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Universidade Paulista – UNIP Instituto de Ciências Jurídicas RESPONSABILIDADE CIVIL NO TRANSPORTE DE PESSOAS Pesquisa de Atividades Práticas Supervisionadas Paulo Augusto Tiago Seixas – T510BF-2 Turma – DR8C68 Campus – Paraíso UNIP/2013 Paulo Augusto Tiago Seixas – T510BF-2 – Responsabilidade Civil No Transporte de Pessoas 2 SUMÁRIO INTRODUÇÃO ............................................................................................................. 3 DA TRAÇÃO ANIMAL AOS VEÍCULOS TERRESTRES MOTORIZADOS ............... 3 O TREM ....................................................................................................................... 3 O AUTOMÓVEL .......................................................................................................... 4 SOBRE DUAS RODAS ............................................................................................... 4 O SONHO DE VOAR ................................................................................................... 5 ORIGEM DO TERMO, ELEMENTOS E ESTATÍSTICAS ........................................... 6 1. RESPONSABILIDADE CIVIL .................................................................................. 7 1.1. ORIGEM DA RESPONSABILIDADE CIVIL ......................................................... 7 1.2. FUNÇÃO DA RESPONSABILIDADE CIVIL ........................................................ 8 1.3. ELEMENTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL ................................................. 9 1.4. RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRATUAL E EXTRACONTRATUAL ......... 10 1.5. RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJETIVA E OBJETIVA ................................. 11 1.6. RESPONSABILIDADE CIVIL NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR . 12 2. O CONTRATO DE TRANSPORTE ....................................................................... 13 2.1. CONTRATO DE TRANSPORTE DE PESSOAS ............................................... 18 3. RESPONSABILIDADE CIVIL DO TRANSPORTADOR ....................................... 23 3.1. O SISTEMA DE OBJETIVAÇÃO DE RESPONSABILIDADE NO CC .............. 24 3.2. A RESPONSABILIDADE DA CADEIA DE FORNECIMENTO NO CDC. A RESPONSABILIDADE OBJETIVA NO CDC ............................................................ 24 3. CONCLUSÃO ........................................................................................................ 25 REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 26 Paulo Augusto Tiago Seixas – T510BF-2 – Responsabilidade Civil No Transporte de Pessoas 3 RESPONSABILIDADE CIVIL NO TRANSPORTE DE PASSAGEIROS INTRODUÇÃO DA TRAÇÃO ANIMAL AOS VEÍCULOS TERRESTRES MOTORIZADOS A domesticação de animais tornou possível a sua utilização nos transportes de pessoas e de carga. Com a invenção da roda, surgiram as carroças tracionadas por animais, como cavalos e bois. Depois, com a invenção da máquina a vapor, dos motores elétricos e dos motores movidos a partir da queima de combustíveis, o transporte terrestre passou a ser realizado por trens, automóveis, ônibus e caminhões, entre outros veículos. O TREM Costuma-se atribuir ao jesuíta belga Ferdinand Verbiest o pioneirismo no desenvolvimento do trem por idealizar, em 1678 (antes da Revolução Industrial, portanto), em Pequim, uma máquina auto-propulsora a vapor. Posteriormente, em 1769, Joseph Cugnot, militar francês, construiu em Paris uma máquina a vapor para o transporte de munições. Mais adiante, após várias tentativas fracassadas, Richard Trevithick, engenheiro inglês, conseguiu em 1804, construir uma locomotiva a vapor que conseguiu puxar cinco vagões com dez toneladas de carga e setenta passageiros à “incrível” velocidade de 8 km por hora usando para o efeito carris fabricados em ferro-fundido. Esta locomotiva, por ser demasiado pesada para a linha-férrea e avariar constantemente, não teve grande sucesso, contudo, tais pioneiros deram os primeiros passos para um dos mais eficientes transportes utilizados atualmente.1 1 Fonte: WIKIPEDIA <http://pt.wikipedia.org/wiki/Trem> Acessado em: 15/11/2013. Paulo Augusto Tiago Seixas – T510BF-2 – Responsabilidade Civil No Transporte de Pessoas 4 O AUTOMÓVEL O automóvel é, sem dúvida, o meio de transporte mais utilizado no mundo. Sejam populares ou de luxo, os automóveis tiveram um grande desenvolvimento tecnológico desde a época de sua invenção até os dias atuais. No Brasil, o automóvel tem seu surgimento há, aproximadamente, cem anos. O Brasil está entre os primeiros países do mundo a construir um protótipo de carro. No ano 1919, a companhia Ford estava montando o carro Ford "T" em São Paulo. No ano 1925, a companhia Chevrolet fez o carro "Cabeça de Cavalo". Em 31 de março do ano de 1952, o presidente da Comissão de Desenvolvimento Industrial (CDI), o engenheiro naval comandante Lúcio Meira, instalou a subcomissão de jipes, tratores, caminhões e automóveis. Em 15 de Novembro do ano de 1957, saíam às ruas os primeiros carros fabricados no Brasil.2 SOBRE DUAS RODAS Os primeiros traços da existência da bicicleta tal como a conhecemos hoje, ocorreram em projetos do gênio italiano Leonardo da Vinci, por volta de 1490. Na China a invenção da bicicleta é atribuída ao antigo inventor chinês Lu Ban, nascido há mais de 2.500 anos. Em 1680, Stephan Farffler, um alemão construtor de relógios, projetou e construiu algumas cadeiras de rodas tracionadas por propulsão manual através de manivelas, mas o certo é que o alemão Barão Karl von Drais pode ser considerado o inventor da bicicleta, pois, em 1817 “incrementou” um artefato chamado celerífero, desenvolvido pelo Conde de Sivrac em 1780. O celerífero era construído de madeira com duas rodas interligadas por uma viga e um suporte para o apoio das mãos e destinava-se apenas a tração utilizando-se dos pés quando o "velocipedista" postava-se na viga de madeira. O Barão Drais instalou em no celerífero um sistema de direção - o guidão - que permitia fazer curvas, e com isto, manter o equilíbrio da bicicleta quando em movimento, além de um rudimentar sistema de frenagem. O sucesso foi tanto que, em abril de 1818, o próprio Barão Drais apresenta seu invento no parque de Luxemburgo, em Paris, e meses mais 2 Fonte: CARROANTIGO<http://www.carroantigo.com/portugues/conteudo/curio_hist_carro_brasileiro.htm> Acessado em: 15.11.2013. Paulo Augusto Tiago Seixas – T510BF-2 – Responsabilidade Civil No Transporte de Pessoas 5 tarde faz o trajeto Beaune - Dijon, na França. Drais patenteou a novidade em 12 de janeiro de 1818 em Baden, Paris e outras cidades europeias. Mesmo sendo um avanço para a época, seu "produto" não tornou-se popular e o Barão foi ridicularizado e seu projeto o tornou um homem falido. De qualquer forma, estava delineado o que hoje conhecemos como bicicleta, um dos mais populares meios de transporte do mundo.3 Com o desenvolvimento dos motores à explosão, e sua consequente compactação, estes passaram a serinstalados nas bicicletas. Surgem, dessa maneira, as primeiras motocicletas. Atualmente, por óbvio, muito mais desenvolvidas, dividem o espaço das ruas e estradas com outros meios de transporte. O SONHO DE VOAR O sonho de voar remonta, para o ser humano, desde a pré-história. Muitas lendas, crenças e mitos da antiguidade envolvem ou possuem fatos relacionados com o voo, como a lenda grega de Ícaro. Leonardo da Vinci, entre outros inventores visionários, desenhou um avião, no século XV. Com o primeiro voo feito pelo homem (Jean-François Pilâtre de Rozier e François Laurent d'Arlandes) num aeróstato (aeronave mais leve que o ar), um balão, o maior desafio tornou-se a criação de um aerodino (máquina mais pesada do que o ar), capaz de alçar voo por meios próprios. Anos de pesquisas por muitas pessoas ávidas do tão sonhado voo produziram resultados fracos e lentos, mas contínuos. Em 28 de agosto de 1883, John Joseph Montgomery tornou-se a primeira pessoa a fazer um voo controlado em uma máquina mais pesada do que o ar, em um planador. Outros aviadores que fizeram voos semelhantes naquela época foram Otto Lilienthal, Percy Pilcher e Octave Chanute. No começo do século XX, o primeiro voo numa máquina mais pesada do que o ar, capaz de gerar a potência e sustentação necessária por si mesmo, foi 3 Fonte: WIKIPEDIA <http://pt.wikipedia.org/wiki/Bicicleta#Hist.C3.B3ria> Acessado em: 15/11/2013. Paulo Augusto Tiago Seixas – T510BF-2 – Responsabilidade Civil No Transporte de Pessoas 6 realizado. Porém, isto é um fato polêmico, já que Santos Dumont é creditado no Brasil como o responsável pelo primeiro voo num avião, enquanto que na maior parte do mundo, o crédito à invenção do avião é dado aos irmãos Wilbur e Orville Wright, de origem norte-americana, sendo a exceção a França, onde o crédito é dado a Clément Ader; os voos deste, efetuados em 9 de Outubro de 1890, no entanto são ignorados pelo resto do mundo por terem sido realizados em segredo militar e só revelados muitos anos depois. É curioso notar que, apesar de não ser reconhecido como o pai da aviação, o nome dado por Ader à sua invenção, "avion" (avião, em francês), é usado em todas as línguas latinas para designar o aparelho mais pesado que o ar.4 ORIGEM DO TERMO, ELEMENTOS E ESTATÍSTICAS A palavra “transporte” vem do latim trans (de um lado a outro) e portare (carregar). Podemos dizer que, em síntese, transporte é o movimento de pessoas ou coisas de um lugar para outro. Os transportes podem se distinguir pelo domínio, sendo o transporte público destinado a qualquer pessoa e o privado restrito somente a quem o adquiriu. Os transportes contêm três elementos fundamentais: infraestrutura, veículos e operações comerciais. Infraestrutura é a malha de transporte: rodoviária, férrea, aérea, fluvial, tubular, etc. Os veículos são automóveis, bicicletas, ônibus, trens e aeronaves, que utilizam essa malha. As operações são as formas como esses veículos utilizam a rede, como leis, diretrizes, códigos, etc. Os meios de transporte ainda podem ser divididos em: • Terrestre: Carros, ônibus, trem, etc.; • Aquático: Navios, canoa, barcos, etc.; • Aéreos: Aviões, helicópteros, balões, etc.; • Tubular: Gasoduto, oleoduto, etc.. 4 Fonte: WIKIPEDIA < http://pt.wikipedia.org/wiki/Avião#Hist.C3.B3ria> Acessado em: 15/11/2013. Paulo Augusto Tiago Seixas – T510BF-2 – Responsabilidade Civil No Transporte de Pessoas 7 Estatística5 de utilização dos tipos de transportes no Brasil (1999): 1º Rodoviário – 61,82% 2º Ferroviário – 19,46% 3º Aquaviário – 13,83% 4º Dutoviário – 4,58% 5º Aéreo – 0,31% 1. RESPONSABILIDADE CIVIL 1.1. ORIGEM DA RESPONSABILIDADE CIVIL A ideia mais primitiva de responsabilidade civil remonta aos primórdios da vida em sociedade do homem. Nasce da vontade primitiva de vingança por dano sofrido em consequência da conduta de outrem. A esta época, o que conhecemos hoje por responsabilidade civil, trazia consequências penais ao autor do dano, não havendo qualquer distinção entre o ilícito civil e o penal. A vingança privada era o único meio para a resolução dos conflitos, o que era feito através do exercício da autotutela. O direito estava intimamente ligado à força, seja esta individual ou coletiva. Desse modo, o sujeito fisicamente mais forte sempre estava em vantagem para fazer valer seus direitos perante os outros indivíduos, assim como o clã mais preparado e adaptado impunha seus direitos em detrimento aos dos demais. Amparada na lei do talião (Lex Talionis: lex = lei e talis = tal, parelho), aproximadamente em 1730 a.C., tal vingança visava a “reparação” do prejuízo sofrido através da prática de outro mal em resposta, de forma proporcional: “olho por olho, dente por dente”. Na fase seguinte passou–se a utilizar a autocomposição (aproximadamente em 450 a.C. em Roma, com a confecção das Leis das XII Tábuas) e, mais adiante a arbitragem, tanto privada quanto pública, não mais se admitindo a justiça feita pelas próprias mãos para o ressarcimento dos danos experimentados. Com isso buscou-se minimizar os conflitos interfamiliares romanos 5 Fonte: BRASIL ESCOLA <http://www.brasilescola.com/geografia/transportes.htm> Acessado em: 15/11/2013. Paulo Augusto Tiago Seixas – T510BF-2 – Responsabilidade Civil No Transporte de Pessoas 8 e estabelecer uma justiça retributiva intermediada pelas autoridades competentes. À vítima não cabia mais buscar saciar sua sede de vingança causando outra lesão em resposta, mas sim, se conformar com a pena prevista na lei e aplicada por um juiz, privado ou público. Ainda em Roma, por volta de 286 a.C., surgiu a figura da culpa como requisito para a reparação de danos e com isso as penas proporcionais aos prejuízos sofridos (Lex Aquilia de damnum). Este é o berço da responsabilidade civil subjetiva. O Código Civil Francês de 1804 em seu artigo 1.382, consagrou a responsabilidade civil subjetiva, ao dizer que o causador do dano só seria obrigado a indenizá-lo, se comprovada a sua culpa na conduta. Reafirmando a importância do elemento subjetivo. Entretanto, com a Revolução Industrial iniciada na Inglaterra nos meados do século XVIII e posteriormente dissipada para outras partes do mundo, ficava cada vez mais difícil conseguir provar o elemento culpa nas condutas lesivas do autor, principalmente no tocante a acidentes com o uso da nova tecnologia, como a máquina a vapor, por exemplo. Desta forma, ainda que a culpa fosse reconhecida como elemento subjetivo válido para determinar a responsabilização pelo dano causado, em um número crescente de situações ela passou a ser um enorme obstáculo à realização da justiça. Para adequar a regra à realidade, tanto a doutrina quanto a jurisprudência, do final do século XIX, passaram a privilegiar casos ondea prova de culpa na conduta do autor da lesão não era mais necessária. Foi o nascedouro da responsabilidade civil objetiva que hoje permeia nosso cotidiano. 1.2. FUNÇÃO DA RESPONSABILIDADE CIVIL Tão antigo quanto o conceito de justiça, a responsabilidade civil busca manter o equilíbrio nas relações sociais abaladas por eventuais danos oriundos de condutas ilícitas. Norteada pelo princípio da restitutio in integrum, pelo qual, tanto quanto possível, o dano causado deve ser mensurado e reparado em sua totalidade, busca-se trazer o bem ao estado que se encontrava antes do prejuízo (statu quo Paulo Augusto Tiago Seixas – T510BF-2 – Responsabilidade Civil No Transporte de Pessoas 9 ante). A desconsideração deste princípio importa em dividir a responsabilidade com a vítima do prejuízo. Segundo Roberto Senise Lisboa6, a responsabilidade civil carrega dupla função: 1. Garantir o direito do lesado (função-garantia) – decorrente da necessidade de segurança jurídica que a vítima possui, para o ressarcimento dos danos por ela sofridos; 2. Servir como sanção civil (função-sanção) – decorrente da ofensa à norma jurídica imputável ao agente causador do dano, e importa em compensação em favor da vítima lesada. 1.3. ELEMENTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL A responsabilidade civil é dever jurídico sucessivo ou secundário advindo da violação a outro dever jurídico anterior, chamado originário ou primário, enraizado na lei, no contrato ou na própria ordem jurídica. Deste modo, para que exista responsabilidade civil é forçosa a existência de violação à obrigação preexistente que ocasione dano para a parte. Assim, para que a responsabilidade civil possa ser reconhecida e, por conseguinte, pleiteada a sua reparação, necessário se faz observar seus elementos essenciais: • Autor: é o responsável pela lesão ao bem jurídico protegido. Contudo, cabe ressaltar que nem sempre o autor da conduta ilícita é juridicamente passível de responder pela mesma, como pode ser observado no caso de o agente ser absolutamente incapaz, como preconiza o código civil brasileiro em seu artigo 9287. 6 LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil, volume 2: obrigações e responsabilidade civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 3 ª. ed., 2004, p. 428. 7 Art. 928. O incapaz responde pelos prejuízos que causar, se as pessoas por ele responsáveis não tiverem obrigação de fazê-lo ou não dispuserem de meios suficientes. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/leis/2002/L10406.htm>. Acesso em 03/11/2013. Paulo Augusto Tiago Seixas – T510BF-2 – Responsabilidade Civil No Transporte de Pessoas 10 • Vítima: é aquele que, em decorrência da conduta do autor, sofre o dano; • Conduta: é o comportamento do autor, seja este resultante de uma ação ou omissão, que acarreta prejuízo à vítima; • Dano: é o prejuízo, patrimonial ou extra patrimonial, percebido pela vítima. Entretanto, importante notar que para haver reparação do dano, este deve ser ressarcível. Para tal necessita ser certo (consequência direta de um fato ilícito específico), atual (relação temporal entre a conduta ilícita do agente e o dano causado à vítima) e subsistente (o prejuízo não pode ter sido reparado pelo responsável); • Nexo de Causalidade: é a relação direta ou indireta da conduta do autor com o dano sofrido pela vítima. 1.4. RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRATUAL E EXTRACONTRATUAL Quanto à origem da responsabilidade civil, nosso ordenamento jurídico, adotando a teoria dualista ou clássica, a classifica em contratual e extracontratual. Na contratual tem-se um prévio ajuste entre as partes, seja de forma escrita ou tácita, do qual derivam obrigações para ambos os pactuantes. Esta modalidade de responsabilização tem como fundamento o rompimento de um vínculo obrigacional, ou seja, o inadimplemento contratual é o cerne da análise, considerando-se os limites da obrigação assumida. No que tange à extracontratual, também denominada de aquiliana, não existe um acordo anterior de vontades entre autor e vítima, o que se tem é a violação a um dever imposto pela lei ou pela ordem jurídica, que acarreta prejuízo a outrem. Cabe, no entanto, ressaltar que para os adeptos da teoria unitária ou monista, esta distinção quanto à origem é ineficaz, tendo em vista que os efeitos de ambas são os mesmos. Paulo Augusto Tiago Seixas – T510BF-2 – Responsabilidade Civil No Transporte de Pessoas 11 1.5. RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJETIVA E OBJETIVA A responsabilidade civil subjetiva foi adotada pelo Brasil no código civil de 1916, acompanhando a tendência mundial introduzida pelo codex civil francês de 1804, que já a consagrava. Este tipo de responsabilização recebeu este nome em virtude da necessidade de comprovação de um elemento subjetivo para sua configuração, ou seja, da indispensável prova, por parte da vítima do evento danoso, da culpa – englobando imprudência, imperícia e negligência - ou dolo na conduta do autor. Assim, pouco importava a magnitude do dano causado ou mesmo a desastrada conduta empreendida pelo agente causador do dano se não ficasse evidenciada a culpa “lato senso” deste, para que a vítima pudesse pleitear possível reparação. Como já referido, com o avanço tecnológico experimentado pela humanidade, principalmente pós revolução industrial, com o emprego cada vez em maior escala de máquinas, tanto nas atividades produtivas quanto nos meios de transportes, a indenização decorrente de acidentes de trabalho e ferroviários (principal meio de transporte de massa do século XIX) passou praticamente a ser inviabilizada, justamente pela quase impossibilidade de provar o elemento subjetivo necessário para a caracterização da responsabilidade civil. É nesse panorama, ou seja, em virtude dos anseios sociais, que a culpa deixou de ser o único fundamento para a reparação de prejuízos, com o que surgiu a responsabilidade objetiva, decorrente dos riscos inerentes a determinadas atividades. A responsabilidade civil objetiva dispensa a comprovação, por parte da vítima do evento, do elemento subjetivo. Fato este que facilita sobremaneira que se logre êxito em demandas onde, em virtude da natureza de determinadas atividades, a reparação não se perfectibiliza. Assim, basta que a atividade seja considerada de Paulo Augusto Tiago Seixas – T510BF-2 – Responsabilidade Civil No Transporte de Pessoas 12 risco pela lei ou pela jurisprudência e que fique comprovado o nexo de causalidade entre o dano sofrido e tal atividade para que se tenha a obrigação de recomposição. Importante frisar que nosso ordenamento jurídico continua a consagrar a responsabilização fundada na culpa. No entanto, esta coexiste com a responsabilidade objetiva, que há algum tempo já vinha consagrada em leis esparsas, como o Código de Defesa do Consumidor, e que no atual Código Civil foi expressamente introduzida em determinados dispositivos, como no artigo 927, parágrafo único, no caso das atividades tidas como de risco. 1.6. RESPONSABILIDADE CIVIL NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR Criado em 1990, o CDC se contrapôs à teoria do risco do consumo onde o consumidor assumia quase que com completa exclusividade os riscos por danos causados pelos produtos adquiridos. Antes deste diploma, cabia ao consumidor a prova inequívoca da culpa ou dolo do fornecedorpara que tivesse direito à restituição de seu prejuízo. A garantia do comprador se restringia aos vícios redibitórios. Deste modo, tal diploma legal impõe a teoria do risco do empreendimento (ou empresarial), tornando explicito em seus artigos 128 e 149 a objetivação da responsabilidade civil nas relações de consumo, seja pelos danos causados por produtos colocados no comércio ou oriundos da prestação defeituosa de serviços. Conforme ensina o Desembargador Sérgio Cavalieri Filho10 : “Pela teoria do risco do empreendimento, todo aquele que se disponha a exercer alguma atividade no mercado de consumo tem o dever de responder pelos eventuais vícios 8 CDC, art. 12. O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos. (Fato do produto). 9 CDC, art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos. (Fato do serviço). 10 FILHO, Sergio Cavalieri. Programa de responsabilidade civil. São Paulo: Atlas, 2007. 7 ª ed. p. 459. Paulo Augusto Tiago Seixas – T510BF-2 – Responsabilidade Civil No Transporte de Pessoas 13 ou defeitos dos bens e serviços fornecidos, independentemente de culpa. Este dever é imanente ao dever de obediência às normas técnicas e de segurança, bem como aos critérios de lealdade, quer perante os bens e serviços ofertados, quer perante os destinatários dessas ofertas. A responsabilidade decorre do simples fato de dispor- se alguém a realizar atividade de produzir, estocar, distribuir e comercializar produtos ou executar determinados serviços. O fornecedor passa a ser o garante dos produtos e serviços que oferece no mercado de consumo, respondendo pela qualidade e segurança dos mesmos.” Com isso, o consumidor, parte naturalmente mais frágil da relação consumerista, foi lançado a patamar de igualdade com as empresas com as quais contrata produtos e serviços, sendo protegido em sua posição hipossuficiente por norma de ordem pública e de interesse social, portanto, de aplicação necessária e observância obrigatória. O CDC é muito claro em sua opção pela responsabilidade civil objetiva amparada pela teoria do risco do empreendimento, onde o fornecedor tem o dever de assegurar a eficiência e qualidade dos serviços e produtos que coloca a disposição no mercado de consumo. “Assim, ao consumidor basta apenas provar a conduta violadora do dever geral de segurança, o dano e o nexo causal.”11 2. O CONTRATO DE TRANSPORTE Embora o foco deste trabalho seja o contrato de transporte de pessoas orientado a consumo, não se pode esquecer que o contrato de transporte se insere no contexto do mundo empresarial. Existe um mercado de transporte, mercado este ao redor do qual os diferentes agentes procuram satisfazer suas necessidades de maximização de utilidades, atingindo interesses que lhes sejam próprios. A empresa contemporânea pode ser entendida, corretamente, como um feixe de contratos, isto é, como uma complexa organização de relações jurídicas obrigacionais que estipula o âmbito de sua atuação e os agentes com quem travará 11 CAVALCANTI, André Uchoa. Responsabilidade civil do transportador aéreo: tratados internacionais, leis especiais e código de proteção e defesa do consumidor. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p 46. Paulo Augusto Tiago Seixas – T510BF-2 – Responsabilidade Civil No Transporte de Pessoas 14 relações de intercâmbio mercantil. O mercado pode ser visto, assim, como o local ideal de relação jurídica de escambo, ou seja, de troca de bens entre agentes que demandam por estes e agentes que os têm a ofertar. Do ponto de vista jurídico, é possível descrever esta realidade como um conjunto de relações jurídicas reiteradas, de conteúdo qualitativamente padronizado e ordinariamente organizadas por setor. Assim, é possível falar de um mercado do transporte, de um mercado imobiliário, de um mercado de seguros. É ao redor dos mercados que se pode encontrar, como agente que retira o bem do circuito econômico, a figura do consumidor, identificada normativamente como o destinatário final de produtos ou serviços. O consumidor representa, nos sistemas jurídicos contemporâneos, um novo status jurídico, a tal ponto que se pode identificar, com o surgimento e identificação de sua figura uma alteração na teoria do sujeito de direitos. Não sem razão a tutela do consumidor tem alçada constitucional. O art. 5º, inc. XXXII, da CF, ao determinar que o Estado deverá promover, na forma da lei, a defesa do consumidor, reconhece este sujeito de direitos como dotado de um específico status jurídico, a reclamar um conjunto de normas específicas a reger as situações jurídicas em que se encontre. Assim, na lei do consumidor, o CDC, o consumidor no seu conceito amplíssimo é todo aquele que pode retirar do mercado bens ou serviços, ou seja, é aquele sujeito, ainda que indeterminado que interveio em relações de consumo (art. 2º, Parágrafo único, do CDC). O contrato de transporte, nada obstante ser analisado neste trabalho como contrato de consumo é também contrato empresarial no sentido de que se organiza e se vivencia no ambiente da atividade economicamente organizada e, deste modo, é permeado do espírito mercantil. É por isso que a responsabilidade do transportador recebe um colorido próprio que permite identificar, no exercício desta específica atividade empresarial, suas particularidades. Paulo Augusto Tiago Seixas – T510BF-2 – Responsabilidade Civil No Transporte de Pessoas 15 O transporte, de modo geral, desencadeia, quando formado como contrato, uma obrigação de resultado. Deste modo, é obrigação específica do transportador deslocar de um lugar a outro, lugares estes dispostos no contrato de transporte. Neste sentido, não basta a diligência de procurar empregar do melhor modo possível a técnica de transporte para buscar determinado objetivo. É necessário que se consiga o obter, isto é, que se desloque até o local combinado. Deste modo, sua responsabilidade é bastante estrita e de forte vinculação jurídica. Como ocorre nas obrigações de resultado em geral, é o transportador que deve provar sua não culpa para eximir-‐‑se da responsabilidade, bastando ao credor de transporte demonstrar que não se verificou o resultado previsto. Deste modo, existe uma específica presunção de imputação de responsabilidade e do consequente dever de reparar à figura do transportador. As normas que regem o contrato de transporte são, além da disciplina do art. 730 e segs., do CC, aquelas de caráter regulamentar, bem como as previstas nos atos de concessão, permissão e autorização (art. 731, do CC). Deste modo,por exemplo, o motorista de táxi deve respeitar as normas municipais referentes a sua atividade, previstas na legislação específica. Assim, deve obter a licença para transportar passageiros. Além disso, a disciplina da responsabilidade do transportador é regida pelas leis especiais e de tratados e convenções internacionais (art. 732, do CC), como é o caso da Convenção de Varsóvia sobre o transporte aéreo internacional. É interessante que, nada obstante estes dispositivos, que autorizam que se fale em um diálogo de fontes normativas entre o CC e outros textos, o CC continua como lei geral em matéria de transporte. O CC reserva para si o caráter de norma geral e cogente para os contratos de transporte. Mesmo os tratados só serão aplicados “desde que não contrariarem as disposições deste Código”. Assim, o CC apresenta-‐‑se como uma espécie de lei reitora e organizadora das relações privadas neste setor do mercado. Paulo Augusto Tiago Seixas – T510BF-2 – Responsabilidade Civil No Transporte de Pessoas 16 Sendo assim, não vige para o mercado de transporte, em termos normativos, o tradicional princípio de que a lei especial derroga a geral, por sua especificidade. Não é assim. A lei geral prevalece, com uma função ordenadora, cobrindo de ineficácia, a norma especial no que a contrariar. Isto porque o sistema do CC, para a matéria de transporte, organizou a lei de modo principiológico, ou seja, de modo a que sua qualidade prevalece sobre a qualidade das demais normas. As normas de leis gerais são quantitativamente básicas e, portanto, podem ser derrogadas por preceitos especiais. Têm o caráter de piso normativo mínimo12. Já as normas de leis principiológicas não podem ser derrogadas porque são qualitativamente superiores, tornando-‐‑se um mínimo de ordem pública que não pode ser afastado nem pela lei, nem por atos de autonomia privada (Vide art. 2035, Parágrafo único, do CC). Outra importante consideração a ser feita diz respeito ao transporte cumulativo. Muitas vezes é impossível que o deslocamento seja feito por apenas um transportador. Outras vezes, isto se dá por razões de logística da atividade. Assim, podem existir trechos de percurso de responsabilidade de transportadores distintos. O art. 733, do CC, disciplina o contrato de transporte sucessivo, de modo contraditório. Contraditório porque estabelece uma responsabilidade pelo respectivo percurso, no art. 733 caput, ou seja, uma responsabilidade setorial e não abrangente do deslocamento total e, no art. 733, § 2º, dispõe a respeito de uma responsabilidade solidária pelo percurso todo. A interpretação de que se trata, no transporte cumulativo, de responsabilidade solidária decorre de que, no dispositivo mencionado, trata-‐‑se de que a responsabilidade de eventual substituto será solidária com os demais, havendo uma “extensão” da responsabilidade (“a responsabilidade solidária estender-‐‑se-‐‑á ao substituto”). Esta extensão pressupõe uma solidariedade prévia entre todos os integrantes da cumulação estabelecida. De modo que o caput deve ser interpretado de modo a compreender que há obrigação de cumprir com o 12 Neste sentido, Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery, Código Civil Comentado, 4a ed., São Paulo, RT, 2006, p. 545-‐‑546. Paulo Augusto Tiago Seixas – T510BF-2 – Responsabilidade Civil No Transporte de Pessoas 17 percurso, mas que eventuais danos em geral, são de responsabilidade de todos, em regime de solidariedade. Deste modo, verifica-‐‑se mais uma vez a dissociação dos níveis obrigação e responsabilidade no vínculo jurídico obrigacional. Nesta modalidade de transporte existe também uma limitação da quantificação do dano resultante de atraso ou interrupção da viagem, que será feita em razão da totalidade do percurso. Daí também se pode concluir que a intenção do legislador tenha sido a de instituir um regime de solidariedade. Em direito do consumidor, a responsabilidade é solidária por diálogo de fontes entre o referido dispositivo legal (art. 733, do CC) e o art. 12, caput, do CDC. O dispositivo legal do art. 733, caput, do CC, padece da referida ambiguidade porque confunde o transporte sucessivo com o transporte cumulativo. No transporte sucessivo há tantas relações jurídicas entre credor e devedor quantos forem os trechos do itinerário. No transporte cumulativo, a relação jurídica entre credor é uma só, havendo inclusive a expedição do bilhete ou conhecimento de transporte por um dos transportadores. Eventual apuração de efetivo responsável para efeitos indenizatórios deve se dar, em momento posterior, entre os transportadores, de modo a evitar um enriquecimento injustificado do verdadeiro causador do dano. Perante o credor, entretanto, a responsabilidade é da cadeia de transportadores, podendo demandar a qualquer um deles, tendo em vista a responsabilidade solidária. Neste caso, do transporte cumulativo, há entre credor e devedor uma única relação jurídica, havendo pluralidade obrigacional apenas entre os devedores (transportadores). Neste sentido, já advertia Pontes de Miranda: “Nos tempos modernos, com a maior quantidade de empresas, o transporte cumulativo de pessoas exerce função social da mais alta importância. Não é acertada a concepção do transporte cumulativo de pessoas ou de coisas como pluralidade de contratos, porque tal figura satisfaz o requisito da sucessividade de transportadores, porém não o da cumulatividade. No transporte cumulativo, há unicidade de contrato e pluralidade de Paulo Augusto Tiago Seixas – T510BF-2 – Responsabilidade Civil No Transporte de Pessoas 18 transportadores. Não importa se o outorgante em nome próprio do contrato de transporte é uma só pessoa, ou se já muitos outorgantes em nome próprio (todos ou alguns dos transportadores). O que é essencial é que se devam ao freguês as sucessivas prestações de transporte. As relações jurídicas entre o outorgante em nome próprio ou os outorgantes em nome próprio e os demais transportadores é estranha à relação jurídica entre a pessoa transportanda ou o possuidor do bem ou dos bens transportandos e quem se vincula a prestar os sucessivos transportes, porque vinculados são todos”.13 Auxilia a compreender a importante e avançada norma jurídica outro dispositivo legal, o art. 756, do CC, referente ao transporte de coisas, este sim, sem qualquer dúvida interpretativa: “No caso de transporte cumulativo, todos os transportadores respondem solidariamente pelo dano causado perante o remetente, ressalvada a apuração final da responsabilidade entre eles, de modo que o ressarcimento recaia, por inteiro, ou proporcionalmente, naquele ou naqueles em cujo percurso houver ocorrido o dano”. Neste caso, fica clara a responsabilidade do transportador perante o credor de transporte, que é global e afeta a todos os integrantes das sucessivas etapas de transporte, bem como a possibilidade de que apurem entre si, em momento posterior, a responsabilidade de cada qual. 2.1. CONTRATO DE TRANSPORTE DE PESSOAS No contrato de transporte de pessoas a obrigação do transportador se concretiza em obrigação de levar pessoas de um lugar a outro. Encerra, como já apontamos, obrigação de resultado, consistente no efetivo deslocamento. Essa obrigação abrange não apenas a pessoa, como também sua bagagem. A responsabilidade pelo cumprimentoda obrigação abrange danos que sejam acometidos quer contra a pessoa quer quanto a seus bens (bagagem). O art. 734, caput, do CC, determina ser nula qualquer cláusula que exclua esta 13 PONTES DE MIRANDA, Tratado de direito privado, t. XLV, Rio de Janeiro, Borsoi, 1964, p. 27. Paulo Augusto Tiago Seixas – T510BF-2 – Responsabilidade Civil No Transporte de Pessoas 19 responsabilidade. Em semelhança com o art. 51, inc. I, do CDC, o CC disciplina uma nulidade de cláusula de exoneração de responsabilidade. O escopo da norma é impedir que, antecipadamente à ocorrência do dano, de antemão o transportador tenha a seu favor uma disposição contratual que impeça a imputação da responsabilidade a si. A nulidade é de pelo direito e independente de ação judicial, podendo ser decretada em qualquer instância e grau de jurisdição. A cláusula de não indenizar é inoperante, conforme entendimento que já era firmado pela jurisprudência, com a Súmula nº 161 14 do STF, que afirma: “Em contrato de transporte, é inoperante a cláusula de não indenizar”. Esta nulidade não decorre apenas de o contrato de transporte ser celebrado mediante adesão, mas do princípio da boa-‐‑fé objetiva, que se presume a favor do passageiro. De acordo com ele, deve-‐‑se interpretar o contrato de acordo com a lealdade entre as partes contratantes (art. 113, do CC) e, portanto, de modo a possibilitar que se compreenda a sua atuação de acordo com os ditames de probidade. Espera-‐‑se que aquele que ingressa no veículo de transporte tenha o tratamento condizente com sua saúde e integridade, devendo ser transportado incólume ao local de destino. De parte do transportador se espera que responda pelos danos que causar ou que forem propiciados a eventuais vítimas no decorrer do transporte, pois é ele quem assume o risco da atividade, tendo ela sob seu comando. Daí a relevância da interpretação conforme com a boa-‐‑fé. Entretanto, existe a possibilidade de que se limite o valor da indenização devida por danos causados à bagagem, estando o transportador autorizado a exigir a declaração de seu valor (art. 734, Parágrafo único, do CC). Esta norma atribui um poder ao transportador, o qual poderá ser muito útil na pré-‐‑ fixação das perdas e danos e, portanto, à organização de sua atividade, evitando prejuízos excessivos. Merece, portanto, elogios esta norma, na medida em que 14 Fonte: STF<http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=161.NUME.%20NAO%20 S.FLSV.&base=baseSumulas> Acessado em: 15/11/2013. Paulo Augusto Tiago Seixas – T510BF-2 – Responsabilidade Civil No Transporte de Pessoas 20 permite aos agentes econômicos uma auto-‐‑regulação, a qual pode inclusive facilitar o cálculo do montante devido a título de perdas e danos. Também tem a vantagem de auxiliar no cálculo dos custos de “transação” da atividade econômica de transporte, evitando situações de insolvência por parte das empresas em vista de uma extensão de seus deveres para além dos limites de sua suportabilidade. De outro lado, há uma norma que tenderá a aumentar significativamente os custos de “transação” nos contratos de transporte e nas relações jurídicas indenizativas que surjam no seu interior. Trata-‐‑se do art. 735, do CC, que prevê que a culpa de terceiro não elide a responsabilidade do transportador por danos causados aos passageiros. Este dispositivo, revolucionário em matéria de responsabilidade civil, acaba por estabelecer nas relações jurídicas de transporte um mecanismo de dever de reparar o dano análogo ao da teoria chamada do risco integral. Normalmente, nas hipóteses de responsabilidade objetiva, o dever de reparar o dano não se configura nos casos em que não se forme nexo causal entre o resultado lesivo e a ação ou omissão que supostamente o desencadeou. Ou seja, nas situações em que não se configure nexo de causalidade, não há que se falar em dano indenizável. Pode haver prejuízo econômico ou moral, sem responsabilidade em sentido jurídico próprio. São conhecidas excludentes de responsabilidade civil, ainda assim da responsabilidade objetiva, a culpa exclusiva de terceiro, a culpa exclusiva da vítima e o caso fortuito ou força maior. Isto porque estas modalidades de acontecimentos mostram que o resultado danoso teve outra causa que impede a imputação de responsabilidade no suposto causador do dano, que de causador terá apenas o nome. Ao se configurar uma responsabilidade até mesmo pelo fato de terceiro, o CC adota um sistema de responsabilização mais que objetiva, que se assemelha à responsabilidade pelo risco integral, que o sistema admite apenas excepcionalmente, como é o caso do risco por acidentes com energia atômica. Paulo Augusto Tiago Seixas – T510BF-2 – Responsabilidade Civil No Transporte de Pessoas 21 Assim, ainda que fatos sejam imputáveis a terceiros estranhos à atividade propriamente de transportar, estes poderão ser fatores justificadores do dever de indenizar do transportador. Há autores que restringem esta noção, afirmando que apenas os comportamentos de terceiros conexos à atividade é que permitem a consideração de que não se exclui a responsabilidade, sendo entretanto, excludentes os comportamentos de terceiros estranhos ao transporte. A distinção, apesar de sutil e inteligente, não encontra data venia, amparo na norma. A norma não distingue entre fatos alheios ao contrato de transporte e fatos conexos a este. Inclui a responsabilidade por fato de terceiro como integrante da responsabilidade civil do transportador de modo geral e abrangente, textualmente afirmando que a responsabilidade não é por ele elidida (art. 735, do CC). Deve-‐‑se sublinhar, entretanto, que uma coisa é fato de terceiro e outra caso fortuito ou força maior, que são, estas sim, excludentes da responsabilidade do transportador. Daí a importância de, nos casos concretos, verificar-‐‑se se determinado fato, que se suspeita seja excludente de responsabilidade, é fato de terceiro, o que não exclui a responsabilidade ou força maior, que exclui a responsabilidade. Existem situações de fronteira, como por exemplo, a situação do assalto a mão armada. Aparentemente trata-‐‑se de um fortuito, mas conforme o caso concreto e a situação específica que tenha se desenhado, poderá se enquadrar em fato de terceiro e, portanto, ensejar obrigação de o transportador indenizar. Tudo dependerá de circunstâncias. Sem que tenha aplicado o CC, o TJRJ entendeu que o assalto no interior de ônibus, no caso do transporte interestadual, não era caso fortuito a autorizar a elisão da responsabilidade civil, mas era acontecimento previsível, tanto por já terem ocorrido casos semelhantes, quanto pela infração ao dever de diligência. No entender do Tribunal, deveria a empresa submeter os passageiros a Paulo Augusto Tiago Seixas – T510BF-2 – Responsabilidade Civil No Transporte de Pessoas 22 revista ou fazê-‐‑los passar pelo detector de metal, quer pela autorização legal, quer pelo hábito da própria empresa o fazer em outras circunstâncias.15 Em trecho de acórdão ali mencionado,o qual passou a integrar o voto, menciona-‐‑se que: “Negligenciado medida de segurança que estava ao seu alcance adotar, não pode a ré-‐‑apelante, para se eximir de responsabilidade pela má prestação do serviço de transporte, invocar o art. 14, § 3o, II do CDC, atribuindo a culpa exclusiva do evento danoso a terceiro, ao argumento da ocorrência de fortuito externo, com as suas características de imprevisibilidade e inevitabilidade. Imprevisível o fato não era, já que assaltos a ônibus são corriqueiros, e inevitável também não o era, porquanto nas circunstâncias em que ocorreu, não era insuperável, bastando para evitá-‐‑lo que a ré-‐‑apelante tivesse tomado as cautelas necessárias, com a utilização de detector de armas, como costumava fazê-‐‑lo”. E no voto condutor do acórdão, pode-‐‑se ler: “Também a invocação do art. 144 da CF, feita pela ré na sua contestação, não lhe socorre, pois o mencionado dispositivo constitucional, ao tempo em que afirma ser a segurança pública dever do Estado, também atribui a todos a responsabilidade pela mesma, sendo que estava ao seu alcance evitar o evento danoso. Bastaria, com efeito, que submetesse os passageiros, prestes a embarcar no terminal rodoviário, a um detector de armas, como, aliás, costumava fazê-‐‑lo, fato evidenciado pelas fotografias de f.”. Este dever de cuidado com a parte contrária deriva da cláusula geral de boa-‐‑fé objetiva, não fosse o expresso amparo legal e nos usos e costumes que norteiam o processo obrigacional. 15 RT 831/389-‐‑391. Ementa: “Transporte coletivo de passageiros. Responsabilidade civil. Indenização. Danos morais e materiais. Assalto no interior de transporte interestadual. Caso fortuito. Inocorrência. Previsibilidade do fato, diante dos vários casos semelhantes ocorridos anteriormente. Caracterização de negligência da transportadora, que deixou de submeter os passageiros ao detector de armas. Verba devida” (TJRJ, Ap. 2003.001.35802, 17ª Cam., rel. Des. Fabrício Paulo Bandeira Filho, j. 12.02.2004, DORJ 02.09.2004). Paulo Augusto Tiago Seixas – T510BF-2 – Responsabilidade Civil No Transporte de Pessoas 23 Outro caso relevante, neste sentido, são os casos de bala perdida. Esta sim, ordinariamente, será considerada caso fortuito, mas conforme as circunstâncias, pode-‐‑se considerá-‐‑la como fato de terceiro, como é o caso de itinerários de viagem próximos a regiões sabidamente perigosas ou de alta criminalidade. Nos casos em que a bala perdida for considerada fato de terceiro, existe o dever de o transportador indenizar o prejudicado com o acidente. 3. RESPONSABILIDADE CIVIL DO TRANSPORTADOR Como se pode perceber, o sistema de direito privado instituiu uma responsabilidade mais que objetiva ao transportador, no caso específico do transporte de pessoas. A impossibilidade de exoneração da responsabilidade por culpa exclusiva de terceiro mostra isto. Neste caso, o transportador assume o dever de impedir resultado danoso, ainda que causado por estranhos. O nexo de imputação normativa sobrepaira o nexo de causalidade natural. Entretanto, em determinados casos específicos, existe a possibilidade de que se minore a responsabilidade, por exemplo, tendo em conta que o ato imputável ao transportador concorreu com outros atos. Assim, por exemplo, decidiu o STJ em interessante caso16. O entendimento majoritário deste tribunal e no sentido de que assaltos são fatos fortuitos e, portanto, não imputáveis à empresa transportadora. Entretanto, nesta ocasião em especial, decidiu-‐‑se ser ela corresponsável. Tratava-‐‑se de hipótese em que a vítima acabou por falecer em decorrência de que o motorista abriu a porta do veículo com este ainda em andamento, o que propiciou fosse a vítima atropelada pelo próprio veículo. Neste caso específico, houve condenação a cinquenta por cento do valor devido. 16 RT 827/197-‐‑200. Ementa: “A orientação recentemente firmada pela 2ª Seção do STJ, uniformizadora da matéria, é no sentido de que o assalto à mão armada dentro de coletivo constitui força maior a afastar a responsabilidade da empresa transportadora pelo evento danoso daí decorrente para o passageiro. Caso, todavia, em que, para fugir ao assalto, passageiros pediram ao motorista que abrisse a porta do coletivo, que o fez com o ônibus em movimento, gerando o atropelamento de um deles ao saltar, incorrendo a empresa, em tal situação, em culpa concorrente, já que a fatalidade se deu, em parte, em virtude de imprudência do seu preposto” (STJ, Resp. 294610-‐‑ RJ, 4ª T., rel. Min. Aldir Passarinho Jr., j. 26.08.2003, DJU 15.12.2003). Paulo Augusto Tiago Seixas – T510BF-2 – Responsabilidade Civil No Transporte de Pessoas 24 Afirmou o STJ que dois motivos concorreram com o resultado danoso. “O primeiro, sem dúvida, pela precipitação do de cujus, é claro que por força das circunstâncias, em se lançar do ônibus em movimento, no que restou atingido pelas rodas traseiras do veículo, vindo a falecer.” E, além disso, que: “Em tais circunstâncias, tenho que há responsabilidade ao menos concorrente da empresa ré, que agiu com significativa parcela de culpa, pelo que é de se lhe ser imputado, pela metade, o ônus do ressarcimento”. 3.1. O SISTEMA DE OBJETIVAÇÃO DE RESPONSABILIDADE NO CC Esta tendência de objetivação de responsabilidade observa-‐‑se dentro do contexto maior do CC, que prevê uma série de hipóteses de responsabilidade objetiva, para além das mais tradicionais. Na verdade, o art. 927, Parágrafo único, do CC, cria uma cláusula geral de imputação de responsabilidade objetiva, quando concorrem os seus pressupostos. 3.2. A RESPONSABILIDADE DA CADEIA DE FORNECIMENTO NO CDC. A RESPONSABILIDADE OBJETIVA NO CDC A responsabilidade civil do transportador, no âmbito do CDC também é objetiva. Este pode ser visto como um fornecedor de serviços. Quando opera em cadeia também responde junto com os demais integrantes do ciclo de distribuição do serviço. Deste modo, o contrato de transporte, quando coligado a outras relações jurídicas, da ensejo a uma responsabilidade pelo transporte por parte de seus sujeitos. Esta assertiva vale especialmente para o transporte instrumental. Por transporte instrumental entendemos aquele que é meio para uma outra prestação, que é fim. É instrumental, por exemplo, o contrato de transporte inserido em uma relação jurídica de “pacote de turismo”. O objetivo da relação jurídica obrigacional não é o transporte em si, ele nada mais é que um meio para o turismo, que se pode qualificar, ainda assim, como uma complexa rede de contratos que envolvem prestações como a de hospedagem e prestação de serviços. Paulo Augusto Tiago Seixas – T510BF-2 – Responsabilidade Civil No Transporte de Pessoas 25 O transporte, hoje, deve ser visto como um bem de consumo, o qual guarda forte relação existencial com a pessoa, demandando assim um respeito a sua incolumidade e também, uma forma de concretizar a obrigação de segurança constitucionalmente prevista (art. 5º, caput, da CF). Assim, vícios no transporte são vícios nos termos do art. 18, do CDC, assim como acidentes no transportesão acidentes de consumo, fazendo com que os “stand buyers” possam ser credores perante o transportador sem que com ele tenham celebrado contrato de transporte. 3. CONCLUSÃO Para concluir, é importante lembrar que o transporte insere-‐‑se, muitas vezes, em relações econômicas de maior complexidade, que não podem se esgotar nas vestes deste tipo contratual. Muitas vezes, o contrato de transporte encontra-‐‑se coligado a outras prestações de outros tipos de contrato, as quais permitem, com frequência, a identificação de redes contratuais. As redes contratuais são fenômenos marcantes da economia contemporâneo, em que se verifica a interligação de espécies contratuais distintas a vestir a mesma operação de troca. Assim, juridicamente temos relações contratuais passíveis de separação lógica, mas que formam um todo unitário destinado a abrigar uma mesmo operação econômica subjacente. O transporte de pessoas, muitas vezes é interligado a contratos como o de trabalho, prestação de serviços (coligação simples), ou ainda a redes de contratos, como é o caso do chamado “pacote turístico”. Nestes casos, deve-‐‑se interpretar o contrato integrando o todo que lhe dá sentido e permite, portanto, identificar eventuais imputações de responsabilidade ligeiramente diversas das normativamente identificadas. Assim, por exemplo, pode-‐‑se imputar a responsabilidade pelo dano, tipicamente do transportador, a outros sujeitos de direito dele diversos, mas com os quais a rede de coligação integra. Paulo Augusto Tiago Seixas – T510BF-2 – Responsabilidade Civil No Transporte de Pessoas 26 REFERÊNCIAS WIKIPEDIA <http://pt.wikipedia.org/wiki/Trem> Acessado em 15.11.2013; CARROANTIGO<http://www.carroantigo.com/portugues/conteudo/curio_hist_carro_ brasileiro.htm> Acessado em: 15.11.2013; WIKIPEDIA <http://pt.wikipedia.org/wiki/Bicicleta#Hist.C3.B3ria> Acessado em: 15/11/2013; WIKIPEDIA < http://pt.wikipedia.org/wiki/Avião#Hist.C3.B3ria> Acessado em: 15/11/2013; BRASIL ESCOLA <http://www.brasilescola.com/geografia/transportes.htm> Acessado em: 15/11/2013. LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil, volume 2: obrigações e responsabilidade civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 3 ª. ed., 2004. FILHO, Sergio Cavalieri. Programa de responsabilidade civil. São Paulo: Atlas, 2007. 7 ª ed. CAVALCANTI, André Uchoa. Responsabilidade civil do transportador aéreo: tratados internacionais, leis especiais e código de proteção e defesa do consumidor. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. NELSON NERY JR. e ROSA MARIA DE ANDRADE NERY, Código Civil Comentado, 4a ed., São Paulo, RT, 2006. PONTES DE MIRANDA, Tratado de direito privado, t. XLV, Rio de Janeiro, Borsoi, 1964.
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