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Os resultados de suas pesquisas nos mostram a aprendizagem da escrita dissociada da aprendizagem da fala e que o caminho utilizado pela criança para a compreensão dos símbolos lingüísticos passa pelas associações entre os fonemas e grafemas de cada conjunto de linguagem. Além disso, Emília Ferreiro também aponta a construção do conhecimento, ou melhor, o construtivismo, como suporte teórico privilegiado para a explicação do processo de escrita, uma vez que para escrever é necessário que realizemos constantes interações com o meio que nos cerca e com os códigos lingüísticos que representam o que desejamos denominar. Deste modo, segundo Ferreiro, para que possamos evitar os erros mais comuns em relação ao processo de ensino de crianças em classes de alfabetização, devemos tomar conhecimento das teorias psicológicas, das práticas pedagógicas e das metodologias voltadas à compreensão da maneira como a criança lida com o seu próprio processo de desenvolvimento em relação à escrita. Nas classes de alfabetização, é comum nos depararmos com pais e professores ansiosos pela demonstração de capacidades de leitura de seus filhos e alunos. Isso é facilmente percebido nas comparações realizadas por pais e professores sobre o desenvolvimento das crianças, como se todas necessariamente seguissem o mesmo percurso no processo de alfabetização. Deste modo, quando pais e professores “diagnosticam” erradamente a “falta de habilidade” da criança para ler e/ou escrever, imediatamente atribuem isso a problemas de ordem psicológica, à falta de atenção, à imaturidade infantil, deixando de lado as análises pedagógicas sobre a forma como o próprio processo de alfabetização está sendo conduzido. Segundo Ferreiro, a questão da alfabetização gira em torno da representação que a criança faz do mundo, ou seja, de que maneira cada criança “lê” o mundo e o traduz em imagens e palavras. Somente a partir dessa representação, ou melhor, da compreensão pelos professores sobre o modo como cada criança “lê” o mundo, é que se pode compreender a forma como cada criança evolui no sentido da construção do seu conhecimento sobre a leitura e a escrita. De acordo com esse pensamento, Emília Ferreiro formula a noção de hipóteses lingüísticas. As hipóteses lingüísticas, segundo ela são construídas pelas crianças mesmo antes de ter sido iniciado seu processo formal de alfabetização. Isto se dá porque, ao se relacionar com os objetos de conhecimento e realizar as sucessivas assimilações sobre o objeto, cada criança, a partir de seus conhecimentos prévios, formula hipóteses sobre o objeto que está conhecendo. No caso de o objeto ser um signo lingüístico, como as letras, o processo se dá da mesma forma. De acordo com Ferreiro e Teberosky, as crianças começam suas “leituras” a partir das representações gráficas do mundo (desenhos), mas depois de algum tempo, com a introdução formal nas classes de alfabetização, as crianças vão sendo apresentadas a outros códigos, podendo já distinguir o desenho da grafia textual. A criança passa então de uma “leitura” representacional para uma leitura de fato, com a compreensão de que, para que algo possa ser lido, precisa antes ter sido grafado. Emília Ferreiro e a Psicogênese da língua escrita 93 As hipóteses infantis no processo de leitura De acordo com as pesquisas de Emília Ferreiro, toda criança passa, ao iniciar seu processo de leitura, por cinco fases de desenvolvimento nas quais constrói hipóteses diferenciadas sobre a leitura e a escrita. Vejamos as características de cada fase. Fase das garatujas Diz respeito aos rabiscos realizados pelas crianças. Muitas vezes, tais rabiscos ainda não se configuram nem como desenhos, nem como palavras, mas têm para a criança uma representação específica do que ela pretende demonstrar. As garatujas são, desta forma, tentativas das crianças em representar os símbolos gráficos com os quais têm contato cotidianamente. O interessante dessa fase é que a criança, por não saber ler formalmente, representa no rabisco as suas próprias intenções e idéias de forma única, não havendo possibilidade de o mesmo rabisco ser compreendido de igual maneira por outro “leitor”, infantil ou adulto. Assim, segundo Ferreiro, a criança nesta fase é capaz de interpretar o desenho, diferenciando-o da escrita; utilizar algumas letras na tentativa de formar palavras; reproduzir alguns traços da escrita. Fase da hipótese pré-silábica A criança, apesar de conseguir representar graficamente algumas letras e conhecê-las, ainda não é capaz de associar a letra à sua sonoridade. Justamente por isso, ao tentar representar algum objeto na forma escrita, o faz sem correspondência entre as letras e demais representações utilizadas e a palavra que deseja representar. Fase da hipótese silábica Nesta fase, a criança tenta mais amplamente reproduzir graficamente a letra a partir da associação da grafia com o som a ela associado. Deste modo, a criança busca associar o som à palavra, formando a hipótese de que é preciso usar formas diferentes para ler coisas diferentes. Para tanto, utiliza dois princípios básicos: o da quantidade de sílabas identificadas sonoramente na palavra e o da variedade de letras, uma vez que, para as crianças, elas não podem ser repetidas. Fase da hipótese silábica alfabética Nesta fase, instala-se o conflito entre o som e o número de sílabas representado. Isto significa dizer, de acordo com Rodrigues e Pariz (1998), que a criança representa o número de sílabas, mas percebe que para o som poder ser representado graficamente é preciso acrescentar mais letras. A criança – que até então entendia que o número mínimo de letras a ser utilizado numa palavra correspondia a três, sem que essas pudessem se repetir – é forçada a ampliar suas noções silábicas, o que a conduz para o nível seguinte. Teorias da Aprendizagem 94 Fase da hipótese alfabética Nesta fase, uma vez tendo sido forçada pelo conflito da fase anterior a ampliar suas noções silábicas, a criança passa a representar a grafia e o som de forma correspondente, compreendendo que cada letra é um valor menor que a própria sílaba e que a sílaba é um valor menor que a palavra. Com isso, a criança passa a conseguir formar várias sílabas e, a partir das sílabas, palavras. De acordo com Ferreiro, podemos afirmar que as crianças nesta fase compreendem que as letras são unidades menores que as sílabas e que estas últimas podem ser separadas nessas unidades menores; a palavra tem relação com o som, mas que o som não identifica necessariamente a letra que deve ser utilizada para que se possa grafar uma palavra e que, com isso, a escrita pressupõe uma necessidade de analisar foneticamente cada uma das palavras a serem representadas. E as cartilhas? As críticas em torno da utilização das cartilhas como metodologia para o ensino da leitura e da escrita encontra-se no pensamento de que, para que alguma coisa sirva para ler, é preciso que contenha um certo número de letras, variável entre dois e quatro. Letra sozinha não representa nada escrito. De nada servem, também, conjuntos com letras repetidas, pois as crianças entendem que só podem ser lidas palavras que contenham letras diferentes. Uma explicação para tal seria que, no seu dia-a-dia, observam que o comum é encontrar palavras formadas por uma variedade de letras. Deste modo, a cartilha, por trazer letras soltas, sem correlação com a palavra propriamente dita, não contribui de forma positiva para o processo de aquisição da escrita. As cartilhas mostraram-se e mostram que não são eficientes para a tarefa de ensinar a ler e a escrever a crianças pré-silábicas. De acordo com pesquisas realizadas na área da linguagem, toda cartilha parte do pressuposto de que a criança já compreende o nosso sistema de escrita. Ou seja, que ela já entende que