estabilização da tutela antecipada, o processo será extinto, caso não haja a interposição de recurso contra a decisão que conceder a tutela ante- cipada em caráter antecedente, o autor não precisará aditar a petição inicial, com a complementação de sua argumentação, na forma do artigo 303, § 1º, inciso I. No caso da tutela antecipada antecedente, o réu será citado e intimado para a audiência de concilia- ção ou de mediação na forma do art. 334, sendo que, 1 Isso porque é possível apontar, no plano legislativo, ao menos uma distinção quanto a um requisito negativo para concessão das medidas. O novo Código de Processo Civil, no § 3º, do artigo 300, determina que “A tutela de urgência, de natureza antecipada, não será concedida quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão”. Assim, é de se dizer que o perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão é requisito negativo para a concessão da tutela de urgência de natureza antecipada, permitindo uma interpretação a contrario sensu de que tal pressuposto não se aplica à tutela de urgência de natureza cautelar. A ausência da distinção no que tange aos requisitos positivos para concessão da tutela cautelar e da antecipação de tutela é reforçada novo Código de Processo Civil em seus artigos 303 (que trata da tutela antecipada requerida em caráter antecedente) e 305 (que trata da tutela cautelar requerida em caráter antecedente). continua na página 8 8 issn 2175-1056 diagramação: Ctrl S Comunicação www.ctrlscomunicacao.com.br Coordenação acadêmica: Estêvão Lourenço Corrêa Advogado inscrito na OAB/PR sob nº. 35.082 oab Paraná – Rua Brasilino Moura, 253 – 80.540-340 Telefone: 3250-5700 | www.oabpr.org.br expediente: se não houver autocomposição, o prazo para contes- tação será contado na forma do art. 335, como esta- belece o artigo 303, § 1º, inciso II. Por outro lado, no caso de pedido de tutela cau- telar antecedente, a efetivação da medida concedida imporá ao autor o ônus de formular o pedido inicial no prazo de 30 (trinta) dias, que será apresentado nos próprios autos da medida cautelar, independentemen- te de adiantamento de novas custas processuais (ar- tigo 305, caput). Caso o autor não formule o pedido principal no prazo assinalado, a medida cautelar per- derá sua eficácia, na forma do artigo 309, inciso I2. De se destacar, portanto que, o novo Código de Processo Civil não previu a estabilização da tutela cautelar concedida em caráter antecedente, como fez com a tutela antecipada de igual natureza temporal. No procedimento da tutela cautelar antecedente, a nova legislação prevê que o réu será citado para, no prazo de cinco dias, contestar o pedido e indicar as provas que pretende produzir (artigo 306). Dessa simples análise, parece que a nova legislação padece do mal da bipolaridade. Ao mesmo tempo em que indica não haver necessidade de estabelecimento da diferença entre a tutela cautelar e a tutela antecipada, no que tange aos seus requisitos positivos de concessão, ressalta ser muito importante a distinção entre aquilo que considerou espécies do gênero tutela provisória de ur- gência, especialmente a partir da possibilidade ou não de estabilização dos efeitos da medida concedida e, tam- bém, com a adoção de procedimentos diferenciados. A título conclusivo, e a partir da análise da dis- tinção entre tutela cautelar e tutela antecipada no novo Código de Processo Civil, é possível apontar as seguintes considerações: (i) a nova legislação re- afirma a ideia mais antiga de que a distinção entre as medidas se dá a partir do resultado com ela obtido para o direito material, posto que a tutela cautelar conservará o direito material somente, ao passo que a tutela antecipada o realizará plenamente; (ii) em razão disso, a tutela cautelar e a tutela antecipada são apresentadas como espécies do gênero tutela provisória de urgência; (iii) tal concepção levou à ausência de distinção de requisitos positivos para a concessão de cada uma das medidas, sem a criterio- sa diferenciação, inclusive, das diversas situações de perigo possíveis de condicionar medidas urgentes. Assim, a nova sistemática dos provimentos de urgência deverá ser tratada com cuidado, especial- mente pelos magistrados quando de sua eventual concessão, uma vez que a definição da natureza da medida a ser concedida repercutirá de forma inegá- vel tanto no plano material (com a possibilidade ou não de sua estabilização) quanto no plano processual (com a adoção de procedimentos diferentes). 2 Também são razões para a cessação da eficácia da tutela cautelar concedida em caráter antecedente a não efetivação da medida em 30 (trinta) dias (artigo 309, inciso II) e o julgamento de improcedência do pedido principal formulado ou a extinção do processo sem resolução de mérito (artigo 309, inciso III). Em todos os casos de cessação da eficácia da tutela cautelar tratados no artigo 309, da nova legislação, fica vedada a propositura a renovação do pedido, salvo por novo fundamento (artigo307, Parágrafo Único).
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