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dor_do_parto_-_como_aprender_com_ela (1)-1

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FOTO: ALESSANDRA SANTANA
como aprender com ela
DOR DO
PARTO
E l e o n o r a M o r a e s
Esta sensação da dor é sentida no corpo, apenas 
nos picos das contrações que vem e vão, 
dando intervalos sem dor alguma entre uma 
contração e outra. É uma percepção real e 
presente para a grande maioria das 
mulheres no momento do parto. Apenas 
no momento do parto.
 
O medo da dor entretanto, é um processo 
mental e que acontece independente da 
dor real que acontece no corpo. Ela 
acontece na mente e carrega memória, 
ansiedade, crenças que nos assustam e 
limitam. Pode assombrar uma mulher por 
toda a gestação sem nem mesmo ser sentida 
em momento algum. Pode ser vista como uma 
inimiga, fortalecendo a falsa auto percepção da 
mulher como frágil e incapaz de suportar o parto. Com muita frequência escuto mulheres 
dizendo "eu não vou aguentar a dor", como se a dor, por si só fosse capaz de trazer um 
sofrimento insuportável ou até mesmo de matá-las.
 
Isto não é verdade. Nenhuma mulher na história da humanidade morreu de dor no parto. 
Uma dor só mata porque é sinal de que algo de muito errado está acontecendo com 
alguém. Mas o que mata não é a dor. Ela é apenas o sintoma. No caso do parto, a dor não 
é sintoma de que algo vai errado. Pelo contrário. É sinal de que a fisiologia está 
acontecendo e seu corpo está saudável e se abrindo para dar luz a um novo ser humano. 
Este processo é grandioso e intenso e tudo está certo, no lugar que tem que estar.
A dor do parto só é sinal de que algo está errado se ela for contínua e não 
cessar nem mesmo nos intervalos das contrações. Fora isso é apenas um 
sinal de que a fisiologia está funcionando e seu corpo se abrindo para o bebê 
nascer.
 
É preciso desconstruir a ideia da dor do parto como inimiga. Vamos aprender aqui a 
entende-la como uma aliada. Para isso vamos torna-la conhecida, compreende-la e 
compreender a diferença entre dor e sofrimento.
O que traz o estímulo que pode ser percebido como 
doloroso é a contração do útero. O útero é como um 
saco de músculo com uma pequena abertura 
embaixo chamada colo de útero. É o colo que 
precisa se abrir e dilata até 10 cm para que o bebê 
possa descer pelo canal vaginal e depois nascer. O QUE É A
DOR DO
PARTO?
SOBRE A
DOR DO
PARTO E O
MEDO
A contração do útero é um ato involuntário (que não controlamos) provocado pela nossa 
liberação hormonal e que vai fazer com que as fibras musculares do útero se contraiam 
abrindo a parte debaixo (colo) e ao mesmo tempo empurrando a cabeça do bebê para baixo. 
Nas contrações também são encurtados diversos ligamentos que prendem o útero a pelve, 
favorecendo a abertura da pelve para a passagem do bebê.
Para um bebê nascer é preciso várias contrações eficazes em sua duração e intensidade, para 
que o colo do útero e pelve se abram para o bebê passar.
Útero, colo do útero e canal vaginal
Contração
Que algo fique bem claro: durante um trabalho de parto 
inteiro passamos mais tempo sem sentir dor do que com 
dor. Isto porque a dor vem apenas no momento de 
maior intensidade de cada contração. E 
passamos mais tempo sem contração do que com 
contração durante todo processo. Ela é portanto 
Intermitente, ou seja, vai e volta e no momento do 
final de cada contração e do seu intervalo, não se 
tem percepções dolorosas.
A percepção de dor também é crescente e o corpo se 
adapta a cada etapa, liberando mais endorfinas e 
outros hormônios que nos permitem aceitar o 
processo. Começa como uma cólica menstrual e vai 
gradualmente aumentando durante o trabalho de 
parto. Vem um patamar de dor, o corpo se acostuma até 
ficar bem suportável, logo vem um novo patamar mais 
alto e o corpo se acostuma e assim por diante.
O que torna o parto excessivamente dolorido: receber intervenções para acelerar 
o parto como ocitocina sintética ou misoprostol, estar sozinha, sofrer violência 
obstétrica, medo e tensão também contribuem para aumentar a percepção da dor 
e ela se transformar em sofrimento.
COMO 
ELA É?
FOTO: ALESSANDRA SANTANA
ELA SE PARECE
COM ALGUMA
DOR QUE JÁ
SENTIMOS?
É diferente de tudo o que você já viveu, além 
disso a percepção da dor varia de mulher 
para mulher e esquecemos dela pouco 
depois do parto, portanto é difícil de 
descrevê-la.
Mas podemos dizer que no início ela é 
semelhante a uma cólica menstrual não 
muito forte, localizado no baixo ventre 
que se intensifica com o desenvolvimento 
do parto. Depois pode se localizar também 
na região lombar, trazendo uma sensação 
de repuxar para frente do corpo. No final a 
sensação é de uma pressão forte para baixo, 
abrindo a porção inferior dos quadris.
É comum ouvirmos a comparação da dor do parto com a dor da cólica de rim, mas esta 
não parece ser uma boa descrição já que a primeira é constante e impiedosa, sem 
intervalos.
Quem nunca viveu um parto certamente vai imaginar que 
o momento mais dolorido é o momento em que a 
cabeça do bebê está passando pelo final do canal 
vaginal, pelo períneo, portanto nascendo de fato.
Quem já viveu um parto pode dizer sem sombra de 
dúvidas que esta idéia não é verdadeira. O 
momento mais exigente do parto é o final da 
dilatação do colo de útero, entre os 7 e os 10 cm de 
dilatação, também chamado como “fase de 
transição” ou a “hora da covardia". Esta fase precede 
a fase expulsiva e envolve uma descarga grande de 
adrenalina e altíssima liberação de endorfinas.
No final da fase de transição vem a vontade instintiva de 
fazer os puxos (força de expulsão) e ao fazê-los percebemos 
que a dor fica absolutamente controlável, que dói menos, 
justamente porque ajudamos o bebê a nascer. Pode ser até mesmo prazeroso o momento do 
expulsivo. A adrenalina nos faz “acordar” para uma postura mais ativa, menos vitimizada do 
parto.
QUAL 
MOMENTO
DÓI MAIS?
A dor do parto é fisiológica. Ela ensina os 
caminhos que o corpo tem a percorrer. 
A dor do parto tem funções extremamente 
importantes na hora do parto. Ela mostra o 
caminho a ser percorrido pelo corpo durante o 
processo. Ensina qual a melhor posição para 
ficar, qual o momento de fazer força, nos 
ensina instintivamente o que fazer para 
facilitar o processo fisiológico do nascimento 
do bebê. 
Um exemplo disto é a posição do corpo durante 
as contrações da fase ativa (fase do parto mais 
intensa): as mulheres tendem a inclinar o tronco 
para frente quando vem a contração. Isto porque o 
útero quando contrai se desloca para frente 
ajudando a posicionar melhor a cabeça do bebê em 
direção ao colo de útero e canal vaginal que ficam para trás do corpo da mulher.
Esta posição, além de ajudar o bom posicionamento do bebê e aliviar a dor, evita que a mulher 
escolha a posição deitada, de barriga para cima, evitando que o peso do útero comprima a veia 
cava inferior, uma das principais veias do corpo e que levam sangue para a parte inferior do 
nosso corpo, incluindo útero e placenta! Ou seja, como ficar deitada de barriga para cima dói 
muito mais na contração, escolhemos ficar na vertical com o tronco a frente ou deitadas de lado 
para que doa menos. E este fato ajuda o bom funcionamento do parto.
Outro exemplo bem importante é a da fase do expulsivo do trabalho de parto, depois da 
dilatação total: como a cabeça do bebê abaixa e comprime a porção final do reto, começamos 
sentir uma vontade muito grande de fazer força, para empurrar o bebê para baixo e para fora.
Na hora em que isto começa a acontecer é comum sentir muito medo - "se já está doendo agora, 
imagina depois!" - é o pensamento da vez. Mas em algum momento, essa vontade de fazer força 
instintiva ganha nossos pensamentos e começamos a fazer estes puxos até de forma 
involuntária. Para a nossa surpresa: dói muito menos quando empurramos! A dor maior é 
quando resistimos em fazê-la. 
Mais uma vez estamos ajudando a fisiologiaao sentir a dor e movimentar o corpo para 
aliviá-la.
E
PORQUE
DÓI?
Posição do útero durante a contração.
Fonte: retirado do livro "Parto Ativo" -
Janet Balaskas Editora Ground
Foto: Alessandra Santana
FOTO: AMANDA FRANCO
Uma das funções comportamentais da dor é nos trazer 
para o presente. Para o aqui e para o agora. Não tem 
como você sentir uma dor e não prestar atenção no seu 
momento, no seu exato momento.
Uma dor no corpo sinaliza que algo de errado ou 
estranho está acontecendo. Uma dor de cabeça, no 
estômago ou uma dor de dente indica que eu 
preciso dar atenção a minha saúde, mudar hábitos, 
buscar ajuda, cuidar. 
Vamos fazer aqui o seguinte exercício: imagine se o 
parto não doesse, se eu não o sentisse. O que 
aconteceria? É provável que a gente estivesse fazendo 
compras no supermercado e de repente o bebê nascesse, 
sem ter nenhum preparo e nenhuma assistência para dar 
o tratamento e a atenção adequados. 
O parto traz portanto, a necessidade de nos voltarmos para dentro e colocar nossa concentração 
de forma inteira nesse evento máximo que é o de uma criança nascendo, absolutamente, 
totalmente, dependente de cuidados.
Outro aspecto interessante é que existem algumas teorias, na psicologia, que entendem a dor do 
parto como instituída culturalmente. Por exemplo, nós sempre ouvimos que dói.
Além disso, temos uma associação do parto com o sexo, como um ato pecaminoso. Na nossa 
cultura, por algumas religiões, temos esse olhar distorcido para a questão da sexualidade 
humana, da sexualidade feminina. Assim, é como se fosse um castigo pelo pecado. Portanto, 
existem teorias que apostam nessa ideia de a dor do parto ser construída culturalmente.
Preparar-se para o parto, conhecendo como ele acontece, o que você vai sentir, o 
local de parto e se possível a equipe é uma forma eficaz de reduzir o medo e a 
ansiedade, minimizando a sensação de dor.
TRAZER
PARA O
PRESENTE
Foto: Juliana Rizieri
Compreendidas todas estas questões que 
transformam o desconhecido da dor em 
algo conhecido e com razão para existir, 
resta aqui diferenciar a dor do sofrimento. 
A dor é inerente ao parto, e como vimos, é 
fisiológica, faz parte do processo e ajuda 
o parto a acontecer. 
O sofrimento é o agravamento da dor 
física pelos processos mentais 
relacionados a percepção desta dor ou 
pela violência obstétrica caracterizada pelo 
uso inadequado de intervenções para 
acelerar o parto, isolamento e até agressões 
físicas e verbais por parte da equipe pouco 
preparada. Mas não iremos entrar na questão da 
violência obstétrica aqui, que é bastante complexa e envolve múltiplos fatores. Vamos nos 
focar nos processos mentais ligados ao sofrimento pela dor do parto.
A dor torna-se sofrimento quando a mulher, por diversas razões, sente-se vítima do 
próprio processo do parto, enxergando nas contrações ou na demora do nascimento 
uma ameaça a própria vida e segurança, ou a vida do bebê. Um parto prolongado pode 
trazer esta percepção de sofrimento. O cansaço enfraquece as barreiras contra as 
artimanhas da mente que acredita na nossa incapacidade de superar nossos próprios 
obstáculos. Por isso descansar bem no início do trabalho de parto, enquanto as contrações 
ainda permitem isto é essencial.
Ficar no lugar da vítima é a maior armadilha do sofrimento do parto. É 
escolher olhar para si mesma com pena, com fragilidade e como quem não merece passar 
por "todo aquele castigo". E aí só resta delegar para outra pessoa, no caso o médico, fazer 
o bebê nascer, no caso através do único recurso que ele tem que é a cirurgia cesariana. 
Médico algum "faz" o parto. Quem o faz é a mulher.
DOR OU
SOFRIMENTO? 
Percebo claramente em minha experiência parindo 2 filhas e como doula, que existe um momento do 
parto onde a mulher que "sofre o parto" precisa "virar a chave", abandonar o lugar da vítima e assumir 
a posição de mulher guerreira, autora do ato de parir. Neste momento ela entende que ninguém poderá 
fazer o parto normal por ela, então ela assume o parto para si, coloca-se numa postura ativa e pode parir 
com garra e confiança. Virada a chave, o parto é dela! E ninguém a tira deste lugar de excelência.
Existem várias técnicas naturais de alívio para a dor do parto que ajudam imensamente a mulher a lidar 
com ela, vivendo apenas o fisiológico e evitando que entre na dor do sofrimento. São conhecidas como 
"métodos não farmacológicos de alívio da dor" e seus benefícios são comprovados por evidências 
científicas consistentes. Ter, por exemplo, uma doula que entenda e possa oferecer um suporte 
contínuo emocional e aplicar técnicas de alívio da dor naturais é um dos métodos mais comprovados, 
justamente porque o parto acontece no campo das emoções e da mente, além do corpo. 
A doula deve ser aquela que acredita no 
potencial da mulher e ajuda ela a virar a 
chave. 
Muitas vezes virar esta chave pode ser 
um processo difícil pelo momento de 
vida da mulher em seu mundo interno, 
pelos limites da assistência que não a 
apoiam de forma sensível ou até mesmo 
por um bebê mal posicionado na pelve. 
Nestes casos o recurso da anestesia 
farmacológica no parto pode ser uma 
grande aliada no processo, permitindo 
que a mulher descanse, diminua o stress 
causado pela dor e sofrimento 
excessivos, e retome o ato de parir com 
mais tranquilidade. 
É essencial que a mulher que vá viver o 
parto saiba durante a gestação quais os 
recursos que ela tem para lidar com a 
dor, conheça e tenha quem ofereça a ela 
no momento do parto os recursos não 
farmacológicos e entenda os prós e 
contras da analgesia farmacológica.
Mas este é tema para outro e-book! O 
passo principal e mais importante, que 
é o de compreender a dor do parto como 
aliada e desfazê-la como inimiga, você 
possivelmente já deu lendo este 
material até aqui.
BIBLIOGRAFIA
Maldonado MT. Psicologia da gravidez, parto e puerpério. ed. São Paulo: Saraiva, 2002.
Balaskas J 1996. Parto Ativo – Guia Prático para o Parto Natural. Ed. Ground. São Paulo. 
Kitzinger S 1985. The sexuality of birth, pp. 209-218. In S Kitzinger (ed.). Women’s experience of sex. Penguin, Nova York. 
Varrassi, Guistino et al. Effects of physical activity on maternal plasma β-endorphin levels and perception of labor pain. 
American Journal of Obstetrics & Gynecology , Volume 160 , Issue 3 , 707 - 712
como aprender com ela
DOR DO
PARTO
E l e o n o r a M o r a e s

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