Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Universidade Positivo Psicologia Humanista II Beatriz Feijó Charlie Lucas Ivana Mesquita Matheus Castro Matheus Hennig Thalita Chruczeski Psicodrama e o Teatro Espontâneo Curitiba 2019 1 Universidade Positivo Psicologia Humanista II Beatriz Feijó Charlie Lucas Ivana Mesquita Matheus Castro Matheus Hennig Thalita Chruczeski Psicodrama e o Teatro Espontâneo Trabalho realizado no curso de Psicologia da Universidade Positivo durante o ano de 2019 para obtenção de nota parcial bimestral, sob supervisão da professora Rosângela Cardoso. Curitiba 2019 2 Introdução O Psicodrama teve como principal iniciador Jacob Levy Moreno. No começo, seu pretexto era ser uma abordagem sócio-psicoterápica (RAMALHO, 2010). A preocupação social e política levou Moreno a trabalhar com crianças e prostitutas nas ruas de Viena, e foi nesse contexto que se deu início ao desenvolvimento do teatro espontâneo e por consequência, a criação do Psicodrama (ARAÚJO; OLIVEIRA, 2012). Afirma-se que o psicodrama é uma abordagem que se estabelece entre a arte e a ciência, tendo o melhor dos dois mundos (RAMALHO, 2010). Nesse contexto, pode-se afirmar ser uma reação de métodos individuais os quais privilegiou o estudo dos indivíduos, do homem como um ser bio - psico - social e transcendente, sendo importante assim, um estudo sobre o tema. Para o criador do Psicodrama, a espontaneidade é o núcleo de toda sua teoria. Sua fonte é a própria espontaneidade cuja necessidade de expressá-la é dado em um estado apropriado: o estado do aquecimento (RAMALHO, 2010). De acordo com Moreno (1984), o teatro da espontaneidade consiste numa quebra radical das tradições dramáticas e apresenta uma maneira revolucionária de fazer teatro, e para isso, foram necessárias quatro modificações estruturais: eliminação do dramaturgo, do texto teatral escrito e da separação entre palco e plateia e a criação do palco-espaço. Dessa forma, no teatro espontâneo, todos podem interpretar e a ênfase da prática está na improvisação, presente nas palavras, encontros, ações e resolução de conflitos . A criação do teatro espontâneo teve origem no princípio do século XX, em Viena, por Jacob Moreno e também no Playback Theatre , por Jonathan Fox e Jo 1 Salas, em 1975 (FÁVERO, 2007). Tem como um de seus objetivos levar o público ao palco, dissolvendo a separação entre palco e plateia e rompendo com a estrutura tradicional do teatro, que considera somente a “conserva cultural” (ARAÚJO; OLIVEIRA, 2012). Em uma proposta de que, naquele momento de ação, por uma forma de expressão do indivíduo, o mesmo tornar-se-ia o próprio autor e criador de sua história, para assim, transformá-la (GONÇALVES; WOLFF; ALMEIDA, 1988). 1 Esta modalidade, criada sem conhecer o trabalho de Moreno, é uma forma de contar histórias de maneira dramática. O narrador traz a história e é representada imediatamente pelos atores e/ou outros membros da platéia (FÁVERO, 2007). 3 Tendo em vista esse cenário, não são utilizados elementos “já acabados do drama”, os diálogos e as cenas terão que ser construídos, evitando que as atrizes e os atores se tornem reféns da memorização e estimulando a criatividade. O palco aberto permite que a plateia tenha uma visão integral de tudo o que está sendo performado , não existem cortinas nem coxias e o aquecimento e espontaneidade são fundamentais para a prática do teatro espontâneo (ARAÚJO; OLIVEIRA, 2012). Segundo Moreno, o teatro da espontaneidade é constituído de produções poéticas e sociais: “Todas as questões concretas que excitavam o público naquele momento, os julgamentos ou debates no congresso, podem ser trazidos para o auditório do teatro e reexperenciados “ (1984, p. 93) Portanto, notícias do dia podem se tornar dramatizações, ao assumir uma exposição espontânea no palco, o ator ou atriz pode utilizar de técnicas de improviso, estruturando formas, conteúdos e personagens, e transformando notícias cotidianas em representações (ARAÚJO; OLIVEIRA, 2012). Esse processo da construção de toda a poética teatral diante do público é chamado de “ato de transferência pública”, e é essencial que sempre sejam obedecidas as leis da improvisação. No contexto de que o psicodrama ''é uma abordagem de transformação no aqui-e-agora'' (RAMALHO, 2010), ao observar o efeito terapêutico nos indivíduos que atuavam nas encenações, surgiu o teatro terapêutico e o psicodrama. Ambos se constituindo de modalidades voltadas para grupos e vivências individuais, entretanto, sem se desvincular de seu caráter e contexto social (ARAÚJO; OLIVEIRA, 2012). Moreno abandonou em partes o projeto do Teatro espontâneo focando na abordagem Psicodrama, na medida que toda sua linguagem é baseada no teatro (FÁVERO, 2007). As modalidades do teatro Espontâneo mais conhecidas, segundo Moreno (1984) são: o role-playing , o jornal vivo, o axiodrama, o playback theater, a multiplicação dramática, a peça didática, o teatro do oprimido e o dramaterapia. Adiante, uma sucinta explicação sobre cada um deles. 4 1) Playback Theatre ou Teatro Playback- Criado por Jonathan Fox e Jo Salas, em 1975. Essa modalidade é uma forma de contar histórias de modo dramático, atuando; o narrador traz a história que é representada imediatamente por membros da platéia ou atores. Dessa maneira vai-se criando uma cadeia de histórias que elucida a relação com o outro à partir de sua representação, pelo lugar social e pela eficácia de suas influências, não apenas pelo que ''é'', no sentido de existir. ''Atualmente existe uma rede internacional de Teatro Playback, que reúne várias Companhias de Teatro Espontâneo de todo o mundo (FÁVERO, 2007, p.198). 2) Role playing (Jogo de papéis) - é um desempenho ou representação que permite uma liberdade de expressão. Consiste em lidar com o personagens, explorando simbolicamente suas possíveis expressões em um nível consciente de reflexão/representação. Acontece através da apresentação de uma situação-problema, uma breve discussão acerca da situação, ''arranjo de uma situação análoga, desempenho do cliente em situação estruturada e feedback do terapeuta e/ou de outros participantes'' (SOUZA; ORTI; BOLSONI-SILVA, 2012). Essa técnica tem como origem o psicodrama, porém tem sido empregado por terapeutas e pesquisadores de diversas abordagens, dentro e fora da psicologia. 3) Jornal vivo- Experimentada por Moreno, essa modalidade foi uma espécie de prova para mostrar que é viável, esteticamente, uma apresentação improvisada no teatro. É caracterizada, principalmente, por dramatizações de notícias vindo de veículos de informações, como o jornal. A encenação, vindo da notícia, pode ou não conter detalhes adicionados pelos atoresno palco, além da informação propriamente dita, isto é, há uma liberdade poética; pode-se também parodiar os jornais com fatos trazidos pelos próprios atores. ''A apresentação pode tanto esgotar-se aí como prosseguir, tomando-se uma das cenas como a cena embrionária de uma nova história a ser criada coletivamente''(MORENO, 1984). 4) Axiodrama- É um caso particular de sociodrama. '' O Axiodrama é uma síntese do Psicodrama e da ciênciados valores (axiologia); dramatiza as aspirações morais do psiquismo individual e coletivo (justiça, beleza, 5 bondade, complexos, perfeição, eternidade, paz, etc.)” (MORENO, 1974, p. 114). Axiologia é a ciência dos valores e dos merecimentos; esses valores são móveis e dinâmicos, antagônicos e dialéticos, além de ajudar o indivíduo a entender o sentido da vida. Moreno cita alguns valores a serem trabalhados por meio do Teatro Espontâneo, como valores utópicos, os valores/desvalores, limites, virtudes, valores voltados à sensibilidade, à civilidade, os valores/desvalores das relações humanas, valores/desvalores ligados ao desejo, voltados à política, e valores/desvalores religiosos. “Tematizado ou não, será sempre um Sociodrama, pois estará preocupado com o movimento sociogrupal” (ALMEIDA, 2012, pp. 90-91). 5) Peça didática- A peça didática foi criada por Bertold Brecht, um dramaturgo alemão. O formato dessa modalidade é a apresentação de um pequeno texto, ao grupo. Tendo um script, o grupo é convidado a lê-lo e a encená-lo repetidas vezes (cada vez com diferentes atores, mas entre os próprios participantes). O script em si é padronizado, isto é, insuscetível de ser alterado, entretanto, um indivíduo pode atuar como diferentes personagens e não apenas um (em decorrência das diversas atuações). Entre cada tentativa de apresentação se faz um processamento sobre tal, junto com uma discussão e compartilhamento. '' Antes de cada representação discutem-se também as hipóteses de aperfeiçoamento da encenação anterior e de novos ângulos pelos quais o texto pode ser encarado, o que determinaria novos padrões de representação (MORENO, 1984). 6) A multiplicação dramática- O crédito da criação desta modalidade é, principalmente a um grupo de psicodramatistas argentinos, de tradição psicanalítica e com ligações ao teatro. A fundamentação estética se aproxima do modo que o teatro espontâneo da ''obra aberta'' de Umberto eco, acontece. Em uma sessão normal de psicodrama, ao invés de acontecer o compartilhamento verbal, pede-se para cada participante (com exceção do protagonista) subir ao palco e circular pelo cenário onde aconteceu a cena onde acabou de ser apresentada. Ao fazer a ação, deve-se identificar e reter uma cena que lhe venha à mente, quando sua emoção se conecta com aquela cena. Depois que todos tenham feito isso, abre oportunidade para 6 cada um contar o que lhe veio à tona. O protagonista escolhe a sequência que gostaria que cada cena pensada fosse dramatizada, sequência da representação de cada cena. Compartilha-se no final, o conjunto de experiências vividas. ''A importância dessa técnica é que ela potencializa o sentido da primeira dramatização, aprofundando-o e diversificando-o'' (MORENO, 1984). 7) Teatro do oprimido- Surgiu na década de 70 em resposta às inquietações e experimentações de Augusto Boal, diretor do Teatro de Arena de São Paulo da época. É dito como uma revolução, pois o mesmo pensou em colocar os meios de produção teatral nas mãos de todos, um '' teatro para o povo e pelo povo'' (OLIVEIRA; ARAÚJO, 2012). Boal dizia que todos podem fazer teatro, até mesmo os atores, tirando a ideia do teatro ser uma propriedade privada - e sim uma linguagem a todos os seres humanos. Sua ideia foi levar os espectadores a não apenas espectadores, mas com participação no palco. 8) Dramaterapia- Na década de 1920, Jacob Moreno observou que a dramatização e o teatro experimental possuíam uma ação em libertar os seres humanos através da revelação de seus pensamentos e sentimentos. A partir disso, Moreno começou a incorporar o drama em psicoterapia. Essa modalidade pode ajudar os indivíduos a encontrar, por meios criativos, soluções para seus problemas, utilizando do drama ou processo teatral, a fim de alcançar um tratamento terapêutico. Os participantes deste processo participam de oficinas onde se contam histórias, no sentido de resolver problemas, expressar seus sentimentos, criar personagens com o intuito de modificação do ambiente, modificar comportamentos. Todo processo com o objetivo de que o indivíduo se reencontre emocional e fisicamente, além de construir auto estima e habilidades no controle de suas emoções.Esse campo se expandiu para permitir várias formas de intervenção terapêutica, incluindo a encenação, jogos teatrais, dinâmicas em grupo, mímica, o uso de fantoches e outras técnicas de improviso. Essa modalidade acaba por ser utilizada não apenas na psicologia, mas em muitos lugares: hospitais, programas de recuperação, clínicas comunitárias de saúde mental, escolas, terapias com idosos, entre outros. 7 O psicodrama, sendo um método terapêutico que integra o teatro espontâneo como uma das técnicas de terapia disponíveis, procurou-se saber mais sobre o mesmo. Sendo assim, buscando alcançar mais sobre a história dessa técnica e compreender mais profundamente o assunto, foi realizada uma entrevista de um profissional atuante na área, possibilitando assim, uma melhor compreensão do assunto por parte dos alunos. Método Foi realizada entrevista semiestruturada com um psicodramatista, marcada com antecedência por dois entrevistadores. O encontro aconteceu na Associação Paranaense de Psicodrama, em sala reservada para tal. Os dois entrevistadores se posicionaram sentados lado a lado, de frente para o entrevistado, fazendo os registros através de anotações e gravação autorizada. Perguntas foram previamente selecionadas para dar direcionamento à entrevista, que ao final de 40 minutos foi encerrada. Sujeito O profissional de Psicologia entrevistado é o psicodramatista Leandro Carvalho de Bitencourt, graduado pela PUC (Pontifícia Universidade Católica do Paraná) e atualmente professor de pós-graduação na Associação Paranaense de Psicodrama. Instrumentos e Materiais Para a realização da entrevista foram utilizados um gravador, um bloco de notas e sete perguntas abertas preparadas de antemão (Figura 1). Figura 1. Estrutura para entrevista do profissional. 1. Por que você escolheu o Psicodrama como abordagem? 2. Como você define teatro espontâneo para o Psicodrama? 3 . Como se dá a parte prática do teatro espontâneo? Existem técnicas? Quais? 4. Qual é a relação entre o teatro espontâneo e a espontaneidade e criatividade? 8 5. Por que você escolheu aprofundar os estudos acerca do teatro espontâneo?6. Existem dificuldades quando falamos de teatro espontâneo no Psicodrama ? 7. Existe alguma dica que você gostaria de dar para alguém que está querendo se aprofundar na teoria do Psicodrama? Entrevista Toda a entrevista foi transcrita diretamente da fala do entrevistado. Por que você escolheu o Psicodrama como abordagem? Passava aqui na frente, a casa amarela parece que chama a gente. Na época tinha grupos de conversas abertas, sempre pensei vou participar, mas nunca vim. Aí tive contato com psicodrama na faculdade no primeiro semestre, e no sétimo quando tive psicodrama real. No último ano foi na clínica, com meu ex professor, onde eu tomei gosto e tal. Participei de uma jornada e decidi fazer a pós-graduação. Mas o psicodrama bate com a minha visão de homem, bate com muita coisa que eu já carregava, em termos de conduta, de forma de ser no mundo. O psicodrama então ele veio com essa forma de complementaridade e acho que por isso que eu to aqui. Por causa disso. A gente bate assim, numa visão de homem, numa visão de mundo. Como você define teatro espontâneo para o Psicodrama? O psicodrama não nasce como uma abordagem terapêutica, ele inicia com o Moreno tentando revolucionar o teatro. Ele achava o teatro muito cristalizado, onde o ator tem falas e gestos prontos e faltava espontaneidade. Faltava o ator poder fazer o movimento que poderia ser adequado no momento. Ele começa a trabalhar com as crianças, e depois ele vai nas praças e parques de Viena propor o teatro da espontaneidade. Ele chamou isso de Jornal Vivo. Vocês sabem o que é Jornal Vivo? Ele estava na praça com o grupo de atores, e pedia pra alguém falar uma notícia e os atores reproduziam a notícia no teatro da espontaneidade, e surge aí. Depois, com essas apresentações, tem o caso Bárbara, que era uma atriz. 9 Como se dá a parte prática do teatro espontâneo? O teatro espontâneo tem vários tipos. O psicodrama como método é um teatro espontâneo. O teatro espontâneo é um guarda-chuva mais amplo onde existem várias vertentes. Por exemplo PlayBack Theater, Teatro de Improvisação, o Psicodrama, Teatro do Oprimido, são tipos de teatro espontâneo. Quando falamos de Moreno não começou com o Psicodrama, o livro dele é o teatro da Espontaneidade. Ele divide em quatro. Teatro terapêutico, teatro criador, teatro da espontaneidade e teatro do conflito. Ele vai começar com o Teatro mesmo. E a partir do caso Bárbara ele percebe que isso poderia ser utilizado como forma de tratamento de relações. Como você vê essa relação do Teatro espontâneo com o processo terapêutico hoje em dia, depois de toda essa bagagem desde Moreno? A gente é o protagonista da nossa história, então quando a gente sai da cadeira, sai da linguagem única e verbal e da racionalização, quando a gente sai e se propõe a fazer algo novo, quando vai fazer a dramatização a gente perde o controle do que vai fazer, então muitas vezes a gente comunica o que não é linguagem verbal. E o psicodrama tem esse viés do que, justamente, ampliar o que o Moreno fala, de uma terapia única e exclusivamente verbal. Então com ela a gente tem acesso a toda essa realidade suplementar, uma atuação em outros níveis de comunicação, comunicação corporal, interação com outros personagens, a gente tem um ganho significativo terapêutico. Quando a gente trabalha num teatro espontâneo chamado psicoterapia psicodramática, você não vê limitação de papel que você pode atuar. Teu cliente traz um problema com o chefe você vai aprofundar, e de repente isso cai num problema com o pai, com o avô, com a mãe. Essa fluidez que a gente pode ter nesse tipo de dramatização, a gente pode abordar vários tipos de papéis em uma única sessão. Num psicodrama socioeducacional, você fica preso a um papel específico. Por exemplo, num grupo de orientação a pais, muitas vezes, de acordo com o tipo de trabalho, identificar o filho, mas isso não vai ser aprofundado porque o foco do trabalho é o papel de pai e mãe. Ai se ele quiser aprofundar, ele vai pra psicoterapia, que tem fluidez entre os papéis. 10 O tipo do trabalho então tem essa diferença, ele vai poder ter sua especificidade, como por exemplo homo afetividade, aí você pode dentro desse trabalho, você pode aplicar vários métodos e várias técnicas, de acordo com o objetivo que você tem. Quais técnicas podem ser utilizadas no teatro espontâneo? O teatro espontâneo como vertente, como proposta do Moreno, a gente vai ter as mesmas técnicas do psicodrama. Num outro tipo de teatro espontâneo, por exemplo playback, a gente tem uma coisa diferente, como por exemplo a escultura fluida, que é uma outra técnica que o criador do playback desenvolveu. Em um grupo de psicodrama aberto ou sociodrama temático você coloca uma temática que você vai trabalhar em cima, mas o teatro espontâneo é isso, você não tem roteiro, você propõe o tema, mas o que vem é livre. Com o teatro espontâneo você sabe onde começa, mas nunca sabe onde termina. Em grupo, se aparece demanda pessoal, a gente tem que conter no grupo para esse indivíduo sem adentrar muito nos aspectos pessoais, se não for num foco psicoterápico. A ideia é que você não necessariamente aprofunde, porque o trabalho é socioeducacional ou socioterápico, mas depende do tipo de objetivo que você vai ter. Quem vai definir o que vai ser trabalhado é o público. O público vai definindo aquilo que quer, que vai ser trabalhado. A ideia é que a gente se torne um protagonista da nossa história. Veja, eu proponho um teatro espontâneo, o público propõe um tema e você vai aprofundando, vai trabalhando a sequência de cenas, e vai acontecer de alguém que vai falar assim “isso bate comigo, isso me fere, eu não consigo entender, isso me deixa irritado”. A ideia é que eu possa de maneira espontânea e criativa, dar uma resposta adequada a esse momento, para que a gente possa sair daqui refletindo, repensando em como eu posso ser mais empático, menos agressivo, me conter, sem adentrar aspectos intrapsíquicos que não vêm ao contexto. O psicodrama é direto, não há rodeios. A ideia é de que a coisa seja direta. Isso também vai acontecer no teatro. Mas também não é só cutucar uma ferida e deixá-la aberta. A ideia é que seja possível dar uma resposta criativa adequada ao meio. Então, a gente entende a espontaneidade não como uma resposta impulsiva, 11 comportamento desorganizado ou a minha liberdade somente. A leitura que fazemos é de que somos seres sociais. Então, deve haver uma adequação da espontaneidade. Adequação a mim e ao meio social no qual estou inserido. A minha liberdade vai até onde começa a liberdade do outro. Quais as dificuldades de se trabalhar com o TE em grupo em contextos socioeducativos? Deve haver um cuidado com relação ao tema.Às vezes surge um tema um pouco mais delicado e o diretor tem de ter um tato para abordar esse tema. Em alguns casos é possível perguntar se o grupo realmente deseja trabalhar isso. Caso não queiram, deve-se partir para um outro tema. O diretor deve portanto estar atento a questões de adequação, domínio técnico, pesquisa (no sentido de investigar se o grupo está interessado em trabalhar com determinado tema). Ele tem que ter um controle do que será abordado, os papéis que serão interpretados, tem que saber que ele está ali para promover um movimento espontâneo e criativo, não invadir o que não precisa ser invadido, sem transpor os limites dos papéis. O básico é o domínio das técnicas que você vai utilizar e a experiência que você adquire. É sempre importante lembrar também que um trabalho que começa e termina no mesmo dia [no caso da aplicação do TE em grupos socioeducativos], a ideia é não deixar as feridas abertas, pois essa pessoa vai voltar para a sociedade, para seu círculo de amigos e familiares. Quando alguém parece se exceder no papel proposto para o TE, o diretor deve pontuar de maneira assertiva, dizendo que compreende a complexidade da situação da pessoa, mas que naquele momento o trabalho está focado naquele papel específico e o adequado é que a pessoa leve isso a seu próprio processo terapêutico em um ambiente adequado. Como funciona a delegação de papéis? Uma das formas é solicitar às pessoas, perguntando quem está interessado em desempenhar determinado papel. Ou a gente pergunta para o protagonista da cena sobre quem ele quer que desempenhe os papéis. No caso do playback, por 12 exemplo, a pessoa conta uma história dela, mas não está no palco. Quem estão no palco são os atores escolhidos por ela. Qual a distinção entre processos terapêuticos e psicoterapêuticos e a relação com plateia e atores? Às vezes uma conversa com um amigo no boteco é terapêutico, ou assistir a um filme que transforme a sua vida. Psicoterapêutico se refere à psicoterapia. O conceito dessa questão terapêutica está relacionado com o conceito de catarse que o Moreno vai trazer. Pode haver uma catarse do ator ou da plateia. A pessoa que está assistindo pode se impactar profundamente com a história da pessoa que está contando. Então pode estar sendo terapêutico para ela. Os membros da plateia estão participando da sessão. Aí entra um conceito que a gente chama hoje de catarse de integração. No psicodrama é o trabalho mediante uma pessoa. Não é o trabalho de uma pessoa mediante o grupo. Então seja no TE, no psicodrama, no axiodrama ou no sociodrama a ideia é que o grupo se transforme e não a pessoa em si. É um grupo que, na hora, decide quem vai ser a platéia, quem vai ser ator… Em grupo de teatro espontâneo pode ser. É algo mais livre, quando não envolve um processo terapêutico. A ideia é que o grupo crie. É um teatro mesmo. Aí dentro de suas ramificações há o psicodrama, que é uma vertente cujo foco é psicoterapia ou socioterapia. Isso não quer dizer que o teatro em si não tenha cunho terapêutico como a gente estava falando. O teatro pelo teatro pode transformar sua vida por uma cena que pode ser tão forte, tão impactante, quanto a sua psicoterapia. A gente não tem controle disso. Não é um desprezo à psicoterapia, não é esse o foco. Não dá para medir os dois. Você tem alguma mensagem para passar para o pessoal interessado no teatro espontâneo e no psicodrama? Muitas vezes as pessoas dizem que não se dão bem com o psicodrama porque são muito tímidas. Veja, levantar a bunda da cadeira não é fácil, nem para quem faz terapia há muitos anos e nem para quem está começando. A questão é experimentar. Acho que a gente precisa experimentar os vários métodos, as várias 13 formas, e depois isso vai ser um diferencial no processo de escolha. De repente justamente por ser tímido, você poderia fazer um teatro espontâneo para que isso possa te desbloquear. Acho que o grande “X” da questão é poder experimentar as coisas. Aí sim a gente pode dizer se gostou ou não, a gente tem um processo de escolha baseado em experiência, não só na visualização, uma coisa distante que a gente coloca um rótulo. Como que é estabelecido o tema da sessão? Quem dá o pontapé inicial? É o diretor. O diretor vai dizer "a gente vai fazer um teatro espontâneo, vamos ter que elaborar um tema, trabalhar em cima de uma cena, quem aí tem um tema?". Quando juntamos os temas o diretor pergunta qual deles a platéia escolhe. É uma escolha sociométrica que a gente fala. Tem a ver com uma maior representatividade do público que está ali, porque tem a ver mais com suas questões, com seu modo de ver, aquilo que eles querem aprofundar. Conclusão O teatro espontâneo, como citado pelo entrevistado, possui ramificações. Dentre elas, o Teatro Playback, que se trata de uma forma de contar histórias de forma dramática, e simboliza várias coisas, entre elas a criatividade, que deve surgir deste todo que compõe aquele evento (ALBOR, 2000). Outra ramificação trata-se do Teatro da Criação; nesta abordagem, as histórias são trazidas pelos narradores e podem ser transformadas e modificadas, podendo-se utilizar também de técnicas musicais. “Se considerarmos o teatro espontâneo como uma manifestação artística, podemos tranquilamente dizer que ele tem uma finalidade em si, da mesma forma que a finalidade da arte é a própria arte.” (AGUIAR, 1998). Quando o entrevistado foi questionado sobre o teatro espontâneo e o processo terapêutico, o mesmo afirma que, um dos objetivos da teoria de Moreno é sair apenas da linguagem verbal, procurando outras formas terapêuticas de expressão. Além disso, fala sobre como pode não ser limitada a representação de um papel, pois muitas vezes o cliente aprofunda nisso e vai trazendo outros problemas. Portanto, é importante deixar o sujeito livre para se expressar e deixar fluir a sessão. O entrevistado 14 também ressalta que é importante não apenas trazer os problemas e “deixar uma ferida aberta”. Transformação é a palavra-chave do teatro espontâneo. Transformar significa dar nova forma, ressignificar, metamorfosear, dar um movimento para além da forma já estabelecida. (AGUIAR, 1998). A proposta do psicodrama é direta e clara, quem deve desejar a transformação são as pessoas diretamente envolvidas no processo, da mesma forma que foi apontado pelo profissional entrevistado. Aqui, cabe falar sobre a pergunta feita ao profissional sobre a distinção entre processos terapêutico e psicoterapêuticos com os atores e a plateia. Ele responde que psicoterapêutico corresponde apenas a psicoterapia, porém, o terapêutico pode se referir a outros contextos, por exemplo, uma pessoa que está na plateia pode seidentificar com a representação, e então possivelmente se beneficiar de forma terapêutica com isso. O entrevistado concluiu falando que a ideia é que o grupo se transforme, e não a pessoa em si. Portanto, tendo em vista a entrevista feita com o profissional especializado no assunto e a pesquisa feita pelos alunos, conclui-se que o objetivo do teatro espontâneo é empregar o protagonista como eixo da produção dramática, envolvendo concomitantemente todo o grupo nesse processo. Referências AGUIAR, Moysés. Teatro Espontâneo e Psicodrama. São Paulo: Açora. Ágora Editora. 1998. ALMEIDA, W. C. Rodapés psicodramáticos. Subsídios para ampliar a leitura de J. L. Moreno. São Paulo: Ágora, 2012. 15 FÁVERO, 2007. Teatro Espontâneo: quando o palco não e uma fronteira entre actores e plateia. In: Colóquio Internacional What is our life? A play of Passion.- Lugares do palco: espaços da cidade. Faculdade de letras do Porto, Junho de 2007. GONÇALVES; WOLFF; ALMEIDA. Lições de psicodrama: Introdução ao pensamento de J.L. Moreno. Agora Editora. Brasil. Edição 8, 1988. MORENO, Jacob L. O teatro da espontaneidade. Summus Ed., 1984. MORENO, J. L. Psicoterapia de grupo e psicodrama (A. C. M. Cesarino Filho, Trad.). São Paulo: Mestre Jou, 1974. OLIVEIRA, Érika Cecília Soares e ARAÚJO, Maria De Fatima. Aproximações do teatro do oprimido com a Psicologia e o Psicodrama. Psicologia: Ciência e Profissão, v. 32, n. 2, p. 340–355, 2012. RAMALHO, Cybele M. R. Psicodrama e dinâmica de grupo. São Paulo, Ed. Iglu: 2010 (no prelo) SOUZA, Vivian Bonani de; ORTI, Natália Pinheiro; BOLSONI-SILVA, Alessandra Turini. Role-playing como estratégia facilitadora da análise funcional em contexto clínico. Rev. bras. ter. comport. cogn., São Paulo , v. 14, n. 3, p. 102-122, dez. 2012 .
Compartilhar