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Africa e o Novo Mundo História Geral de África Vol (1)

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Comitê Científico Internacional da UNESCO para Redação da História Geral da África
HISTÓRIA GERAL 
DA ÁFRICA • VII
África sob dominação
colonial,1880-1935 
UNESCO Representação no BRASIL
Ministério da Educação do BRASIL
Universidade Federal de São Carlos
EDITOR ALBERT ADU BOAHEN
HISTÓRIA GERAL DA ÁFRICA • VII
África sob dominação colonial, 
1880-1935
Comitê Científico Internacional da UNESCO para Redação da História Geral da África
C A P Í T U L O 2 9
875A África e o Novo Mundo 
Diversas regiões do mundo, como a Grécia e a Roma clássicas, Portugal 
(desde o século XV), as Antilhas, os Estados Unidos (desde o século XVII), a 
Grã -Bretanha (desde o século XVIII), o Canadá (sobretudo depois da Guerra 
da Independência dos Estados Unidos), o Brasil (particularmente desde o 
século XVIII), a Arábia Saudita, a Índia e, ocasionalmente, a Turquia, acolhe-
ram importantes comunidades de africanos expatriados ou se viram expostas 
a influências africanas bem nítidas. Ao mesmo tempo, a amplidão da diáspora 
africana variou em função das idas e vindas de comerciantes, marinheiros, intér-
pretes e educadores africanos, da presença de estudantes africanos na América 
e da reinstalação de negros americanos, de afro -brasileiros e de afro -cubanos 
na África. Os laços entre os continentes que se tornaram os dois principais 
domínios de implantação da população negra – a África e as Américas – foram 
mantidos ao longo dos anos, mediante um intercâmbio de pessoas, de objetos 
culturais e de ideologias políticas. O presente capítulo procura definir as inte-
rações entre os africanos e as populações de ascendência africana das Américas 
durante o período colonial da história africana. 
De 1880 a 1935, os laços entre africanos e negros americanos foram essen-
cialmente de cinco tipos: a) movimentos de retorno dos negros à África ou 
emigração dos negros – principalmente da América do Norte, mas também das 
Antilhas e do Brasil – para diversas regiões da África (sobretudo para a África 
A África e o Novo Mundo 
Richard David Ralston com a contribuição do professor 
Fernando Augusto de Albuquerque Mourão 
para as seções consagradas à América Latina e às Antilhas 
876 África sob dominação colonial, 1880-1935 
ocidental, mas igualmente para a África do Sul e o Chifre); b) evangelismo 
americano, com a ida de missionários afro -americanos para a África a fim de 
propagar o Evangelho; c) repetição da rota do meio (África -Índias Orientais), 
sob a forma de uma corrente de estudantes africanos que se matriculavam em 
escolas e universidades americanas para negros; d) pan-africanismo, revestido 
de diversas formas (conferências, criação de organismos, atividades educativas, 
literárias e comerciais), que puseram africanos em contato com o mundo negro 
das Américas e contribuíram para influir na evolução da África colonial: e) 
persistência e transformação dos valores culturais africanos na América Latina e 
nas Antilhas. Estes cinco pontos serão analisados um por um nas cinco divisões 
do presente capítulo. 
Movimentos de retorno à África 
Embora a corrente favorável à emigração dos negros da América do Norte 
para a Libéria, que fora forte na primeira metade do século XIX, tenha se 
enfraquecido sensivelmente, os afro -americanos continuaram a manifestar certo 
interesse em emigrar para a África no final do século XIX e começos do XX. 
Na verdade, esse êxodo do qual negros como Daniel Coker, Lott Cary, John B. 
Russwurm, Paul Cuffee, Henry H. Garnet e Martin R. Delany foram os pri-
meiros defensores prosseguiu e aumentou no último quartel do século XIX. Por 
exemplo, em 1878, a South Carolina -Liberian Exodus Joint Stock Steamship 
Company transportou 206 imigrantes negros para a Libéria. Em 1881, Henry 
H. Garnet foi nomeado ministro residente e cônsul -geral na Libéria, cumprindo 
assim ele próprio a travessia do Atlântico que havia pregado. Em 1889, Edward 
W. Blyden, pan -africanista antilhano nascido em Saint -Thomas, efetuou uma 
viagem da Libéria aos Estados Unidos em nome da American Colonization 
Society (ACS), para contribuir para a geração de apoio dos negros à emigração. 
Por outro lado, de 1880 a 1900, o bispo Henry McNeal Turner procurou combi-
nar as duas tradições longamente dominantes na história moderna da interação 
entre africanos e afro -americanos: a emigração africana e o evangelismo cristão. 
Ademais, o retorno de milhares de negros brasileiros para a África ocidental, 
pelo menos até a abolição oficial da escravatura no Brasil (1888), também sus-
citou importantes interações. A competência técnica e comercial, bem como as 
aspirações políticas dos afro -brasileiros que se reinstalaram em suas terras de 
origem ou próximas, na Nigéria, Daomé (atual Benin), Togo e Costa do Ouro 
(atual Gana), tiveram aparentemente grandes repercussões sobre a situação 
877A África e o Novo Mundo 
social, econômica e política desses países. Talvez por não terem formado nessas 
regiões uma comunidade distinta de colonos – como se passou na Libéria –, os 
afro -brasileiros perseguiram objetivos sociais e políticos que pouco se diferen-
ciavam dos almejados pelos autóctones. 
Embora tenha sido fundada por brancos americanos da American Colonia-
tion Society (ACS) muito antes do período de luta pela conquista da África 
(Scramble), a Libéria ocupa um lugar especial em todo estudo das migrações 
entre as diferentes regiões do mundo negro. Um projeto de lei de auxílio aos 
emigrantes negros foi discutido pelo senado dos Estados Unidos da América em 
1889, em parte graças aos esforços desenvolvidos por Blyden para obter apoio 
aos programas da ACS. O número de inscrições de negros na ACS, a fim de ir 
para a Libéria, aumentou rapidamente e, em 1892, várias centenas de agriculto-
res negros do Arkansas e de Oklahoma chegaram a Nova York na esperança de 
serem transportados para a África. Em 1893, ao visitar a Libéria, o bispo Turner 
escrevia entusiasmado que “o homem negro encontra aqui [na Libéria] [....] a 
dignidade e a liberdade mais completas; tem a impressão de que é um senhor e 
seu modo de andar reflete tal sentimento”1. Em 1896, ele voltava a afirmar: 
Penso que dois ou três milhões dos nossos deveriam retomar à terra dos antepassa-
dos, nela estabelecer nossas próprias nações, civilizações, leis, costumes, modos de 
produção [...] e parar de resmungar, de estar sempre recriminando e de ameaçar o 
país que o homem branco reivindica e que necessariamente dominará2. 
Graças aos esforços do bispo Turner, mais de trezentos afro -americanos emi-
graram para a Libéria em março de 1896. Até mesmo o jovem W. E. B. Du Bois 
– que mais tarde viria a rejeitar a emigração como solução para os problemas 
dos negros americanos – pensava que a emigração proposta por Turner oferecia 
uma louvável saída para a “humilhação de ter de mendigar para ser reconhecido 
e tratado com justiça nos Estados Unidos”3.
Enquanto estava na Libéria, o bispo Turner dizia aos que ele chamava de 
“capitalistas negros” dos EUA que “se quisessem dar início ao comércio com 
a Libéria, ganhariam milhões em alguns anos”. A porcentagem de resposta 
foi pouco elevada. No entanto, em 1899, um grupo criou a African Develop-
ment Society, cujo principal objetivo era estimular os afro -americanos a com-
prar terras e fixar -se na África centro -oriental. A Sociedade venderia ações ou 
1 Davis, 1974, p. 3. 
2 Ibid., p. 5.
3 Ibid.
878 África sob dominação colonial, 1880-1935 
títulos de propriedade oferecidos por africanos, mas somente a compradores 
afro-americanos ou africanos4. O bispo Turner também serviu mais tarde como 
consultor da International Migration Society (IMS), do Alabama, que enviou 
cerca de quinhentos emigrantes para a África, antes de desaparecer, em 1900. 
Alguns deles ficaram na Libéria e outros retornaram aos Estados Unidos da 
América. Os que ficaram searranjaram razoavelmente e muitos prosperaram. 
Os que regressaram, por sua vez, contaram histórias horríveis de terras pobres, 
de má alimentação e de condições de vida medíocres. Esses relatos reduziram as 
possibilidades de formação de um amplo movimento de emigração afro-ameri-
cana, embora as perspectivas dos negros, nos Estados Unidos, tenham piorado 
de 1895 a 1900. Não obstante, é evidente que muitos continuaram a pensar 
seriamente em emigrar para a África, enquanto outros negros norte -americanos 
e caribenhos simplesmente se mudavam para regiões vizinhas, para fugir da 
discriminação aberta. 
Depois de 1900, a bandeira do retorno à África foi retomada por outros. Por 
exemplo, certo capitão Dean, em começos do século XX, alimentou a esperança 
de incitar os negros norte -americanos a ir para a África do Sul, a fim de lá criar 
um poderoso Estado negro. No entanto, quando ele foi à África do Sul com 
vistas a preparar a instalação, as autoridades brancas o expulsaram sumariamente 
da Cidade do Cabo, sob a acusação de “atividades provocadoras”. Em 1914, 
o régulo Alfred C. Sam, africano da Costa do Ouro, chegou a Oklahoma e, 
tendo convencido uns sessenta lavradores negros de que a África lhes oferecia 
melhores perspectivas, levou -os para Saltpond (Costa do Ouro). Verificando 
que as afirmações do régulo Sam eram exageradamente otimistas e sofrendo as 
restrições impostas pelos funcionários da Costa do Ouro à entrada de imigran-
tes americanos, esses negros acabaram, em sua maioria, retomando aos Estados 
Unidos da América. Mas foi Marcus Garvey, nascido na Jamaica em 1887 (ver 
fig. 29.1), o advogado mais eloquente da emigração junto dos negros africanos 
e americanos. 
Apelando para o orgulho negro, Garvey soube interessar milhões de negros 
americanos pela África depois da Primeira Guerra Mundial. Du Bois observa-
ria mais tarde que “em alguns anos, o movimento, as promessas e os planos [de 
Garvey] se tornaram bastante célebres para serem conhecidos na Europa e na 
Ásia e atingirem toda a África”5. Suas viagens às Antilhas, à América Central e 
à América do Sul, bem como uma permanência de dois anos no Reino Unido, 
4 HILL, A. C. e KILSON (orgs.), 1971, p. 192-4.
5 DU BOIS, 1968, p. 277.
879A África e o Novo Mundo 
persuadiram Garvey de que a triste sorte reservada aos negros em todo lugar 
exigia uma ação militante de sua parte. Dois acontecimentos em sua vida pessoal 
enquanto estava em Londres influenciaram -lhe o pensamento. O primeiro foi a 
leitura de Up From Slavery (1899), de Booker T. Washington, que o levou a dizer 
mais tarde que ele estava “destinado” a se tornar um dirigente para seus irmãos 
de raça6. O segundo foi o reencontro com o intelectual sudanês -egípcio Duse 
Mohammed Ali, que em In the Land of Pharaohs (1911) criticava violentamente 
as políticas do Reino Unido e dos Estados Unidos em relação à África. Antes 
de se estabelecer em Londres, o próprio Duse viajara e trabalhara por algum 
tempo como ator e militante político. 
Em 1914, de regresso à Jamaica, Garvey criou um organismo destinado 
principalmente a promover a emigração para a África, a Universal Negro Impro-
vement and Conservation Association and African Communities League (mais 
tarde conhecida simplesmente por UNIA). Aos 28 anos de idade, ele visitou 
os Estados Unidos, atraído pela obra de Washington e pelo exemplo de Duse, 
com um programa de redenção para os negros: o estabelecimento, para eles, de 
escolas de ensirio industrial e agrícola na Jamaica, a criação de uma frota de 
navios mercantes (a “Black Star”) para o comércio entre os negros da África e 
das Américas e, acima de tudo, a constituição de uma “nação central para a raça”. 
Este último projeto tinha como eixo principal a Libéria, que havia muito tempo 
constituía um dos polos do movimento de emigração afro -americano. 
Garvey mandou um emissário à Libéria em maio de 1920, o qual explanou 
os objetivos da Associação: transferência da sede para lá, ajuda financeira para 
a construção de escolas e de hospitais, liquidação das dívidas do país, instalação 
de negros norte -americanos, que contribuiriam para o desenvolvimento da agri-
cultura e para a mobilização dos recursos naturais7. O governo liberiano aceitou 
com entusiasmo a solicitação inicial da UNIA, referente à concessão de terras 
fora de Monróvia, e Garvey, por sua vez, enviou um grupo de técnicos para 
estudo do local e construção de moradias para as 20 mil a 30 mil famílias que 
esperava estabelecer lá em dois anos, a partir de 1924. Mas quando chegaram 
ao Maryland County, em maio de 1924, os técnicos foram detidos, presos e 
depois expulsos, em julho desse mesmo ano. Pouco depois, o governo liberiano 
proscreveu de uma vez a UNIA, condenando assim ao malogro o plano de 
colonização de Garvey na Libéria. 
6 GARVEY, 1923 -1925, v. I, p. 126.
7 Ver AKPAN, 1973a; CHALK, 1967, p. 135 -42.
880 África sob dominação colonial, 1880-1935 
figura 29.1 Marcus Garvey (1887 -1940), fundador e chefe da Universal Negro Improvement Association. 
(Foto: Roval Commonwealth)
881A África e o Novo Mundo 
No final da década de 1920, ele enviou uma pequena equipe de técnicos qua-
lificados à Etiópia para estudar a possibilidade de emigração de negros norte-
americanos naquele país, do outro lado do continente africano. Essa equipe, 
todavia, foi acolhida com menos entusiasmo do que se esperava. Durante os 
anos de 1930, era minúscula a comunidade afro -americana existente na Etiópia. 
Alguns de seus membros estavam lá em consequência dos apelos de Garvey, 
mas muitos outros haviam sido atraídos por diversas circunstâncias. Pesquisas 
antigas e recentes trouxeram a lume certo número de fatos relativos às relações 
entre afro -americanos e etíopes8, mas o tema das conexões entre a África e a 
América ainda não foi devidamente estudado. 
Um rabino negro de Barbados, Arnold Ford, emigrou para a Etiópia em 1930, 
depois de ter passado algum tempo em Nova York, fundando lá o Tambourine 
Club, onde organizava recitais de negro spirituals. Mas o estabelecimento foi 
“fechado pelo governo por usar de discriminação contra clientes etíopes locais”9. 
Enquanto se encontrava no Harlem, Ford sentiu -se atraído pela mensagem de 
Garvey. Parece, portanto, que, se as delegações enviadas pela UNIA fracassaram 
na tentativa de estabelecer, como no caso da Libéria, laços institucionais com o 
Chifre da África, elas conseguiram no entanto orientar para essa região alguns 
candidatos negros à emigração. É possível que tenham emigrado individual-
mente mais garveyistas para a Etiópia do que para a Libéria. Com efeito, embora 
a Etiópia fosse mais inacessível, sua antiga e esplêndida civilização talvez tenha 
“exercido uma atração mais forte do que a política burguesa e [no espírito de 
Garvey] antiafricana da elite américo -liberiana no poder”10. Quando Garvey 
rompeu abertamente com o governo liberiano, é evidente que muitos de seus 
adeptos encararam com otimismo esse novo horizonte. 
No entanto, se alguns negros norte -americanos que emigraram para a Eti-
ópia durante e depois dos anos de 1920 foram em grande parte motivados por 
Garvey, a decisão final pode ter sido tomada após um encontro fortuito com 
estudantes etíopes ou um contato com uma das delegações especiais da Etiópia 
que estiveram em Nova York no final da década de 1920 “para solicitar a negros 
qualificados que se fixassem na África”11. Além disso, assim como o bispo Turner, 
Ford pensava que os negros norte -americanos tinham um papel redentor espe-
cial a desempenhar em relação à África, em vista dos longos anos de sofrimento 
8 Ver, por exemplo, COON, 1936; KING, K. J., 1972, p. 81 -7; SCOTT, 1971. 
9 COON, 1936, p. 137.
10 KING, K. J., 1972, p. 82. 
11 Ibid.
882 África sob dominação colonial, 1880-1935 
e de exílio que haviam experimentado. Ele próprio, respondendo ao apelo de 
uma delegaçãode falashas (judeus negros da Etiópia), partiu em 1930 para este 
país, onde evidentemente permaneceu até a morte, ocorrida na época da guerra 
ítalo -etíope (1935 -1936)12. A maioria dos imigrantes americanos que Ford 
encontrou ao chegar na Etiópia era jamaicana e mais alguns negros das Antilhas. 
Segundo um trabalho recente, “os antilhanos pareciam estar mais preparados 
para se adaptar à vida na Etiópia do que certos negros dos Estados Unidos”, 
se bem que ambos os grupos sofressem discriminação de tempos em tempos13. 
Evidentemente, mesmo antes de Garvey, outros negros americanos tinham 
emigrado para a Etiópia, mas como colonos individuais. Nos últimos anos do 
século XIX, por exemplo, um haitiano, Benito Sylvain, apresentou -se na corte 
de Menelik II com um plano para uma organização “pan -negra”. Fica claro, 
porém, que as vagas mais importantes de imigrantes afro -americanos chegaram 
à Etiópia por volta de 1930, quer dizer, depois de Garvey ter rompido com a 
Libéria, e até uma data posterior à ascensão do imperador, na maior parte dos 
casos em consequência de encontros com viajantes etíopes. Um pequeno con-
tingente de afro -americanos (talvez uns vinte) foi para a Etiópia imediatamente 
após a restauração de Hailê Selassiê no trono, mas esse período não é coberto 
pelo presente capítulo. É suficiente saber aqui que a época em que a emigração 
de negros americanos para a Etiópia foi mais considerável coincidiu com a das 
atividades associadas aos nomes de Garvey, Ford e Hailé Selassié14. 
Os afro ‑brasileiros 
Os contatos entre o Brasil e a costa ocidental da África foram facilitados pelo 
estabelecimento de linhas regulares de cargueiros mistos, que dessa forma subs-
tituíram os navios negreiros. A British African Company e a African SteamShip 
Company, entre outras, garantiam viagens regulares entre os portos da Baía de 
Todos os Santos e de Lagos. Segundo o Weekly Times de 11 de outubro de 1890, 
o vapor Biaffra, ao voltar a Lagos no fim de sua viagem inaugural, transpor-
tava 110 passageiros e 400 toneladas de mercadorias. Nessa época, o comércio 
entre as duas costas já era bem importante. De acordo com Pierre Verger15, as 
exportações do Brasil “consistiam principalmente de charutos, tabaco e cachaça”; 
12 Ver, no entanto, uma cronologia algo diferente em BROTZ, 1970, p. 12; SCOTT, 1971. 
13 KING, K. J., 1972, p. 82.
14 Ver SCOTT, 1971.
15 VERGER, 1968, p. 623.
883A África e o Novo Mundo 
as importações se compunham de “planos de fabricação nacional, tecidos de 
algodão europeu, noz -de -cola e óleo de palma”. Nos cinco anos entre 1881 e 
1885, o valor anual médio das importações e exportações foi, respectivamente, 
de 19084 e de 11259 libras esterlinas. 
O comércio entre as duas costas, independentemente de sua importância, 
permitiu o desenvolvimento de uma burguesia africana constituída por antigos 
escravos que haviam trabalhado no Brasil e em Cuba. Essa migração come-
çou em fins do século XVIII16, para se tornar mais acentuada após a revolta 
dos Malês (escravos muçulmanos), em 1835. Esses contingentes de emigrantes 
fixaram -se principalmente nas cidades litorâneas da Nigéria, do Daomé (atual 
Benin) e, em escala bem menor, no Toga e na Costa do Ouro (ver fig. 29.2). 
Nessas zonas costeiras, os imigrantes estabeleceram -se em comunidades, evi-
tando portanto as entradas pelo interior, com exceção dos que integravam os 
grupos Yoruba e Haussa, que se instalaram não só em Lagos, mas também em 
cidades do interior, como Abeokuta17. Muitos imigrantes tinham sido “negros de 
ganho” no Brasil, ou seja, escravos que viviam nas cidades, exercendo livremente 
uma profissão (pedreiro, marceneiro, calafate etc.) e dividindo o ganho com os 
senhores. Dispondo de tecnologia própria, alguns excelentes construtores edifi-
caram bairros residenciais em Porto Novo, Quidah e principalmente em Lagos, 
onde foi construído o Bairro Brasileiro18, em que se encontram ainda sobrados 
de estilo baiano, na atual praça Tinubu. O mesmo vale para a praça Campos ou 
para grandes edifícios como a catedral católica de Lagos ou a mesquita erigida 
no centro da cidade. O estilo desses sobrados caracteriza algumas construções 
do interior, nas zonas onde vivem as populações Yoruba. Em Quidah, bem como 
em Porto Novo, desenvolveu -se um tipo de construção que, independentemente 
de sua opulência ou de sua simplicidade, seguia muito de perto o traçado da 
“casa -grande”, tipo de construção característica dos engenhos de açúcar ou das 
plantations do Brasil colonial. 
No Daomé (atual Benin), as crianças que frequentavam as escolas de mis-
sionários ingleses e franceses foram em parte aproveitadas como auxiliares da 
administração colonial, devido a seu nível de instrução. A religião, o tipo de 
habitação, o vestuário, o exercício do comércio atlântico e o fato de ser funcio-
nário da administração pública colonial davam um status especial a esse grupo. 
16 NEWBURY, 1961, p. 36 -7.
17 TURNER, L. D., 1942, p. 65.
18 ARAEDON, 1976, p. 40 -1.
884
África sob dominação colonial, 1880-1935 
 
figura 29.2 Os afro-brasileiros na África ocidental, nos séculos XVIII e XIX.
885A África e o Novo Mundo 
No entanto, ele não gozava da aceitação total da sociedade europeia19 e nem 
sempre mantinha boas relações com as populações autóctones, em face de seus 
hábitos e estilo de vida. 
Pouco a pouco, esses grupos foram perdendo a especificidade afro -brasileira, 
já que, embora importassem livros do Brasil, como o Compêndio de doutrina cristã 
e O fabulista da mocidade20, o ensino nas escolas foi seguindo exclusivamente a 
língua do colonizador francês ou inglês. Por outro lado, os descendentes dos 
Yoruba, para se integrarem mais na sociedade local, começaram a empregar de 
novo os nomes yoruba, e alguns adquiriram o hábito de participar do culto das 
igrejas africanas derivado do protestantismo. 
No caso de Lagos, a comunidade conservou sua identidade, por exem-
plo, saindo para as ruas em dias de festa para apresentar danças folclóricas, 
seguindo nisto o exemplo da Aurora Relief Society, que, em 190021, conti-
nuava a identificar -se com um núcleo burguês. No entanto, com o tempo, o 
grupo perdeu os traços distintivos. O português, outrora considerado uma lín-
gua comercial, foi suplantado pelo inglês na Nigéria e pelo francês no Daomé 
(Benin)22. Algumas formas de resistência foram registradas, como, por exemplo, 
o lançamento em 1920 do jornal Le Guide du Dahomey, em Porto Novo23, o qual, 
até 1922, publicava críticas à administração colonial francesa. Outro jornal, La 
Voix du Dahomey24, editado mais tarde pelos descendentes dos afro -brasileiros, 
continha críticas às dificuldades para negociar com o exterior, como era costume 
nos períodos anteriores ao estabelecimento da administração francesa. 
Na Costa do Ouro, os afro -brasileiros, embora estabelecidos como um núcleo 
separado, em vista de seus hábitos mais ou menos ocidentalizados e, por isso, 
conhecidos como os Tabon, abandonaram pouco a pouco as tradições tipica-
mente brasileiras, retendo, porém, outros traços culturais, como tocar tambores 
por ocasião de festividades, como a procissão anual que percorre as velhas ruas de 
Acra durante dois dias25. Os Tabon, ao se instalarem no país, tiveram de assinar 
um pacto de vassalagem com um chefe Ga de Acra. Cedo abandonaram o uso 
19 TURNER, J. M., 1975, capítulo V; 1978, p. 24.
20 Bouche a Planque, Porto Novo, 25 de janeiro de 1869, Arquivos da Società delle Missione Africane 
(SMA), Roma, verbete n. 21.150, rubrica n. 12/80200 (11/082) [Carta do padre Bouche a seu superior, 
o padre Planque].
21 Lagos Standard, 8 de janeiro de 1896 e 2 de maio de 1900.
22 CUNHA, 1976, p. 33.
23 BALLARD, 1965, p, 16.
24 TARDITS, 1968, p. 39.
25 TURNER, J. M., 1978, p. 23.
886 África sob dominação colonial, 1880-1935 
da língua portuguesa, embora suas cançõesmisturem o ga, o inglês e o portu-
guês. A rápida integração dos Tabon da Costa do Ouro contrasta com a bastante 
demorada dos afro -brasileiros de Lagos, Abeokuta, Porto Novo, Quidah e outras 
cidades menos importantes da costa da Nigéria, do Daomé e de Togo. 
Em Lagos, ao lado da comunidade brasileira também se constituiu uma 
comunidade afro -cubana, formada de elementos repatriados de Cuba, mas em 
menor número. 
Ação de evangelização pelos negros americanos na África 
Um dos meios pelos quais se alimentou o intercâmbio entre negros da África 
e da América na época colonial, à falta de migrações em massa, foi a chegada 
de missionários negros para “elevar” o continente negro mediante a evangeli-
zação cristã. Em geral, a evangelização foi obra de missionários negros norte-
americanos, de início pertencentes a igrejas onde os brancos preponderavam. 
A Igreja Presbiteriana, por exemplo, enviou missionários negros a Camarões 
desde 1896. O reverendo William H. Sheppard, negro diplomado pelo Instituto 
Hampton, da Virgínia, incitou a Southern Presbyterian Church a empreender 
atividades missionárias no Congo nos últimos anos do século XIX. Represen-
tando lá sua igreja, logo verificou que as conversões somavam “centenas” e que 
sua missão se desenvolvia “até se tornar um dos estabelecimentos cristãos mais 
importantes26”. Por volta de 1900, os Adventistas do Sétimo Dia enviaram três 
missionários negros à Niassalândia (atual Malavi), e, como resultado de cinco 
anos de estadia, mandaram três jovens adeptos africanos, entre os quais Daniel 
Sharpe Malekebu, para as escolas negras americanas, a fim de serem educados. 
(Não só havia alguns evangelistas negros nessa “igreja branca”, como também 
alguns missionários brancos foram colocados em escolas afro -americanas, a fim 
de se prepararem para servir na África.) No entanto, as igrejas negras logo se 
tornaram, por sua própria vontade e por seu próprio direito, as animadoras de 
uma ação missionária na África que foi talvez a mais eficaz de todas. 
Desde o século XIX, os afro -americanos foram exortados a assumir respon-
sabilidades particulares na “redenção” das sociedades africanas. O bispo Turner, 
principalmente, não hesitava em propor que “Deus levou o negro para a América 
e o cristianizou para que ele regressasse a seu continente e o resgatasse27. Outros 
26 CLENDENEN, COLLINS e DUIGNAN, 1966, p. 63. 
27 PONTON, 1917, p. 77.
887A África e o Novo Mundo 
evocavam o grande destino político da África e a vontade divina como exorta-
ções aos negros do Novo Mundo à ação. Diziam, por exemplo, num discurso 
pronunciado em 1902, que “se os negros americanos se dignassem tomar cons-
ciência de suas responsabilidades, estar à altura da tarefa, que lhes cabe cumprir 
e empreender, de evangelizar a África em nome do Senhor, milhões de filhos da 
África que ainda estão por nascer verão um continente transformado”28. 
Anteriormente, em 1884, a African Methodist Episcopal Church (AME) 
organizara um importante colóquio sobre o tema: “Qual deveria ser a política 
dos americanos de cor em relação à África?”. Em agosto de 1893, africanos e 
outros participantes dos Estados Unidos da América e da Europa assistiram 
a um congresso mundial sobre a África, organizado pela American Missio-
nary Association, por ocasião da exposição internacional realizada em Chicago 
naquele ano. O congresso, que durou uma semana, visava promover a ação 
missionária afro -americana na África e o reconhecimento dos direitos dos “afri-
canos da América”. 
O bispo Turner reiterou nesse congresso seu apelo em favor da emigração 
negra para a Libéria. De fato, pelo menos um liberiano (Momolu Massaquoi) 
compareceu e participou dos debates. Outro delegado africano (Etna Holder-
ness, da Libéria) esteve presente numa conferência posterior, em dezembro 
de 1895, sobre “A África e o negro americano”, que teve lugar no Gammon 
Theological Seminary, de Atlanta. Para os negros americanos, a obrigação de 
contribuir para a cristianização da totalidade da África foi de novo sublinhada 
nessa reunião: “Deveria e deve haver uma linha ininterrupta de missionários 
cristãos desde o Cabo da Boa Esperança até o Egito [...] e desde aí a Serra Leoa 
e à Libéria e [...] até o Sudão e o Estado do Congo [...]”29. 
Os negros americanos responderam por diversas formas a este gênero de 
apelo. Por exemplo, em 1930, um bispo da AME adquiriu, num acesso de 
entusiasmo, uma fazenda de mais de mil hectares na África do Sul, na intenção 
de instalar nela uma colônia de membros de sua igreja. Por outro lado, igrejas 
negras dos Estados Unidos ficaram apreensivas quando, em janeiro de 1926, a 
imprensa negra publicou artigos sobre a expulsão de todos os missionários da 
Libéria. Fato mais importante, contudo, a AME e a African Methodist Epis-
copal Zion (AME Zion), bem como a National Baptist Convention (NBC), 
enviaram missionários negros para a África durante todo o período colonial. Os 
primeiros estabelecimentos da NBC foram fundados na Libéria em 1883, dando 
28 PENN e BOWEN, 1902, p. 310. 
29 BOWEN, 1896, p. 205.
888 África sob dominação colonial, 1880-1935 
prosseguimento à ação desenvolvida bem antes por Lott Carey. A AME Zion 
também começou a implantar -se na Libéria, em 1878, e na Costa do Ouro, em 
1896. O bispo John Bryan Small, das Antilhas, organizou ulteriormente duas 
conferências anuais da AME Zion na Costa do Ouro, atraindo assim J. E. K. 
Aggrey e Franck Osam -Pinanko para igrejas afro -americanas e, finalmente, 
para a AME Zion. Em 1930, missionários desta igreja foram à Nigéria, onde 
igrejas africanas desejavam filiar -se à Zion. Durante o mesmo período, a AME 
financiou missões em diversas partes da África, notadamente em Serra Leoa, 
em 1886 (explorando a anterior ação evangélica de Daniel Coker), na Libéria, 
nos últimos anos do século XIX (graças a uma visita pessoal de Henry Turner), 
e na África do Sul, em 1896. Tendo em conta sua duração, devemos atentar mais 
para a ação missionária da AME na África e dizer uma palavra em particular 
sobre a área onde sua repercussão foi mais forte, ou seja, a África austral. 
Muitos negros americanos que atenderam ao apelo de sua igreja, no final 
do século XIX, partiram para a África austral como missionários, exercendo aí 
profunda influência. Uma verdadeira aliança entre a Igreja Africana, indepen-
dente e cismática (ou Igreja Etíope) e a AME, concluída em 1896, abriu uma 
década marcante na história dos negros sul -africanos e americanos. Embora a 
aliança tenha perdurado por pouco tempo, ela ajudou a AME a implantar -se 
na África do Sul com tal força que se manteve forte pelos cinquenta anos que 
se seguiram. 
Constituída por elementos dissidentes da Igreja Wesleyana e por outros “des-
contentes”, a Igreja Etíope separatista negra passou seus primeiros anos de vida 
lutando pela sobrevivência. E ela só se salvou graças à intervenção fortuita de 
Charlotte Manye, que fazia parte de um grupo de estudantes sul -africanos que 
ingressaram nas universidades Wilberforce e Lincoln em 1895, como membros 
de um chamado “Coro Zulu”. Ela escreveu uma carta a sua irmã, na África do 
Sul, usando papel timbrado da AME. A carta incitou os dirigentes da Igreja 
Etíope a procurar mais informações sobre a AME, e eles pediram e receberam 
cópias de documentos sobre disciplina, livros de hinos e liturgia da AME. Como 
se interessavam particularmente pela possibilidade de os africanos cursarem 
estudos superiores nos Estados Unidos, enviaram para esse país, em 1896, uma 
delegação dirigida pelo reverendo James Mata Dwane. Daí resultou a absorção 
oficial da Igreja Etíope pela AME e o formal ingresso desta na ação missionária 
no estrangeiro. 
Mais precisamente, Dwane insistiu junto dos afro -americanos para que eles 
fossem para a África do Sul e propagassem aí vigorosamente a missão educa-
dora da AME, salientando queaquele país oferecia “o campo de ação onde os 
889A África e o Novo Mundo 
negros americanos educados e consagrados seriam mais úteis”30. Na primeira 
fase, todavia, era preciso que a Igreja -Mãe auxiliasse, formando jovens africanos 
em estabelecimentos de ensino americanos. 
O bispo Turner respondeu inserindo em seu jornal The Voice of Missions um 
aviso crítico: Take Notice, Wilberforce. South Africa coming (“Atenção, Wilber-
force. Está chegando a África do Sul”). 
Não obstante, Dwane e os dirigentes africanos consideravam que o resultado 
lógico da conexão afro -americana seria o desenvolvimento de escolas locais, 
análogas àquelas que os estudantes africanos frequentavam nos Estados Uni-
dos. Para ele, era conveniente pôr fim à dependência total em relação a escolas 
estrangeiras para a formação de missionários e de professores, procedendo de 
tal forma que os estabelecimentos criados produzissem quadros suficientes para 
atender às necessidades da população africana. Turner visitou a África do Sul em 
1898, consagrou Dwane como bispo auxiliar da AME e proclamou a intenção 
da Igreja de construir uma escola que não ficaria devendo nada “a tudo quanto 
tenha sido feito antes em matéria de ensino por missionários”. Dwane, por sua 
vez, falava em criar a Escola Normal Turner de Queenstown ou a Wilberforce 
do Continente Negro. 
Turner dedicou toda a edição de março de 1899 de The Voice of Missions à 
campanha em favor do South African College. Um artigo em que a redenção 
da África era descrita como “o fardo do negro americano” dava as característi-
cas desse colégio: tratar -se -ia de um estabelecimento para africanos, dotado de 
um corpo docente africano, que seria fundado e mantido pelo departamento 
missionário da AME. Os primeiros professores seriam estudantes que estavam 
frequentando a Universidade Wilberforce, o Morris Brown College, a Universi-
dade Howard e o Departamento Médico do Central State College, de Nashville 
(Tennessee). 
Mas Dwane não concordava em que o movimento fosse dirigido e dominado 
por não africanos. Em 1899 retirou -se da união AME -Etíope, provocando 
assim um cisma na hierarquia da Igreja negra da África do Sul. Procurando 
recriar uma base para seus missionários no país, a conferência geral da AME de 
1900 nomeou Levi Coppin o primeiro bispo residente. A Igreja foi auxiliada em 
seu trabalho por Charlotte Manye, a estudante sotho que estivera na origem da 
fusão da AME com a Igreja Etíope. Ela voltara dos Estados Unidos e retomara 
por iniciativa própria a ideia de um estabelecimento de ensino sul -africano, 
30 DWANE, 1897.
890 África sob dominação colonial, 1880-1935 
fundando uma escola missionária da AME entre os Pedi da região oriental da 
província do Cabo. Em 1908, Charlotte Manye Maxeke e seu marido haviam 
obtido dinheiro suficiente do Departamento Missionário para comprar um 
terreno no Transvaal, construir um pavilhão (ao qual deram o nome do bispo 
Coppin) e fundar a escola (que foi desbatizada e recebeu o nome de Wilberforce 
Institution) em sua localização permanente em Evaton. 
Entrementes, em 1905, John Chilembwe, jovem yao convertido pela NBC, 
escrevia timidamente da Niassalândia à Igreja -mãe que “as atividades missioná-
rias dependem essencialmente de vossa ajuda”. Com um toque de desespero, ele 
já indicava, dez anos antes de assumir o comando de uma rebelião malfadada 
contra os britânicos na Niassalândia: [...] a situação aqui não é a mesma, na 
África central britânica, da África do Sul, onde o povo pode fazer alguma coisa 
pelas missões. [...] Ignoro qual será o futuro desta obra”31. Chilembwe tinha via-
jado para os Estados Unidos em 1897, a fim de cursar o Seminário de Teologia 
da Virgínia, instituição reservada aos negros. Lá se formou ministro do culto, 
voltando para a Niassalândia por volta de 1900 sob os auspícios da National 
Baptist Convention. Tentou criar uma missão, a propósito da qual exprimiu os 
sentimentos que acabamos de ler, seguindo as linhas que ele observara entre os 
negros norte -americanos. Seria, portanto, um “estabelecimento orientado para o 
trabalho manual, onde os africanos seriam formados em diversas artes e ofícios, 
ao mesmo tempo que se iniciariam nos princípios do cristianismo”32.
O bispo Coppin fez o inventário dos esforços da Igreja Americana negra no 
continente africano em um discurso feito em 1916 perante a conferência geral 
da AME. 
Nossa Igreja [constatava ele] construiu e ajudou a construir igrejas e escolas na 
África ocidental e austral. Numerosos estudantes se formaram aí em nossas escolas, 
largamente ou inteiramente por conta das igrejas [...] [já que] não ficamos surdos 
aos apelos de nossos irmãos de além -mar; não abdicamos de nossos deveres para 
com os países estrangeiros em geral e a África em particular [...] trabalhamos pela 
redenção da África, onde milhões de indivíduos ainda vivem nas trevas: e soubemos 
dar a mão à mão estendida da Etiópia [...]33. 
A despeito da resistência das autoridades políticas e eclesiásticas brancas da 
África do Sul, as iniciativas de Turner, a ação de Dwane e a criação de sólidas 
31 CHILEMBWE, 1905.
32 SHEPPERSON e PRICE, 1958, p. 113.
33 Citado no Episcopal Handbook da AME, 1963.
891A África e o Novo Mundo 
bases institucionais pelos Coppin e os Maxeke tiveram como resultado a matrí-
cula de inúmeros estudantes africanos em escolas norte -americanas. Da mesma 
forma, igrejas negras dos Estados Unidos incentivaram estudantes da África 
central britânica e da África ocidental a frequentarem suas escolas, concedendo-
-lhes muitas vezes ajuda financeira. A permanência desses estudantes no outro 
lado do Atlântico abriu caminho a uma nova e importante fase da interação 
entre africanos e afro -americanos durante o período colonial, que teve profundas 
consequências para os movimentos nacionalistas negros de meados do século 
XX. Na verdade, o período de contatos gerados pelos missionários no, qual os 
líderes da Igreja Americana negra tiveram o papel de mentores, foi gradativa-
mente transformado em um tempo em que o nível, a interação e a natureza dos 
interesses americanos na América negra foram crescentemente determinados 
pelas iniciativas africanas. 
Interações religiosas entre o Brasil e a costa africana 
Do ponto de vista religioso – e mais especificamente da evangelização não 
podemos comparar a ação dos afro -americanos com a dos afro -brasileiros. 
Enquanto os primeiros participaram de forma direta ou indireta na missão 
evangélica, os segundos não se envolveram em nenhum tipo de proselitismo. 
Muitos deles, uma vez chegados a Lagos, conseguiram voltar para seu país de 
origem. Alguns documentos históricos dão fé da passagem por essa cidade de 
afro -brasileiros muçulmanos a caminho do país Haussa. Verger34 faz referência à 
atividade do cônsul inglês Benjamin Campbell em Lagos, que em 1858 entregou 
passaportes a afro -brasileiros desejosos de voltar para sua região de origem. Em 
Lagos, nos confins do Bairro Brasileiro, há uma mesquita central construída por 
artesãos vindos do Brasil. Por outro lado, os católicos35 construíram na cidade 
sua primeira igreja, a Holy Cross Church, iniciada em 1879, e mandaram os 
filhos estudar nas escolas dos missionários franceses e ingleses, que começavam 
a ministrar o ensino em francês e inglês. 
Graças à influência religiosa exercida de modo intermitente por sacerdotes 
de língua portuguesa vindos da ilha de São Tomé, a comunidade foi orientada 
e assistida durante os primeiros tempos por um liberto conhecido como padre 
Antônio36. Os filhos dos afro -brasileiros que moravam no Bairro Brasileiro e que 
34 VERGER, 1968, p. 617 -8.
35 AJAYI, 1965, p. 199 -200 e 202. 
36 VERGER, 1968, p. 618.
892 África sob dominação colonial, 1880-1935 
tinham frequentado as escolas de missionários começaram a exercer a função de 
professores e decatequistas nas escolas e missões que os padres da African Mis-
sion Society instalaram na região, bem assim outras atividades, como o trabalho 
na administração colonial37. A ação desses catequistas se desenvolvia em nome 
dessas missões de origem europeia; não se tratava de uma atividade missionária 
partida do Brasil ou resultante da iniciativa da comunidade afro -brasileira de 
Lagos. De fato, o ensino era dado em inglês e, às vezes, em francês. 
Os afro -brasileiros utilizavam o “catolicismo” como sinal de distinção, que 
lhes assegurava uma posição social específica e fez deles, em Lagos, o primeiro 
núcleo de uma burguesia africana. 
Bom número de afro -brasileiros repatriados, embora católicos declarados, 
nunca tinha abandonado as crenças religiosas africanas tradicionais. Assim, de 
volta à terra natal, emprestaram maior vigor às suas práticas sob forma mais ou 
menos sincrética, resultante dos costumes religiosos brasileiros; aproveitaram 
os aspectos formais do catolicismo e misturaram os santos católicos com as 
divindades africanas do panteão Yoruba, cujo culto continuaram a praticar. “O 
que espantou os missionários católicos ao chegarem à costa da África foi o 
respeito igual que os africanos abrasileirados tinham pela religião adquirida na 
América do Sul e por aquela recebida de seus antepassados [...].” O padre Lafite 
acrescentava que os “brasileiros só eram cristãos porque tinham sido batizados, 
o que não os impedia de invocar as divindades negras [...]”. Os brasileiros e os 
outros convertidos estavam mais interessados nas vantagens sociais decorrentes 
da situação de cristãos do que em uma adesão sincera e profunda aos dogmas 
da Igreja38. 
Em contraste com o que se verificava nos Estados Unidos, onde as conver-
sões eram mais profundas – certos afro -americanos transformaram -se em pro-
pagadores da fé cristã – os afro -brasileiros conservaram suas crenças religiosas 
africanas. 
Assim, os afro -brasileiros do Bairro Brasileiro, que formavam um núcleo 
burguês cuja coesão é especificidade social derivavam da religião católica, prati-
cavam o culto dos orixás (deuses), locais e consultavam os babalaôs (adivinhos)39. 
Mais ainda: houve um movimento religioso da África em direção ao Brasil. 
Nina Rodrigues40 assinala que, no início do século XX, veleiros provenientes de 
37 CUNHA, 1976, p. 32.
38 VERGER, 1968, p. 601. 
39 CUNHA, 1976, p. 33.
40 RODRIGUES, N., 1976, p. 105.
893A África e o Novo Mundo 
Lagos transportavam comerciantes nagô que falavam yoruba e inglês, traziam 
noz -de-cola, cauris, objetos de culto yoruba jeje (juju), sabão, “sarongues da 
costa” etc. Em 1888, de 8237 libras esterlinas de mercadorias exportadas para o 
Brasil, o óleo de palma representava apenas 2600 libras. O resto abrangia essen-
cialmente artigos religiosos e de culto e, sobretudo, “sarongues da costa” (3367 
libras), objeto de grande consumo no Brasil, nozes -de -cola de duas qualidades 
(1525 libras), “palha da costa”, sabão preto, cauris, “oris”, cabaças, “contas de rosá-
rio” etc. A entrada no Brasil de produtos africanos destinados ao culto e às prá-
ticas religiosas afro -brasileiras nunca cessou, e esses produtos foram tendo uma 
procura cada vez maior. Por consequência, adquiriram grande valor, na medida 
em que aumentava o número de adeptos do sincretismo afro -brasileiro. 
Contribuição da América para a educação dos africanos 
Vivendo nos Estados Unidos durante o período colonial, os estudantes afri-
canos criaram condições para uma nova relação entre sua gente e afro-ameri-
canos e entre eles próprios, que vinham de todas as partes do continente. Ao 
retornarem à pátria, incitaram milhares de compatriotas a cursarem escolas 
norte-americanas, desde 1880 até a Segunda Guerra Mundial. Aumentou assim 
o número de estudantes africanos nos Estados Unidos e prolongou -se o tempo 
de contato entre grupos negros de um e de outro lado do mundo. Entre os 
numerosos africanos que, na época colonial, cursaram escolas norte -americanas, 
contam -se recentes chefes de Estado (tais como Nnamdi Azikiwe, Kwame 
Nkrumah e Kamuzu Banda), assim como dirigentes nacionalistas ou étnicos 
de um período anterior (como A. B. Xuma, John Dube, Marshall e Charlotte 
Maxeke, J. E. K. Aggrey, Pixley Ka Izaka Seme, D. S. Malekebu, Franck Osam-
-Pinanko, Peter Koinange, Ndabaningi Sithole, Eduardo Mondlane e John 
Chilembwe). Com o tempo, o fluxo sempre crescente de africanos para os 
Estados Unidos ultrapassou substancialmente o movimento inverso dos mis-
sionários negros para a África. Por outras palavras, o que havia começado como 
uma campanha de evangelização, com vistas à redenção espiritual da África, 
contribuiu finalmente para criar um trampolim para uma revolução na ordem 
da educação, da técnica e da política. 
Sem dúvida, é possível determinar a influência da instrução recebida nos 
Estados Unidos sobre os africanos colonizados e os movimentos anticolonia-
listas, examinando breves biografias de certos estudantes. J. E. K. Aggrey (ver 
fig. 29.3), por exemplo, deixou a Costa do Ouro em 1898 para seguir para os 
894 África sob dominação colonial, 1880-1935 
Estados Unidos, sob a influência direta de um bispo da AME Zion, originário 
de Barbados, que também estudara lá. Aggrey foi mandado para o Livings-
tone College, principal estabelecimento de ensino da AME Zion Salisbury 
(Carolina do Norte), ficando entendido, pelo que parece, que regressaria logo 
em seguida à África para se colocar ao serviço dessa Igreja. Mas, depois de 
licenciado e formado em teologia, Aggrey aceitou emprego na casa editora da 
AME Zion em Charlotte, tornou -se correspondente de um ou dois jornais 
negros, deu aulas gratuitas a professores negros das vizinhanças, foi ordenado 
membro do Conselho da Igreja e recebeu a oferta de uma paróquia de duas 
igrejas negras. Segundo seu biógrafo, o trabalho pastoral foi “um dos episódios 
mais importantes da permanência de Aggrey nos Estados Unidos”, já que 
“o retirou do meio universitário e o lançou no quadro em que vivia o negro 
norte -americano”41. Ademais, seus laços com a América do Norte negra já se 
haviam reforçado quando se casou, em 1904, com uma jovem afro -americana, 
possivelmente descendente de Frederick Douglass. Depois de passar 22 anos 
no meio dos negros norte -americanos, Aggrey retornou à África por duas 
vezes, na qualidade de membro da Comissão Phelps -Stokes, mas faleceu em 
1927, pouco depois de ter aceitado o cargo de vice -diretor adjunto do Colé-
gio de Achimota, criado havia pouco em Gana. Entre as dezenas de jovens 
africanos que ele influenciou figuram Nnamdi Azikiwe, Kwame Nkrumah 
e Kamuzu Banda, que mais tarde se matricularam, todos eles, em escolas 
norte-americanas para negros. 
Enquanto estava nos Estados Unidos, John Chilembwe, da Niassalândia, 
pôde verificar a expansão do racismo. Estudava na Virgínia por ocasião das 
agitações raciais de Wilmington (Carolina do Norte), em 1898. Parece ainda 
que ele embarcou de volta para a África em companhia do reverendo Charles 
S. Morris, batista afro -americano que se interessava pela Etiópia e que pre-
senciara as desordens de Wilmington. George Shepperson e Thomas Price, 
num estudo admirável, apuraram as lições que Chilembwe pudera extrair de 
sua permanência nos Estados Unidos racistas, observando que a forma como 
os negros se adaptaram à discriminação após a reconstrução “ofereceu -lhe um 
modelo de estratégia e de tática de que ele se valeria para sua própria reação 
contra a discriminação, menos evidente mas bem real, de que os africanos 
eram vítimas em sua pátria”. Os autores não defendem que Chilembwe tenha 
derivado a ideia das escolas africanas, “independentes do Estado e das missões 
41 SMITH, E., 1929, p. 85.
895A África e o Novo Mundo 
figura 29.3 J. E. K. Aggrey (1875 -1921), educador da Costa do Ouro. (Foto: Royal Commonwealth 
Society.)896 África sob dominação colonial, 1880-1935 
europeias”, das instituições afro -americanas, mas acham não ser implausível 
supor que sua concepção tenha sido influenciada por aquilo que ele viu nos 
Estados Unidos42. 
Embora nada indique quais foram suas leituras durante sua permanência 
nos Estados Unidos, Chilembwe estava lá no momento em que as palavras e as 
obras do bispo Turner e de Booker T. Washington já eram profusamente cita-
das e comentadas na imprensa e em que as de Du Bois e de jornalistas negros 
militantes como T. Thomas Fortune começavam a chamar a atenção. Ademais, 
a comissão constituída para pesquisar o levante de 1915 na Niassalândia afir-
mou que muitos escritos incendiários redigidos por negros norte -americanos 
contribuíram para incitar os partidários de Chilembwe à revolta. 
O reverendo D. S. Malekebu, também originário da Niassalândia, retornou 
em 1926 para a África central britânica, depois de completar seus estudos nos 
Estados Unidos. Sua ausência nem de longe foi tão prolongada como a de 
Aggrey, e seu regresso não foi tão catastrófico como o de Chilembwe, mas sua 
ascensão ao papel de dirigente durante o período colonial também merece ser 
assinalada. Ele estudou na National Training School, de Durham (Carolina 
do Norte), e no Moody Bible Institute, de Chicago, para depois obter o título 
de doutor em medicina na Meharry Medical School, em 1917. Ao regressar à 
Niassalândia, em companhia da esposa, Flora Ethelwyn, congolesa diplomada 
pelo Spelman College, reabriu a Providence Industrial Mission, de Chilembwe, 
que o governo do protetorado da Niassalândia demolira em consequência da 
rebelião abortada de 1915. Além disso, Malekebu fundou a Chiradzulu Native 
Association e foi nomeado membro do conselho local. Em resumo, a construção 
de uma igreja e de um hospital, a reconstrução da missão de Chilembwe e a vasta 
ação que ele empreendeu em favor da população, tudo lhe valeu a conquista de 
ardorosos admiradores. 
Nnamdi Azikiwe (ver fig. 29.4), que, a exemplo de Kamuzu Banda, foi incen-
tivado a viajar para os Estados Unidos pelo onipresente James Aggrey e pelo 
clima que lá se tinha criado graças à influência de Marcus Garvey, começou por 
se matricular em 1925 em uma escola preparatória para negros em Virgínia do 
Oeste. Alguns anos mais tarde, ao ingressar na Universidade Howard, colaborou 
estreitamente com especialistas negros como Ralph Bunche e, em particular, 
com Alain Locke e William Leo Hansberry, em estudos e pesquisas históricas 
sobre os afro -americanos e sobre a África pré -colonial. 
42 SHEPPERSON e PRICE, 1958, p. 97 -8.
897A África e o Novo Mundo 
O professor Locke tornou -se o orientador pessoal dos estudos de Azikiwe, 
que, por sua vez, ocupou a função de secretário particular de Locke. Publicada 
em 1925, a obra deste, The New Negro, exerceu com certeza enorme influência 
no estudioso Azikiwe, já que era um modelo de estudo comparado das socie-
dades e das culturas negras que lembrava outros devidos a todo um elenco de 
escritores e eruditos do Renascimento de Harlem: Jean Toomer, Countee Cul-
len, James Weldon Johnson, o jamaicano Claude McKay, Langston Hughes, 
o imigrante porto -riquenho Arthur A. Schomburg, E. Franklin Frazier e W. 
E. B. Du Bois. Por outro lado, seus contatos com um estudante antilhano 
de direito, George Padmore, tiveram incontestável influência em Azikiwe, 
quando ele frequentava a Howard. Padmore usou da palavra em uma reunião 
de estudantes sobre as opções políticas colocadas por ocasião das eleições de 
1928 nos Estados Unidos. Posteriormente, colaborou com análises políticas na 
revista African Morning Post, que editou na Costa do Ouro durante a década 
de 1930. 
Em discurso pronunciado em 1954 perante o conselho de administração da 
Universidade Howard, pouco antes de se tornar primeiro -ministro da Nigé-
ria oriental, Azikiwe falou da época em que era estudante na Howard: “Aqui 
aprendi os rudimentos das letras, a anatomia das ciências sociais e a gramática da 
política43. O professor Hansberry, que estava ao lado dele quando foi chamado 
para ocupar o cargo de governador -geral da Nigéria, em 1960, prestou -lhe então 
homenagem saudando nele “o mais ilustre de meus antigos alunos [...] aquele 
que apreendeu com mais clareza a grandeza do passado da África e demonstrou 
as imensas possibilidades contidas em seu presente”44. Implícito nesse elogio a 
Azikiwe estava certamente um pouco do desapontamento de Hansberry com a 
indiferença e mesmo com a frequente hostilidade a seus próprios trabalhos sobre 
a história da África demonstradas pelos professores e alunos afro -americanos 
da Howard. 
Em 1930, ao entrar para a Universidade Lincoln, Azikiwe continuou a 
interessar -se pela história dos negros e pelas relações raciais. Estava decidido a 
proceder de forma a que os negros ascendessem aos postos de professor, todos 
ocupados por brancos, e criticava “as ambições tradicionais de seus condiscípu-
los e os objetivos visivelmente burgueses do estabelecimento [...]”45. Conside-
rava “uma enormidade que uma universidade para negros funcionasse durante 
43 AZIKIWE, 1961, p.13.
44 JONES -QUARTEY, 1965, p. 76.
45 “Horace Mann Bond Papers”, Lincoln University (Pensilvânia). 
898 África sob dominação colonial, 1880-1935 
figura 29.4 Nnamdi Azikiwe (nascido em 1904), jornalista nigeriano, pan -africanista e político. 
(Foto: Royal Commonwealth Society.) 
899A África e o Novo Mundo 
oitenta e seis anos antes de que um negro fosse lá nomeado professor”46. As 
autoridades universitárias foram ficando desencantadas com a atividade contes-
tadora de Azikiwe (da qual se falava não só no campus, mas também em jornais 
afro-americanos da Pensilvânia, como o Philadelphia Tribune, ou os de Balti-
more). Consequentemente, a escola recusou -se a recomendar Azikiwe para a 
renovação de seu visto de estudante, o que o obrigou a deixar os Estados Unidos. 
Partiu para a África em 1934. No momento em que Nkrumah se matriculava na 
Lincoln, no final do período aqui estudado (1935), várias reformas reclamadas 
por Azikiwe já tinham sido adotadas. 
Por ocasião das viagens que fez pelas Áfricas ocidental e austral, com a 
Comissão Phelps -Stokes, bem como dos cursos que ministrou na Costa do 
Ouro, em harmonia com suas funções no Colégio de Achimota, Aggrey, como 
muitos outros o fizeram em situações semelhantes, manteve contato com nume-
rosas comunidades africanas e incentivou dezenas de jovens africanos a irem 
estudar nos Estados Unidos e não na Grã -Bretanha. Azikiwe, Banda e Nkrumah 
são os mais conhecidos de quantos receberam sua influência. A experiência 
deles também ilustra os aspectos pan -africanos ou pan -negros de sua perma-
nência naquele país. Mas esses aspectos da interação entre africanos e negros da 
diáspora não explicam inteiramente a ação desenvolvida pelos africanos que lá 
estudaram ao retomarem à pátria. Pelo que se conhece do assunto até hoje, tal 
ação não encontrou de resto explicação satisfatória. O que parece ter ocorrido, 
principalmente entre os africanos das colônias britânicas, foi uma alteração da 
perspectiva daqueles que foram instruídos nos Estados Unidos ao colidirem com 
uma recepção colonial inamistosa (tanto mais pelo fato de eles terem escapado 
por completo do meio colonial durante seus estudos)47. 
No entanto, não havia nas colônias africanas oposição ou desdém geral ou 
categórico em relação aos estudos nos Estados Unidos. Aparentemente, a for-
mação profissional era bem vista pelos empresários coloniais, pois lhes permitia 
encontrar operários qualificados para “conduzir seus caminhões, construir suas 
casas e dirigir suas oficinas mecânicas ou elétricas”. Os administradores e os 
missionários brancos incentivavam esse tipo de formação por diversas razões: 
os primeiros porque viam nisso um estímulo ao desenvolvimento comercial e 
econômico doterritório; os segundos porque guardavam esperanças de que 
as concepções e as ideias de Booker T. Washington sobre a “educação prática” 
46 BOND, 1958, p. 257. 
47 Ver RALSTON (?).
900 África sob dominação colonial, 1880-1935 
fossem boas para a formação dos caracteres e contribuíssem assim para elevar o 
nível moral de toda a vida africana. 
Os dois exemplos que se seguem mostram como o componente da experi-
ência desses africanos educados nos Estados Unidos contribuiu para dar às suas 
atividades um caráter próprio. O reverendo John Dube, que mais tarde seria o 
primeiro presidente geral do African National Congress (1912 -1917), chamado 
de “o Booker T. Washington da África do Sul”, afirmou explicitamente, em con-
ferência dada em Nova York, o valor que para ele tivera o modelo do Tuskegee 
de Washington. Aliás, ele fundou um “Tuskegee doméstico” na Zululândia para 
formar o espírito, as mãos e o coração dos jovens zulu à maneira de seu inspi-
rador. Teve de enfrentar enormes obstáculos, sobretudo para reunir os fundos 
necessários, já que os sul -africanos receavam que as atividades “etíopes” dos 
bispos Turner, Dwane e Coppin exercessem uma “influência perturbadora”. 
Em 1934, depois de permanecer nove anos nos Estados Unidos, Azikiwe não 
voltou para a Nigéria, onde nascera, mas foi para a Costa do Ouro, instalando -se 
ali provisoriamente, depois de lhe terem recusado posições em seu país (uma 
cadeira de professor no King’s College de Lagos) e no serviço diplomático da 
Libéria. O presidente Barclay da Libéria rejeitou sua candidatura, lembrando 
secamente o fato de ele não ser liberiano e de seu conhecimento da república 
ser, portanto, insuficiente para desempenhar as funções que pretendia. Mas, com 
o ardor que o caracterizava, Azikiwe procurou se tornar uma tal autoridade no 
que dizia respeito à Libéria que até os américo -liberianos o invejavam. No final 
de 1931, já adquirira conhecimentos suficientes para ler uma comunicação sobre 
a Libéria na conferência anual da Association for the Study of Negro Life and 
History. Nessa comunicação, defendia aquele país e condenava seus detratores 
ocidentais. Em 1934, publicou um livro intitulado Liberia in World Politics. 
O pan ‑africanismo: aspectos políticos e culturais 
Além do intercâmbio no plano da educação, uma série de organizações e 
conferências pan -africanistas, e de atividades comerciais, literárias e culturais 
colocou os africanos em contato com negros norte -americanos e contribuiu 
para influenciar a evolução da África colonizada. Quatro personalidades desem-
penharam, por sua atividade, um papel preponderante no desenvolvimento de 
um pan -africanismo oficial e organizado durante o período colonial: Booker 
T. Washington, fundador e diretor do Instituto Tuskegee, estabelecimento de 
ensino que serviu de modelo para numerosas comunidades da África e das 
901A África e o Novo Mundo 
Antilhas; o dr. W. E. B. Du Bois, que, na qualidade de redator -chefe da revista 
The Crisis, e “pai” do movimento continental African Congress, fez da África 
um campo de ação subsidiário da National Association for the Advancement 
of Colored People (NAACP); Marcus Garvey, que utilizou sua UNIA não 
só para suscitar um movimento de emigração, mas também para promover a 
solidariedade, no plano institucional ou político, entre todos os povos de ascen-
dência africana; Aimé Césaire, que (de acordo com outros negros das Antilhas, 
como Léon Damas, de Caiena, Jean Price -Mars, do Haiti, e o poeta e político 
senegalês Léopold Senghor) lançou, principalmente no mundo negro francó-
fono, o conceito de negritude, variante cultural do pan -africanismo enquanto 
consciência coletiva dos negros. 
Por mais importantes que tivessem sido o pan -africanismo de Washington e 
de seus colaboradores do Tuskegee, o interesse que eles despertaram na África e 
o impacto que tiveram sobre ela e sobre os africanos matriculados ou candidatos 
à matrícula em universidades norte -americanas, esses aspectos de sua ativi-
dade são pouco conhecidos. Todavia, ex -alunos africanos e norte -americanos do 
Tuskegee e, frequentemente, muitos africanos que, embora nunca tivessem se 
matriculado no instituto, visitaram -no ou se corresponderam com Washington, 
deram a conhecer à África esse estabelecimento e seus recursos. Muitos africa-
nos foram assim tocados pelo “espírito do Tuskegee” ou apelaram ao instituto e 
a outras possibilidades oferecidas pelos Estados Unidos negros em decorrência 
de numerosas conferências, visitas e missões técnicas internacionais. 
Proferindo o discurso de abertura da Conferência Internacional sobre o 
Negro, evento pan -africanista verificado no Tuskegee na primavera de 1912, 
Washington acentuou a importância do intercâmbio de técnicas e de recursos 
entre os negros africanos e americanos. “Esta conferência”, declarou, “foi orga-
nizada para permitir estudar os métodos empregados para auxiliar os negros 
dos Estados Unidos, com vistas a determinar em que medida os métodos do 
Tuskegee e de Hampton são aplicáveis à -situação [...] na África48.” Entre os par-
ticipantes do evento figuravam delegados de Gana ( J. E. Casely Hayford, autor 
da influente obra Ethiopia Unbound, publicada no ano anterior, representante da 
Aborigines Rights Protection Society), da África Oriental Britânica, da Libéria 
(F. E. T. Johnson), da Nigéria, de Ruanda, da África Oriental Portuguesa (atual 
Moçambique) e da África do Sul (reverendo Isaiah Sishuba, da Igreja Etíope 
de Queenstown). 
48 The Tuskegee Student, 1912.
902 África sob dominação colonial, 1880-1935 
Embora o interesse da África por Tuskegee tenha sido consideravelmente 
avivado pela conferência de 1922, ele já tinha sido despertado pelos estudantes 
africanos do instituto que haviam regressado à pátria e por informações ante-
riores de sua atividade. Por exemplo, em 1901 chegou uma missão do Tuskegee 
ao Toga, a convite da administração colonial alemã, para melhorar os métodos 
africanos de cultura do algodão. Seu êxito acarretou convites para outras missões 
em Tanganica (atual Tanzânia), Zanzibar e Sudão, enquanto o próprio Washing-
ton era convidado a ir para a África do Sul. 
Entre as outras atividades pan -africanistas do gênero de que participaram 
Tuskegee e Washington, convém citar reuniões organizadas em 1908 pela Negro 
Business League, nas quais Booker T. Washington mostrou que apreciava a 
noção de pan -africanismo no intercâmbio entre africanos e afro -americanos. 
Ao apresentar cinco enviados da Libéria que solicitavam ajuda financeira 
norte-americana, Washington enfatizou que “eles estão aqui nos Estados Unidos 
em visita oficial não só como enviados de seu país, mas também como represen-
tantes de toda a raça negra [...]”49. Embora o crescimento real do comércio entre 
africanos e afro -americanos disso resultante tivesse sido fraco, uma companhia 
de navegação, a African Union Company, foi fundada em 1913 por um auxiliar 
de Washington, Emmett Scott, para promover a venda de produtos africanos 
no mercado mundial. A ideia de uma companhia de navegação entre os Estados 
Unidos e a África atraiu Garvey com muita força para Washington. 
Os encontros entre negros africanos e americanos no Tuskegee e durante 
outras iniciativas do instituto fizeram com que o “espírito do Tuskegee” se pro-
pagasse numa progressão quase geométrica. A atividade desenvolvida na Nigéria 
por um diplomado pela Phelps Hall Bible Training School, do Tuskegee, nos dá 
um exemplo disso entre muitos. “Propus a meus compatriotas”, escreveu ele a 
seus antigos professores, “a criação de uma escola semelhante ao Tuskegee. Eles 
concordaram com satisfação. Um deles doou um terreno de vinte hectares e mil 
dólares para começar imediatamente.” E prosseguiu: “Logo que tiver construído 
duas ou três casas, começarei a pregar para difundir o espírito do Tuskegee”50. 
John Dubee D. D. T. Jabavu figuram na extensa lista de notáveis africanos 
que transmitiram o aprendido no Tuskegee. Durante os anos que passou nos 
Estados Unidos, estudando em Oberlin e em Nova York, Dube ligou -se ao edu-
cador John Hope, de Atlanta, e a Booker T. Washington. Mais tarde, em 1913, 
Jabavu, que era aluno da Universidade de Londres, passou umas seis semanas 
49 Liberian Bulletin , 1908, p. 64 -5. 
50 Southern Letter, 1917.
903A África e o Novo Mundo 
no Tuskegee, onde observou as técnicas de agricultura, para visitar depois outras 
instituições negras do sul. 
Além disso, uma série de provas anuais de graduação, chamadas de “exercí-
cios de eloquência africana”, foi organizada em Tuskegee, em função de certos 
objetivos pontuais de ajuda à África, tais como a coleta de fundos para uma 
capela Tuskegee na Libéria. Regra geral, alunos africanos e afro -americanos 
do instituto participavam dos exercícios, que consistiam em discursos e cantos. 
Os temas dos discursos pronunciados em 1916 iam do “Desenvolvimento da 
indústria do cacau na Costa do Ouro” e das “Possibilidades de desenvolvimento 
da agricultura na África do Sul”, por A. B. Xuma51, até a “Religião e vida social 
em Madagáscar”. 
O pan -africanismo, enquanto movimento político organizado, também 
desempenhou um papel importante, proporcionando a oportunidade para o 
estabelecimento de laços entre africanos colonizados e negros norte -americanos. 
Em 1900, Henry Sylvester Williams, jurista de Trinidad, organizou em Londres 
a primeira de uma série de conferências pan -africanistas, das quais participaram 
delegados dos Estados Unidos, das Antilhas, da América do Sul e da África. 
Ademais, Williams, admitido como “advogado do Supremo Tribunal da colônia 
do Cabo da Boa Esperança”, participou de diversas atividades políticas contes-
tatárias na África. Também se sabe que Williams esteve associado, em 1907, 
às comemorações do sexagésimo aniversário da independência liberiana e que 
defendeu, conforme solicitara o presidente Barclay, a causa da emigração dos 
negros do Novo Mundo para a Libéria. 
É incontestável, no entanto, que foram os três congressos pan -africanistas 
convocados para diversas capitais da Europa (Paris, 1919; Londres, Bruxelas 
e Paris, 1921; Londres e Lisboa, 1923) por W. E. B. Du Bois, após a confe-
rência organizada por Williams, que dominaram o movimento. O próprio Du 
Bois desempenhou um papel preponderante nos três congressos. Convocou o 
primeiro em 1919 quando se encontrava na França, a fim de: a) cobrir a Con-
ferência da Paz para The Crisis; b) reunir informações para a proposta de uma 
“História do negro norte -americano na Grande Guerra”; c) fazer pressão pró-
reconhecimento dos direitos políticos das “raças de cor que vivem nos Estados 
Unidos e no resto do mundo”52. Uma das resoluções adotadas no Congresso de 
Paris reclamava a autodeterminação dos africanos. 
51 O autor deste capítulo trabalha atualmente numa biografia de A. B. Xuma.
52 The Crisis, 1921, p. 119 -20. 
904 África sob dominação colonial, 1880-1935 
Du Bois participou do II Congresso Pan -Africano, realizado em 1921, em 
companhia de Walter White, do artista afro -americano Henry O. Tanner, de 
Jessie R. Fauset, redator negro do The Crisis e o mais prolífico dos romancistas 
do Renascimento do Harlem, do cantor afro -americano Roland Hayes e do 
senegalês Blaise Diagne. O congresso de 1923 reuniu afro -americanos, repre-
sentantes das Antilhas e africanos. Participaram dele, além de Du Bois, Rayford 
Logan e o bispo Vernon, da AME dos Estados Unidos, o chefe Amoah III, da 
Costa do Ouro, e Komba Simango, da África oriental portuguesa, contribuindo 
para a elaboração de várias resoluções de fundo e um apelo geral ao “desenvol-
vimento da África em benefício dos africanos”53. O congresso reivindicou tam-
bém uma representação na Comissão de Mandatos da Sociedade das Nações, a 
criação de um Instituto de Estudos do Problema Negro, o restabelecimento ou 
o melhor reconhecimento dos direitos dos negros, no conjunto do mundo negro, 
e a libertação da Abissínia, do Haiti e da Libéria “das garras dos monopólios e 
das práticas usurárias dos financistas que dominam o mundo”54. Du Bois foi em 
pessoa a Genebra comunicar essas resoluções à Sociedade das Nações. 
Talvez em razão das preocupações que traduziam em relação à Libéria, o 
presidente Coolidge pediu a Du Bois que representasse os Estados Unidos 
nas cerimônias de posse do presidente daquele país, em 1923. Durante sua 
permanência lá, Du Bois (efetuando assim sua primeira viagem à África) pro-
vavelmente se declarou contrário à ação em favor da emigração desenvolvida 
por Garvey em nome do pan -africanismo, pois os liberianos rejeitaram pouco 
depois o plano da UNIA. 
Apesar das críticas sectárias das quais ele mesmo e a UNIA eram alvo, 
Garvey se tornou, de 1916 até cerca de 1935, a figura central de boa parte do 
movimento pan -africanista nos Estados Unidos, nas Antilhas e nas Áfricas 
ocidental, oriental, central e, sobretudo, austral. Por volta do fim da Primeira 
Guerra Mundial, seu jornal militante, The Negro World, cujo chefe de redação 
era Hubert Harrison, um jornalista antilhano que vivia em Nova York, tocou na 
ferida das massas negras de Nova York, de toda a América do Norte e da África. 
A mensagem que ele a todos dirigia era a seguinte: “Organizai -vos, comprai 
dos negros, dai apoio à Black Star Steamship Line [que podia levar emigrantes 
negros para a África e trazer matérias -primas] e ajudai a expulsar os brancos 
da África”. Garvey acentuava: 
53 Ibid., 1924, p. 120. 
54 Ibid., 1924, p. 121.
905A África e o Novo Mundo 
Somos os descendentes de um povo sofrido. Somos os descendentes de um povo 
decidido a não mais sofrer. [...] Não queremos o que pertenceu aos outros, embora 
os outros sempre tenham procurado privar -nos daquilo que nos pertencia. [...] As 
outras raças têm seus próprios países e é tempo de que os 400 milhões de negros 
[do mundo] reivindiquem a África para si próprios55. 
Se a influência pan -africanista de Du Bois era mais forte e mais difundida 
entre os intelectuais negros que viviam nos Estados Unidos, e a de Washington 
entre os agricultores e os artesãos, todas as camadas da população negra, na 
África e alhures, foram igualmente tocadas por Garvey. Este último recebeu boa 
parte de sua inspiração pan -africanista do intelectual egípcio Duse Moham-
med Ali, que conheceu em 1912 na Inglaterra, bem como da autobiografia de 
Washington, Up From Slavery, que também leu em Londres. 
A UNIA de Garvey, criada inicialmente com a ideia de fundar uma escola 
de tipo Tuskegee da Jamaica, converteu -se num laço institucional para grande 
número de africanos e de negros norte -americanos. O periódico que editava, 
The Negro World, foi proveitoso para a expansão do pan -africanismo na África. 
De 1920 a 1938 foram realizadas oito convenções da UNIA. As cinco primeiras, 
cujo responsável foi Garvey, foram organizadas em Nova York, em agosto de 
cada ano, de 1920 a 1924. As duas seguintes ocorreram na Jamaica, depois de 
Garvey ter sido expulso dos Estados Unidos, em 1929 e 1934. A oitava e última 
decorreu no Canadá, em 1938. 
Desde a primeira convenção, Garvey preconizou a criação de escolas espe-
ciais para ministrar ensino técnico aos negros da África e das Américas, o 
desenvolvimento “da agricultura, da indústria e do comércio” para promover o 
intercâmbio entre negros, o lançamento de navios da companhia Black Star para 
facilitar o comércio e a criação de um jornal diário “em várias das grandes cida-
des do mundo”, particularmente em Londres, Paris, Berlim, Cidade do Cabo, 
Nova York e Washington, bem como na Costa do Ouro e nas Antilhas, “para 
criar um movimento de opinião a favor de toda a raça negra”. De acordo com 
ele, a realização desse programa permitiria unificar “os povos negros dispersospelo mundo, unindo -os no quadro de um único organismo”56. Para os contem-
porâneos, sua mensagem “teve imenso eco na África” e “de seu pequeno posto 
estratégico do Harlem, [Garvey] tornou -se uma figura mundial”57. 
55 Apud CRONON, 1962, p. 65.
56 HILL e KILSON, 1971, p. 241. 
57 CLARKE, 1964, p. 15. 
906 África sob dominação colonial, 1880-1935 
Em 1917, o intelectual J. E. Casely Hayford, da Costa do Ouro, aproveitou 
o ímpeto geral imprimido pelo garveyísmo para fundar o National Congress of 
British West Africa, cuja sessão inaugural se verificou em Acra em março de 
1920. Jamo Kenyatta, por sua vez, recordou que em 1921 
nacionalistas do Quênia, que eram analfabetos, reuniam -se em torno de qualquer 
um que lhes lesse e relesse duas ou três vezes um artigo de The Negro World [...] 
depois corriam para a floresta a repetir meticulosamente tudo quanto tinham 
ouvido para africanos ávidos de dispor de doutrina própria que os libertasse da 
mentalidade servil a que a África estava reduzida”58. 
O próprio Garvey escrevia editoriais e longos artigos para The Negro World, 
cuja tiragem era de aproximadamente 200 mil exemplares, mas que atingia na 
realidade um público bem maior. 
Na Niassalândia, a criação de filiais da UNIA encontrou a oposição das 
autoridades coloniais e de alguns dirigentes africanos, como Clements Kada-
lie, fundador da Industrial Commercial Workers’ Union59. Apesar da oposição 
declarada do socialista Kadalie à doutrina de “A África para os africanos” pre-
gada pela UNIA, Garvey parece ter entrado em contato direto com estudantes 
africanos, inclusive com aqueles vindos da Niassalândia, que se encontravam 
nos Estados Unidos. Em consequência, a administração colonial britânica fez 
extenso inquérito sobre a atividade dos estudantes da Niassalândia, como o 
futuro dr. D. S. Malekebu, que, na década de 1920, cursou medicina no Meharry 
Medical College, reservado aos alunos negros. De regresso à África, Malekebu 
foi proibido até de entrar na Niassalândia e teve de passar algum tempo na 
Libéria. O temor do recrudescimento do espírito revolucionário que animara 
John Chilembwe foi uma das razões que levaram as autoridades coloniais britâ-
nicas a proibir “uma viagem à Niassalândia e a outras regiões da África oriental 
projetada por Garvey e alguns colaboradores dele nos anos de 1920”. Para evitar 
que a influência deste último se exercesse por outras vias como, por exemplo, seu 
jornal tão prestigiado, ou pelos trabalhadores migrantes regressados da Africa do 
Sul60, as autoridades interditaram The Negro World em 1922. Talvez se sentissem 
particularmente desafiadas por certos artigos do jornal, como aquele, publi-
cado mais tarde, em que Kamuzu Banda, que acabava de terminar seu curso na 
58 JAMES, 1963, p. 396.
59 JOHNS, 1970.
60 Para indicações sobre as filiais sul -africanas da UNIA, ver The Negro World, 1927. 
907A África e o Novo Mundo 
Universidade de Chicago, era apresentado como “[...] o herdeiro presuntivo da 
função de chefe de 25 mil africanos da Niassalândia [...]61. 
A viúva de Garvey, Amy Jacques Garvey, explicou, entretanto, como a influ-
ência dele se propagara efetivamente pela África, por caminhos misteriosos: 
Marinheiros e estudantes de outras regiões da África [além da Libéria] conver-
teram-se à doutrina de Garvey na Inglaterra, na França e nos Estados Unidos da 
América. Ao regressarem à pátria, pregaram em segredo o evangelho da unidade 
e da liberdade; alguns se tornaram dirigentes, outros reuniram fiéis em torno de si 
pela virtude de seu ensino e de sua fé inspirada62. 
A influência de Garvey tornou -se evidente nas escolas de missão que Azi-
kiwe frequentou. Kwame Nkrumah confessou mais tarde que nenhuma obra 
tivera sobre ele uma influência mais forte, quando estudava nos Estados Unidos, 
do que Philosophy and Opinions, de Garvey (1923). 
Enquanto Garvey e Du Bois agitavam politicamente o mundo negro, nas 
três primeiras décadas do século XX, formava -se uma corrente cultural orien-
tada para a África, que teve larga influência. O valor da cultura negra foi par-
ticularmente reafirmado com dinamismo na Europa, nas Antilhas e na África 
ocidental, sob o impulso de africanos e de antilhanos francófonos que haviam 
sido atraídos, enquanto estudantes em Paris, pelos congressos pan -africanistas, 
pelos programas da UNIA e pelo entusiasmo geral provocado pelo Renasci-
mento do Harlem. 
Em resumo, a interação de negros francófonos das Antilhas (como o mar-
tiniquês Aimé Césaire, cujo célebre poema Cahier d ’un retour au pays natal 
foi publicado em 1939) e de intelectuais da África ocidental (como o poeta e 
político senegalês Léopold Sédar Senghor) forjou o movimento da negritude. 
Convencidos de que todos os africanos e todos os povos de ascendência africana 
tinham um patrimônio cultural comum, os escritores ligados a esse movimento 
esforçaram -se para restabelecer laços entre os diversos componentes do mundo 
negro. 
A experiência dos negros de ultramar, assim como os textos e o dinamismo 
intelectual do Renascimento do Harlem, exerceram forte influência na noção de 
negritude. Por seu lado, o movimento do Harlem nutria -se da crescente identi-
ficação cultural com a África. Countee Cullen perguntava em um poema: 
61 The Negro World, 1932, p. 8. 
62 GARVEY, 1969, p. 258.
908 África sob dominação colonial, 1880-1935 
“Que é a África para mim?”. Langston Hughes, no poema intitulado “O 
negro fala dos rios”, evoca como ele construiu sua cabana às margens do Congo e 
ali adormeceu63. Um e outro influenciaram profundamente Senghor e os demais 
cantores da negritude. 
Foi outro jamaicano – Claude McKay –, porém, quem contribuiu com sua 
poesia para unificar o pan -africanismo cultural e político, insistindo em sua 
obra no fato de que os negros deviam tomar consciência de seus sofrimentos 
comuns, protestar contra eles e afirmar sua dignidade. Um de seus poemas – “Se 
temos de morrer” –, de tom provocante e cuja eloquência tem grande eficácia, 
haveria de ser empregado, sem citação do autor, por Winston Churchill durante 
a batalha da Inglaterra. McKay, como Garvey e milhares de estudantes africanos, 
fora atraído para os Estados Unidos pela reputação do Instituto Tuskegee, mas 
logo foi se juntar aos milhões de negros que viviam em Nova York na década 
de 1920. 
As relações entre africanos colonizados e negros norte -americanos encon-
traram, por vezes, expressão simbólica na literatura e no pensamento populares. 
Várias comunidades africanas atribuíam um papel essencial aos negros norte-
americanos em seus sonhos messiânicos de libertação do jugo colonial. Em mea-
dos do século XIX, por exemplo, num dos momentos mais sombrios da história 
africana, o do desastroso sacrifício do rebanho dos Xhosa, muitos africanos 
acreditavam que suas terras e seus bens tradicionais, assim como os membros 
desaparecidos de suas famílias, lhes seriam devolvidos por negros vindos do 
lado de lá dos mares. Em 1910, na data da formação da União Sul -Africana, 
os jornais publicaram artigos sobre um bispo africano chamado Msiqinya, que 
pretendia ser um messias negro norte -americano. O tema reapareceu em 1921, 
quando Enoch Mjigima, adepto de Garvey e dirigente de um grupo cujos mem-
bros se intitulavam Israelitas Negros, entrou em contato com a Afro -Arnerican 
Church of God and Saints of Christ, durante a rebelião de Bulhoek, bem como 
na profecia de Wellington, (ver o capítulo 27). Mjigima já se correspondia com 
Garvey e queria estabelecer uma filial da UNIA na África do Sul. 
O romance intitulado Prester John (1910) dá uma imagem comovente dessa 
expectativa de um messias afro -americano. Escrito por um branco, relata uma 
formidável revolta contra os brancos dirigida por um eclesiástico africano que 
havia estudado no exterior. Ele causou imediata sensação na África austral. Para 
alguns, prefigurava

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