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15 tomas não estaria fora do controle do paciente, pois seu estado de humor e seu comportamen- to seriam conseqüência de uma visão distorcida de si, dos outros e do mundo. O tratamento consistiria na modificação desses pensamentos disfuncionais. Princípios básicos Algumas características básicas diferenciam a terapia cognitiva de outras abordagens. Judith Beck (1997) afirma que a TC é uma abordagem: • Ativa, pois paciente e terapeuta estão constantemente agindo cooperativamen- te para solucionar os problemas, de modo a permitir que o próprio paciente aprenda a identificar e a modificar seus pensamentos; • Diretiva, pois é dirigida aos problemas apresentados no aqui e agora, trabalhan- A terapia cognitiva (TC) é um método psicoterapêutico fundamentado no modelo cogniti- vo, segundo o qual a emoção e o comportamento são influenciados pela forma como o indiví- duo interpreta os acontecimentos. Neste capítulo, são apresentados os conceitos básicos da TC, o processo terapêutico, com uma descrição de caso como exemplo, algumas das aplicações clínicas e recursos terapêuticos, além de técnicas cognitivas e comportamentais. Por fim, é discutida a efetividade e são feitas algumas considerações sobre seu futuro. Embora o elemento central na compreen- são dos problemas do indivíduo seja a cognição, a TC reconhece a interação recíproca entre pensamentos, estados de humor, comportamen- to, reações físicas e o ambiente (Greenberger; Padesky, 1999). A TC foi desenvolvida por Aaron Beck no início da década de 1960. Buscando uma base empírica para a teoria da melancolia de Freud, ele atendeu pacientes com depressão, nos quais chamou a sua atenção as características negati- vas do pensamento depressivo. Aos poucos, foi estruturando um modelo cognitivo da depres- são (Beck, 1967) que resultou no livro Terapia Cognitiva da Depressão (Beck et al., 1997). Neste livro, ele e seus colaboradores propuseram que, independentemente das suas causas, a depres- são poderia ser concebida como uma pertur- bação no pensamento consciente, isto é, os seus sintomas seriam decorrentes de um processa- mento cognitivo tipicamente pessimista. Sen- do de natureza consciente, a ocorrência dos sin- Terapia cognitiva Bernard Rangé Conceição Reis de Sousa Paula Realce Paula Realce Paula Realce 264 Cordioli e cols. do pensamentos, sentimentos e compor- tamentos atuais do cliente e usando os dados da história passada apenas quan- do contribuem para uma maior e me- lhor compreensão de suas crenças; • Psicoeducativa, pois o terapeuta ensina ao paciente o modelo cognitivo, a natu- reza do(s) seu(s) problema(s), o processo terapêutico e a prevenção de recaída; • Estruturada, pois a terapia estabelece uma seqüência de sessões previamente estabelecida; • Breve, pois, de uma forma geral, entre a 16a e a 20a sessões já há visível melhora dos transtornos do Eixo I. O número de sessões necessárias para o tratamento completo varia em função do tipo, da gravidade e da quantidade de proble- mas; das características do paciente e da experiência do terapeuta. Sabe-se que os casos de transtornos do Eixo II (trans- tornos da personalidade) exigem um número maior de sessões; • Que utiliza tarefas de casa como ativida- de integrada ao processo terapêutico. Elas consistem na realização de exercí- cios e experimentos entre as sessões, com o objetivo de aumentar a efetividade e a generalização dos efeitos da terapia; • Que utiliza técnicas cognitivas e/ou comportamentais para a modificação das crenças do paciente. ELEMENTOS BÁSICOS DE UMA SESSÃO DE TERAPIA COGNITIVA • Breve atualização (incluindo avaliação do hu- mor e uma verificação do uso da medicação, quando aplicável). • Ponte com a sessão anterior. • Estabelecimento da agenda. • Revisão da tarefa de casa. • Discussão do(s) tópico(s) estabelecido(s) na agenda. • Indicação de nova tarefa de casa. • Resumo da sessão e feedback (Beck, 1997). Principais conceitos A noção de que são as interpretações – e não os fatos em si – que trazem sofrimento ao indivíduo é central para compreender a psico- patologia. A forma como os eventos são perce- bidos é expressa por meio dos pensamentos automáticos (PA), os quais são pensamentos que coexistem com o fluxo de pensamentos mais conscientes. Os PAs são avaliações espontâne- as, geralmente não muito conscientes, que po- dem ser mais ou menos correspondentes com a realidade. A origem desses PAs, disfuncionais ou não, são as crenças centrais ou nucleares, que são crenças muito arraigadas, precoces, supergene- ralizadas e absolutistas em relação a si, aos ou- tros e ao mundo (Beck, 1997). Elas represen- tam o nível mais profundo do processamento cognitivo e são desenvolvidas a partir da infân- cia, como uma tentativa de organização dos dados provenientes do mundo externo e inter- no. Essas crenças, quando desenvolvidas a par- tir de experiências favoráveis, permitem o surgimento de conceitos positivos de si, como: “eu sou atraente” ou “eu sou competente”; caso contrário, surgem crenças negativas como: “eu sou indesejável” ou “eu sou inadequado”. Beck (2007) propôs o agrupamento das crenças cen- trais em três categorias, conforme Tabela 15.1. A partir das crenças centrais desenvolvem- se outros grupo de crenças, denominadas cren- ças intermediárias ou condicionais, que incluem, além de crenças, regras e atitudes. As crenças intermediárias freqüentemente são expressas na forma de “se...então...” e revelam estratégias compensatórias por meio das quais a pessoa imagina que suas crenças mais negativas não se manifestarão ou não serão descobertas (Beck, 2007). As regras são estruturadas de forma am- pla, como: “tenho que fazer tudo certo” ou “não devo confiar nas pessoas”. A compreensão desse grupo de crenças per- mite que o terapeuta entenda melhor o empre- go de certas estratégias comportamentais (me- canismos que visam a ocultar ou a compensar crenças negativas) do cliente. As estratégias Paula Realce Paula Realce Paula Realce Paula Realce Paula Realce Paula Realce Paula Realce Psicoterapias 265 comportamentais são desenvolvidas desde a infância e podem continuar a ser usadas na vida adulta sem que a pessoa reconheça seu uso disfuncional. Ao longo da vida, apesar de evidências con- trárias às crenças disfuncionais, elas podem mesmo assim ser mantidas pelas distorções cognitivas que filtram os dados da realidade, selecionando apenas aqueles que confirmam a crença disfuncional. Processo terapêutico A eficácia da terapia depende do estabele- cimento de um plano claro de tratamento, que deve incluir os seguintes tópicos: (1) conceitua- lização do problema; (2) educação do paciente sobre o modelo cognitivo; (3) desenvolvimen- to de uma relação colaboradora; (4) fortaleci- mento da motivação para o tratamento; (5) es- tabelecimento de metas; (6) realização de vá- rias intervenções cognitivas e comportamentais; e (7) esforços para prevenção de recaídas. EXEMPLO CLÍNICO R., 38 anos, casada, três filhos (18, 15 e 12 anos), secretária, veio procurar psicoterapia por indica- ção do psiquiatra com quem fazia tratamento há um mês, sem obter melhora dos sintomas. Considerações sobre o exemplo clínico 1. Processo terapêutico: inicia-se com a elabo- ração da conceitualização cognitiva: consiste em uma explicação lógica sobre o surgimento e a manu- tenção do problema do paciente, que começa a ser desenvolvida na primeira entrevista e vai sen- do aprimorada ao longo das demais sessões. Beck (1997) considera que esse processo pode ser ori- entado pelas seguintes perguntas: • Qual o diagnóstico do paciente? A paciente apresentava transtorno depres- sivo maior. • Quais são seus problemas atuais, como esses problemas se desenvolveram e como eles são mantidos? A paciente queixava-se de faltade energia para realizar as tarefas diárias, crises de choro, redu- ção na capacidade de se concentrar, dores mus- culares por todo o corpo, falta de ar, palpitações e insônia. Os sintomas já estavam presentes há cerca de dois meses, desde que ela soube que o filho de 16 anos havia se envolvido com drogas. • Que pensamentos e crenças disfuncio- nais estão associados aos problemas; quais reações (emocionais, fisiológicas e comportamentais) estão associadas ao seu pensamento? TTabela 1abela 15.5.1 Categorias das crenças centrais1 Categorias das crenças centrais Crenças centrais Temas Exemplos Desamparo Não ser amado Não ter valor Crenças relativas à questão da avalia- ção da própria competência Crenças envolvendo a preocupação em ser amado e aceito pelos outros Crenças que envolvem avaliação mo- ral de si mesmo “Sou fraco”, “sou inadequado”, “não sou suficientemente competente” “Não sou bom o suficiente para ser ama- do”, “serei abandonado”, “sou indese- jável” “Não tenho valor”, “sou um lixo”, “sou mau” Paula Realce 266 Cordioli e cols. Ela apresentava pensamentos automáticos do tipo: “eu não mereço ser feliz”; “nada vai dar cer- to”; “perdi o controle”. Seus pensamentos eram acompanhados de reações emocionais, como in- tensa tristeza e ansiedade, e comportamentais, como evitar o contato com outras pessoas ou fi- car deitada na cama quase que o dia inteiro. • Que aprendizagens e experiências anti- gas (e talvez predisposições genéticas) contribuem para seu problema hoje? Desde a infância de R., a mãe exigia que ela assumisse muitas tarefas sem dar oportuni- dade para atividades prazerosas. Os pais eram pouco afetuosos com ela e a mãe era muito pre- ocupada com a avaliação dos outros. • Quais são suas crenças subjacentes (in- cluindo atitudes, expectativas e regras) e pensamentos? Crença central: “não sou amada; não mere- ço ser feliz”. Crenças intermediárias: – Atitude: É terrível não ser amada. – Suposições condicionais: QQuadro 15.1 Distorções cognitivas Pensamento tudo ou nada: é a tendência a interpretar todas as experiências em termos de categorias opostas e polarizadas (preto/branco, tudo/nada, sempre/nunca, perfeição/fracasso, absoluta segurança/perigo). Por exem- plo, “um sinal imprevisto em meu corpo significa perigo iminente” ou “se eu não me sair sempre bem (no traba- lho, etc.), isso significa que sou um fracasso”. Filtro mental: é a tendência a focalizar apenas um detalhe retirado de um contexto, ignorando outros aspectos também importantes, e conceber a totalidade da experiência com base no fragmento. Por exemplo, “sou impoten- te” (após uma falha erétil). Pular para conclusões: é a tendência a chegar a uma conclusão (ou regra) na ausência de provas suficientes ou por meio de raciocínio lógico falho. Por exemplo, “não sou atraente para as mulheres”(depois de algumas tentati- vas de aproximação infrutíferas). Hipergeneralização: é a tendência a ver um evento negativo único como parte de um padrão interminável de perigos ou sofrimentos. Por exemplo, “se eu senti medo aqui, vou sentir sempre de novo” ou “tudo sempre dá errado para mim” (depois de bater como o carro). Desqualificação do positivo: é a tendência a rejeitar experiências ou fatos positivos por insistir que “não con- tam”, por qualquer motivo. Por exemplo, “sou burra e doente” (mesmo tendo passado em dois vestibulares). Adivinhação: é a tendência a antecipar que “as coisas vão dar errado” de qualquer maneira, sem base para essa afirmação. Por exemplo, “eu sei que vou ser rejeitada”. Raciocínio emocional: é a tendência a tomar as próprias emoções como provas de uma “verdade”. Por exemplo, “se sinto pânico aqui é porque essa situação é muito perigosa”. Rotulação: é a tendência a descrever erros ou medos como características estáveis do comportamento, como rótulos pessoais. Por exemplo, “eu sou um fracasso”, em vez de “falhei nisso”. Tirania dos “deveria”: é a tendência a dirigir a própria vida em termos de “deveria” e “não deveria”, por avalia- ções de “certo” e “errado”. Por exemplo, “eu deveria estudar mais” ou “eu não deveria ter dito o que disse para o fulano”. Personalização: é a tendência a se ver como causador de fatos ruins, sem o ser de fato. Por exemplo, “se algo acontecer ao meu casamento, a culpa será só minha”. Leitura mental: é a tendência a antecipar negativamente, sem provas, o que as pessoas vão pensar sobre você. Por exemplo, “se entrar em pânico aqui todos vão pensar que sou doente”. Catastrofização: é a tendência a exagerar a probabilidade ou a magnitude dos efeitos de uma situação. Por exem- plo, “meu filho deve ter sido sequestrado” (ao ver que o filho de 20 anos não está na cama às quatro da madruga- da) ou “o avião vai cair” (após alguma turbulência). Psicoterapias 267 Positivas: “se fizer o que os outros que- rem, então as pessoas irão gostar de mim e serei feliz”. Negativas: “se contrariar as pessoas, en- tão serei rejeitada e serei infeliz”. – Regras: “devo evitar conflitos com os outros”; “devo resolver tudo sozinha”. • Como a paciente enfrenta suas crenças disfuncionais? Que mecanismos cogni- tivos, afetivos e comportamentais, posi- tivos e negativos, desenvolveu para en- frentar suas crenças disfuncionais? Como ela via (e vê) a si mesma, os outros, seu mundo pessoal e seu futuro? R. evitava expor suas idéias e necessidades. Não se opunha a qualquer pedido, mesmo que fosse desagradável; entretanto, sentia-se inca- paz de solicitar favores. • Que estressores contribuíram para seus problemas psicológicos ou interferiram em sua habilidade para resolver esses problemas? O envolvimento do filho com drogas parece ter ativado a crença “eu não mereço ser feliz”. 2. Educação do paciente: a relação terapêuti- ca também se caracteriza por um aspecto pe- dagógico. O paciente é ensinado a identificar, manejar e modificar seus pensamentos e com- portamentos com o objetivo de tornar-se seu próprio terapeuta ao final da terapia. A paciente recebeu explicações sobre o mo- delo cognitivo e seu problema específico (depres- são). Foram discutidos também o surgimento dos sintomas de ansiedade e o manejo de ansiedade. 3. Relação colaboradora: a adesão ao proces- so terapêutico manifesta-se pelo estabelecimen- to de uma relação colaboradora entre terapeuta e paciente. O trabalho conjunto envolve uma avaliação da validade das cognições e da fun- cionalidade do comportamento. Inicialmente, o terapeuta é muito ativo e gradativamente trans- fere ao paciente a responsabilidade pelo anda- mento do processo terapêutico. O paciente é incentivado, desde o início, a utilizar os recur- sos aprendidos na terapia em seu cotidiano. Nesse caso, por exemplo, inicialmente o pla- nejamento de atividades diárias foi feito durante as sessões e, gradativamente, a paciente assu- miu a responsabilidade dessa tarefa. 4. Motivação do paciente: é necessário que o paciente se sinta motivado para aderir às técni- cas terapêuticas. R. inicialmente considerava di- fícil a realização de pequenas tarefas, como, por exemplo, fazer uma caminhada. É importante também discutir as expectativas do paciente em relação à terapia. Essa paciente esperava que os sintomas desaparecessem sem qualquer tipo de trabalho ativo de sua parte. 5. Formulação do problema: esta é uma eta- pa fundamental no processo terapêutico, pois a conceitualização cognitiva permite compre- ender o funcionamento do paciente e fazer um planejamento das intervenções terapêuticas. O preenchimento do diagrama de conceituação cognitiva permite relacionar emoções, compor- tamentos, pensamentos automáticos e crenças intermediárias e centrais. Os pais de R. tiveram diversas dificuldades financeiras e desde cedo ela e os irmãos foram privados de vários pequenos confortos, sendo que a paciente considerava que havia passado por maiores privações. O paiera autoritário e a mãe se submetia a ele para evitar conflitos. R. cresceu achando que a mãe dava maior importância aos desejos do marido do que a ela. A mãe era muito exigente e dificilmente expressava afeto por ela. R. desenvolveu crenças centrais disfuncionais como: “eu não sou amada”, “eu não mereço ser feliz”, “os outros são insensíveis às minhas ne- cessidades” e o “o mundo é um lugar cheio de dificuldades”. Para lidar com essas crenças, de- senvolveu crenças condicionais como “se fizer tudo o que os outros querem, posso conseguir ser feliz” e regras como “devo evitar conflitos”. Ao longo da vida, procurou corresponder às expectativas dos pais e, depois, do marido e dos filhos, mas nunca se sentiu estimada. Aos 19 anos, engravidou acidentalmente e foi muito criticada e pressionada por seus pais a se casar. Após o casamento, o marido passou a fazer uso abusivo de álcool e tornou-se verbal- 268 Cordioli e cols. mente agressivo com ela. Ele sentia muito ciú- me e exigia que ela se afastasse das amigas. Ten- tou se separar e os pais e os irmãos não a apoia- ram. O comportamento do marido era visto pela paciente como prova de seu descaso com ela e mais uma prova de que não poderia ser feliz. Quando o filho se envolveu com drogas, o marido a acusou de ter errado na educação dos TTabela 1abela 15.2 Diagrama de conceituação cognitiva de R.5.2 Diagrama de conceituação cognitiva de R. Dados relevantes da infância: Pais exigentes e pouco afetuosos A família passou por dificuldades financeiras Crenças centrais: “Não mereço ser feliz” “Ninguém se importa comigo” “Não sou amada” Crenças condicionais: Positivas: “se fizer o que os outros querem, as pessoas irão se importar comigo e serei feliz” Negativas: “se contrariar as pessoas, então serei deixada de lado e serei infeliz” Estratégias comportamentais: Evitar conflitos Tentar resolver problemas sem pedir ajuda Isolar-se Situação 1 Situação 2 Situação 3 Discutindo com o filho sobre Adoeceu e precisou da ajuda da mãe Discutindo com o marido embriagado o problema de drogas ou das irmãs e ninguém veio se oferecer para ajudar Pensamentos automáticos Pensamentos automáticos Pensamentos automáticos “Devo ter errado na educação “Ninguém se importa com minhas “Estou cheia dele, mas não posso para ele agir assim” necessidades” ir embora” Significado Significado Significado “Não mereço ser feliz” “Não mereço ser feliz” “Vou ter que ficar nessa situação para sempre: não mereço ser feliz” Emoção Emoção Emoção Tristeza Raiva Desânimo Comportamento Comportamento Comportamento Isolar-se em seu quarto Fazer um enorme esforço para Calar-se para evitar que a discussão se cuidar sozinha continuasse Psicoterapias 269 filhos e ela assumiu a acusação como um fato e não uma interpretação dos fatos. Esse evento veio confirmar para ela que não merecia mes- mo ser feliz. Passou a apresentar sintomas de ansiedade, como falta de ar e palpitações, que eram interpretados como mais uma infelicida- de a ser vivida. Nesta época, adoeceu e não re- cebeu ajuda da mãe ou das irmãs, o que nova- mente foi interpretado como um sinal de que não era estimada por ninguém. As limitações provocadas pela doença foram interpretadas como nova ameaça, o que intensificou os sinto- mas de ansiedade. 6. As metas do tratamento foram: • Planejar e realizar atividades agradáveis • Aprender a manejar a ansiedade para re- duzir o desconforto físico • Promover a reestruturação cognitiva de pensamentos negativos • Questionar crenças disfuncionais • Desenvolver sua assertividade • Estimular mudanças existenciais 7. As intervenções realizadas foram: • Inicialmente, foi realizado o planejamen- to de atividades, pois o nível de concen- tração de R. era muito baixo para se en- volver na aprendizagem de reestrutu- ração cognitiva. O aumento de ativida- des agradáveis e do senso de competên- cia melhorou seu estado de humor. • Para o manejo da ansiedade foram feitas diversas intervenções: (a) no nível cogni- tivo, foram fornecidas explicações sobre a fisiologia da ansiedade, enfatizando a relação entre pensamentos, as avaliações de perigos e o surgimento dos sintomas de ansiedade; (b) foi feito um questiona- mento socrático de pensamentos ansio- gênicos como “vou perder meu filho”; e (c) no nível fisiológico, foi realizado o treino de relaxamento muscular e respi- ratório. • Uma vez que houve uma redução dos sin- tomas depressivos e da ansiedade, iniciou- se o trabalho de identificação e modifica- ção de crenças centrais disfuncionais. A técnica da seta descendente foi emprega- da para se ter acesso à crença nuclear. Na etapa seguinte, a paciente foi orientada sobre as crenças centrais, destacando a noção de que essas crenças são idéias, e não verdades absolutas. A paciente também foi ensinada a buscar evidências que apontassem se suas cren- ças eram ou não 100% verdadeiras. Depois, a paciente foi orientada a construir crenças alter- nativas menos absolutas e negativas. Para lidar com a crença de que os outros eram insensíveis às suas necessidades, foi discutido e feito um treino de assertividade, por meio do qual ela aprendeu a recusar pedidos e a expressar dese- jos e idéias contrárias às de terceiros. Existem diversas formas por meio das quais o terapeuta pode ajudar o paciente a reconhe- cer suas crenças disfuncionais e modificá-las. Beck (2007) ressalta a importância de educar o paciente sobre a forma como processa as infor- mações e como isso contribui para a manuten- ção ou modificação de suas crenças nucleares. Apesar da diversidade de estratégias para tra- balhar essas crenças, é preciso considerar que essa é uma etapa particularmente difícil e que exige um esforço contínuo do paciente e do terapeuta. Na fase final da terapia, a freqüência das sessões é gradualmente reduzida. Nesse mo- mento, é importante discutir pontos como a res- ponsabilidade do paciente por seus progressos e as possíveis oscilações do estado de humor no futuro, bem como fazer uma revisão de téc- nicas que devem ser constantemente utilizadas em eventuais recaídas. A alta em terapia cognitiva é dada quando o paciente se mostra capaz de utilizar os recur- sos adquiridos na terapia para solucionar pro- blemas cotidianos e quando está apto a identi- ficar seus pensamentos e crenças disfuncionais e substituí-los por outros mais realistas. Aplicações clínicas • Depressão: a depressão, de acordo com o modelo cognitivo, é produzida por um padrão negativista de avaliar a si próprio, o mundo e o 270 Cordioli e cols. futuro, denominado por Beck e colaboradores (1979) como tríade cognitiva. O indivíduo consi- dera-se inadequado, fracassado, inferior, sem valor ou importância, se critica e se culpa por seus defeitos e erros e acredita que não tem como mudar aquilo que o deixa insatisfeito e alcançar um bem-estar. Ao mesmo tempo, ele tende a avaliar de forma negativa suas relações e os acon- tecimentos cotidianos, interpretando o mundo como pouco gratificante, frustrante e exigente. As expectativas em relação ao futuro também são negativas, pois o indivíduo antecipa dificul- dades e sofrimentos intermináveis e considera- se incapaz de lidar com os possíveis problemas. Esse padrão negativista está presente nos pensamentos automáticos do depressivo ainda que existam evidências que apontem no senti- do contrário, pois os dados da realidade são interpretados por meio das distorções cognitivas (ver Quadro 15.2). Ele tende a fazer interpreta- ções dos fatos em termos globais, absolutistas, invariantes e irreversíveis; ou seja, avalia um erro como um fracasso total, absoluto e imutá- vel. Isso ocorre quando o indivíduo avalia que há perdas reais ou simbólicas em seu domínio pessoal, afetivo, profissional, familiar, etc. Os pensamentos automáticos são gerados poresquemas e modos depressogênicos. Esses esquemas correspondem a um certo padrão de processamento cognitivo negativo estável, ou seja, uma forma sistematicamente pessimista de selecionar ou excluir dados de cada situação, relacionar com experiências passadas, ordenar e dar um sentido a esses dados. Um modo corresponde à constante ativa- ção de um mesmo esquema para diversas situa- ções. Na depressão, o modo ativado é o nega- tivista. Nesse caso, todas as experiências são interpretadas de forma negativa, mesmo que estejam presentes elementos positivos. Esse tipo de processamento cognitivo produz todos os demais sinais e sintomas da depressão, pois a crença de que se é sem valor ou importância, independentemente dessa avaliação ser pauta- da na realidade, tem o poder de alterar o esta- do de humor e os comportamentos do indiví- duo. A apatia do paciente resulta da idéia de que ele não será capaz de realizar nada; a con- centração e a memória ficam comprometidas em função da perda da motivação e das cons- tantes ruminações, a ideação suicida expressa o desejo de escapar de uma situação considera- da imutavelmente adversa, etc. A compreensão dessa relação recíproca en- tre pensamentos, afetos e comportamentos é es- sencial para a realização do tratamento. Este envolve o questionamento dos pensamentos automáticos e crenças disfuncionais do pacien- te. A reestruturação cognitiva pode ser realiza- da por meio de técnicas cognitivas como questionamento socrático, RPD, reconhecimen- to de distorções cognitivas, etc. O tratamento também inclui técnicas comportamentais como, por exemplo, planejamento de atividades, pres- crição de tarefas graduadas e avaliações de maes- tria e prazer. Elas são úteis para o aumento e a diversificação de atividades reforçadoras e para testar os pensamentos negativos do paciente. • Transtornos de ansiedade: os transtor- nos de ansiedade incluem o transtorno do pâ- nico, com ou sem agorafobia, o transtorno de ansiedade generalizada, o transtorno obsessi- vo-compulsivo, a fobia social, as fobias especí- ficas e os transtornos de estresse agudo e pós- traumático. Eles resultam de uma intensa ati- vação da reação de emergência dos organismos. Esse tipo de reação faz parte do funcionamen- to normal do organismo, tendo como função proteger o indivíduo de ataques externos. A reação se torna patológica quando é inadequa- damente ativada em situações psicossociais. Isso ocorre quando o indivíduo avalia que há uma ameaça aos seus domínios pessoal, afetivo, pro- fissional, familiar, etc. O indivíduo, inicialmente, faz uma avalia- ção sobre o grau de ameaça da própria situa- ção e dos seus recursos pessoais para enfrentá- la, que poderá ser confirmada ou não por uma segunda verificação. Quando o resultado des- sas avaliações confirma a existência de um in- tenso perigo e confirma que os recursos pesso- ais de enfrentamento são insuficientes, surge en- tão uma intensa ansiedade. Nos quadros ansiosos, essa estimativa de ameaça pode ficar intensificada, já que um modo de vulnerabilidade está ativado. Esse modo corresponde, segundo Beck, Emery e Greenberg Psicoterapias 271 (1985), à crença do indivíduo de que está ex- posto a perigos internos ou externos, diante dos quais não encontra meios de enfrentamento que sejam suficientes para resolvê-los, até sentir-se seguro. Nesse caso, a avaliação da relação ame- aça/recursos é processada de modo falho por meio de diferentes distorções cognitivas. Os transtornos de ansiedade estão relaciona- dos à ativação de crenças centrais negativas rela- tivas ao desamparo, ou seja, há um predomínio de autoconceitos envolvendo a incapacidade de lidar com alguma situação ameaçadora. • Transtorno de pânico e agorafobia: o transtorno de pânico, segundo Beck e Emery (1985), corresponde à ativação de uma crença central de vulnerabilidade. Situações estressantes podem fazer com que o paciente se sinta amea- çado no plano social (risco de rejeição ou repro- vação) ou pessoal (risco de doenças, perda de controle, loucura, etc.) e subestime seus recur- sos de enfrentamento. Essa avaliação distorcida precipitaria os ataques de ansiedade. O transtorno de pânico também pode ser compreendido como uma interpretação distor- cida de sinais e sintomas corporais, que seriam avaliados pelo paciente como indicativos de uma iminente catástrofe interna. Clark (1986) desenvolveu um modelo explicativo do pâni- co, em que propõe que um estímulo externo ou interno é inicialmente avaliado como amea- çador, gerando assim uma certa ansiedade. Uma segunda avaliação é feita em relação aos sinais e sintomas (taquicardia, dispnéia, tontei- ra, sudorese, vertigem, tremores), que confir- mam o perigo. Isso faz com que aumentem as sensações corporais, as interpretações catastró- ficas de um ataque cardíaco, a loucura, o des- maio ou a perda de controle. Esse significado produz ainda mais ansiedade e cria um efeito de espiral, fazendo com que o paciente fique muito mais atento às sensações corporais, o que por sua vez pode ser o estímulo inicial para um novo ataque. A experiência do pânico traz tanto descon- forto que alguns lugares e situações podem pas- sar a ser evitados pelo receio de sentir novamente aquele medo (hipótese do “medo do medo”, desenvolvida por Goldstein e Chambless (1978). A associação da vivência das sensações tidas como desagradáveis em determinados locais ou ocasiões leva à adoção de estratégias de enfren- tamento como a fuga ou a evitação, característi- cos da agorafobia. O tratamento inclui o fornecimento de in- formação sobre o transtorno de pânico, a fim de proporcionar alívio e facilitar a adesão ao processo terapêutico. DeRubeis, Tang e Beck (2006) ressaltam que, atualmente, técnicas como treino respiratório, relaxamento e distração não são mais indicadas para minimizar ou prevenir ataques de pânico, mas apenas para testar crenças do paciente de que os sintomas são indícios de alguma doença grave. O terapeuta deve estar atento, a fim de evitar que o paciente use estes recursos como um comportamento de segurança. São empre- gadas estratégias para modificação das crenças disfuncionais do paciente, incluindo RPD, descatastrofização, questionamento das crenças centrais, biblioterapia, experimentos comporta- mentais, etc. O aspecto comportamental é abordado por meio das exposições interoceptivas e exposi- ções graduais a situações evitadas pelo pacien- te. É necessário, ainda, que o paciente analise sua situação existencial a fim de promover a mudança de situações conflituosas que podem ser fontes de ansiedade recorrentes. • Fobia social: a questão central na fobia social é uma antecipação de embaraço ou hu- milhação em situações sociais, nas quais o indi- víduo teme que os outros descubram suas defi- ciências e fraquezas e o rejeitem. O modo de vulnerabilidade de um fóbico social é ativado em situações nas quais possa se sentir avaliado pelos outros. O senso de desamparo provém de seu autoconceito negativo (devido à ativa- ção de crenças centrais como “eu sou inade- quado” ou “eu sou inferior”) e da crença de que os outros, particularmente aqueles que estão em posição superior, estejam atentos a seus defei- tos. Essas crenças geram pensamentos automá- ticos como “eles vão rir de mim” ou “eu não vou conseguir fazer isto”. O paciente tende a adotar como estratégias comportamentais compensatórias a evitação ou 272 Cordioli e cols. fuga e padrões perfeccionistas (com o objetivo de evitar qualquer crítica), tendo assim um ali- vio temporário de sua ansiedade. Esse tipo de escolha traz problemas, pois isso impede que sejam feitos “testes de realidade” em relação às suas crenças de inadequação social. As crenças negativas são mantidas mesmo na presença de evidências contrárias, pois as experiências são avaliadas de forma disfuncional em função da extremaauto-exigência e da atuação das distorções cognitivas como catastrofização, pen- samento dicotômico, leitura mental, etc. As estratégias terapêuticas utilizadas no tra- tamento são: (a) o treino de habilidades sociais, que permite que o paciente se sinta mais confi- ante nos seus recursos para enfrentar situações sociais; (b) a exposição, inicialmente imaginá- ria e posteriormente ao vivo, com ataques de vergonha planejados (pois a exposição à situa- ção ansiogênica acaba produzindo uma redu- ção da ansiedade quando a pessoa se dá conta de que nada extraordinário acontece quanto às outras pessoas); e (c) reestruturação cognitiva, ou seja, uma correção de avaliações catastrófi- cas geradoras de ansiedade e de evitação, que pode ser obtida através dos RPDs, de descatas- trofização, de técnicas de reatribuição, de ex- perimentos comportamentais, etc. • Transtorno obsessivo-compulsivo (TOC): até meados da década de 1980, talvez a única contribuição para uma compreensão cognitiva do TOC tenha sido a de Salkovskis e Warwick (1985), que propunham que os principais sin- tomas em um modelo cognitivo são a presen- ça de um senso de responsabilidade pessoal exacerbado, a fusão entre pensamento e ação, uma grande intolerância à incerteza e uma pre- ocupação excessiva com o controle dos pen- samentos. Entretanto, depois de um simpósio sobre TOC no Congresso Mundial de Terapias Cognitivas e Comportamentais, em Copenhage, em 1995, um pequeno grupo de interessados reuniu-se com o objetivo de discutir sobre uma avaliação cognitiva do TOC. O grupo passou a ser co-presidido por Frost e Steketee (2002) e fazem parte dele inúmeros e renomados pes- quisadores. Os membros concordaram em reu- nir todos os instrumentos de auto-relato sobre TOC de modo a identificar domínios e temas relevantes. Foram reunidos 16 instrumentos sobre crenças, utilizados no TOC, que incluiam 19 domínios pensados como relevantes para o desenvolvimento e a manutenção do TOC. Como resultado, foi publicado um artigo na prestigiosa revista Behaviour Research and Therapy em que foram apresentadas as principais cognições relacionadas ao TOC necessárias para a construção de um questionário: (1) res- ponsabilidade aumentada; (2) ação/omissão; (3) superimportância dos pensamentos; (4) fusão pensamento/ação; (5) pensamento mágico/su- perstições; (6) controle sobre os pensamentos; (7) superestimação de perigos; (8) intolerância às incertezas, novidades, mudanças, dúvidas, tomadas de decisão; e (9) perfeccionismo. Hou- ve também uma identificação de itens de me- nor importância não incluídos no questionário, tais como intolerância e desconforto quanto às conseqüências da ansiedade, rigidez, controle sobre circunstâncias da vida, falta de confiança na memória e, em outros sentidos, crenças na capacidade de enfrentamento e supergene- ralização (OCCWG, 1997). O modelo cognitivo do TOC ressalta, as- sim, uma maior sensibilidade a certos temas como risco, responsabilidade, culpa e falhas, tidos como decorrentes de fatores hereditários, do ambiente familiar, da educação ou de cren- ças. Destaca, também, que pensamentos invasi- vos transformam-se em obsessões devido às interpretações negativas relacionadas ao seu conteúdo, às interpretações dos riscos de cau- sar mal a outros ou a si mesmo e à responsabi- lidade por ações ou omissões. Os estados de ansiedade, de medo ou de culpa aumentados relacionam-se com ações para eliminar, dimi- nuir ou neutralizar esses sentimentos, incluin- do rituais de verificação, lavagem e repetição e evitações ativas ou passivas (Salkovskis; Kirk, 1989; Cordioli, 2007). Certos temas como a superimportância atri- buída a pensamentos, no sentido de que apenas ter um pensamento já significa que o pensamen- to é importante e requer atenção especial, são Psicoterapias 273 destacados. Mais especificamente, muitas pes- soas com TOC apresentam também uma “fusão pensamento/ação”, como a idéia de que pensar é a mesma coisa que agir: uma paciente pensar que pode jogar bebês pela janela a faz evitar contato com qualquer bebê e, inclusive, recu- sar-se a ter bebês. Muitos pacientes com obses- sões supersticiosas, sexuais ou religiosas de cau- sar mal a outros apresentam esse problema. Há tentativas de controlar os pensamentos em que intrusões são usualmente acompanha- das de esforços para controlá-las ou suprimi- las, observando-se metacognições, que são “pensamentos sobre pensamentos”. Mas esses esfoços são inúteis e tornam o pensamento ain- da mais presente na consciência. É o que acon- tece quando uma pessoa tenta não pensar em “girafa” ou “urso branco”. Pacientes com TOC superestimam a proba- bilidade de correrem perigo e de cometerem erros e partem do princípio de que toda situa- ção é perigosa até que provem o contrário, por isso a necessidade de rituais para garantir que o perigo seja removido. Isso pode estar muito presente em pacientes com medos de contami- nação ou com preocupações de causar conse- qüências terríveis (incêndios, roubos, etc.). A necessidade de certeza está relacionada com uma observada falta de habilidade de li- dar com ambigüidades, novidades e mudanças imprevistas (Sookman; Pinard; Beck, 2001). O desejo de certeza freqüentemente motiva a bus- ca de reasseguramento, verificação e releitura. A responsabilidade refere-se ao poder que uma pessoa tem de causar ou impedir algum perigo e pode envolver ações ou omissões. Uma conseqüência desse senso muito aumentado pode ser a produção de sentimentos de culpa e de compulsões para repará-los. O perfeccionismo está fortemente relacio- nado com a necessidade da certeza de que “co- meter um erro é tão grave quanto falhar com- pletamente”. Está ligado à verificação, às relei- turas, às lavagens repetidas, às reordenações e à necessidade de saber. A freqüência das sessões é semanal e tra- tamentos são concebidos para durar de 18 a 22 sessões de TC, espaçadas entre 20 a 24 semanas. As duas sessões finais de preven- ção de recaídas são realizadas a cada 15 dias. Nas sessões iniciais de avaliação, deve-se per- mitir um tempo extra para explicar o mode- lo da TC e fazer uma conceitualização do caso. Recomenda-se um tratamento com tem- po limitado para auxiliar na manutenção do foco nos métodos da TC. AS PRINCIPAIS TÉCNICAS COGNITIVAS USADAS NAS SESSÕES: • Os registros de pensamentos; • A seta descendente; • O questionamento socrático; • A técnica do paciente como detetive ou cien- tista; • A identificação de distorções cognitivas; • As metáforas; • As histórias e analogias; • Os experimentos comportamentais; • A técnica do continuum; • A técnica de vantagens e desvantagens; • A técnica do júri, com promotor versus advo- gado de defesa; • A técnica do duplo padrão; • A técnica da mente sábia, com pensamento racional e emocional; • A técnica de consulta a peritos; • O experimento de supressão de pensamento; • A técnica de cálculo das probabilidades de um dano; • A técnica de fazer apostas; • A condução de uma pesquisa; • A técnica do gráfico da pizza, dramatizações ou mudança de perspectiva; • O contraste entre extremos; • A revisão retrospectiva das evidências; • A solução de problemas; e • A modificação de crenças nucleares. A estrutura e o conteúdo das sessões inclu- em verificar os sintomas recentes e o humor do paciente, rever brevemente o conteúdo da ses- são anterior, estabelecer uma agenda, rever as 274 Cordioli e cols. tarefas de casa, trabalhar os itens da agenda, decidir sobre as tarefas para a próxima sema- na, solicitar um sumário e fazer um feedback so- bre a sessão. • Transtornos da personalidade: os trans- tornos da personalidade são compreendidos como decorrentes de uma contínua ativação de certos esquemas que fornecem visões específi- cas de si e dos outros, que favorecem o superde- senvolvimento de algumas estratégiaspara lidar com o mundo e o subdesenvolvimento de ou- tras. Dessa forma o comportamento de um indi- víduo narcisista, por exemplo, se manifestará pela excessiva competitividade e por uma cer- ta deficiência em se identificar com um grupo, refletindo ausência de equilíbrio entre estraté- gias adaptativas, que está presente em indiví- duos sem esse transtorno de personalidade. O maior desenvolvimento de certas estraté- gias parece ser uma tentativa de compensar um doloroso autoconceito e de responder às sofri- das experiências precoces (borderline, narcisis- ta, evitativa, etc.); uma resposta às condições contraditórias de reforçamento e punição (anti- social), de abuso (paranóide), de condições ca- óticas (borderline) ou conseqüência de intenso reforçamento positivo ou negativo (histriônica, dependente). O narcisista pode desenvolver crenças do tipo “sou especial” e ter como estra- tégia transcender as regras, objetivando com- pensar um intenso sentimento de desvaloriza- ção experimentado desde a infância. Além des- ses aspectos, é necessário considerar ainda ou- tros fatores que influenciam o desenvolvimen- to dessas estratégias, tais como: (a) as predispo- sições inatas; (b) fatores ligados ao desenvolvi- mento (como as identificações com outros mem- bros da família); e (c) fatores ambientais. INDICATIVOS DE TRANSTORNO DE PERSONALIDADE O terapeuta cognitivo deve dar atenção a alguns indicativos da presença de transtorno de perso- nalidade, tais como: • O paciente considera que seus problemas fazem parte de sua “natureza”, não sendo, portanto, modificáveis • Não há um reconhecimento pelo paciente de sua contribuição para seus problemas inter- pessoais • Os padrões cognitivos disfuncionais estão presentes desde a infância • Contínua não-adesão ao tratamento • Pouca motivação para o tratamento • O tratamento de problemas do Eixo I parece evoluir bem até que, sem explicação aparen- te, começa a não dar resultados • Diversas tentativas anteriores de terapia. Inicialmente, a conceitualização cognitiva do paciente (ver Tab. 15.2) é realizada a partir dos pensamentos automáticos, que funcionam como pistas da visão de si, dos outros e do mundo (crenças nucleares) do paciente. O es- tabelecimento de uma boa relação terapêutica torna-se ainda mais importante nesse tipo de problema. Neste caso, é muito mais difícil para o paciente tentar pôr em prática as propostas de mudança do terapeuta, visto que: (1) isso implica mudar uma forma, estabelecida desde a infância, de lidar com os acontecimentos; (2) os resultados só se tornam visíveis a longo pra- zo; e (3) as crenças principais do paciente po- dem dificultar a execução das tarefas (p. ex., um paranóide pode temer que o RPD possa ser usado contra ele). A não-cooperação é mais comum nesse tipo de transtorno e o terapeuta deve avaliar atenta- mente que fatores, além dos já mencionados anteriormente, podem estar interferindo, como, por exemplo, (1) falta de habilidades para exe- cutar a tarefa pedida; (2) fatores ambientais (como a oposição clara ou velada de pessoas significativas) que dificultam a mudança; (3) descrença do paciente na terapia; (4) crenças negativas a respeito das conseqüências das mudanças (para si e/ou para outras pessoas sig- nificativas); (5) falta de compreensão do mode- Psicoterapias 275 lo cognitivo; (6) existência de ganhos secundá- rios a partir do comportamento problemático; e (7) estabelecimento inadequado dos objeti- vos terapêuticos, sendo não-realísticos ou va- gos (Beck et al., 1993). Recursos terapêuticos A TC emprega técnicas cognitivas e compor- tamentais, podendo até ser usadas técnicas de outras abordagens, mas a escolha de cada uma delas deve ser feita a partir da conceitualização cognitiva de cada caso. O uso de qualquer um desses recursos sem a compreensão do funcio- namento cognitivo do cliente implica redução da sua efetividade. A seguir uma breve descri- ção de algumas dessas técnicas. Técnicas cognitivas • Questionamento socrático e descober- ta guiada: esse é o principal recurso da TC e um dos mais difíceis de ser empre- gado. É imprescindível que o terapeuta utilize perguntas, as mais abertas possíveis, para que o paciente possa incluir o maior número de dados objetivos em sua ava- liação. É bastante infrutífero quando o terapeuta tenta persuadir, e não apenas guiar, por meio de questionamento, o paciente a um determinado ponto de vis- ta. O questionamento socrático consiste no levantamento das evidências que sus- tentam (ou não) a lógica do pensamento do paciente para que seja possível o de- senvolvimento de interpretações alterna- tivas. Terapeuta e cliente trabalham no que Beck e colaboradores (1979) denomi- naram “investigação empírica” ou “des- coberta guiada”, por meio da qual os pen- samentos automáticos e as crenças do in- divíduo são tomadas como hipóteses, que devem ser analisadas sistematicamente a fim de terem sua validade e/ou utilidade testada. O questionamento pode ser orien- tado por perguntas como: “quais as evi- dências de que este é um pensamento rea- lista?”; “há outras interpretações possí- veis?”; “e se o pior acontecer?”. • Identificação de distorções cogni- tivas: possibilita que o paciente reconhe- ça as distorções que mantêm suas cren- ças, ainda que existam evidências con- trárias a elas. • Registro dos pensamentos disfuncio- nais (RPD): esse é um recurso útil para identificação de pensamentos e emoções do paciente em situações pertubadoras (em um primeiro momento, o paciente é orientado a responder apenas as qua- tro primeiras colunas) e para sua poste- rior reestruturação (somente após o pa- ciente ter compreendido bem as quatro primeiras colunas, são inseridas as duas últimas, que permitem a modificação do pensamento e da emoção). • Experimentos comportamentais: para testar as crenças, o terapeuta pode suge- rir atividades que permitam que o paci- ente teste na realidade a validade de suas crenças. Por exemplo, se um paciente afir- ma que “ninguém vai querer sair comi- go”, pode ser planejado que ele convide diretamente, com a devida antecedência, um ou mais amigos para sair e, então, podem ser verificados os reais resultados. • Continuum cognitivo: essa técnica deve ser usada quando uma das distorções pre- dominantes é o pensamento dicotômico. O terapeuta constrói um continuum cogni- tivo (um gráfico linear de 0 a 100%) para a característica que é avaliada em termos de tudo ou nada. Em seguida, é solicitado que o paciente compare seu desempenho com o de outros indivíduos, posicionan- do-os no gráfico. Isso facilita que o pacien- te se avalie de forma mais relativa. • Técnica do gráfico em forma de pizza: a visualização dos pensamentos em grá- ficos pode ser útil para que o paciente discrimine qual sua parcela de respon- ab el a 15 .3 R eg is tr o d iá ri o d e p en sa m en to s d is fu nc io na is 276 Cordioli e cols. TTa b el a 15 .3 R eg is tr o d iá ri o d e p en sa m en to s d is fu nc io na is Pe n sa m en to s R es p os ta D ia /H or a Si tu aç ão Se n ti m en to s A u to m át ic os R ac io n al * R ea va li aç ão Ex pl ic aç ão : Q ua nd o ex pe ri m en ta r um a em oç ão d es ag ra dá ve l, an ot e a si tu aç ão q ue p ar ec e ha ve r es tim ul ad o a em oç ão o u, s e el a pa re ce te r oc or ri do e m fu nç ão d e um a co rr en te d e pe ns am en to s, d e de va ne io s ou d e le m br an ças, a no te -o s ta m bé m . A s eg ui r, an ot e os p en sa m en to s au to m át ic os a ss oc ia do s à em oç ão . R eg is tr e o gr au e m q ue ac re di ta n es se s pe ns am en to s (0 = n em u m p ou co ; 1 00 = to ta lm en te ). Re gi st re a in te ns id ad e da e m oç ão (0 = tr aç os m ín im os ; 1 00 = in te ns id ad e m áx im a) . * Co nt es te ra ci on al - m en te o s pe ns am en to s, s ub m et en do -o s às s eg ui nt es p er gu nt as : ( 1) Q ue p ro va s eu te nh o da v er da de d e ca da p en sa m en to ?; (2 ) H á ou tr as p os si bi lid ad es p ar a eu c om pr ee n- de r a s itu aç ão ?; (3 a) O q ue é o p io r q ue p od e ac on te ce r? (3 b) P od er ia s up er ar ? ( 3c ) É tã o ca ta st ró fic o as si m ?; (3 d) Q ua l o m el ho r q ue p od er ia a co nt ec er ?; (3 e) E nt re e ss es d oi s ex tr em os , q ua l s er ia u m re su lta do m ai s pr ov áv el , m ai s re al is ta ?; (4 ) S e um a m ig o ou a m ig a tiv es se e ss e pe ns am en to , o q ue v oc ê di ri a pa ra e le o u el a? ; ( 5) O q ue v oc ê de ve ri a fa ze r? A no te c ad a re sp os ta ra ci on al e re av al ie o s pe ns am en to s au to m át ic os e o s se nt im en to s as so ci ad os . Ad ap ta da d e Be ck , 1 99 7. D es cr ev er : 1. O q ue e st á ac on te ce nd o qu e po ss a te r le va do à em oç ão 2. A co rr en te d e pe ns am en - to , d ev an ei o ou le m br an - ça q ue p os sa te r l ev ad o à em oç ão Ad oe ce u, p re ci so u da a ju da d a m ãe o u d as i rm ãs , m as ni ng ué m s e of er ec eu p ar a aj ud ar 1. Es pe ci fic ar a e m oç ão (p . ex ., tr is te za , a ns ie da de , ra iv a, e tc .) 2. A ss in al ar a in te ns id ad e da e m oç ão e m u m a es - ca la d e 0 a 10 0 Ra iv a (7 0) 1. A no ta r o( s) p en sa m en - to (s ) d a fo rm a co m o ap a- re ce ra m n a m en te 2. In di ca r o g ra u de c on vi c- çã o pa ra ca da p en sa m en - to e m u m a es ca la d e 0 a 10 0 “N in gu ém se im po rt a co m m i- nh as n ec es si da de s” (8 0) 1. Re av al ia r o gr au d e co n- vi cç ão e m c ad a p en sa - m en to a ut om át ic o (P A = 0 - 10 0) 2. R ea va lia r a in te ns id ad e de c ad a em oç ão ( E = 0 - 10 0) PA = 3 0 Ra iv a = 20 1. A no ta r c ad a re sp os ta ra - ci on al p ar a o( s) p en sa - m en to (s ) r eg is tr ad o( s) 2. Av al ia r o gr au d e co n- vi cç ão e m c ad a re sp os - ta r ac io na l e m u m a es - ca la d e 0 a 10 0 1. N ão te nh o pr ov as 2. El as p od em n ão te r s ab i- do d o m eu e st ad o 3. (a ) O p io r se ri a eu n ão co ns eg ui r aj ud a nu nc a; (b ) s im ; ( c) n ão ; ( d) o m e- lh or s er ia e u te r aj ud a de la s s em pr e; (e ) o m ai s re al is ta s er ia t er a lg o fr eq üe nt e 4. D ir ia p ar a el e ou e la te nt ar c om pr ee nd ê- la s 5. Te nt ar o m es m o Psicoterapias 277 sabilidade em algum resultado ou o quanto deseja investir em alguma área de sua vida (Fig. 15.1). • Técnica da seta descendente: essa téc- nica consiste no questionamento sucessi- vo sobre o significado de uma determi- nada cognição até alcançar o seu signifi- cado mais central. Isso pode ser feito por meio de perguntas como: “o que isso significaria para você?”; “e se o pior acontecer?”; “se isso for verdadeiro, en- tão o quê significa?” • Descatastrofização: o objetivo é fazer com que o indivíduo imagine a conse- qüência mais temida e possa reavaliá-la por meio de diversas técnicas cognitivas. • Análise das vantagens e desvanta- gens de crenças ou de comportamen- tos disfuncionais: o objetivo dessa téc- nica é ressaltar as desvantagens e enfra- quecer as vantagens que mantêm uma crença (ver Tab. 15.4). EXEMPLO DE USO DA TÉCNICA DA SETA DESCENDENTE Situação: uma amiga fala que seu filho pode ser preso Emoções: deprimida (80%), ansiosa (90%) Pensamento automático: “eu não vou agüentar ver o meu filho ser preso” Terapeuta: o que significa para você que o seu filho possa ser preso? Paciente: “que mais uma vez terei que suportar algo muito doloroso” Terapeuta: o que significa ter que suportar mais uma situação difícil? Paciente: “que só acontecem coisas ruins para mim” Terapeuta: “e o que isso significa para você? Paciente: “que eu não mereço ser feliz”. • Role-Playing racional-emocional (ou técnica do ponto e contraponto): o terapeuta propõe uma dramatização na Figura 15.1 Gráfico em forma de pizza. Liste todas as pessoas e aspectos de determi- nada situação que contribuíram para um evento que produziu sentimentos de culpa ou vergonha. Então, desenhe um círculo e atribua a responsabilidade pelo evento em tamanhos que espelhem a responsabilidade relativa de cada pessoa. Desenhe seu próprio pedaço por último, para não atribuir responsabilidade demais a você mesmo. Situação: Filho usando drogas. Pessoas envolvidas: Filho, marido e eu. 278 Cordioli e cols. qual ele faz a parte “racional” (que argu- menta a favor da modificação da crença disfuncional) e o paciente a parte “emo- cional” (que sustenta por que a crença disfuncional ainda é “sentida” como disfuncional). Depois, os papéis são tro- cados. • Cartões de enfrentamento: são peque- nos cartões que devem ficar em locais disponíveis para uma leitura em situa- ções de risco. O conteúdo pode estar re- lacionado a estratégias de enfrentamen- to, nesse caso a função é relembrar as estratégias discutidas em sessão; a uma resposta adaptativa, cuja função é aju- dar na análise de pensamentos disfuncio- nais; às instruções para motivar o pacien- te etc. (ver Quadro 15.2). • Técnicas de reatribuição: são utiliza- das quando o paciente apresenta um padrão de auto-atribuição de responsa- bilidades não-realista em relação a vários resultadosnegativos. O terapeuta ajuda o paciente a flexibilizar seu julgamento por meio da identificação de outros fa- tores que contribuem para o resultado final ou pelo reconhecimento de diferen- tes critérios usados para avaliar a respon- sabilidade pessoal (excessivamente mais rígidos e exigentes) e a de terceiros. Técnicas comportamentais As técnicas comportamentais podem ser usadas, particularmente, quando o estado ge- ral do cliente está muito comprometido, como no caso de quadros depressivos graves, com o objetivo de recuperar um nível minimamente funcional ou como pequenos “experimentos” sobre a validade das crenças disfuncionais do paciente sobre ele mesmo ou sobre o mundo. • Exposição graduada: consiste na expo- sição do paciente a diferentes atividades a partir de uma hierarquia previamente montada com o paciente. A exposição é iniciada com atividades que provocam TTabela 1abela 15.5.4 Análise de vantagens e de desvantagens4 Análise de vantagens e de desvantagens Vantagens de cheirar (cocaína) • (Antes) alegria, excitação • Ficar mais à vontade para fazer certas loucuras que não se faz “careta” • Dizer coisas para o marido que não se diz normalmente • Ficar falante (no começo do efeito) Desvantagens de cheirar (cocaína) • Alegria de não ter usado • Sensação de vitória; de poder • Sinto-me melhor comigo mesma • Acordo mais cedo • Não fico tão cansada Vantagens de não cheirar (cocaína) • Evitar a “denegrição” da personalidade • Emagrecer (ficar sem apetite) • Ficar deprimida • Não ter falta de vontade de tomar iniciativas • Não ficar totalmente alienada em relação às obrigações • Não ter morte súbita (overdose) • Não ter transformação facial • Não destruir os neurônios • Não destruir o septo • Não ter contrações no rosto e dores no corpo (travamento dos músculos) • Não piorar a rinite Desvantagens de não cheirar (cocaína) • Não fazer certas brincadeiras com o marido Psicoterapias 279 pouca ansiedade, com o objetivo de re- duzi-la gradativamente. A mudança de um item para o outro só é feita quando no anterior houve sensível redução de ansiedade. Essa técnica pode ser realiza- da inicialmente de forma imaginária (p. ex., no caso de fobias sociais). • Planejamento de atividades: consiste na programação hora a hora de ativida- des para o paciente por meio de uma tabela com uma lista horizontal, com os dias da semana, e outra vertical, com os horários. O objetivo é evitar que o paci- ente se entregue à inatividade e ao isola- mento social. Ele também permite que o paciente possa testar crenças do tipo: “é inútil tentar fazer qualquer coisa” ou “eu não sou capaz de fazer nada”. Esse recurso pode ter a sua eficácia aumenta- da se for associado à técnica de mestria e prazer. Ela consiste na avaliação (em uma escala de 0 a 5) do grau de mestria (realização) e de prazer obtido em cada tarefa programada. Isso facilita a modi- ficação de distorções cognitivas como o pensamento dicotômico. • Prescrição de tarefas graduadas: con- siste no planejamento de tarefas simples, inclusive fracionadas, se necessário, por meio das quais o paciente pode obter su- cesso e sentir-se estimulado a realizar ta- refas mais complicadas. • Treino de habilidades sociais (THS): corresponde ao aprendizado de uma sé- rie de comportamentos que favorecem um bom desempenho interpessoal. O THS é constituído, segundo Caballo (1996), por quatro elementos: treino de habilidades, redução da ansiedade, reestruturação cognitiva e treino em solução de problemas. • Biblioterapia: a leitura de diversos ma- teriais possibilita que o paciente obtenha mais informações fora da sessão e reestruture certas cognições. O terapeu- ta pode fornecer folhetos informativos ou indicar livros. • Relaxamento: um dos tipos mais empre- gados é o relaxamento muscular progres- sivo desenvolvido por Jacobson (1938), que é pautado no princípio de que a ati- vação do sistema nevoso parassimpático irá inibir o sistema nervoso simpático, responsável pela contração muscular ca- racterística dos estados de ansiedade. O terapeuta instrui o cliente a discriminar tensão muscular de relaxamento em cada conjunto de músculos do corpo, o que irá provocar um relaxamento inicialmente periférico e depois profundo. QQuadro 15.2 Cartões de enfrentamento Cartão de enfrentamento Estou com vontade de ir para casa ver TV e não fazer nada. Combate Se fizer isso, a minha auto-estima vai baixar (90%) Não vou me sentir muito melhor (70%) Vou me arrepender depois quando estiver pensando com mais clareza (80%) Vou chatear meus pais (100%) Ficando no trabalho, sempre há a possiblidade de algo acontecer (80%) 280 Cordioli e cols. Apesar da grande disponibilidade de técni- cas, elas são úteis apenas quando empregadas de forma adequada. A sua efetividade depen- de da adesão do paciente ao processo terapêu- tico, da compreensão da lógica de cada recur- so, do seu uso consistente, etc. Evidências de eficácia A terapia cognitiva, desde seu início, preo- cupou-se com a realização de pesquisas com o objetivo de fundamentar a efetividade das in- tervenções específicas propostas para cada pro- blema. Foram realizados inúmeros estudos con- trolados para avaliar a eficácia da TC (Brewin, 2006; Butler et al., 2006; Chambless; Hollon, 1998; DeRubeis; Crits-Christoph, 1998; Hagen; Nordahl, 2005). É importante que os psicotera- peutas estejam cientes das pesquisas para que possam fazer suas escolhas baseadas em evidên- cias científicas. Terapeutas e pacientes devem considerar as vantagens e as desvantagens das intervenções a curto e longo prazo. Chambless e Hollon (1998) consideram que o modelo experimental é o que mais segura- mente permite avaliar os benefícios obtidos pelo paciente por meio da terapia em si, e não por outros fatores como, por exemplo, a passagem do tempo. Neste capítulo, mencionamos ape- nas algumas das pesquisas experimentais reali- zadas na busca de evidências empíricas. A depressão foi o transtorno que mais foi pesquisado. A maior parte dos estudos aponta a TC como sendo tão eficaz quanto o tratamento medicamentoso (Roth; Fonagy, 1996; Cham- bless; Hollon, 1998; DeRubeis; Crits-Christoph, 1998; Rush et al., 1977; Wright; Beck, 1983; Dobson; Shaw, 1986; Haaga; Dyck; Ernst, 1991). O TDCRP (Treatment of Depression Collaborative Research Program), programa de pesquisa desenvolvido por Elkin e colaborado- res (1989), contestou o sucesso da TC no trata- mento da depressão. Na ocasião, esse estudo se destacou por seu rigor metodológico, mas ou- tra pesquisa conduzida por Jarrett e colabora- dores (1999), com igual cuidado metodológico, mostrou equivalência dos efeitos agudos da TC e da medicação. Uma das grandes vantagens da TC é a prevenção de recaídas, pois os pa- cientes tratados com TC têm uma taxa menor de retorno dos sintomas do que aqueles que usaram apenas medicação (Dobson et al., 2006). Um estudo realizado por DeRubeis e Crits- Christoph (1998) discutiu a eficácia dos trata- mentos psicológicos a partir de pesquisas que validassem empiricamente os resultados. Esse estudo apontou a clara eficácia da TCC para o transtorno de pânico com ou sem agorafobia. Nos quadros de fobia social há um maior bene- fício quando usada a reestruturação cognitiva combinada com exposição, e nos casos de an- siedade generalizada as pesquisas não são tão evidentes quanto à eficácia da TC, mas há no- vos indícios da provável indicação da TC para o TOC (Cordioli, 2007; Purdon, 2007; Wilhelm; Steketee, 2006; Clark, 2004; Bouvard, 2002; van Oppen et al., 1995). Ainda existem mais estudos indicando a eficácia da terapia compor- tamental por exposição e prevenção de respos- tas, embora as recentes pesquisas citadas já apontem os benefícios do uso de TC. A TC tem sido empregada com sucesso nos casos de esquizofrenia para o treino de habili-dades sociais (DeRubeis; Crits-Christoph, 1998). Já existem pesquisas apontando a possí- vel indicação da TC combinada com tratamento farmacológico para lidar com sintomas positi- vos como os delírios (Roth; Fonagy, 1996). Embora a TC tenha apresentado um con- sistente modelo para tratamento dos transtor- nos de personalidade, ela carece de estudos sistemáticos que comprovem sua eficácia nes- se transtorno, pois grande parte das pesquisas refere-se a casos clínicos não-controlados (Beck, 2007). Questões em aberto e perspectivas futuras Norcross, Hedges e Prochaska (2002) vêm fazendo estudos há 20 anos, com reconhecidos psicoterapeutas, que indicam possíveis mudan- ças na psicoterapia em um futuro próximo. As Psicoterapias 281 terapias que deverão se consolidar serão aque- las que apresentarem eficiência comprovada por evidências científicas, aqueles que forem breves e focadas em problemas específicos e que apresentarem melhor relação custo-bene- fício. As intervenções terapêuticas que tendem a crescer são aquelas nas quais o paciente assu- me um papel mais ativo na mudança, como, por exemplo, a reestruturação cognitiva, as “li- ções de casa” e as intervenções que usem tecno- logia computacional. O modelo da terapia cognitiva é bastante compatível com essas dire- trizes e poderá mostrar, por meio de pesquisas futuras, uma vantajosa relação custo-benefício. Há uma tendência a promover a integração dos métodos mais eficazes das principais for- mas de psicoterapia. Roth e Fonagy (1996) apontam, por exemplo, a integração de múlti- plas orientações como a TCC e a Terapia Interpessoal como possivelmente vantajosas para o tratamento de casos crônicos de bulimia nervosa. Integrar esses métodos exigirá bastante esforço para que a combinação não descaracte- rize a teoria que possibilita a compreensão do funcionamento cognitivo do paciente. Um grande desafio para a terapia cognitiva, assim como para as demais terapias, é encon- trar uma forma precisa de avaliar os benefícios obtidos pelos pacientes por meio da psicotera- pia. Seligman (1995) discute vantagens e des- vantagens dos estudos que avaliam a eficácia e daqueles que avaliam a efetividade. Os primei- ros são marcados por rigorosos controles meto- dológicos, como seleção dos participantes, in- clusive excluindo a presença de problemas múltiplos; descrição precisa das intervenções; número fixo de sessões; resultados bem- operacionalizados e acompanhamento por um período fixo pós-tratamento. Esses cuidados fornecem maior credibilidade aos estudos, mas tornam o estudo dos resultados da psicoterapia um tanto quanto artificial, visto que, na prática, as condições de realização da psicoterapia são diferentes. Esse tipo de estudo poderia, então, deixar de avaliar benefícios importantes da psicoterapia na prática clínica. Por outro lado, pesquisas sobre efetividade, empregando, por exemplo, autoquestionários, poderiam fornecer dados sobre a melhora es- pecífica dos sintomas após intervenção psicote- rapêutica e incluir também dados sobre aumen- to no prazer de realizar as atividades, melhora nas relações interpessoais ou no funcionamen- to profissional e em outros aspectos mais ge- rais. Evidentemente, há necessidade de aprimo- ramento desse tipo de metodologia, pois o uso de autoquestionários é um recurso bastante ine- xato (sem precisão sobre diagnóstico, tipo de terapia, formação e experiência do terapeuta, mensuração dos resultados obtidos, compara- ção entre o estado emocional antes e depois da intervenção psicológica e outras limitações). O ideal será desenvolver uma forma de integrar o controle presente nas pesquisas sobre eficácia e o realismo dos estudos sobre efetividade. Há um crescente interesse em pesquisas so- bre a efetividade de programas de terapia cognitivo-comportamental em grupo (TCC). White e Freeman (2003) discutem a aplicação da TCC em grupo para transtornos clínicos, como a depressão, bem como para populações específicas, como pacientes em tratamento médico, idosos, mulheres, etc. O Instituto Nacional da Saúde e da Pesqui- sa Médica da França (INSERM) realizou uma grande investigação para avaliar a efetividade de três abordagens: (1) a cognitivo-compor- tamental; (2) a psicanalítica e (3) a sistêmica. A um grupo de pesquisadores e especialistas foi solicitado responder perguntas, como: quais são os dados da literatura sobre a avaliação da efi- cácia das abordagens psicodinâmicas (psicana- líticas), cognitivo-comportamentais e sistêmi- cas?; quais são os dados da literatura sobre a avaliação comparativa da eficácia dessas dife- rentes abordagens psicoterápicas?; quais são os dados da literatura sobre a avaliação compara- tiva da eficácia dessas três abordagens psicote- rápicas para as diferentes patologias?; quais são os dados da literatura sobre a avaliação da efi- cácia dessas três abordagens psicoterápicas para a criança e o adolescente? Depois de três anos de pesquisa e de cerca de 1.000 artigos e documentos examinados como base documental dessa perícia, os resultados in- dicaram que a TCC se mostrou a mais efetiva 282 Cordioli e cols. em: quadros ansiosos (como transtorno do pâni- co, agorafobia, fobia social, transtorno da ansie- dade generalizada, transtorno obsessivo-compul- sivo e transtorno de estresse agudo e pós-trau- mático); transtornos do humor (depressão maior branda e moderada, hospitalizada e com idosos; transtorno bipolar com uso de medicamentos); quadros esquizofrênicos crônicos e agudos asso- ciados ao uso de neurolépticos; transtornos ali- mentares (como bulimia e anorexia nervosa e transtorno de compulsão alimentar periódica); transtornos de dependência de álcool; transtor- nos da personalidade borderline e evitativa; qua- dros ansiosos e depressivos em crianças e ado- lescentes (INSERM, 2004). Embora haja evidências de efetividade ob- tidas por estudos de metanálise controlados para os transtornos da personalidade borderline e evitativa, a efetividade em outros transtornos da personalidade ainda não está muito clara. Em alguns há apenas relatos de caso, como no caso dos trantornos de personalidade esquizo- típica e anti-social. O trabalho direto com as emoções ainda é insuficiente, o que tem facilitado cada vez mais o uso de métodos construtivistas e baseados em teorias de esquema. Assim, cada vez mais estão sendo utilizados métodos experienciais de mu- dança. Há problemas ainda nas experiências in- conscientes relacionadas à reativação emocio- nal, decorrentes da ativação da amígdala, que sugerem “recaídas” mas que, na verdade, são falhas na recuperação de pacientes. Talvez o maior problema com que se depa- ram os pesquisadores em terapia cognitiva é a tendência do viés confirmatório, isto é, fazer uma seleção de relatos e de publicações de estudos que sustentam as hipóteses cognitivas. A não ser que possamos seriamente examinar os “re- sultados negativos” e as falhas de replicação, estaremos encorajando uma visão distorcida do nosso conhecimento e, mais importante ainda, sacrificando as informações inestimáveis que essas “falhas” poderiam oferecer na direção de um refinamento de nossos modelos e procedi- mentos. Considerações finais A TC é marcada pela busca de validação, por meio de pesquisa, de sua teoria e de suas técnicas. Esse caráter empírico da TC não tor- na a aplicação clínica do modelo algo mecâni- co. Como qualquer outro modelo, o sucesso da terapia depende da capacidade de o terapeuta compreender o funcionamento cognitivo do pa- ciente e, a partir disso, poder selecionar os mé- todos clínicos mais indicados para o problema. O domínio da teoria e das técnicas não exclui a necessidade de estabelecer uma relação tera- pêutica colaboradora que permita que o pró- prio paciente desenvolva a capacidade de usar os recursos terapêuticos aprendidos na terapia ao longo de suavida. A terapia cognitiva pode ser aplicada em pacientes de diversas idades (incluindo crian- ças e idosos), podendo ser realizada individu- almente ou em grupo e com indivíduos com diferentes níveis educacionais, econômicos ou culturais (Beck, 1997). Isso permite que o mo- delo seja útil não apenas para aqueles que atu- am na clínica privada, mas também para aque- les que trabalham em outras áreas, incluindo po- pulações de baixa renda (Muñoz; Mendelson, 2005). O que permanece como ponto comum no tratamento de todos os transtornos psicoló- gicos é a identificação e modificação dos pen- samentos e crenças disfuncionais que afetam o estado de humor, o afeto e o comportamento dos indivíduos. Embora esse enfoque possa ser aplicado a diferentes grupos de pacientes, os que mais se beneficiam dessa abordagem são aqueles que apresentam relativa capacidade analítica, que realizam as tarefas de casa e que generalizam o uso dos novos recursos terapêu- ticos aprendidos na terapia para situações coti- dianas. Há necessidade de desenvolvimento de pes- quisas sistemáticas que apontem a efetividade da TC nesses campos mais recentes de aplicação. Sabe-se que, apesar da flexibilidade do mo- delo, existem processos terapêuticos básicos como a colaboração, a descoberta guiada e a es-
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