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A “NATUREZA JURÍDICA” DO INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS: UM PSEUDOPROBLEMA ANALITICAMENTE SOLÚVEL The “juridical nature” of the repetitive cases resolution incident: a pseudo problem analytically solvable Revista de Processo | vol. 273/2017 | p. 455 - 498 | Nov / 2017 DTR\2017\6549 Tárek Moysés Moussallem Doutor e Mestre pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Professor da Universidade Federal do Espírito Santo. Advogado. tarek@moussallemecampos.com.br José Borges Teixeira Júnior Mestrando pela Universidade Federal do Espírito Santo. Juiz de Direito. borges_jose@hotmail.com Área do Direito: Civil; Processual; Fundamentos do Direito Resumo: O presente artigo visa a apresentar uma solução, por meio de uma visão analítica do fenômeno do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR), acerca da controvérsia sobre a sua natureza jurídica. Para tanto, socorre-se de lições relativas à Teoria do Direito, elaborando um estudo do tema ao plano da linguagem e sedimentando bases sobre o Direito enquanto linguagem, as diferenciações entre enunciado e enunciação e apoiando-se nas teorias a respeito dos atos de fala para demonstrar a presença de diversas forças ilocucionárias no bojo do julgamento do IRDR, cada qual veiculando uma norma jurídica de classificação diversa, destinada a um específico propósito no sistema de direito positivo. Palavras-chave: Atos de fala - Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas - Natureza jurídica - Teoria da norma - Lógico-construtivismo. Abstract: The present article means to present a solution, through an analytical view of the Repetitive Cases Resolution Incident (RCRI) phenomenon, about the controversial juridical of its nature. To such objective, it takes aid from teachings regards the Law Theory, producing a study of the thematic by the language level and leveling bases about the Law as language, the differentiations between statement and enunciation and taking support in the theories about the speech acts to demonstrate the presence of diverse illocutionary forces at the RCRI judgment, each of it putting a juridical norm of different classification, which aims a specific purpose at the positive law system. Keywords: Speech acts - Repetitive Cases Resolution Incident - Juridical nature - Norm theory - Logical-constructivism. Sumário: 1Introdução - 2A proposta: uma visão analítica do julgamento do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas - 3Conclusões - 4Bibliografia 1 Introdução O Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR), trazido pela Lei Federal 13.105, de 16 de março de 2015 (CPC/2015 (LGL\2015\1656)), em seu artigo 976 e seguintes, mirou exatamente outorgar efetividade ao Poder Judiciário, promovendo o acesso à justiça enquanto efetivo acesso à tutela de direitos, na esteira do preceito previsto no inciso LXXVIII do art. 5º da Constituição Federal de 1988. Segundo a pesquisa anual do Conselho Nacional da Justiça (CNJ) do ano de 20161, tramitam no Poder Judiciário brasileiro um total de 102 milhões de processos judiciais, sendo que, apesar de no ano de 2015 terem sido finalizados um número 1,2 milhão A “natureza jurídica” do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas: um pseudoproblema analiticamente solúvel Página 1 superior àqueles que ingressaram no mesmo período, ainda assim o acervo circulante aumentou em 1,9 milhão de procedimentos. De acordo com a exposição de motivos do CPC/2015 (LGL\2015\1656)2, a criação do IRDR veio exatamente com o fulcro de atacar esse problema: o acúmulo de procedimentos sem definição no âmbito dos órgãos judiciais brasileiros. Ademais, seu propósito declarado – segundo o mesmo documento – foi o de evitar “(…) a dispersão excessiva da jurisprudência. Com isso, haverá condições de se atenuar o assoberbamento de trabalho no Poder Judiciário, sem comprometer a qualidade da prestação jurisdicional”, razão pela qual se criou o referido instrumento processual: (…) que consiste na identificação de processos que contenham a mesma questão de direito, que estejam ainda no primeiro grau de jurisdição, para decisão conjunta. O incidente de resolução de demandas repetitivas é admissível quando identificada, em primeiro grau, controvérsia com potencial de gerar multiplicação expressiva de demandas e o correlato risco da coexistência de decisões conflitantes. No direito comparado, conforme noticia Antônio do Passo Cabral, existem duas espécies de procedimentos para a solução dos ditos “casos repetitivos”: uma, de matriz inglesa ( Group Litigation Order) e austríaca (Pilotverfahren), que é chamada no Brasil da técnica de procedimentos-testes ou causas-piloto; e outra, de berço alemão (Musterverfahren), que aqui receberá o nome de procedimentos-modelo.3 - 4 Apesar de a exposição de motivos indicar expressamente que sua inspiração (ao menos enquanto mero documento político) adviera do direito alemão5, desde sua inclusão no anteprojeto, um profundo cisma surgiu nos estudiosos de direito processual civil acerca da origem do instituto no direito comparado e também de sua “natureza jurídica”. Essa divergência se deu em razão da inclusão, durante a tramitação legislativa, do parágrafo único ao art. 978, o qual prevê a incumbência do órgão colegiado que julgar o incidente de resolução de demandas repetitivas de “fixar a tese jurídica” e de também “julgar o recurso, remessa necessária ou processo de competência originária de onde se originou o incidente”. Com o advento do referido dispositivo, parcela da doutrina entendeu que o direito brasileiro teria importado, na verdade, o modelo inglês para o julgamento dos casos repetitivos, abandonando os moldes alemães, que inicialmente nortearam os trabalhos legislativos. De fato, quando se verifica a análise histórica feita por Luiz Felipe Otharan6, observamos que na fórmula adotada em terras tedescas há uma repartição de competências para o julgamento: um órgão é encarregado da análise da questão posta (de direito ou de fato, naquele país), “em abstrato”, ao passo que outro órgão aplica tal entendimento aos casos que comunguem daquela mesma questão, à luz das especificidades que lhe forem peculiares. Na fôrma inglesa, ao revés, após a identificação das questões isomórficas, um órgão competente define outro órgão para o processamento dos procedimentos que componham o grupo (group register), o qual escolherá, entre elas, uma ou mais ações-teste (para nós, causas-piloto, como acima anotado) e se tornará imediatamente competente para julgá-las; ou seja, a matéria seria decidida, concretamente, com base nos fatos narrados nas demandas afetadas. Tal diferenciação, segundo a processualística brasileira, afetaria diretamente a “natureza jurídica” do IRDR, dados os reflexos em seu julgamento. Com base na exposição de ambos os sistemas de direito comparado, já observamos a questão de fundo que anima a discussão entre os processualistas acerca da “natureza jurídica” do incidente: a cognição em seu julgamento deveria ser feita pelo órgão A “natureza jurídica” do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas: um pseudoproblema analiticamente solúvel Página 2 competente “em abstrato” ou “em concreto”? Aqui há uma divisão na doutrina brasileira, muito bem exposta por Sofia Temer na seguinte passagem: A definição da natureza do incidente é tarefa complexa, porque a lei não é clara a respeito de um aspecto essencial para determiná-la: saber se o incidente compreenderá o julgamento da “causa”, ou seja, do conflito subjetivo que levou à sua instauração, ou se apenas haverá a resolução pontual da questão de direito, em abstrato, fixando-se a tese jurídica sem a resolução de conflitos subjetivos. Diverge-se sobre a circunstância de haver, em razão do incidente, uma cisão cognitiva e decisória, ou não. Discute-se se o IRDR leva ao julgamento da demanda (pretensão) ou se apenas fixa a tesejurídica, sem resolver a “lide”. Permeia tal discussão a referência aos modelos da “causa-piloto” e do “procedimento-modelo”, empregados para identificar a unidade cognitiva e decisória ou sua cisão, respectivamente. (…) De um lado, há autores afirmando que o incidente destina-se também ao julgamento do caso concreto a partir do qual foi instaurado. Segundo esta linha, além de dirimir a controvérsia quanto à questão de direito, haveria, no incidente, a resolução do conflito subjetivo. (…) De outro lado, afirma-se que o incidente de resolução de demandas repetitivas apenas fixa a tese sobre a questão de direito comum, não adentrando na análise do conflito subjetivo. Haveria, então, uma cisão cognitiva, com a fixação da tese em abstrato, sem aplicação direta ao caso concreto (…)7. Para parcela da doutrina8, o julgamento do IRDR deveria se dar em abstrato, exclusivamente com a fixação de uma “tese” jurídica, a qual independeria dos casos concretos afetados ao órgão competente (“em abstrato”); ao passo que, para outra9, toda decisão proferida pela autoridade judicial deve se dar necessariamente à luz da circunferência fática levada ao conhecimento do Poder Judiciário, por meio do incidente (“em concreto”). Posta a celeuma doutrinária, o objetivo do presente trabalho é demonstrar, com o devido respeito aos notáveis processualistas que as defendem, o aparente equívoco de ambas as correntes de pensamento e o caráter infecundo de tal debate. Uma vez estabelecidos os pressupostos epistemológicos concretos acerca do problema, ver-se-á que, segundo nossa análise, seja sob a ótica da competência do órgão julgador do IRDR10, seja sob o ângulo do conteúdo normativo de tal julgamento, a duas conclusões chegaremos: i) o Poder Judiciário não possui a autorização para veicular enunciados (de qualquer espécie) totalmente dissociados dos fatos submetidos ao seu conhecimento, por ausência de competência constitucional; e ii) pela amplitude dos efeitos gerados pela resolução de tal incidente, não há possibilidade de que seu julgamento (agora considerado ato de fala feliz e não enunciado) deixe de veicular normas jurídicas classificadas tanto como concretas quanto como abstratas. Em suma, o que pretendemos demonstrar adiante é que a discussão criada pela processualística pode estar sofrendo severamente ao não estabelecer premissas sólidas para um raciocínio jurídico, criando para a ciência do direito mais um de seus diversos pseudoproblemas, como bem afirmam Guibourg, Ghigliani e Guarinoni.11 - 12 O que se pretende aqui, portanto, é fugir do apontado por Osly da Silva Ferreira Neto como o “mundo-prisão do jurista”, evitando, com isso, exibir o que chamou o autor de mais um “ornitorrinco à comunidade científica”, exclusivamente com lastro na conhecida expressão “sistema dos fundamentos óbvios”, identificado por Alfredo Augusto Becker e citado pelo capixaba13. Para tanto, o caminho que trilharemos resta ladrilhado no percurso a seguir. De início, fincaremos premissas acerca do direito como objeto cultural e as consequências que disso advém para sua análise “ao nível linguístico”14. Em seguida, a A “natureza jurídica” do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas: um pseudoproblema analiticamente solúvel Página 3 análise do discurso exibirá a diferenciação entre enunciado e proposição, outorgando o arcabouço para a construção de uma definição de norma jurídica, imprescindível para a resolução do problema doutrinário que se propõe aqui. Na sequência, reservados os significados expostos, será o momento de sanar ambiguidades e analisar separadamente o julgamento do IRDR como enunciação (ato de fala) e como enunciado, trazendo a lume sua força ilocucionária plúrima que anima uma tríade mínima de atos proposicionais, fonte principal do celeuma científico. 2 A proposta: uma visão analítica do julgamento do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas O pensamento analítico é uma forma de raciocínio que tem por objetivo explicar as coisas por meio da decomposição em partes mais simples, que são mais facilmente explicadas ou solucionadas, e que, uma vez assimiladas, tornam possível o entendimento do todo. Conforme sustenta Jerome Seymour Bruner, o pensamento analítico se desenvolve caracteristicamente dando um passo de cada vez. Os passos hão de ser explícitos e, regularmente, podem reportar-se de forma adequada, pelo pensador, a outro indivíduo. Esse pensamento deve avançar com uma consciência ampla da informação e das operações realizadas e abarca um raciocínio cuidadoso e dedutivo, usando amiúde as fórmulas lógicas ou matemáticas e um plano de enfrentamento explícito do problema15. O método adotado é, portanto, decompor o fenômeno estudado em diversas partes, iniciando daquelas mais fundamentais ao objetivo proposto até aquelas que possuem maior conexão, dentro do sistema do direito positivo, com o nosso foco, a fim de outorgar respostas que sejam já previsíveis ao leitor atento e, acima de tudo, coerentes com as premissas adotadas. Portanto, vamos à primeira assertiva necessária: o direito é um objeto cognoscível de natureza cultural16. Nesse contexto, ao lado dos objetos naturais, cuja existência independe de qualquer interferência humana, o direito é inerente à atividade e sujeito à influência do ser humano, sendo trabalho de seu intelecto criativo e de suas capacidades inovadoras, transformadoras e extintivas da realidade fenomênica em que se insere. Lourival Vilanova afirma que o objeto cultural (“fato de cultura”, no léxico do autor) dá margem a três compartimentos distintos: i) o dos suportes materiais; ii) o das significações; e iii) o dos agentes ou sujeitos. Assim, somente os primeiros possuem a possibilidade de prescindirem dos demais; ou seja, a natureza pode ser compreendida sem qualquer referência a significações e somente enquanto ocupação cultural é que a elaboração científica pode ser definida como cultura17. Dessa maneira, o direito, enquanto objeto cultural por essência, não pode prescindir das significações que tanto se originam dos sujeitos como que, entre si, estendem teias de inter-relações sociais. Eis o arremate do professor pernambucano: O que converte puros sistemas físicos num parlamento, numa universidade, numa catedral, numa agência de governo, numa academia literária ou numa vivenda não reside nas propriedades físico-químicas de seus componentes elementares. Reside, sim, nas significações políticas, teórico-científicas, religiosas, estéticas em tudo isso impressas. Pelo que essas coisas valem, não por si mesmas, mas pelos fins, valores e sentidos. São dados reais que ingressam em um universo simbólico. O que a princípio é mera impressão sensorial, o imediatamente dado, cobra sentido de expressão, converte-se em corpo de algo não-físico, em símbolo, quer dizer, em exteriorização visível de uma multiplicidade de significações18. A “natureza jurídica” do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas: um pseudoproblema analiticamente solúvel Página 4 Ocorre que a cultura se manifesta por um só meio, que é a linguagem. Ela é assim responsável por instaurar a realidade cultural do homem19. Assim, dizer que o direito é um objeto cultural é dizer que ele é constituído pela linguagem, o que, nas palavras de Tércio Sampaio Ferraz Jr., equivale a dizer que o direito é uma articulação linguística mais ou menos num contexto social20. Uma vez postas essas premissas, é preciso seguir, como faz Paulo de Barros Carvalho, para a inevitável definição do vocábulo signo, razão pela qual entendemos, para os fins deste labor, ser bastante a terminologia husserliana adotada pelo professor titular da PUC-SP e da USP, de modo que por signo entendemos a unidade de um sistema que permite a comunicação inter-humana e na qual um suporte físico se associa a um significado e a uma significação21. Sendo o direito constituído por linguagem e essa, porsua vez, operada por meio de signos para permitir a intercomunicação entre os sujeitos (emissores e destinatários das mensagens), é preciso estabelecer a diferenciação entre enunciado e proposição, o que permitirá o avanço acerca do conceito de norma jurídica e, assim, voltar os olhos diretamente ao foco de nossa empreitada. A diferenciação entre enunciado e proposição reside nos planos diversos em que ambos se apresentam. O enunciado comunicacional é nada mais que o suporte físico, ou seja, a expressão material de um signo, necessariamente dotado de sentido, segundo a obediência às regras mínimas de formação e transformação frasal de um determinado código (um idioma qualquer, como o português). Por outro lado, a proposição é o que chamamos de significação; é a construção mental de sentido do enunciado22. De posse desse arcabouço, a primeira importante lição que se deve retirar é que por enunciado não se deve entender o ato de enunciação, ou seja, o ato de fala ou o ato de proferir determinado enunciado. O ato de enunciar (processo de falar) não se confunde com o produto de tal ato, que é o enunciado (fala enquanto comunicado expedido, mensagem passada). Nas palavras de Cristiano Carvalho: Enunciação e enunciado, enquanto estágios da produção do discurso, correspondem à dicotomia lógica do processo/produto. Enunciação é ato de produção do discurso, é uma instância pressuposta pelo enunciado, que é produto da enunciação (…) Se o ato puro de enunciação perde-se no tempo e espaço, o que fica é o seu registro, as suas marcas no produto final – os enunciados. A única forma de se buscar o processo é através do produto, i.e., buscar a enunciação a partir do dado tangível epistemicamente, o enunciado23. Em outros termos, a fim de tentar conectar a explanação ao foco deste trabalho, não há de se perder a mirada de que uma coisa é o ato de dizer o julgamento de um IRDR e outra, distinta daquela, é o enunciado dito (na verdade, o conjunto de enunciados) no referido julgamento. Com isso, evitamos danosa ambiguidade e, como verificaremos adiante, contornamos obstáculos que, de outro modo, seriam intransponíveis ao discurso científico e impediriam, de maneira invencível, uma tranquila análise do problema. Por tudo quanto dito, fincamos as seguintes premissas básicas: que o direito é um objeto cultural e, portanto, constituído indelevelmente pela linguagem; a qual, a seu turno, se manifesta mediante a unidade mínima do signo; o qual, no interior de um A “natureza jurídica” do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas: um pseudoproblema analiticamente solúvel Página 5 processo comunicacional (S – S’), é utilizado, por meio de um ato de enunciação, para a emissão de enunciados; os quais, em contato com um sujeito cognoscente, geram uma representação, uma ideia, que aqui passaremos a chamar de proposição. Cumprindo o caminho estabelecido nas notas introdutórias, há de se voltar agora a atenção especificamente para o fenômeno jurídico e, em especial, para a norma jurídica, utilizando, em uma busca da coerência, as conclusões do parágrafo anterior. De plano, trazemos à colação as lições traçadas por Paulo de Barros Carvalho quando diferencia os chamados enunciados prescritivos da norma jurídica: Um dos alicerces que suportam esta construção reside no discernir entre enunciados e normas jurídicas, com os diferentes campos de irradiação semântica a que já aludimos. Se bem que ambas as entidades se revistam de caráter conotativo ou directivo, pois, mais que outras, a função da linguagem apropriada à regulação das condutas intersubjetivas é verdadeiramente a prescritiva, os primeiros (enunciados) se apresentam como frases, digamos assim soltas, como estruturas atômicas, plenas de sentido, uma vez que a expressão sem sentido não pode aspirar à dignidade de enunciado. Entretanto, sem encerrar uma unidade completa de significação deôntica, na medida em que permanecem na expectativa de juntar-se a outras unidades da mesma índole. Com efeito, terão de conjugar-se a outros enunciados, consoante específica estrutura lógico-molecular, para formar normas jurídicas, estas, sim, expressões completas de significação deôntico-jurídica24. Como observado, os enunciados produzidos pelos atos de fala no campo do direito positivo são as frases ou orações, de função prescritiva (por sua finalidade de determinar condutas na órbita do possível25), que laboram com linguagem técnica (não coloquial, mas também certamente não científica), formadas com um mínimo de regras gramaticais do idioma que serve de código comunicacional à cultura na qual está inserido. A norma jurídica, por outro lado, opera em outro plano linguístico, o qual, por sua vez, sequer é imediato ao plano dos enunciados prescritivos. Explicamos. Chamamos o plano linguístico dos enunciados prescritivos – ou seja, as orações que compõem o direito positivo – de linguagem-objeto (Lo). O primeiro plano a ele se sobrepor é o das significações ou conteúdos de significação dos enunciados prescritivos (S1), este composto pelas proposições formuladas a partir do primeiro contato do sujeito cognoscente com a linguagem-objeto, sendo que esse plano, a seu turno, já é metalinguagem em relação àquele26. Todavia, dizer que essa aproximação de grau inicial (S1) é metalinguagem sobre Lo não quer dizer que as proposições nela contidas já se restam qualificadas como normas jurídicas. Isso porque as normas jurídicas não se perfazem somente com a saturação semântica de significação dos enunciados prescritivos da linguagem-objeto, uma vez que esses, apesar de dotados de sentido idiomático (posto que formados, ainda que minimamente, segundo as regras gramaticais de construção frásica), não possuem ainda sentido deôntico, i.e., regulador de condutas. Exemplificamos a fim de facilitar a compreensão. Vide o art. 79 do CPC/2015 (LGL\2015\1656). Sua dicção expressa é a seguinte: responde por perdas e danos aquele que litigar de má-fé como autor, réu ou interveniente. O sujeito cognoscente, ao se debruçar sobre esse enunciado, primeiramente verifica que A “natureza jurídica” do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas: um pseudoproblema analiticamente solúvel Página 6 o mesmo possui sentido em língua portuguesa. Possui sujeito (ainda que indeterminado), verbo e predicado, interligados segundo as regras próprias de formação do código ao qual se submete. Ocorre que, imediata e instantaneamente a esse juízo, o indivíduo observa a existência de signos cuja função não é somente a de compor a formação frásica, como as palavras “por”, “que” ou “de” (meros conectores ou sincategoremas27), mas que efetivamente significam algo no mundo-do-ser, como ocorre com as expressões “responde”, “perdas”, “danos”, “litigar”, “má-fé”, “autor”, “réu” e “interveniente”. O que o sujeito então, diante deles, faz é atribuir significações, sua mente prontamente cria as ideias, as noções que ela é capaz de tecer sobre eles. Uma pessoa não afeita ao direito criará uma específica significação para o léxico “responde”, ao passo que outra, por exemplo, formada em economia, construirá uma completamente diversa. Porém, todas aquelas conhecedoras do código utilizado (i.e., os falantes da língua portuguesa) impreterivelmente construirão uma proposição do enunciado contido no art. 79 do CPC/2015 (LGL\2015\1656), atribuindo conteúdo semântico a cada um dos termos contidos no documento legal. Ocorre que, mesmo após a formação da proposição, não há no referido enunciado uma verdadeira norma jurídica, posto que, logicamente, não há mensagem jurídica em sentido completo (se ocorrer o fato F, instalar-se-á a relação deôntica R entre os sujeitos S’ e S”), que pressupõe, necessariamente, uma proposição-antecedente, descritiva de possível evento do mundo social, na condição de suposto normativo, implicando uma proposição-tese, de caráter relacional, notópico do consequente, como já afirmou Paulo de Barros Carvalho28. Pelo exemplo que trouxemos, o sujeito cognoscente, ao apenas conferir suas significações ao enunciado prescritivo, em nenhum momento buscou enquadrar o art. 79 (aqui encarado enquanto enunciado) em uma forma lógico-condicional, mínima unidade para a regulação de conduta humana (plano do dever-ser). Ele apenas conferiu tantos sentidos quanto entendeu devidos e, pelo momento, deu-se por satisfeito. Ocorre que, para a formação da norma jurídica em si, é preciso que o sujeito estruture logicamente sua proposição na forma condicional (p � q), o que somente vem a ocorrer em outro plano metalinguístico (S2), que, por sua vez, possui S1 (lembrando, plano dos enunciados prescritivos, agora dotados da significação outorgada pelo sujeito cognoscente) como sua linguagem-objeto29. De máxima importância frisar que o sujeito cognoscente, ao exercer esse labor, possivelmente terá que se socorrer não só do dito enunciado do art. 79, mas também de uma plêiade de outros enunciados do direito positivo, tantos quanto forem necessários para seu fim. Na arguta visão de Lourival Vilanova: Da variedade de linguagens em que se exprime o direito positivo (multiplicidade de idiomas, de estilos, de técnicas de formulação linguística), passando da gramaticalidade expressional ou frásica para a forma lógica, o fazemos mediante a abstração formalizadora. Encontraremos a estrutura sintática reduzida. O que uma norma de direito positivo enuncia é que, dado um fato, seguir-se-á uma relação jurídica, entre sujeitos de direito, cabendo, a cada um, posição ativa ou passiva” (destaque no original) 30. Diante disso, afirma o citado autor, na mesma trilha percorrida pelo mestre paulista, que A “natureza jurídica” do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas: um pseudoproblema analiticamente solúvel Página 7 dado o fato F (fato natural ou conduta humana), então deve ser R’ (relação que deve ser entre os sujeitos S’ e S”), com a observação de que a tal proposição lógico-condicional incidente encontra-se toda no plano do dever-ser, ou seja, essa condição afeta todo o complexo proposicional normativo, de modo que, para apenas falar-se da primeira parte da norma jurídica, abstraindo-se – para se ater às necessidades deste trabalho – a norma secundária, ter-se-ia o seguinte esquema: [D (p � q)]31. Assim, à guisa de conclusão, conceituamos a norma jurídica, para os fins deste artigo, tal qual já elaborado por uns dos autores deste artigo, como a proposição deôntica, completa, articulada entre seus elementos e estruturada na forma lógica do juízo condicional, resultado do uso prescritivo da linguagem32. Pois bem. Uma das qualidades inerentes ao trabalho científico, como bem apontou Cristiano Carvalho33, é a parcimônia, ou, em outras palavras, buscar sempre a simplificação do infinito do real para, assim, possibilitar a formação de linguagem elegante sobre o objeto estudado34. Evita-se assim, como afirma o citado autor, uma teoria que busque levar em conta toda a magnitude das vicissitudes humanas, uma vez que tal doutrina não lograria obter modelos úteis para a explicação do fenômeno estudado, e, por certo, ao buscar uma coerência interna de discursos, inclusive admite sua refutação, característica singular do discurso científico, na visão de Karl Popper35. Portanto, no que tange à classificação das normas jurídicas – apesar de reconhecermos a existência de uma multiplicidade de divisões e subdivisões de tal objeto, para nos atermos aos pressupostos deste trabalho, será preciso reduzir, na medida do possível, as complexidades, de maneira que, exclusivamente para o objetivo que aqui se propõe (analisar, ao nível linguístico, o julgamento do IRDR, tanto de enunciação como de enunciado) –, o faremos apenas em razão de seu antecedente e de seu consequente normativos. Poremos de lado, assim, em homenagem ao rigor científico e ao corte metodológico aqui exposto, outras classificações. Como já asseverado por um dos autores deste trabalho, talvez a mais importante função exercida pela linguagem seja a outorga ao homem da capacidade de classificar, sendo certo que todo conhecimento pressupõe a classificação. De fato, a simples escolha do objeto de estudo enseja classificação: objeto estudado e objeto não estudado36. Muito embora a classificação enquanto conteúdo dependa de um ato arbitrário daquele que classifica, é bem verdade que as regras lógicas para a classificação não são dependentes do sujeito cognoscente e não prescindem da utilização de dois conceitos puramente linguísticos, os quais serão, doravante, de absoluta importância em todo o artigo: a conotação e a denotação. Passemos a elas. Quando se fala nas expressões “um conjunto de brasileiros” e “os brasileiros João, José e Maria”, é visível que algo mudou entre o uso linguístico da voz “brasileiros” em ambos os casos. Isso se dá porque, no primeiro caso, o vocábulo “brasileiros” fora utilizado como conotação (ou extensão), ao passo que, no segundo caso, o mesmo signo fora utilizado como denotação. Ao dizermos “um conjunto de brasileiros”, estamos, na verdade, tratando da classe de brasileiros, ou seja, do conceito de brasileiros, de todos aqueles e somente aqueles aos quais o conceito seja aplicável, na menção de Susanne Katherina Langer37. A “natureza jurídica” do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas: um pseudoproblema analiticamente solúvel Página 8 Por outro lado, ao nos referirmos especificamente aos “brasileiros João, José e Maria”, estes brasileiros são mencionados como elementos da classe “brasileiros”, ou seja, indivíduos que caem sob o predicado correspondente à classe, no léxico de Albert Menne 38. Em síntese, nas palavras de Lizzie Susan Stebbing: A extensão de um termo que significa uma propriedade de classe de uma classe dada consiste em todas as subclasses coletivamente. (…) A extensão (ou conotação), portanto, são classes, não indivíduos; a denotação são os membros das classes, não as classes. Daí que quando um homem morre, a extensão “homem” não se verá afetada de modo algum.39 (destaque nosso) Em um exemplo mais afeito ao direito – que servirá inclusive para facilitar a compreensão não só da propedêutica classificatória, mas também do critério de divisão que utilizaremos para as normas jurídicas (fundamentum divisionis) –, vejamos o art. 98 do CPC/2015 (LGL\2015\1656)40. De posse daquele enunciado, podemos criar um conceito41, por exemplo, dos “beneficiários da justiça gratuita pelo CPC/2015 (LGL\2015\1656)”. Parece intuitivo que, quão maior a extensão do meu conceito, ou seja, quanto maiores as condições que deverão ser satisfeitas para que um determinado objeto do mundo-dos-fatos (brutos ou institucionais, nos termos de John Searle) encontre-se enquadrado na classe proposta, menor será sua denotação. Maiores as condições, menores as possibilidades que um só objeto preencha-as todas. Ou seja, a extensão de uma classe é inversamente proporcional à sua denotação. No caso da classe “beneficiários da justiça gratuita pelo CPC/2015 (LGL\2015\1656)”, é interessante notar que o enunciado prescritivo do art. 98 buscou equilibrar a extensão, incluindo inicialmente um amplo rol de elementos de possível satisfação do critério de uso (“pessoa”, “natural ou jurídica”, “brasileira ou estrangeira”) e depois agregou ao conceito um dado linguístico capaz de reduzir sensivelmente sua possibilidade de denotação (“com insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios”). Assim, temos uma classe de “beneficiários” e outra, a ela logicamente correlata, de “não beneficiários”, composta pelo restante dos objetos que integram o universo do discurso (o restante das coisas que hão de ser postas em consideração, nas palavras de Albert Menne42). Há de se observar que até agora somentetratamos da expressão “beneficiários” sob o plano linguístico, ou seja, enquanto conceito, enquanto classe, sem qualquer correlação com a existência, no mundo físico, de um elemento que satisfaça o critério de uso do vocábulo. Bastante diferente disso, por outro lado, é uma dada sentença judicial que, após, v.g., reconhecer a improcedência do pedido formulado por João, José e Maria, isentar estes três das custas, despesas processuais e dos honorários advocatícios da parte contrária por decretar43 serem eles “beneficiários da justiça gratuita pelo CPC/2015 (LGL\2015\1656)”, na forma do indigitado art. 98. Vemos aqui claramente que houve uma relação de pertença (que seria representada na lógica simbólica pelo signo �) entre os elementos “João”, “José” e “Maria” (“beneficiários”) e a classe dos “beneficiários”. Apesar de o signo em língua portuguesa ser exatamente o mesmo44 (“beneficiários”), é evidente que no primeiro caso a expressão fora utilizada para significar o critério de uso A “natureza jurídica” do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas: um pseudoproblema analiticamente solúvel Página 9 da expressão e, no segundo, que os elementos ali indicados pertenciam à classe em questão. Ou seja, nesse simples exemplo, o mesmo vocábulo (e isso será de máxima importância na análise do julgamento do IRDR), “beneficiários da justiça gratuita pelo CPC/2015 (LGL\2015\1656)”, fora utilizado ora como conotação (com a função de explicitar o critério de uso da palavra) e ora na qualidade de denotação (indicar que “x”, “y” e “z” seriam elementos do conjunto B, de beneficiários). Realizados esses imprescindíveis comentários, vamos agora às normas jurídicas em si e à sua classificação. A par da mais elementar das divisões (na verdade já realizada anteriormente, quando estabelecemos o critério de uso do léxico norma jurídica), que dividiria o mundo em normas e “não normas”, existem cinco regras fundamentais para a realização da operação de divisão de uma classe, como já anotado no trabalho inédito mencionado: i) deve haver somente um fundamentum divisionis em cada operação; ii) as classes coordenadas devem se excluir mutuamente; iii) as classes coordenadas devem esgotar coletivamente a superclasse; iv) as operações sucessivas da divisão devem ser efetuadas por etapas graduais; e v) as diferenças devem resultar da definição do dividido45. Primeiramente, como visto acima, estabelecemos que a norma jurídica não prescinde de sua forma lógico-condicional, com um antecedente e um consequente, conectados por um functor deôntico não modal, tendo por semelhança entre ambos o fato de a possibilidade de suas formas lógicas ser saturada por linguagem, obediente a determinado código idiomático. Assim, a fim de obedecer à regra cinco, como já elaborou Paulo de Barros Carvalho46, adotaremos como regra de divisão a função linguística utilizada nos termos que a compõe, se conotativa ou não. Ou seja, se as palavras usadas visam apenas a representar o critério de uso de um termo ou se, ao contrário, buscam denotar elementos concretos pertencentes àquela mesma classe. A fim de obedecer às regras um, três e quatro, realizaremos a divisão em graus, ou seja, primeiro dividiremos as normas (segundo o critério já exposto) em razão de seu antecedente e, em seguida, com relação ao seu consequente, o que, indiretamente, tornará também nossa divisão obediente à regra dois. Assim, analisando o antecedente da classe das normas jurídicas, temos somente duas hipóteses possíveis: as expressões no antecedente utilizam o termo em uma forma conotativa ou não o utilizam47. Para o primeiro caso, chamá-la-emos de norma abstrata. Para o segundo caso, de norma concreta48. Assim, para a primeira divisão, podemos concluir que a norma será abstrata quando, em seu antecedente, estiver contido um enunciado conotativo, isto é, apenas com a indicação de classes com as notas que um acontecimento precisa ter para ser considerado fato jurídico. Por outro lado, será concreta (não conotativa) se no antecedente da norma estiver um enunciado protocolar denotativo, que se obteve pela redução à unidade das classes de notas (conotação) do antecedente da regra abstrata. Agora, aplicamos o mesmo critério (conotação e não conotação) ao consequente das normas jurídicas. Realizando tal incidência sobre as subclasses e, igualmente, sobre o consequente da classe das normas jurídicas, temos duas hipóteses possíveis (para cada subclasse): as expressões no consequente utilizam o termo em uma forma conotativa ou não o utilizam. Para o primeiro caso, chamá-la-emos de norma geral. Para o segundo, de norma A “natureza jurídica” do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas: um pseudoproblema analiticamente solúvel Página 10 individual. Por esse prisma, as normas gerais e individuais são assim divididas quando se aponta o consequente normativo como fundamentum divisionis, mais precisamente no que tange aos sujeitos da relação jurídica. Assim, as normas gerais contêm a indicação de classes com as notas que uma relação tem de ter para ser considerada relação jurídica (no consequente). Por essa divisão, as normas jurídicas serão consideradas individuais quando os elementos da relação jurídica estiverem nela delimitados. O resumo do obtido por esse processo é da pena de Paulo de Barros Carvalho, ao dizer que enunciados conotativos obtêm-se no antecedente e consequente de normas abstratas e gerais e enunciados denotativos, no antecedente e consequente de normas concretas e individuais, para um encontro de quatro (e apenas quatro) espécies (elementos) de normas jurídicas, o que esgota tal superclasse.49 - 50 Pois bem. Em nosso sentir, possuímos o arcabouço teórico que se faz necessário para a análise analítica do julgamento do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR). Todavia, até o momento utilizamos a locução “julgamento” sem o rigor científico devido, falha até então proposital, pois não impedia a compreensão do que estávamos a dizer, mas que, a partir de agora, não poderá mais ser olvidada. Como muitas outras palavras utilizadas no direito, a expressão “julgamento” é ambígua, podendo se referir, portanto, a diferentes significados apenas ao se considerar a pragmática jurídica. Apenas em uma breve compilação, eis alguns significados comuns para esta voz: i) procedimento judicial de julgamento (como em: “o julgamento de João pelo Tribunal do Júri da Comarca de Vitória se iniciou nesta manhã”); ii) ato solene de audiência em processo judicial (como em: “o julgamento de minha causa pela Segunda Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Espírito Santo se iniciará na próxima terça-feira”); iii) documento judicial introdutor de normas jurídicas no ordenamento (como em: “eis o julgamento que o Juiz da Comarca deste naquele meu caso”, exibindo ao interlocutor a cópia de uma sentença proferida); iv) enunciados prescritivos, das mais diferentes classificações, veiculada por autoridade competente (como em: “o Juiz proferiu julgamento no sentido de outorgar procedência aos meus pedidos”); e v) ato de veicular norma jurídica no ordenamento (como em: “o Juiz do caso está proferindo seu julgamento neste momento”, dito por um veículo de imprensa aos seus ouvintes). Diante dessa multiplicidade de significados para a mesma palavra, todos adequados à língua portuguesa, é trabalho do cientista, a fim de outorgar à linguagem o rigor que dela se espera, instaurar realidades mediante o uso da linguagem. Por essa razão, a partir de agora, entre aqueles significados que mais nos interessam para os fins propostos neste trabalho, chamaremos de julgamento-documento o documento judicial introdutor de normas jurídicas no ordenamento (folha de papel em que consta a materialização física do que é dito), de julgamento-veículo (norma jurídica concreta e geral que determina a observância geral dos enunciados prescritivosque ali se encontrem51), de julgamento-enunciado o conteúdo do referido documento, ou seja, os enunciados prescritivos, das mais diferentes classificações, veiculados pela autoridade competente, e de julgamento-enunciação o ato de veicular norma jurídica no ordenamento. Muito embora, a uma primeira mirada, tal distinção possa até mesmo parecer um preciosismo de utilidade duvidosa, só se poderia cogitar isso porque, infelizmente, grande parte da processualística brasileira não se atenta, com maior minúcia, a um A “natureza jurídica” do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas: um pseudoproblema analiticamente solúvel Página 11 importante problema que afeta diretamente o direito, que é o fato de que o enunciado não é a mesma coisa que o ato de comunicação, ou seja, que o ato de proferir um determinado enunciado. Isso, que já fora dito anteriormente, merece agora maior atenção, especialmente à luz da teoria dos atos de fala de John Langshaw Austin. O referido autor realizou extenso estudo a fim de diferenciar os atos de fala (speech acts ) que chamou de constatativos (i.e., meras declarações, sujeitas a um juízo de verdade ou de falsidade) e os que intitulou de performativos, cujo objetivo é especialmente o de operar um ato físico na realidade através da fala em si, ou seja, consoante o título de sua obra, o ato de falar nos atos performativos confundir-se-ia com o ato de fazer alguma coisa no mundo. Como afirma ele, nas circunstâncias apropriadas, o ato de proferir algumas sentenças “(…) não é descrever o ato que estaria praticando ao dizer o que disse, nem declarar que o estou praticando: é fazê-lo (…) pode ser que estes proferimentos ‘sirvam para informar’ mas isso é muito diferente (…) Quando digo, diante do juiz ou no altar, etc., ‘Aceito’, não estou relatando um casamento, estou me casando”52. No mundo jurídico, isso ocorre cotidianamente sem que seja explicitamente notado pela maioria de seus operadores. Quando um juiz profere um julgamento de um caso, ele não está, sob qualquer hipótese, declarando uma situação fenomênica do mundo capaz de ser objeto de um juízo proposicional encampado pela dualidade “verdadeiro” ou “falso”. Ele está expressamente julgando um caso, ou seja, dizendo, falando a norma jurídica que ele aplica ao caso que ele mesmo narrou existir. Tal qual afirma Christophe Grzegorczyk, no direito as palavras “fazem” tudo ou quase tudo – elas atam, desatam matrimônios, transferem ou dividem os bens, colocam na prisão, às vezes matam, criam coisas e os fatos (jurídicos, evidentemente, não materiais) ou os fazem desaparecer sem marcas. Assim, como bem destaca esse autor, muito importante para a ciência do direito é a teoria dos atos de fala, existindo uma grande diferença entre “fazer qualquer coisa ao falar” e “fazer qualquer coisa em direito ao falar”53. Nesse contexto, o pensamento de John L. Austin foi profícuo ao diferenciar as três instâncias de um ato de fala: o ato locucionário, o ato ilocucionário e o ato perlocucionário. Essas são suas palavras: Em primeiro lugar, distinguimos um conjunto de coisas que fazemos ao dizer algo, que sintetizamos dizendo que realizamos um ato locucionário, o que equivale, a grosso modo, a proferir determinada sentença com determinado sentido e referência, o que, por sua vez, equivale a grosso modo, a ‘significado’, no sentido tradicional do termo. Em segundo lugar, dissemos que também realizamos atos ilocucionário tais como informar, ordenar, prevenir, avisar, comprometer-se, etc., isto é, proferimentos que têm uma certa força (convencional). Em terceiro lugar também podemos realizar atos perlocucionário, os quais produzimos porque dizemos algo, tais como convencer, persuadir, impedir ou mesmo, surpreender ou confundir (destaque do original)54. Ou seja, um mesmo ato de fala possui três elementos distintos. O primeiro deles é o significado, que chamamos de enunciado. É o seu objeto. Assim, para usarmos o exemplo do referido autor, é a frase “Há um touro no campo”, dito por uma pessoa a outra. A “natureza jurídica” do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas: um pseudoproblema analiticamente solúvel Página 12 O segundo deles, a seu turno, possui objetivo, ostenta o intuito de realizar alguma coisa no mundo fenomênico. No caso acima, por exemplo, supondo-se um contexto em que o emissor do ato de fala grite aquela mesma frase a uma outra pessoa que, distraída com seu aparelho celular, ingressa em um campo: aqui o ato ilocucionário consiste em advertir, alertar, de que há um touro no campo55. O terceiro deles, por fim, reveste-se no efeito concreto que o ato de fala tenha produzido em seu interlocutor. No caso em comento, o emissor atenta o seu interlocutor, fazendo-o parar de prestar atenção às suas conversas nos conhecidos aplicativos que nos tiram o foco de nossos afazeres. Trazendo essas mesmas lições ao direito, podemos trazer o exemplo simples de uma ação de cobrança em que o autor pleiteia em face do réu sua condenação na quantia hipotética de R$ 1.000,00. A solução definitiva desse caso se daria mediante um ato de fala (para nós, julgamento-enunciação), o qual poderia ter como julgamento-enunciado o seguinte ato locucionário: “Pelo exposto, julgo procedente o pedido autoral e condeno o réu a pagar ao autor a quantia de mil reais”. Ao contrário do que possa parecer, o ato ilocucionário desse enunciado, isto é, sua força, não seria a de julgar ou mesmo a de condenar, pois o foco aqui é o de reduzir a locução, o enunciado, o produto do ato de fala, ao seu real e efetivo propósito, o qual, necessariamente, há de se enquadrar (uma vez que estamos tratando de normas de conduta), em um de seus três modais básicos: obrigatório (no presente do indicativo, conjugado na primeira pessoa do singular: obrigo), proibitivo (proíbo) ou permissivo ( permito)56. No exemplo posto, o ato ilocucionário seria “Obrigo-lhe (o réu) a pagar R$ 1.000,00 ao autor”. O ato perlocucionário (considerando-se obviamente um ato de fala feliz, para utilizar a expressão de John L. Austin57) no caso concreto seria “Ele (o juiz) impeliu-me (o réu) a pagar R$ 1.000,00 ao autor”. No caso do julgamento-enunciação do IRDR, a grande questão está no fato de que o ato de fala produzido pelo julgador (autoridade competente, ou, na forma dos artigos 977 e 978 do CPC/2015 (LGL\2015\1656), os órgãos indicados pelos regimentos internos dos tribunais de segundo grau entre aqueles responsáveis pela uniformização de sua jurisprudência), apesar de proferir somente um ato locucionário, possui uma pluralidade de atos ilocucionários, uma vez que veicula uma pluralidade de normas jurídicas de diferentes espécies, produzindo assim, acaso seja feliz, uma diversidade de atos perlocucionários. Esse é o cerne da questão e, a bem da verdade, o foco da nossa resposta. Resgatando nossos primeiros comentários acerca da “natureza jurídica” do IRDR, vimos que a discussão doutrinária reside em saber se o julgamento (agora, com o rigor necessário, podemos dizer estarmos nos referindo ao julgamento-enunciado) do referido incidente se refere necessariamente ao caso concreto posto (causa-piloto) ou se há a possibilidade que sua realização em abstrato (na forma do esquema alemão dos “processos-modelo”). Agora, diante de tudo quanto dito, já é possível vislumbrar que, na verdade, o julgamento-enunciação do IRDR, apesar de possuir apenas um só conjunto de enunciados (perfazendo o que atribuímos a nomenclatura de julgamento-enunciado), necessariamente possuirá, como condição de sua felicidade, forças ilocucionárias diferentes, uma vez que, em cumprimento às regras do CPC/2015 (LGL\2015\1656), A “natureza jurídica” do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas: um pseudoproblema analiticamente solúvel Página 13 veiculará normas jurídicas distintas (inclusive qualitativamente diversas). Assim se dá porque,segundo o CPC/2015 (LGL\2015\1656), três são os propósitos do incidente e, portanto, em cumprimento ao que determina a regra processual, três serão os atos ilocucionários aptos a ser extraídos do julgamento-enunciado que vier a ser proferido58. O art. 985 do referido diploma legal vocaliza os dois primeiros propósitos, nos seguintes termos: Art. 985. Julgado o incidente, a tese jurídica será aplicada: I – a todos os processos individuais ou coletivos que versem sobre idêntica questão de direito e que tramitem na área de jurisdição do respectivo tribunal, inclusive àqueles que tramitem nos juizados especiais do respectivo Estado ou região; II – aos casos futuros que versem idêntica questão de direito e que venham a tramitar no território de competência do tribunal, salvo revisão na forma do art. 986. Como se verifica, o inciso I do art. 985 preceitua que o julgamento-enunciação do IRDR veiculará uma norma jurídica capaz de atingir um número de casos indeterminado, porém determinável59, que já se encontrava em andamento na data em que o julgamento-enunciação se der. Por outro lado, o inciso II do art. 985 preceitua que o julgamento-enunciação do IRDR ainda veiculará uma norma jurídica capaz de atingir um número, indeterminado e indeterminável, de casos futuros que vierem a ser ajuizados perante o Poder Judiciário em tempo futuro, após a data do julgamento-enunciação do incidente. Ocorre que o CPC/2015 (LGL\2015\1656) trouxe ainda um terceiro propósito a esse ato de fala, dizendo que ele ainda veiculará norma jurídica capaz de atingir o(s) específico(s) caso(s) que vier(em) a ser remetido(s) como representativo(s) da dita “controvérsia sobre a mesma questão unicamente de direito”. Isso é o que se depreende da leitura do art. 976, inciso I, em conjunto com o parágrafo único do art. 978 daquele diploma legal. Portanto, verificamos com isso a existência de três forças ilocucionárias com o ato de fala que chamamos de julgamento-enunciação do IRDR: i) uma destinada ao dito “caso-piloto”; ii) outra destinada a todos os demais casos, a priori desconhecidos, porém, individualizáveis, ou seja, há uma classe definida cujos elementos, ao tempo da enunciação, já se encontram estanques e fechados; e iii) uma última que se reporta a um número infinito, indeterminado, de casos futuros, ainda não existentes ao tempo da enunciação. Cada uma dessas forças ilocucionárias tende a contemplar uma específica norma jurídica no ordenamento jurídico, normas essas que, à luz da classificação que expusemos acima, mostram-se de diferentes espécies entre si, o que, a nosso ver, causam todo o embaraço sobre o qual se debruça a processualística. Lembremos que as normas jurídicas obedecem à forma lógico-condicional pela qual [D (p � q)] e, conforme seu antecedente (p), podem ser classificadas como abstratas ou concretas e, conforme seu consequente (q), classificadas como gerais ou individuais, a depender de como se dá o uso dos termos empregados em um ou outro caso, se por conotação ou por denotação. É hora de aplicarmos essa classificação ao julgamento-enunciado do IRDR. Ao caso piloto, o órgão julgador veicula norma jurídica de natureza concreta e individual. Assim dissemos porque as circunstâncias do mundo-do-ser descritas em seu A “natureza jurídica” do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas: um pseudoproblema analiticamente solúvel Página 14 antecedente e em seu consequente se referem a elementos específicos de uma classe de acontecimentos. Por exemplo, não se verá aqui referências genéricas a uma poluição ambiental causada pela ação de uma indústria a uma comunidade de ribeirinhos, mas sim a determinada poluição ambiental (tempo e espaço), causada, v.g., pela fumaça da específica indústria àquela comunidade de moradores nominalmente indicada. Ou seja, embora muitas das vezes o vocábulo seja idêntico (problema já reportado acima), a função, seu emprego, é diferente em ambos os casos. No primeiro tem-se conotação e no segundo, denotação. Portanto, uma vez que um ato de fala no caso vertente somente conseguirá ser feliz60 se houver reporte ao dito “caso-piloto”, insofismável que o meio linguístico para tanto será o emprego de termos em sua função denotativa, razão pela qual, aqui, o julgamento-enunciação do IRDR veiculará uma norma concreta e individual. A essa norma chamaremos norma-caso. Aos casos pendentes (isto é, aqueles apresentados ao Poder Judiciário até o tempo do julgamento-enunciação), o órgão julgador veicula uma norma de natureza concreta e geral. As razões da natureza concreta da norma (emprego denotativo dos termos em seu antecedente) são as mesmas já expostas para a dita norma-caso. E assim o é porque o julgamento-enunciado do IRDR somente se refere aos casos em tramitação que possuam a mesma controvérsia exclusivamente de direito, para utilizar os exatos termos do inciso I do art. 976 do CPC/15 (LGL\2015\1656). Ou seja, novamente, o órgão julgador, para exarar um ato performativo feliz, capaz de compreensão e produção de efeitos usual ao intuito de seu proferimento, empregará, para cumprir com sua força ilocucionária, os termos no antecedente em seu uso denotativo. A particularidade dessa situação reside no consequente da norma. Como visto anteriormente, dissemos que os casos pendentes eram indeterminados no momento do julgamento-enunciação do IRDR, uma vez que o CPC/2015 (LGL\2015\1656) não trouxe qualquer regra determinando a comunicação ao órgão julgador do incidente dos processos que se encontram suspensos na forma do art. 982, inciso I, do mesmo diploma legal. Diante disso, há uma indeterminação dos mesmos pela autoridade competente. Como se não bastasse, o julgamento-enunciado do IRDR não soluciona os ditos casos pendentes, ou, em um léxico mais rigoroso, não há a enunciação de norma jurídica para aqueles casos suspensos. Há, sim, a veiculação de uma norma jurídica que servirá como fundamento de validade61 de outras normas jurídicas, a cargo dos órgãos julgadores de cada um desses casos pendentes, uma vez que o ordenamento jurídico não outorgou competência ao órgão julgador do IRDR para veicular julgamento-enunciado de cunho individual para os casos suspensos, mas tão somente para o “caso-piloto”. Portanto, uma vez que o órgão julgador do IRDR não constitui as relações jurídicas que seguirão no consequente das normas jurídicas construídas para os casos suspensos, mas apenas estabelece nessa norma os critérios de uso das expressões que lá constarem, referindo-se a classes de sujeitos, o uso das palavras será conotativo e, portanto, de acordo com a classificação exposta, a norma será geral62. A “natureza jurídica” do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas: um pseudoproblema analiticamente solúvel Página 15 A essa norma chamaremos norma-tese. Por fim, temos a última força ilocucionária do julgamento-enunciação do IRDR, destinada a um número indeterminado de casos futuros. Nessa situação entendemos que serão veiculadas normas abstratas e gerais63. São gerais exclusivamente porque em seu antecedente e consequente haverá o emprego de termos em sua função denotativa, sendo isso condição de felicidade para que, de fato, atinja seu desiderato de proibir, permitir ou obrigar a prática de certas condutas futuras por parte de sujeitos indeterminados e indetermináveis no momento. Para tanto, por uma questão linguística e não jurídica, necessariamente a norma jurídica veiculada usará as palavras não enquanto elementos, mas enquanto classes, isto é, apresentando critérios de uso daqueles termos para posterior verificação de pertença por sujeitos cognoscentes que vierem a, futuramente, perante ela se postar. Por isso é que o inciso II do art. 985 afirma que os julgamentos-enunciados do IRDR serão aplicados aos “casos futuros que versem idêntica questão de direito”. Não há, no momento do julgamento-enunciaçãodo IRDR, qualquer possibilidade de que o órgão julgador conheça todas as específicas hipóteses do mundo-do-ser as quais a mesma consequência deverá ser aplicada. Há apenas a possibilidade que ele disponha os critérios de emprego das palavras que, acaso futuramente venham a ser preenchidos – evidentemente segundo uma outra decisão, cuja análise extrapola os limites deste artigo –, ensejem na consequência normativamente estabelecida. Os elementos da norma-precedente serão extraídos dos categoremas (antecedente e consequente) tanto da norma-caso quanto da norma-tese, pois não somente esta última será importante para sua formação (uma vez que ela não ultrapassa a margem de uma decisão específica aplicável a um número plural de casos), mas também as razões que levaram a essa decisão, sendo essas que se convencionou chamar de ratio decidendi64. Frisamos que seu antecedente e consequente serão formados por termos empregados em função conotativa e neles estarão todos os dados necessários para a formação de uma hipótese e uma consequência normativa. A essa norma chamaremos norma-precedente65. Nessa senda, algum leitor poderá estar se perguntando: “mas exatamente, diante de um julgamento-enunciado do IRDR, qual o conteúdo da norma-precedente que poderia se construir?”. Essa questão, apesar de absolutamente pertinente e oportuna para ser respondida à luz de nossas premissas epistemológicas, demanda uma resposta que poderá não agradar ao nosso curioso leitor hipotético. Não é possível à ciência do direito estabelecer qual a norma “correta” a ser veiculada pelo ordenamento jurídico, pois haveria uma indevida interseção entre sistemas que operam sob verificadores diversos, dada a função linguística dos enunciados por ele veiculados. A ciência do direito veicula enunciados sujeitos aos critérios de verdade e falsidade, ao passo que os enunciados do direito positivo, prescritivos que são (e não descritivos de uma realidade), encontram-se sujeitos aos critérios de validade e de invalidade. Portanto, este trabalho, enquanto científico que se propõe, não pode apresentar ao leitor qual (ou quais) seria a norma jurídica “correta”, ou “verdadeira”, uma vez que o objeto da ciência do direito não pode assim ser analisado. A “natureza jurídica” do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas: um pseudoproblema analiticamente solúvel Página 16 Quanto à sua validade ou não, cabe à ciência do direito apenas estabelecer quais as “possibilidades normativas” – em uma visão metalinguística sobre seu objeto – que considera factíveis de serem veiculadas, não sendo sua função, como disse Georg Simmel, reclamar ou condenar o objeto de estudos, mas apenas contemplá-lo66. Nas precisas lições de Tércio Sampaio Ferraz Jr.: (…) se o legislador, porque age por vontade e não por razão, sempre abre múltiplas possibilidades de sentido para os conteúdos que estabelece, então à ciência jurídica cabe descrever esse fenômeno em seus devidos limites. Isto é, apenas mostrar a plurivocidade. Querer, por artifícios dito metódicos, ir além dessa demonstração, tentar descobrir uma univocidade que não existe, é falsear o resultado e ultrapassar as fronteiras da ciência. A interpretação doutrinária é ciência até o ponto em que enuncia a equivocidade resultante da plurivocidade. Daí para frente, o que se faz realmente é política, é tentativa de persuadir alguém de que esta e não aquela é a melhor saída, a mais favorável, dentro de um contexto ideológico, para uma estrutura de poder67. Dizer ao leitor, assim, qual norma ou quais normas poderiam ser formadas à luz de um julgamento-enunciação (do IRDR ou de qualquer outro veículo introdutor, julgamento ou não) implicaria, indiretamente, dizer quais normas deveriam ser veiculadas e quais não deveriam, ou seja, extrairíamos um juízo de dever-ser de um conjunto de enunciados próprios ao mundo-do-ser, o que David Hume muito bem identificou como sendo o que chamou de falácia naturalista. Essa questão, que ficou conhecida como o problema do “é-deve” (is-ought) foi pelo filósofo e economista escocês assim estabelecida: Em todo sistema de moral que até hoje encontrei, sempre notei que o autor segue durante algum tempo o modo comum de raciocinar, estabelecendo a existência de Deus ou fazendo observações a respeito dos assuntos humanas, quando, de repente, surpreendo-me ao ver que, em vez das cópulas proposicionais usuais, como é e não é, não encontro uma só proposição que não esteja conectada a outra por um deve ou não deve. Essa mudança é imperceptível, porém da maior importância. Pois como esse deve ou não deve expressa uma nova relação ou afirmação, esta precisaria ser notada e explicada; ao mesmo tempo, seria preciso que se desse uma razão para algo que parece inteiramente inconcebível, ou seja, como essa nova relação pode ser deduzida de outras inteiramente diferentes68. Ora, de nossos enunciados acerca das normas jurídicas veiculadas pelo julgamento-enunciação do IRDR, de natureza descritiva (duas proposições ligadas pela cópula “é”, ou, em linguagem formalizada, p . q), não é possível exarar-se um enunciado que obedece às regras do dever-ser, ou seja, não nos é dado dizer quais as normas jurídicas que podem ser exaradas, mas apenas descriminar as possibilidades semânticas à luz de nossos pressupostos69. Nesse contexto, muito embora a ciência do direito possa oferecer um norte para a análise do tema, nunca poderá esgotá-lo, enunciando, por meio de sentenças constatativas, a totalidade das normas jurídicas passíveis de serem construídas a partir de um julgamento-enunciado do IRDR, ou, quiçá, a quimérica norma jurídica “correta”. Ao agir dessa maneira, inclusive, a ciência do direito se põe dentro dos parâmetros do discurso científico por ela proposto, pois adquire a possibilidade de seus enunciados serem submetidos ao critério de falseabilidade, como sugerira Karl Popper70. Então não haveria limites? À luz de um determinado julgamento-enunciado de IRDR qualquer norma-precedente seria possível? Evidentemente que há limites. Pelo esquema acima proposto, somado às noções iniciais indicadas neste tópico, jazem A “natureza jurídica” do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas: um pseudoproblema analiticamente solúvel Página 17 claras as limitações do intérprete, e essas residem tanto na cultura do sujeito cognoscente quanto no cercado da competência outorgado ao Poder Judiciário. Ora, a cada signo linguístico encontram-se conectados ao menos uma significação e um significado, os quais, a seu turno, veem-se ligados e limitados intrinsecamente pela cultura imbuída do sujeito cognoscente. Nas palavras de Umberto Eco: Digamos que o significado de um termo (isto é, o objeto que o termo “denota”) é uma UNIDADE CULTURAL. Em qualquer cultura, uma unidade cultural é simplesmente algo que aquela cultura definiu como unidade distinta, diversa de outras (…). Veremos depois como uma unidade semântica pode ser definida como uma unidade “intercultural”, que permanece imutável através da substituição dos significantes que a veiculam (…). No caso de outras unidades culturais, pode-se perceber como elas variam de “confins” conforme a cultura que as organiza (…).71 E mais adiante afirma o citado autor que “(…) existe uma interação muito estreita, e em muitas direções, entre a visão de mundo, o modo pelo qual uma cultura pertinentiza suas próprias unidades semânticas e o sistema dos significantes que as nomeiam e as ‘interpretam’”72. Assim também afirma Dardo Scavino, ao dizer que um texto pode ter várias interpretações, heterogêneas, inclusive divergentes, sempre e quando estas respeitarem o consenso (cultural) da comunidade, único critério válido para limitar uma leitura73. Além dessa limitação nitidamente semântica quanto ao significado das palavras usadas no conteúdo das normas jurídicas, é evidente que o seu emprego também se mostra limitativoà sua construção, ou seja, há uma restrição também de caráter pragmático. Isso porque o Poder Judiciário, ao ter sido autorizado a estabelecer normas jurídicas abstratas e gerais, não recebera do ordenamento jurídico um “cheque em branco”, assim como também não receberam os Poderes Legislativo e Executivo (vide os artigos 60, § 4º, e 84, inciso VI, da Constituição Federal de 1988). No caso do Poder Judiciário, sua maior limitação encontra-se no próprio enunciado da CF/88 (LGL\1988\3) que o autorizara prioritariamente a enunciar normas abstratas e gerais, a saber, o § 1º do art. 103-A. Seu texto literal diz que “a súmula terá por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual (…)” (destaque nosso). Dentro dessa demarcação, o direito brasileiro outorgou ao Poder Judiciário a possibilidade de veicular normas jurídicas abstratas e gerais apenas diante de uma determinada controvérsia, para utilizar expressamente o léxico empregado na Constituição Federal. Diante disso, encontram-se seus órgãos tão limitados para a elaboração de normas abstratas e gerais quanto na veiculação de normas concretas e individuais, limite esse que se encontra na constituição da situação da vida, nos eventos do mundo-do-ser materializados no bojo de um processo judicial submetido ao seu crivo. Não visualizamos competência para o Poder Judiciário extrair normas jurídicas abstratas e gerais com o emprego de conotações que não tenham – segundo a cultura em que se ache inserida, sob o aspecto linguístico-idiomático –, entre os elementos da classe escolhida, os dados do mundo-do-ser constituídos a partir das provas coligidas no caso-piloto. Assim, não há como se criar uma classe de situações (v.g., conjunto “X”) cujo critério de A “natureza jurídica” do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas: um pseudoproblema analiticamente solúvel Página 18 uso de X não contemple a específica situação constante do caso-piloto como um de seus elementos possíveis, pois escaparia à competência do Poder Judiciário. Por outro lado, entendemos que seria infeliz uma norma jurídica abstrata e geral que utilizasse conotações com extensão tão ampla quanto aquelas sacadas dos enunciados prescritivos contidos nos “tradicionais” veículos introdutores de normas desse jaez (leis, regulamentos, decretos, Constituição etc.), pois o modal deôntico (proíbo, obrigo ou permito) e, por conseguinte, o ato ilocucionário já adviriam, inclusive em caráter pretérito, daquela outra norma, sendo dispensável reafirmá-la em abstrato na hipótese de instituição de IRDR, o que tornaria “sem propósito” a norma-precedente. Uma vez que o ato de fala pretende-se feliz, isto é, produzidor de força ilocucionária e perlocucionária próprias, deverá para tanto, não por uma questão jurídica, mas por uma convencionalidade linguística, para usar os termos de John L. Austin, empregar palavras de classe que estejam contidas, como subclasses próprias, no interior daquelas expressões utilizadas na norma jurídica abstrata e geral que lhes serviu de fundamento de validade. O ato de fala, assim, não seria dotado dessa força ilocucionária própria, sendo, assim, infeliz e malogrado diante de seu propósito74. Em outras palavras, a norma-precedente é uma norma abstrata e geral cujos elementos possuem conceito (critério de uso) mais extenso que a norma abstrata e geral proveniente dos atos de fala que chancelam sua pertença ao ordenamento jurídico (e, portanto, abrange um menor número de elementos) e que, necessariamente (dados os lindes da sua competência), terá entre os seus elementos aqueles que constam no antecedente da norma-caso extraída do julgamento-enunciado que lhe deu origem. Assim como se encontra fora da autorização de um órgão julgador, por exemplo, diante daquela ação de cobrança, acima mencionada, condenar um terceiro a um crime, digamos, de peculato75 escapará à competência de um órgão julgador de IRDR formular norma jurídica geral e abstrata utilizando expressões (signos) que não constituam, segundo a cultura em que esteja inserido, classe que contenha entre os seus elementos a exata circunstância de fato construída no processo judicial submetido afetado para o incidente (“caso-piloto”). Ou seja, é verdadeiro afirmar que órgão julgador do IRDR enuncia norma jurídica abstrata e geral? Evidentemente que sim, uma vez que, para proferir um ato de fala performativo feliz, atingindo, como ordena o art. 985, inciso II, do CPC/2015 (LGL\2015\1656), casos futuros incertos e indetermináveis, é preciso o emprego de termo linguístico em seu uso conotativo, sob pena de frustrar o próprio ato ilocucionário intencionado. É verdadeiro então dizer que o julgamento do IRDR se dá “em abstrato”? Evidentemente que não, pois o Poder Judiciário não possui autorização para a veiculação de normas gerais e abstratas cujos termos não possuam no interior das classes representadas elementos da situação concreta constituída perante o órgão judicial no “caso-piloto”76. Desse modo, observamos que o emprego de uma visão analítica do direito ao nível linguístico revela, com o devido respeito aos demais autores, a esterilidade do debate quanto à chamada “natureza jurídica” do IRDR ou de seu “julgamento”, tratando esse, assim, de mais um dos pseudoproblemas ao qual, agora, esperamos ter apresentado um aporte com maior rigor e bases mais seguras para o debate. 3 Conclusões Tudo muda, inclusive a pedra. A “natureza jurídica” do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas: um pseudoproblema analiticamente solúvel Página 19 Essa frase, atribuída ao pintor Monet ao terminar a pintura de uma sequência de telas dedicada às suas diferentes percepções da Catedral de Rouen, demonstra, na visão do gênio, o mesmo local visto à luz de vários momentos do dia, sob diferentes circunstâncias atmosféricas e variações de luz, tudo para transmitir uma só conclusão: a impossibilidade de se reproduzir uma verdade objetiva das coisas77. Objeto cultural que é o direito, de mesma origem intrínseca que a dita catedral, ou seja, do intelecto humano, impossível sua reprodução por meio de uma verdade objetiva. Sua análise se dá, necessária e obrigatoriamente, diante de um certo ângulo, e no momento em que aquele ângulo é visto, os demais são infelizmente perdidos. O mérito da inteligência do homem reside em sua possibilidade de constituir linguagem acerca de um objeto qualquer, inclusive aqueles que sequer possuem correspondente físico no mundo. Sua maior limitação reside nesse mesmo atributo, uma vez que para atingir o máximo de seu potencial nessa análise, é preciso estreitar sua visão ao fenômeno enquanto ele mesmo. Foi exatamente isso que fizemos ao longo destas páginas. Separamos uma pequena, infinitesimal, parte do direito e exibimos uma forma de pintar essa “catedral” de acordo com um conjunto de cores muito particular e sob uma variação de luzes bastante própria, que pudessem reproduzir ao leitor uma visão clara do nosso objeto: o incidente de resolução de demandas repetitivas, tal qual trazido pelo CPC/2015 (LGL\2015\1656). E após toda essa empreitada, resumimos nossas conclusões nos seguintes itens: 1. o direito é um objeto cognoscível de caráter cultural e, como tal, manifesta-se exclusivamente através da linguagem, sendo ela, para o direito, seu meio e forma constituidora; 2. nesse sentido, o direito é um sistema comunicacional, composto de enunciados linguísticos, os quais não se confundem como o ato consistente em sua emissão, o qual, aqui, chamamos de enunciação ou ato de fala; 3. importante assim diferenciar a expressão julgamento em seus quatro aspectos principais: i) julgamento como documento (suporte físico, folha de papel em que se encontra escrito um ato de fala judicial, v.g., um acórdão que põe fim a um IRDR); ii) julgamento como veículo introdutor de normas (meiopelo qual enunciados prescritivos judiciais são postos no ordenamento jurídico); iii) julgamento como ato de enunciação (ato de fala que serve de fonte para determinado enunciado judicial); e iv) julgamento como enunciado (enunciados prescritivos judiciais); 4. os enunciados que compõem a linguagem-objeto do direito positivo, a seu turno, possuem a função prescritiva de condutas humanas, sendo, por conseguinte, enunciados prescritivos, ao lado dos enunciados descritivos de uma realidade, próprio à ciência do direito; 5. as normas jurídicas, conforme entendemos, não são os enunciados prescritivos de per se, mas a unidade deôntica lógica-condicional de prescrição de condutas humanas obediente, necessariamente, ao esquema lógico ilustrado por [D (p � q)], ou, saturando-se as fórmulas, deve-ser, se ocorrer o fato F, instalar-se-á a relação deôntica R entre os sujeitos S’ e S”; 6. as normas jurídicas podem ser classificadas como abstratas e concretas (com relação ao seu antecedente) e gerais e individuais (com relação ao seu consequente), conforme utilizem as palavras nelas vertidas como função conotativa (abstratas e gerais) ou denotativa (concretas e individuais); 7. um determinado ato de fala (enunciação) pode ser seccionado em ato locucionário A “natureza jurídica” do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas: um pseudoproblema analiticamente solúvel Página 20 (expressão dita, significado), ato ilocucionário (força empregada no ato de falar, finalidade do uso linguístico) e ato perlocucionário (efeito do ato de fala no mundo); 8. um julgamento-enunciação do IRDR, dadas as prescrições legais aplicáveis ao tema – a saber, artigos 978, parágrafo único, e 985, ambos do CPC/2015 (LGL\2015\1656) –, possui três forças ilocucionárias principais, cada uma destinada a inserir no ordenamento jurídico uma norma jurídica diversa, as quais chamamos de norma-caso, norma-tese e norma-precedente; 9. a norma-caso é destinada ao dito “caso-piloto”, voltando-se diretamente à constituir relação jurídica entre as partes daquele processo, e possui classificação como concreta e individual; 10. a norma-tese é destinada aos processos em tramitação até o tempo do julgamento-enunciação do IRDR, voltando-se diretamente para possibilitar ao juiz responsável por aqueles processos que a utilize como fundamento de validade para a norma concreta e individual que será por ele proferida para constituir relação jurídica entre as partes daqueles processos, possuindo classificação como concreta e geral; 11. a norma-precedente, classificada como geral e abstrata, é aquela extraída tanto da decisão destinada ao “caso-piloto” como da “tese” fixada no julgamento-enunciado, sendo sacada ainda pelos enunciados que constituíram a explicitada fundamentação da decisão tomada pelo órgão julgador ao “caso-piloto”, estando voltada a ser fundamento de validade a um número indeterminável de casos outros; 12. os limites ao Poder Judiciário para editar uma norma abstrata e geral no seio de um processo judicial residem nos lindes da competência estabelecida pelo § 1º do art. 103-A da CF/88 (LGL\1988\3) e na pretensão de felicidade que possui todo ato de fala (doutrina de John L. Austin); 13. primeiramente, não visualizamos competência para o Poder Judiciário extrair normas jurídicas abstratas e gerais com o emprego de conotações que não tenham – segundo a cultura em que se ache inserida, sob o aspecto linguístico-idiomático –, entre os elementos da classe, os dados do mundo-do-ser constituídos a partir das provas coligidas no caso-piloto; 14. por outro lado, seria infeliz uma norma jurídica abstrata e geral que utilizasse conotações com extensão tão ampla quanto aquelas sacadas dos enunciados prescritivos contidos nos “tradicionais” veículos introdutores de normas desse jaez (leis, regulamentos, decretos, Constituição etc.), pois o modal deôntico (proíbo, obrigo ou permito) e, por conseguinte, o ato ilocucionário já adviriam, inclusive em caráter pretérito, daquela outra norma, sendo dispensável reafirmá-la em abstrato, na hipótese de IRDR; 15. assim, a norma-precedente é uma norma abstrata e geral cujos elementos possuem conceito (critério de uso) mais extenso que a norma abstrata e geral proveniente dos atos de fala que lhe servem de fundamento de validade (e, portanto, abrange um menor número de elementos) e que tenha entre os seus elementos aqueles que constam no antecedente da norma-tese extraída do julgamento-enunciado que lhe deu origem; 16. como conclusão final à luz da problemática indicada, é verdadeiro afirmar que órgão julgador do IRDR enuncia norma jurídica abstrata e geral, porém é falso dizer que órgão julgador do IRDR profere julgamento “em abstrato”. Ou seja, a expressão “julgamento em abstrato” utilizada pela processualística moderna é a ensejadora do celeuma de interpretação que hoje divide parte da doutrina brasileira. Explicitando-se o raciocínio de maneira analítica, portanto, o problema se revela como apenas um pseudoproblema. 4 Bibliografia ALCHOURRÓN, Carlos E.; BULYGIN, Eugenio. Introducción a la metodologia de las A “natureza jurídica” do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas: um pseudoproblema analiticamente solúvel Página 21 ciencias jurídicas y sociales. Buenos Aires: Astrea, 2006. AUSTIN, John L. Quando dizer é fazer: palavras e ação. Porto Alegre: Artes Médicas, 1990. BRASIL. Poder Judiciário. Conselho Nacional de Justiça. Justiça em números 2016: ano-base 2015. Brasília: CNJ, 2016. Disponível em: [www.cnj.jus.br/files/conteudo/arquivo/2016/10/b8f46be3dbbff344931a933579915488.pdf]. Acesso em: 23.04.2017. BRASIL. Congresso Nacional. Senado Federal. 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