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See discussions, stats, and author profiles for this publication at: https://www.researchgate.net/publication/283011190 Sistemática, anatomia, fisiologia e ecologia de peixes Chapter · August 2015 CITATIONS 0 READS 11,694 2 authors: Some of the authors of this publication are also working on these related projects: Jaús a jusante da barragem de São Simão, rio Paranaíba, MG/GO View project Análise da dinâmica migratória de populações de curimatá-pioa (Prochilodus costatus) e curimatá-pacu (Prochilodus argenteus) na região de influência da UHE Três Marias View project Alexandre Peressin Universidade Federal de Lavras (UFLA) 14 PUBLICATIONS 30 CITATIONS SEE PROFILE Thiago Teixeira Silva 19 PUBLICATIONS 1 CITATION SEE PROFILE All content following this page was uploaded by Thiago Teixeira Silva on 20 October 2015. The user has requested enhancement of the downloaded file. 1 Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico 1 Companhia Energética de Minas Gerais - Cemig Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico 1ª edição Belo Horizonte Cemig 2015 2 ISBN: 978-85-87929-58-7 Copyright: Companhia Energética de Minas Gerais - Cemig Presidência: Mauro Borges Lemos Diretoria de Geração e Transmissão: Franklin Moreira Gonçalves Superintendente de Gestão Ambiental da Geração e Transmissão: Enio Marcus Brandão Fonseca Gerente de Estudos e Manejo da Ictiofauna e Programas Especiais: Newton Jose Schmidt Prado Organizadores: Cintia Veloso Gandini Raquel Coelho Loures Coordenação de Edição: Daniella Delbem de Amorim Endereço: Cemig – Companhia Energética de Minas Gerais Superintendência de Gestão Ambiental da Geração e Transmissão Av. Barbacena, 1.200 – 13º A1 30.190-131 Belo Horizonte (Minas Gerais) / Brasil C737 Companhia Energética de Minas Gerais. Tópicos de manejo e conservação da Ictiofauna para o setor Elétrico / Organizadores: Cintia Veloso Gandini, Raquel Coelho Loures. – Belo Horizonte: Cemig, 2015. 243p.: il.; color. ISBN: 1. Peixes – Aspectos ambientais. 2. Usinas hidrelétricas – Segurança ambiental. I. Companhia Energética de Minas Gerais. II. Gandini, Cintia Veloso. III. Loures, Raquel Coelho. IV. Título. CDD: 590 597.5 620 Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico 11 CAPITULO 11 SISTEMÁTICA, ANATOMIA, FISIOLOGIA E ECOLOGIA DE PEIXES Alexandre Peressin Thiago Teixeira Silva Atualmente, existem mais de 50 mil espécies de animais vertebrados. Destes, 28 mil são peixes que habitam desde lagos tropicais, onde a temperatura pode ultrapassar os 36oC, até mares polares onde a água está sempre próxima do ponto de congelamento. Das 28 mil espécies de peixes existentes, cerca de 15 mil são descritas para ambientes de água doce, sendo mais de 6 mil encontradas na região neotropical (América do Sul). A fauna de peixes de água doce da América do Sul é a mais rica do mundo e apresenta uma grande diversidade biológica e adaptativa. No Brasil, há aproximadamente 2500 espécies de água doce. Minas Gerais abriga um pouco mais de 350 espécies, o que representa quase 12% do total registrado no Brasil. Peixes ocorrem em dois tipos principais de ambientes: a) lóticos – aqueles que apresentam fluxo de água, como riachos, cabeceiras e calhas dos rios; b) lênticos – aqueles com nenhum ou pequeno fluxo de água, como lagoas, lagos e reservatórios. Alguns peixes vivem em lagoas rasas, com menos de 50 cm de profundidade e outros nas fossas abissais do oceano, a mais de 2.000 metros abaixo da superfície. Algumas espécies de peixes atingem sua maturidade sexual com menos de 2 cm de comprimento e outros, como o tubarão baleia, podem atingir mais de 10 m. Esta grande variedade de modos de vida implica em uma grande variação anatômica e fisiológica entre as espécies. Será objetivo desta apostila, abordar apenas espécies de peixes de água doce, que habitam rios e lagos da região tropical brasileira. 1. Sistemática Sistemática é a ciência que trata da classificação dos seres vivos, organizando-os em: Reino, Filo, Classe, Ordem, Família, Gênero e Espécie. Os peixes pertencem ao Reino Animalia, Filo Chordata e Sub-filo Vertebrata e estão divididos em dois Infrafilos: Agnatha e Gnathostomata. Peressin A. & Silva T. T. (2015) Sistemática, anatomia, fisiologia e ecologia de peixes. In: Gandini C. V. & Loures R. C. (orgs.) Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico. Belo Horizonte: Companhia Energética de Minas Gerais, pp. 11 – 33. Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico 12 Agnatha (Figura 1): são os vertebrados mais primitivos, desprovidos de mandíbulas e maxilas e, por isso, sua boca é circular. Possuem o corpo alongado, cilíndrico e sem escamas. São ectoparasitas de peixes ou necrófagos. Seus representantes são popularmente chamados de lampréias e bruxas (também conhecidas como feiticeiras). As lampréias (classe Petromyzontidae) são tanto de água doce quanto de água salgada, porém não ocorrem no Brasil. Já as bruxas (classe Myxini) são exclusivamente marinhas. Ambas ocorrem apenas em regiões temperadas. Não há nenhum registro de exploração econômica destas espécies. Figura 1 – Exemplo de peixe do infrafilo Agnatha. Gnathostomata: são vertebrados que possuem mandíbulas. Os peixes deste infrafilo estão classificados em duas classes: Chondrichthes e Osteichthyes (ou Teleostomi). A classe Chondrichthyes (Figura 2) é composta por mais de 800 espécies. Sua principal característica é o esqueleto cartilaginoso, sem ossos verdadeiros. Tubarões (ou cações) raias e quimeras são os representantes mais conhecidos desta classe. A maioria das espécies é marinha, mas existem espécies dulcícolas (de água doce), inclusive no Brasil. As raias de água doce que ocorrem no Brasil costumam causar acidentes devido ao ferrão que possuem na cauda. Apesar de várias espécies de Chondrichthyes serem explorados pela pesca comercial, com a finalidade de abate para o consumo humano ou de uso como ornamentais, não existe cultivo destas espécies. Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico 13 Figura 2 – Exemplo de peixe da classe Chondrichthyes. A classe Osteichthyes (Figura 3) é composta pelo maior número de espécies, cerca de 21 mil. Ao contrário da classe anterior, os Osteichthyes possuem o esqueleto formado por ossos. Dentre estas espécies encontram-se os peixes mais intensamente pescados e aqueles cultivados para fins de alimentação humana, pesca esportiva, ornamentação e outras finalidades. Estes peixes são dominantes desde o período Cretáceo, compreendido entre 145 a 65 milhões de anos atrás. Figura 3 – Exemplo de peixe da classe Osteichthyes. A classe Osteichthyes é dividida em duas subclasses: · Sarcopterygii: peixes que possuem nadadeiras carnosas (lobadas), representados pelos peixes pulmonados (Dipnoi – Pirambóia) e Celacantos (Coelacanthini). Há poucas espécies existentes deste grupo, que é filogeneticamente o mais próximodos vertebrados tetrápodas. · Actinopterygii: peixes ósseos com nadadeiras sustentadas por filamentos rígidos. Esse grupo possui 5 infraclasses. Quatro delas são representadas por apenas algumas poucas espécies: os Branchiopterygii (Polipterus) os Chondrostei (Esturjões), os Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico 14 Ginglymodi (Gars) e Halecomorphi (Amnias). A outra é a infraclasse Teleostei, responsável por cerca de 23 das 28 mil espécies de peixes descritas em todo o mundo. Dentro da infraclasse Teleostei, estão os Ostariophysi. É a superordem com maior número de espécies nos rios do mundo. Possuem 27% do total de espécies de peixes e mais de 60% dos peixes de água doce. O nome se refere aos pequenos ossos (ostar = pequeno osso) que conectam a bexiga natatória (physa = bexiga) ao ouvido interno. Dessa forma, a bexiga natatória é utilizada como um amplificador e os pequenos ossos como condutores (sistema conhecido como aparelho de Weber). Esse aparelho incrementa a audição nesses peixes. É um grupo muito diverso, com mais de 6500 espécies, incluindo os bagres, as carpas, os barbos, os peixes elétricos, tuviras e os characiformes (ordem que engloba muitos dos peixes com escamas conhecidos no Brasil). Quase todas as espécies capturadas em monitoramentos nas áreas de influência de usinas hidrelétricas, resgatadas em drenagens e/ou envolvidas em acidentes no Brasil (Pimelodus maculatus – mandi; Prochilodus sp – curimba; Salminus sp – dourado; Pinirampus pirinampu – barbado; Leporinus sp – piau, piapara; Wertheimeria maculata – roncador; Franciscodoras marmoratus – serrudo; e outros) pertencem a esse grupo. A partir de agora, vamos estudar a anatomia e a fisiologia dos peixes da infraclasse Teleostei e, em alguns casos, citaremos peculiaridades dos demais. Começaremos pelas características externas. 2. Anatomia e Fisiologia Formato do Corpo: quando pedimos a uma criança para que desenhe rapidamente um peixe, o resultado é quase sempre um animal fusiforme (cilíndrico ou alongado) visto de perfil. Se perguntarmos a esta mesma criança se todos os peixes que conhece se parecem com o desenho, possivelmente a resposta será um sim, seguido de uma série de observações relativas às espécies que possuem outro formato. Caso façamos a mesma solicitação a um aquarista ou um produtor de peixes ornamentais, provavelmente não teremos nenhum desenho, pois estas pessoas estão acostumadas a ver peixes com os mais diversos formatos, e esta variação morfológica é uma das características de um peixe ornamental. Diversas espécies comerciais possuem o formato "padrão" fusiforme, sendo a altura do corpo maior que sua largura e o comprimento maior que ambas. Este formato reduz a resistência da água ao movimento do peixe, permitindo uma redução do gasto de energia para o deslocamento e possibilitando a natação em alta velocidade. O atum, o marlim e determinadas espécies de tubarões são bons exemplos desta situação. Dentre as espécies comerciais podemos observar este formato nas carpas, na truta, no salmão, na matrinxã e mesmo em alguns peixes ornamentais como os barbos, os labeos e as botias. Apesar de este formato ser o que produz menor resistência ao movimento, nem todos os peixes necessitam Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico 15 de nadar velozmente ou vencer fortes correntezas, por isso muitas espécies, a partir do processo evolutivo, hoje possuem outros formatos mais adequados a certos nichos. O extremo oposto ao formato fusiforme é uma forma esférica ou cúbica. Estas formas apresentam grande resistência ao deslocamento e por isso as espécies que as possuem são peixes que nadam lentamente, como por exemplo o baiacu e o peixe cofre, que são peixes marinhos. Estas espécies possuem estruturas especiais para defesa e são muito apreciadas como peixes ornamentais. Existem peixes que possuem o corpo achatado lateralmente e, de perfil, apresentam um formato arredondado. Algumas espécies criadas para abate, como o tambaqui e o pacu, possuem esse formato e por isso são conhecidas como peixes redondos. Mas nenhuma outra espécie merece tanto este nome como o acará-disco. Alguns exemplares de acará-disco parecem ter sido feitos com um compasso. Dentre os peixes marinhos, também, encontramos espécies com este formato como, por exemplo, o peixe-lua. Outro formato incomum é o das enguias, das moréias e do mussum. Estes peixes são alongados e seu comprimento excede em muitas vezes sua altura, com isso assemelham-se a uma cobra. Os bagres possuem um formato semelhante ao fusiforme, porém, possuem a largura maior que a altura do corpo. Assim, sua seção reta tem um aspecto comprimido no sentido dorso ventral. Mesmo nas espécies que possuem formatos exóticos como o acará- disco, o cavalo marinho e o linguado, as larvas nascem com formato fusiforme e à medida que se transformam em alevinos e juvenis vão passando por sucessivas mudanças. No caso do linguado, que vive apoiado lateralmente no fundo, essa metamorfose é tão complexa que o adulto possui um lado do corpo que fica em contato com o fundo do mar e outro onde ficam os dois olhos, sendo que o peixe nada de lado. Coloração: a coloração dos peixes pode ser bastante variada dada a presença de cromatóforos, células que contêm pigmentos. Estão presentes na pele (derme), tanto por fora como por baixo das escamas. Os pigmentos podem ser da cor preta (melanina), amarela, alaranjada ou vermelha (carotenóides), e as células podem conter combinações destes pigmentos, que resultam em outras cores como o marrom e o verde. Os pigmentos têm a função de proteger o peixe da ação dos raios solares, uma função tão importante que já nos primeiros dias de vida aparece a coloração escura. Em diversas espécies a cor muda durante o crescimento e é uma indicação da maturidade sexual. Além dos pigmentos, os peixes possuem cristais que refletem a luz em diferentes comprimentos de ondas (cores). A cor é refletida pelos cristais em função da sua largura e da profundidade em que se encontram na derme. Estes cristais também são responsáveis pelo aspecto prateado de muitos peixes. Na maioria dos peixes, a intensidade da cor varia com a intensidade de luz na água. Algumas espécies, como salmões e ciclídeos (carás, tucunarés e tilápias), tem sua cor alterada Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico 16 em função do período reprodutivo. Para que as mudanças na coloração ocorram, algumas regiões concentram os pigmentos dos cromatóforos, enquanto em outras estes pigmentos se espalham. A coloração também pode ser modificada pela ingestão de substâncias pigmentárias, como os carotenóides. Outros fatores que produzem alterações na coloração são o estresse e determinadas doenças. As modificações na coloração provocadas pelo estresse são em geral passageiras. Pele: a pele (epiderme) dos peixes é lisa e contínua, recobrindo o peixe completamente, inclusive nos olhos. Ao longo do corpo do peixe, percebe-se uma seqüência de poros que formam a linha lateral. Esses poros se comunicam com um canal longitudinal que fica abaixo das escamas no qual existem células mecanorreceptoras, que permitem ao peixe perceber mudanças na pressão ou ondulações provocadas por presas e predadores. A pele dos peixes apresenta um grande número de glândulas mucosas. O muco secretado permite a redução da resistência da água ao movimento de natação, mas serve, principalmente, como proteção. O muco protege o peixe da infestação por fungos e parasitas. Esse fato é facilmente observado nas pisciculturas. Quando se realiza qualquermanejo que retire o muco, nos dias seguintes pode-se observar o surgimento de peixes com infestações fúngicas, problema que é agravado mais ainda no inverno. Os peixes são animais ectotérmicos, o que significa que a velocidade de suas reações metabólicas é reduzida em quase 10% a cada redução de 1 grau na temperatura da água. Com isso, a produção de muco no inverno é mais lenta e o peixe fica mais susceptível aos fungos e parasitas. Escamas (Figura 4): as escamas são estruturas ósseas de origem mesodérmica, possuindo diferentes formatos. Nas escamas da linha lateral, observa-se uma abertura. Na maioria das espécies, as escamas estão imbricadas, formando uma estrutura semelhante a um telhado com telhas de barro. Em algumas espécies podem ser separadas ou mesmo ausentes. Em alguns peixes há placas ósseas, como nos cascudos. Apesar de os peixes poderem repor rapidamente as escamas perdidas por acidente, as escamas são permanentes e se desenvolvem durante toda a fase de crescimento do peixe. Quando o peixe habita uma região onde ocorre uma estação fria bem definida, pode-se observar nas escamas que os anéis formados durante a estação fria são mais densos e mais opacos. Estes anéis podem servir para indicar a idade do animal. Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico 17 Figura 4 – Escama de peixe ósseo mostrando anéis de crescimento. Esqueleto e Musculatura (Figura 5): o esqueleto dos peixes pode ser formado por cartilagens, mas na maioria das espécies (Osteichthyes) é formado por ossos. O esqueleto compreende o crânio, a mandíbula, a coluna vertebral, as costelas, a cintura peitoral e os pterigióforos, que sustentam os raios das nadadeiras. A coluna vertebral é muito flexível, porém, sua ligação com o crânio é feita por uma articulação dupla, que impede o peixe de virar sua cabeça. Na cabeça do peixe encontramos o opérculo, que é o osso que protege a cavidade branquial e que possui funções relacionadas a deglutição e respiração. Podemos destacar os ossos intramusculares que são espinhas em forma de Y. Os músculos dos peixes são segmentares (miômeros) e localizados entre as vértebras e na cabeça. Entre os grupos de miômeros são encontrados tabiques (membranas) de tecido conjuntivo. Figura 5 – Esqueleto de peixe ósseo visto ao raio X. Nadadeiras (Figura 6): as nadadeiras dos peixes são expansões membranosas da pele e, possivelmente, têm sua origem evolutiva nas dobras dos tegumentos dos cordados primitivos. Possuem raios ósseos recobertos por uma membrana e podem variar em formato, coloração, tamanho e posição. Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico 18 Figura 6 – Anatomia externa de peixe ósseo. As nadadeiras pares mais próximas ao crânio, situadas na lateral do corpo, são as nadadeiras peitorais. O par seguinte é o das nadadeiras pélvicas, que podem estar próximas às brânquias, no abdômen ou mesmo ausentes. Próximo ao ânus existe uma pequena nadadeira chamada nadadeira anal, que nos peixes machos da família Poecilidae (guarus, guppys, molinésias, espadas e platis) é modificada em um órgão copulador, denominado gonopódio. Sobre o dorso dos peixes existe uma nadadeira denominada nadadeira dorsal. Esta pode ser única, dupla, múltipla ou contínua e em algumas espécies é ausente. Em alguns peixes, como no caso da tilápia, os primeiros raios desta nadadeira são rígidos, pontiagudos e salientes, constituindo um elemento de defesa. Nesta espécie e em outros ciclídeos, a nadadeira dorsal do macho é pontiaguda e maior do que a da fêmea. Diferentemente das demais, a nadadeira adiposa não possui raios, sendo de aspecto carnoso. Esta nadadeira não está presente na maioria das espécies e é considerada primitiva. A nadadeira caudal apresenta três tipos básicos: Heterocerca: o tipo heterocerca é observado em tubarões e em alguns peixes ósseos como o esturjão. Nessa nadadeira, as vértebras do final da coluna apresentam inflexão Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico 19 para a parte superior da nadadeira, que pode ser bifurcada ou ter o aspecto de uma foice. Uma variação do tipo heterocerca é observada no celacanto. Nesta espécie, a inflexão é reduzida e a nadadeira é lobada. Este tipo é conhecido como heterocerca abreviada. Dificerca: o tipo dificerca é característico dos peixes pulmonados, como a pirambóia, e tem como característica possuir dois lobos iguais e as vértebras presentes até a extremidade da nadadeira em posição mediana. Homocerca: o tipo mais comum nos peixes teleósteos é a nadadeira caudal homocerca, na qual as vértebras terminam no pedúnculo caudal. O formato da nadadeira é bastante variado, mas o mais comum é o de leque. Quando os peixes nadam para frente, em grande velocidade, apenas a nadadeira caudal é utilizada no movimento, mas é a movimentação das demais nadadeiras que permitem as manobras mais complexas como desviar de obstáculos ou nadar para trás. Além de serem utilizadas na natação as nadadeiras podem servir para apoiar o peixe no substrato, para cortejar a fêmea e para movimentar a água ao redor dos ovos. Estas funções ocorrem apenas em um reduzido número de espécies. Aparelho Digestivo: nos peixes, o aparelho digestivo é composto pela boca, dentes, faringe, rastros branquiais, esôfago, estômago, intestino e glândulas anexas. Veremos a seguir cada um deles. Boca: a boca possui diversos formatos e estes estão relacionados ao hábito alimentar e, mais precisamente, à forma de apreensão do alimento. Em geral, a boca é terminal e sua abertura pode ser à frente ou um pouco acima ou abaixo da linha mediana. Este padrão é comum aos peixes que se alimentam na coluna d'água. Peixes que se alimentam na superfície possuem a boca voltada para cima como no caso do tambaqui e do pacu. Em algumas espécies a boca é praticamente dorsal, como é o caso do betta e do aruanã. Em peixes que se alimentam no fundo podemos observar a boca ventral, presente nos cascudos, ou com estrutura protáctil, como na carpa e no curimba. Quando fechada, a boca protáctil fica em posição mediana, mas, ao abrir, ela forma um tubo voltado para baixo e que auxilia na sucção de detritos e outros alimentos presentes no sedimento. Dentes: em geral, os dentes dos peixes são cônicos, podendo ter apenas uma cúspide ou várias. Algumas espécies possuem placas ásperas que são formadas por inúmeros dentes filiformes (estes dentes formam a “lixa” dos bagres e mandis). Também são comuns espécies desprovidas de dentes maxilares e/ou de dentes mandibulares. Na carpa, por exemplo, ocorrem dentes faríngeos que não têm função de apreensão do alimento, mas sim de trituração. Nos peixes, a língua é totalmente presa ao assoalho Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico 20 da cavidade bucal e não tem função de deglutição, como em outros animais, mas no caso de algumas espécies ela possui uma aspereza que auxilia a manter capturadas as presas vivas. O pirarucu é um exemplo disto, sua língua óssea e áspera é inclusive comercializada como lixa. Na cavidade bucal existem glândulas mucosas, porém, as salivares, que são comuns aos mamíferos, não são observadas. O processo de ingestão de alimentos por um peixe tem duas etapas. Na primeira, o animal fecha a boca e abre o opérculo, permitindo a saída da água. O alimento é então retido pelos rastros branquiais. O alimento é deglutido na segunda etapa, indo para o esôfago. Neste processo, o peixe ingere água que depois é eliminada pelo processo de excreção. Rastros (Figura 7): rastros são estruturas ósseas, presentesnos lados da faringe, que se prolongam do arco branquial. Este por sua vez é o osso que sustenta os filamentos branquiais, que são a parte avermelhada da brânquia e possuem função respiratória. Os rastros branquiais variam em número e em formato. Seu conjunto forma uma malha que retém o alimento impedindo que ele retorne ao meio, juntamente com a água expelida. A malha formada pelos rastros branquiais determina o tamanho mínimo das partículas ingeridas. Peixes com rastros finos e abundantes podem filtrar e ingerir plâncton de origem animal ou mesmo o fitoplâncton em casos mais específicos. Peixes carnívoros possuem rastros mais largos e em menor número, pois retém partículas de alimento maiores. Figura 7 – Arcos branquiais de peixe ósseo. Esôfago e Estômago: o esôfago é curto e se comunica com o estômago, que por sua vez pode ter diversos formatos ou mesmo estar ausente. Na carpa comum não há uma porção do tubo digestivo com as características de um estômago, mas as células secretoras de ácido clorídrico e de pepsina, que normalmente ficam no estômago, estão presentes em diversas partes do intestino delgado. Nos peixes carnívoros, o estômago é relativamente grande, enquanto que nos onívoros e nos herbívoros é menos evidente. O estômago é delimitado pela válvula pilórica, que marca o início do intestino delgado. Nessa região, a maioria dos peixes possuem estruturas denominadas cecos pilóricos, que têm por finalidade melhorar o processo de digestão Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico 21 através do aumento do tempo de permanência do alimento. Os cecos são projeções do intestino delgado em forma de sacos e seu número é bastante variável. Intestino e Glândulas Anexas: associados ao intestino delgado existem os seguintes órgãos: fígado, vesícula biliar e pâncreas. O fígado dos peixes é geralmente grande e sua função está relacionada à produção de bile e aos ciclos de ácidos graxos (gorduras). Associado ao fígado está uma pequena vesícula biliar que se liga ao intestino pelo ducto biliar, por onde passa a bile. O pâncreas é difuso, mas apresenta as mesmas funções do pâncreas humano, que é a secreção de enzimas (tripsina e quimotripsina) e de hormônios. O intestino grosso não é muito característico nos peixes, assim as funções de recuperação dos sais biliares são feitas em diversos locais do intestino delgado. O intestino termina em um ânus. O tamanho do intestino varia entre espécies e tem relação com o habito alimentar. Em carnívoros, especialmente os piscívoros, o intestino normalmente mede aproximadamente o mesmo comprimento do corpo de peixe. Nos herbívoros e detritívoros, o intestino pode ultrapassar em 20 vezes o comprimento do corpo. Aparelho Respiratório (Figura 8): Os peixes respiram por meio de brânquias localizadas em uma câmara comum, denominada câmara branquial. Nos peixes ósseos, as brânquias são protegidas pelos opérculos, e nos peixes cartilaginosos ocorrem as fendas branquiais. Além destas estruturas existem, na cavidade bucal, valvas orais passivas. A respiração nos peixes cartilaginosos ocorre da seguinte forma: a água entra pela boca e o peixe, ao fechá-la e levantar o assoalho da cavidade bucal, força a água a passar pelas brânquias e sair pelas fendas brânquias. Com os peixes ósseos é diferente: depois que a água entra pela boca, eles fecham as valvas orais e a cavidade bucal é contraída, forçando a água a passar pelas brânquias e a sair pelos opérculos, que possuem membranas para evitar o refluxo da água. Como os filamentos branquiais são muito irrigados e com paredes finas, ocorre a troca gasosa. O oxigênio da água entra na circulação e o gás carbônico vai para o meio externo. Como estes processos ocorrem em função da diferença de concentração entre o plasma sanguíneo e a água, baixas concentrações de oxigênio dissolvido ou altas concentrações de gás carbônico reduzem este processo. Os peixes possuem um mecanismo de contracorrente para aumentar a eficiência das trocas gasosas, assim o sangue dos filamentos circula no sentido oposto ao da água. Durante a respiração, o peixe não ingere água, mas diversos nutrientes e substâncias tóxicas são assimiladas diretamente pelas brânquias. Dentre elas alguns minerais como o cálcio, o fósforo e o alumínio e substâncias tóxicas como a amônia. Como o processo de respiração está intimamente relacionado à integridade das brânquias, qualquer lesão nestas reduz a eficiência respiratória. São comuns lesões causadas por substâncias tóxicas, deformações devido à deficiência de vitamina C e/ou de cálcio e obstruções causadas por material em suspensão. Diversos parasitas também causam lesões mecânicas nas brânquias, por nelas se alojarem. Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico 22 Figura 8 – Foto mostrando a brânquia (Br), coração (co) e bexiga natatória (bn) de peixe ósseo. A bexiga natatória não faz parte do aparelho respiratório da maioria das espécies de peixes, sua função é hidrostática. O volume de gases pode ser rapidamente ajustado e permite ao peixe flutuar ou afundar com mais facilidade e se ajustar às diferenças de pressão ao nadar em profundidades distintas. A bexiga natatória é intensamente vascularizada em alguns peixes, tendo função semelhante ao pulmão em peixes como a pirambóia. Com isso, esta espécie pode permanecer respirando fora d'água por longo período. Graus de vascularização intermediários existem em outras espécies e são importantes durante situações de hipóxia (falta de oxigênio), pois permitem que o peixe utilize o oxigênio atmosférico. A bexiga natatória pode ser ligada ou não à faringe pelo ducto pneumático. Em alguns peixes, chamados fisóstomos, há conexão da bexiga natatória com o esôfago. Assim, o peixe infla e esvazia sua bexiga com rapidez, pois pode engolir ar para inflar a bexiga e posteriormente expelir rapidamente este ar. Nos peixes fisóclistos, o enchimento e esvaziamento são feitos pela corrente sanguínea, o que torna o processo mais demorado. Esta diferença na condição fisiológica influencia a susceptibilidade dos peixes à operação de usinas: na passagem por turbinas, principalmente considerando peixes oriundos de montante, o tempo de esvaziamento da bexiga é crucial, já que a descompressão provocada pela passagem pela turbina causa expansão do ar presente na bexiga natatória que, se não for expulso a tempo, pode causar eversão de órgãos, rompimento da bexiga e morte do peixe. Assim, peixes fisóclistos são mais vulneráveis à passagem por turbinas. No entanto, considerando peixes oriundos do canal de fuga, a maior resistência ao trauma por pressão pode permitir ao peixe se aproximar mais perto da turbina, o que aumenta a chance de choque mecânico. Aparelho Circulatório (Figura 9): o coração dos peixes é bastante simples e possui apenas duas câmaras, um átrio (aurícula) e um ventrículo. O coração está situado logo abaixo da faringe e das brânquias, próximo à inserção da nadadeira peitoral. O sangue chega ao coração pelo seio venoso, deste vai para o átrio para depois ir para o ventrículo. Esta última cavidade possui sua parede muscular muito mais espessa que as demais. Entre estas câmaras ocorrem Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico 23 válvulas que impedem o refluxo do sangue. Os batimentos do ventrículo (contrações) expelem o sangue para o cone arterial e deste para a artéria aorta ventral, que se divide em quatro pares de artérias branquiais aferente. Cada artéria branquial aferente distribui o sangue para capilares que irão irrigar uma das oito brânquias do peixe. Após passar pelabrânquia, o sangue oxigenado segue por capilares até a artéria branquial aferente, que o conduz à artéria aorta dorsal que distribui o sangue para todo o corpo. Através das veias cardinais anteriores e posteriores e da veia hepática, o sangue desoxigenado retorna ao coração. Pode-se perceber, então, que no coração dos peixes passa apenas sangue desoxigenado. O sangue dos peixes contém hemácias (eritrócitos) arredondadas, com a presença de núcleo e de vários tipos de leucócitos. Estas células são produzidas no baço. O volume de sangue em peixes é pequeno quando comparamos com o dos mamíferos. O sangue, além de gases, transporta hormônios, nutrientes, anticorpos e substâncias metabólicas. Figura 9 – Sistema circulatório dos peixes. Aparelho Excretor (Figura 9): os peixes possuem um par de rins, do tipo mesonefro, escuros e filiformes (alongados), situados no dorso da cavidade celomática (abdômen), acima da bexiga natatória, onde os metabólitos presentes no sangue são filtrados. A urina é eliminada na água através do seio urogenital. O nitrogênio proveniente do metabolismo protéico é eliminado na urina sob as formas de amônia e/ou uréia, mas a maior parte deste nitrogênio é eliminado sob a forma de amônia pelas brânquias. Em algumas espécies, o ducto urinário e o reprodutor não se encontram associados nos machos, apenas nas fêmeas, sendo este um caráter que ajuda na distinção dos sexos. Uma importante função do sistema excretor em peixes é a osmorregulação. Os peixes de água doce (dulcícolas) vivem em um meio no qual a concentração de sais (concentração iônica) é muito inferior (meio hipotônico) à do sangue e, por isso, absorvem involuntariamente grandes quantidades de água pelas brânquias e pela membrana da boca e da faringe. Também ocorre perda de sais pelas fezes, Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico 24 urina e brânquias. Para manter seu equilíbrio osmótico, estes peixes produzem uma grande quantidade de urina. A urina dos peixes dulcícolas é muito diluída e seu volume pode ser até dez vezes superior ao produzido por um peixe marinho de mesmo tamanho, nos quais o problema é justamente o oposto. Aparelho Reprodutor: o aparelho reprodutor é composto pelas gônadas (testículos e ovários) e pelos ductos por onde passam os gametas. As gônadas são formadas após o nascimento dos peixes e têm a mesma origem celular. Este fato permite que sejam feitos processos de inversão sexual em diversas espécies de peixes. Nos machos, pode ser verificada a presença de um par de testículos cuja coloração e formato variam durante seu ciclo reprodutivo. Os testículos podem ser ambos funcionais, ou em algumas espécies, um pode ser atrofiado. Nas fêmeas, a gônada pode variar de um pequeno filamento translúcido, em peixes imaturos, até atingir 25% do peso do peixe quando maduras, dependendo da espécie. 3. Ecologia e comportamento A diversidade de padrões ecológicos de peixes é fabulosa, por isso iremos nos concentrar no hábitat, reprodução e alimentação de peixes de água doce e, principalmente, nas espécies mais vulneráveis à operação de usinas. Habitat: raízes, troncos, gramíneas e macrófitas submersas são ótimos refúgios, especialmente para espécies de pequeno porte ou juvenis. É comum capturar peixes pequenos em “peneiradas” na vegetação submersa. Tuviras (ou sarapós) são frequentemente vistas paradas em partes vegetais durante o dia. Raízes e troncos são especialmente importantes para peixes de riachos, predominantemente de pequeno porte. Além disso, abrigam muitos invertebrados que servem como alimento. Além das margens, matacões e blocos de rochas presentes no canal do rio também servem como substrato para o crescimento de macrófitas que, por sua vez, fornecem abrigo aos peixes. Mandis e outros bagres vivem em tocas formados pelas pedras do fundo do rio, inclusive lutando por elas. Estes mesmos peixes e os mussuns também são conhecidos por viverem em tocas na margem dos rios. Outros peixes se enterram na areia (pacamã) ou na lama (bagres africanos). Já muitos pequenos e grandes Characiformes, como pacus, dourados, lambaris, piracanjubas e piabas são nadadores ativos da coluna d’água, que podem inclusive formar cardumes mistos. Por isso a importância da heterogeneidade ambiental e preservação das características originais do rio: cada elemento do canal do rio serve de abrigo, local de desova ou alimentação para espécies diferentes. Assim, a redução do número de habitats disponíveis também reduz a quantidade de espécies que o local pode abrigar. Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico 25 Alimentação: talvez a característica mais marcante da ictiofauna brasileira quanto a dieta seja o oportunismo: aproveitam o(s) recurso(s) com maior energia, quantidade e facilidade de obtenção num dado momento. No entanto, isso não significa que não exista nenhuma preferência: um bom pescador saberia que uma determinada isca funciona melhor para determinada espécie do que para outras. Mas significa que há capacidade de consumir grande espectro de itens alimentares dependendo da disponibilidade, o que facilita a sobrevivência em um ambiente altamente sazonal e variável como rios neotropicais. Pacus, tambaquis e matrinxãs entram nas matas alagadas durante a estação das cheias e consomem enorme quantidade de frutos e sementes, entre elas as castanhas. As cheias também são boas oportunidades para herbívoros, como os ximburés (também conhecidos como campineiros, taguaras ou piavas) Schizodon spp, que aproveitam o alagamento da vegetação para se alimentar de capim. Mas embora preferencialmente herbívoros, os ximburés podem consumir invertebrados também. A baixa no nível dos rios e consequente aumento na transparência facilita a alimentação de piscívoros como o dourado. Mandis e pacus-caranha podem consumir grandes quantidades de grãos como soja e milho acumulados em rios próximos a plantações ou portos fluviais. Doradideos (armado, abotoado, roncador, roque- roque) podem se alimentar basicamente de qualquer material orgânico de origem antrópica descartado, incluindo cascas de frutas. Piranhas e pirambebas (Pygocentrus spp e Serrasalmus spp) se alimentam de pedaços de peixes e nadadeiras. Contudo, frutos e vegetais já foram encontrados em seus estômagos. Tal ingestão de vegetais pode ser acidental – durante a captura de presas escondidas na vegetação - ou não. Candirus se alimentam de restos e carcaças de animais. Este hábito necrófago inclui um peixe em evidencia ultimamente: a piracatinga (Calophisus ornatus) que tem sido pescada com uso de carne de jacaré e boto, levando a caça destas espécies. O tricomicterídeo Paravandelia oxyptera parasita brânquias de peixes se alimentado de sangue. A lepidofagia (ato de se alimentar de escamas de outros peixes) é praticada por certas espécies do gênero Roeboides e Odontostilbe. Aruanãs (Osteoglossum spp) saltam para capturar insetos fora da água e Gymnotiformes como o poraquê (Electrophorus electrus) e as tuviras (Gymnotus spp) produzem descargas elétricas para comunicação e/ou paralisação de presas. Nos grandes lagos africanos, há peixes especializados em retirar filhotes guardados na boca das mães e pais. Cascudos raspam o perifíton (camada de algas) aderido em troncos e pedras. Os panaques, tipo diferenciado de cascudo vivente na Amazônia, comem pedaços da madeira. Curimbas e saguirus comem basicamente detrito - restos de material orgânico, animal ou vegetal, em diferentes estágios de decomposição, depositado no fundo do rio. O dourado, a cachorra e grandes bagres como a piraíba, o jau, surubim e o pintado comem quaseexclusivamente peixe. Sarapós e tuviras consomem principalmente insetos. Lambaris, mandi-amarelo, pacu-caranha, piracanjubas, matrinxãs, armados, piaus, piaparas e muitos outros podem consumir basicamente qualquer tipo de alimento, vegetal ou animal. Em geral, entre os itens mais consumidos estão o próprio detrito - presente em diferentes quantidades na dieta de muitas espécies, peixe, insetos e outros invertebrados, como crustáceos, moluscos e vermes. Algas e material de origem vegetal também são comuns. Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico 26 Reprodução: em peixes ciclídeos (Tucunarés, Tilápias e Carás), peixes extremamente diversos nos grandes lagos africanos, mas também presentes no Brasil, é comum que os machos se tornem mais coloridos e desenvolvam estruturas diferenciadas durante o período reprodutivo. Os salmões do Pacífico (Oncorrhynchus spp), por exemplo, mudam sua coloração e morfologia das maxilas ao longo do amadurecimento das gônadas. Nos Cyprinodontifprmes poecilídeos (lebistes, guarus, barrigudinhos, molinésias, espadas e platis) há fecundação interna, como nos cangatis (Auchenipteridae). Nestes últimos, a fêmea pode inclusive armazenar esperma do macho para fecundações posteriores. No caso dos Cyprinodontiformes e ciclídeos, há dimorfismo sexual (diferenças morfológicas entre macho e fêmea). Os Cyprinodontiformes não desovam, são vivíparos. Nos ciclídeos, assim como nas traíras (Hoplias spp), no pirarucu (Arapaima gigas) e pacamã (Lophiosilurus alexandrii), há cuidado parental. Estas espécies fazem ninhos onde são depositados os ovos e que são vigiados por um dos pais ou por ambos. Centrarchídeos (Black bass) depositam seus ovos em galhadas submersas. Nestas espécies, é comum o territorialismo: não permitem aproximação da área onde está o ninho, sendo espécies bastante agressivas que atacam quem se aproxime dos ovos ou juvenis. Algumas piranhas e carpas depositam seus ovos em raízes de macrófitas flutuantes (aguapé, alface d’água e outras). Alguns cascudos (Loricariidae) podem carregar seus ovos aderidos em folhas ou no próprio corpo. Estas espécies que apresentam cuidado parental tendem a produzir ovos maiores, em menor quantidade e com múltiplos eventos de desova ao longo do ano. Os peixes migradores neotropicais (peixes de piracema) e alguns outros não migradores como os saguirus, por sua vez, apresentam comportamento diferente: desovam dezenas a centenas de milhares de ovos pequenos que não são guardados por nenhum dos pais. Estes ovos são carreados pela corrente e se desenvolvem em locais diversos, que podem ser o canal do próprio rio, corpo do lago ou lagoas marginais. A desova destas espécies pode ocorrer em um (desova total) ou mais (desova parcelada) eventos de desova, quase sempre concentradas na estação chuvosa. A piracema (Figura 10): para que ocorra a desova, é necessário que os óvulos estejam amadurecidos. O amadurecimento começa com a diferenciação de uma célula chamada ovogônia, que se desenvolve passando por diversas fases, aumentando de tamanho. A ovogônia recebe uma substância proveniente do fígado, importante para nutrir o embrião e a larva. Essa substância tem o nome de vitelo. Também o núcleo desta célula sofre transformações e migra para a periferia, onde existe um orifício chamado micrópila, pelo qual o espermatozóide penetra para realizar a fecundação. Processo semelhante ocorre nos machos, nos quais as espermatogônias amadurecem e se transformam em espermatozóides. Para que estes processos ocorram, é necessária a interferência de diversos hormônios. Os estímulos ambientais decorrentes da alteração na duração do dia (fotoperíodo) e da variação de temperatura estimulam o hipotálamo de algumas espécies a liberar hormônios que atuam sobre a hipófise. A hipófise, então, produz os chamados hormônios gonadotrópicos, que atuam sobre ovários e testículos, promovendo respectivamente a maturação dos óvulos e Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico 27 espermatozóides. Em cativeiro, com água parada, as espécies que realizam piracema têm o desenvolvimento dos óvulos paralisado na fase anterior à maturação final. Quando a maturação final ou a reprodução não ocorre, os óvulos são reabsorvidos. O processo em que o óvulo é destruído por enzimas é chamado de atresia folicular. Quando ele começa, mesmo ocorrendo uma desova, a porcentagem de fecundação será muito baixa. Dizemos que os ovos estavam passados, ou mais propriamente, atrésicos. O acúmulo de ácido lático representa um estímulo vital para maturação. Após a maturação, a desova ocorre da mesma forma que para as espécies ovíparas que desovam em água parada. Por este motivo, a construção de barramentos nos rios pode causar o gradual desaparecimento de diversas espécies como o pacu, os curimbas, os piaus, os dourados, piracanjubas, matrinxas, pintados, cacharas e jaús. Figura 10 – Fenômeno da Piracema 4. Principais espécies de peixes envolvidas em acidentes ambientais a) Nome Popular: curimatã, curimatá-pacu, curimbatá, curimba Nome Científico: Prochilodus sp. Ordem/Família: Characiformes/Prochilodontidae Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico 28 Distribuição Geográfica: bacias Amazônica e Araguaia-Tocantins (P. nigricans), Prata (P. lineatus,), São Francisco (P. argenteus e P. costatus) e Doce (P. vimboides). Também foram introduzidas nos açudes do Nordeste. Hoje, existe conhecimento da presença das espécies do rio São Francisco nos rios Doce e Jequitinhonha, devido a introduções artificiais. Descrição: peixes de escamas. A principal característica da família é a boca protrátil, em forma de ventosa, com lábios carnosos sobre os quais estão implantados numerosos dentes diminutos dispostos em fileiras. As escamas são ásperas e a coloração é prateada. A altura do corpo e o comprimento variam com a espécie. Pode alcançar de 30 a 80 cm de comprimento total e 15 kg de peso, dependendo da espécie. Ecologia: espécies detritívoras alimentam-se de matéria orgânica e microorganismos associados à lama do fundo de lagos e margens de rios. Realizam longas migrações reprodutivas. São capturadas em grandes cardumes, sendo espécies importantes comercialmente, principalmente para as populações de baixa renda. Embora o valor comercial da carne seja baixo, o grande volume de capturas torna a espécie importante na pesca. Na bacia do Prata, o curimba representa mais de 50% da biomassa total de peixes que vivem no rio. b) Nome Popular: mandi; mandi – amarelo; mandi-guaçu Nome Científico: Pimelodus sp. Ordem/Família: Siluriformes/Pimelodidae Distribuição Geográfica: o mandi-amarelo (Pimelodus maculatus), espécie de ampla distribuição geográfica e de grandes variações cromáticas e até estruturais (Santos, 1954), pode ser encontrado na Amazônia, Guianas, Venezuela, Peru, Bolívia, Paraguai, Argentina, Bacia do Paraná, do Prata, Rio Uruguai e Rio Iguaçu (Godoy, 1987). Descrição: peixe de médio porte, alcançando cerca de 50 cm de comprimento e peso de até 3 kg. O corpo é alto e a cabeça é curta e baixa, com a boca terminal e a fenda bucal ampla, não possuindo dentes no palato. Os barbilhões maxilares são longos, alcançando a Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico 29 região do pedúnculo caudal. O dorso é castanho escuro, com 3 a 4 séries longitudinais de manchas negras sobre o flanco. As nadadeiras possuem manchas negras e pequenas. Ecologia: de hábito alimentar onívoro com tendência à ictiofagia (Basile-Martins 1978; Souza 1982;Menin & Mimura 1991), o mandi-amarelo apresenta ampla plasticidade da dieta, podendo comer praticamente qualquer matéria de origem orgânica, desde frutos e sementes até peixe. Há uma tendência de a espécie se tornar piscívora com o crescimento, passando a consumir principalmente peixes a partir dos 25 cm de tamanho (Lima-Junior & Goitein 2003). Como na maioria dos peixes de couro, habita o fundo dos ambientes aquáticos. É geralmente considerado um peixe de piracema, fazendo a migração reprodutiva rio acima para a desova, que ocorre com a elevação do nível das águas em razão das chuvas. No entanto, esta condição migratória é controversa, pois a espécie também é abundante em cascatas de reservatórios, o que seria incompatível com a migração reprodutiva. Especula-se que a espécie seria migradora opcional ou que as populações originalmente conteriam os dois fenótipos (migrador e não migrador), que por sua vez seriam selecionados de acordo com ambiente. O comprimento médio na primeira maturação sexual varia de 12,5 a 18 cm para machos e 12 a 19 cm para as fêmeas. É uma espécie abundante e importante na pesca comercial (Lolis et al. 1996), com boa aceitação pelo mercado consumidor (Souza & Torres 1984). É também a espécie mais comum em resgates durante paradas de máquina em usinas da Cemig. A presença de três ferrões, um na nadadeira dorsal e outros dois nas nadadeiras peitorais pode causar acidentes dolorosos e recomendam cuidado no manuseio dos indivíduos. c) Nome Popular: piapara Nome Científico: Leporinus sp. Ordem/Família: Characiformes/Anostomidae Distribuição Geográfica: bacias Amazônica e Araguaia-Tocantins, Prata e São Francisco. Descrição: peixe de médio porte, alcançando cerca de 50 cm de comprimento e podendo atingir o peso de até 6 kg. Na bacia do Prata estão presentes L. obtusidens e L. piavussu. Em Leporinus piavussu a boca é terminal, enquanto em Leporinus obtusidens esta é subinferior. Possui seis dentes incisiviformes inclinados para frente, tanto na maxila superior quanto na Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico 30 inferior. O corpo é alongado e comprimido lateralmente, sendo o dorso castanho-escuro e o abdome amarelo. As escamas do tronco são castanho-escuras na base, dando o seu conjunto a impressão de listras longitudinais interrompidas. Possui três manchas negras ovais ou alongadas verticalmente, não bem delimitadas, sobre a linha lateral. As nadadeiras peitorais, pélvicas e anal são amarelas. Sua coloração varia conforme a transparência da água do rio. Observamos que com transparência maior, as piaparas tendem a ter cores mais fortes. Ecologia: possui hábito alimentar onívoro alimentando-se de insetos, vegetais, peixes e eventualmente de moluscos. Possui importância comercial na pesca de diversas bacias, tendo carne apreciada pelo mercado. É um peixe de piracema, vivendo no canal dos rios. d) Nome Popular: dourado Nome Científico: Salminus sp. Ordem/Família: Characiformes/Characidae Distribuição Geográfica: bacias do Prata (S. brasiliensis) e São Francisco (S. franciscanus). Descrição: é o maior dos peixes de escama da bacia do Prata, podendo atingir mais de um metro de comprimento e 30 kg de peso. O corpo é alto e as escamas são relativamente pequenas. A boca possui duas séries de dentes, tanto no pré-maxilar, quanto no dentário. A séria externa é composta de dentes cônicos muito maiores que os da interna. O dorso é castanho escuro. Na região central, as escamas dorsais apresentam uma mancha, formando, em conjunto, estrias longitudinais. O abdome e a região inferior do corpo são amarelo-vivos, com uma listra negra sobre os raios caudais medianos. A nadadeira anal é áspera nos machos, devido a inúmeras espículas que aparecem entre os raios na época da reprodução. Ecologia: é um peixe de piracema, reproduzindo-se normalmente de novembro a janeiro. No rio São Francisco, a jusante de Três Marias, o período com maior intensidade reprodutiva seria de dezembro a março (Andrade et al. 2008). O macho atinge a maturidade sexual com dois anos de idade, enquanto a fêmea alcança aos três anos. O hábito alimentar piscívoro desta espécie já está estabelecido em alevinos de 8 cm de comprimento, sendo o adulto um piscívoro exclusivo, engolindo a presa inteira. Sua carne é muito apreciada pelo mercado, Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico 31 sendo considerada uma das melhores entre peixes de água doce. Pela qualidade da carne tamanho, é um dos eixes mais procurados por pescadores. e) Nome popular: barbado Nome Científico: Pinirampus pirinampu Ordem/Família: Siluriformes/Pimelodidae Distribuição Geográfica: bacia do Prata, incluindo os rios Grande e Paranaíba. Descrição: peixe de grande porte, alcançando cerca de 60 cm de comprimento e 10 Kg de peso. O dorso é verde-claro e o ventre esbranquiçado. A nadadeira dorsal é longa com um acúleo flexível e seis raios, a adiposa é muito longa e a anal possui onze raios. O peso médio gira em torno de 3 a 5 kg. Ecologia: o período reprodutivo coincide com a enchente de rios. É um peixe muito voraz e pode atacar peixes presos em malhadeiras. É oportunista e tem dieta variada. O local mais provável para a sua captura é no leito de rios de médio e grande porte. É bastante procurado por pescadores profissionais, que utilizam principalmente espinhéis iscados com peixe em sua captura. Esta espécie merece atenção especial durante as paradas de máquinas pois tem aumentado a sua abundância em muitos reservatórios da bacia do Paraná e se mostra extremamente frágil e sensível ao estresse por manuseio e confinamento, ao contrário do mandi que é uma espécie bastante resistente. Durante os resgates de peixes deve-se dar prioridade a esta espécie sob o risco de ocorrerem mortandades. f) Nome popular: corvina Nome Científico: Plagioscion squamosissimus Ordem/Família: Perciformes/Sciaenidae Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico 32 Distribuição Geográfica: nativa da bacia Amazônica, hoje atinge os reservatórios da bacia do Prata chegando aos rios Grande e Paranaíba. Descrição: corpo alto, boca terminal, pré-maxilar e dentário com várias séries de dentes. Corpo prateado, nadadeiras claras. Ecologia: esta espécie se reproduz em ambientes lênticos sendo uma das espécies exóticas que mais impactam a comunidade de peixes nativa de diversos reservatórios da Cemig. Seu hábito alimentar é piscívoro, mas a espécie também pode utilizar outros itens alimentares como crustáceos e insetos. Em muitos casos, camarões de água doce são seu alimento principal. Entre todas as espécies citadas, é a única que apresenta condição fisóclista. É bastante procurada por pescadores em reservatórios e sua carne possui boa aceitação. 5. Bibliografia sugerida Andrade Neto F.R. (2008) Migração e conservação do dourado (Salminus franciscanus, Lima & Britski 2007) em um trecho do rio São Francisco. Dissertação de mestrado, Programa de Pós-Graduação em Ecologia, Conservação e Manejo de Vida Silvestre, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, Brasil. Buckup P.A., Menezes N.A. & Ghazzi M.S. (2007) Catálago das espécies de peixes de água doce do Brasil. Museu Nacional, Rio de Janeiro: 195p. Drummond D.M., Martins C.S., Machado A.B.M., Sebaio F.A. & Antonini Y. (2005) Biodiversidade em Minas Gerais: um atlas para a sua conservação. Belo Horizonte, Fundação Biodiversitas, 222p. Helfman G.S., Collette B.B., Facey D.E. & Bowen B.W. (2009) The diversity of fishes. Wiley- Blackwell, 720p.Hichman Jr.C.P., Roberts L.S. & Larson A. (2001) Integrated Principles of Zoology. McGraw- Hill, 899p. Tópicos de Manejo e Conservação da Ictiofauna para o Setor Elétrico 33 Langeani F., Castro R.M.C., Oyakawa O.T., Shibatta O.A., Pavanelli C.S. & Casatti L. (2007) Diversidade da ictiofauna do Alto Rio Paraná: composição atual e perspectivas futuras. Biota Neotropica 7(3), 181-197. Lévêque C., Oberdorff T., Paugy D., Stiassny M.L.J. & Tedesco P.A. (2008) Global diversity of fish (Pisces) in freshwater. Hydrobiologia 595, 545-567. Lima-Junior S.E. & Goitein R. (2003) Ontogenetic diet shifts of a Neotropical catfish, Pimelodus maculatus (Siluriformes, Pimelodidade): an ecomorphological approach. Environmental Biology of Fishes 68 (1), 73-79. Lowe-McConnell R.H. (1999) Estudos ecológicos em comunidades de peixes tropicais. São Paulo: Editora USP, 535 pp. Malabarba L.R., Reis R.E., Vari R.P., Lucena Z.M.S. & Lucena C.A.S. (1998) Phylogeny and Classification of Neotropical Fishes. Edipucrs: 603p. Myers, G.S. (1951) Fresh-water fishes and East Indian zoogeography. Stan. Ich. Bull. 4, 11-21. 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