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tende cada vez mais a diminuir. COMTE, A. Curso de Filosofi a Positiva. In: COMTE, A. Comte: Os Pensadores. São Paulo: Nova Cultura, 2005, p. 22 e 23. Assim, como para Morgan, Comte também era evolucionista e acreditava que o estágio mais desenvolvido da humanidade seria o estado positivo, em que os brancos europeus eram o estágio máximo a ser alcançado. Ainda no século XIX e princípio do século XX, o conceito de homem estava fortemente assentado em uma base biológica. Isso signifi ca que o maior ou menor desenvolvimento era atribuído à biologia, e não à cultura, o homem seria feito pela natureza, e não por si mesmo, no processo de autoconstrução. O problema da ideia de evolução – tanto em Morgan como em Comte – é postular que cada grupo estaria em um estágio de desenvolvimento e que deveria necessariamente progredir para os outros, sem pular etapas. Como os cientistas que inventaram essa tese eram europeus, eles presumiram que a referência, o ápice do progresso era a cultura europeia (hoje, a dos EUA?). Por que a Europa? Qual a evidência empírica de que as sociedades se desenvolvem em um único sentido e que o fi m, o objetivo de todo desenvolvimento, é igualar-se à Europa? Da mesma forma que o cristianismo no século XVI justifi cou a diferença e o extermínio dos nativos porque esses não tinham alma – nas entrelinhas, isto equivale a afi rmar que o diferente é inferior –, a Biologia, a ciência, nos séculos XIX e XX, justifi caram a diferença (a cultura) pela raça. A cultura muda, mas a raça não, porque é determinada pela natureza. Ora, se existe uma linha de evolução, se progresso só tem um caminho válido e se os diferentes são inferiores porque sua raça é “primitiva” e se a raça não pode evoluir, o genocídio está justifi cado. O racismo não atingiu apenas os povos nativos da África e da América. Durante o nazifascismo, os judeus e ciganos foram perseguidos e exterminados por toda a Europa com base nessa teoria da evolução da raças humanas. Holocausto com comprovação científi ca. Houve várias teorias para explicar, quantifi car e descrever raças humanas, variando entre três e mais de uma centena de raças. A mais famosa foi a de Joseph Arthur de Gobineau51, (1816-1882), que afi rmava que o gênero humano seria composto de três raças básicas, identifi cáveis pela cor da pele (amarela, branca ou preta) e que as variantes seriam fruto de miscigenação. Gobineau afi rmava que a raça branca (europeus) seria a mais desenvolvida e que, pela miscigenação, as demais raças branquear-se-iam. As outras raças tornar-se-iam brancas porque os genes brancos seriam superiores, e os demais, recessivos, tenderiam a desaparecer naturalmente. Em nossos dias, há provas da genética de que essa teoria é falsa. A raça humana é uma só, e a cor da pele varia por razões geoclimáticas (variando a quantidade de melanina na pele, quanto mais melanina, mais escura é a pele – adaptação a climas quentes – e quando menos melanina, mais branca ela é – melhor adaptação a climas com pouco Sol) e não por genes recessivos. Essa teoria raciológica era tão forte que a Antropologia foi praticamente absorvida pela Medicina/ Biologia. Era chamada Antropologia Física porque deveria dedicar-se a descrever as diferenças entre os grupos humanos pelos caracteres físicos – é daqui que nasce a noção de estereótipo – e não históricos, sociais e culturais. No fundo, essa teoria refl etiu problemas sociais da Europa e serviu de fundamentação científi ca para os nazismos e fascismos, entre muitos outros preconceitos raciais. Outro problema – que só pode ser visto hoje – é que esse conceito e essa tese fundamentaram a desigualdade entre os povos e serviram de justifi cativa para a invasão e para o extermínio do outro. Posteriormente, a noção de progresso balizou o incentivo à permanência dos nativos em seu estado in natura, não para evitar sua extinção, mas para que não se desenvolvessem 51 - http://cnec.lk/060g Sociologia 32 1ª série do Ensino Médio economicamente. Claude Lévi-Strauss52, no célebre texto Raça e história, mostra que o desenvolvimento cultural é social pode seguir qualquer rumo, não havendo evidências biológicas para justifi car atrasos. Dizer que uma civilização é “atrasada” pressupõe que nela há um atraso em relação a um padrão, o europeu, no caso. Essa comparação entre povos é chamada etnocentrismo, que é o ato de colocar os padrões culturais de seu próprio grupo (ethnos, em grego έθνος, signifi ca grupo) como modelo para comparar os demais. Seria um neoevolucionismo. É um procedimento arbitrário, não existe fundamento concreto para isso. Poderia ser qualquer padrão. O conceito de raça, que foi importado da Biologia, enquanto diferença biológica inalterável entre os seres humanos, fundamenta a desigualdade e o genocídio. Isso é o racismo. Lévi-Strauss avança ainda mais. Todos os povos seriam etnocêntricos. Isto é, os valores culturais próprios dos indivíduos de cada sociedade seriam, para eles mesmos, os melhores ou os únicos e verdadeiros. A diferença é que os europeus tentaram impor seus valores ao mundo todo, ao passo que os demais povos teriam, no limite, uma postura de afastamento, de cortar relações. Ainda segundo Lévi-Strauss, em seu livro O pensamento selvagem, o que se chama conhecimento científi co no Ocidente não passa de mais uma forma de conhecimento entre outras tantas, como vimos no primeiro volume. Considerar seu próprio padrão de conhecimento como o único verdadeiramente científi co não passa de etnocentrismo. Aqueles fundadores da Antropologia, em especial Frazer53, chamaram os mitos de “animismo” que seria uma religião primitiva que atribuiria alma (em latim, anima = alma) a tudo (pedras, água, plantas, bichos). Lévi-Strauss demonstra que o pensamento selvagem é, antes de tudo, baseado em observação concreta. Os nativos não atribuem um valor ou função a uma planta, por exemplo, para curar uma doença por mera crendice. Eles o fazem por terem efetivamente estudado, observado e testado a efi cácia das plantas. Pode ser que eles não descrevam esse mecanismo de cura através da química, como nós, mas, certamente, por terem visto animais escolherem uns alimentos e não outros, aprenderam suas qualidades – não adotando, portanto, crenças sem fundamento. De fato, numerosos países cobiçam o conhecimento dos nativos da Amazônia e tentam contato com eles para furtar plantas, extrair seus princípios químicos para produzir remédios e vendê-los. Manuela Carneiro da Cunha54 é internacionalmente reconhecida por lutar pela preservação do conhecimento nativo e contra o furto de patentes. Uma última nota sobre o pensamento selvagem é o fato de Lévi-Strauss ter alterado o conceito de mito. Na linguagem corrente, fala-se de mito como lenda, história falsa ou personalidade, celebridade. Em termos de história, o mito é um conto transmitido de geração em geração. Essa oralidade teria a função de transmitir e ensinar valores. Em Antropologia, o mito é uma forma de conhecimento. Pode ser que não tenha a fundamentação empírica da ciência, mas tem a função de explicar o mundo e servir de norteador para os seres humanos. 52 - http://cnec.lk/05vs 53 - http://cnec.lk/0610 54 - http://cnec.lk/0617 QUE POVO ESTRANHO ESSES INDIANOS, NÃO COMEM CARNE BOVINA. QUE POVO ESTANHO ESSES BRASILEIROS, COMENDO CARNE BOVINA. Fig.7.11 Ciência dos homens e ciência da diferença 33Volume 2 Exercícios de sala 2 Por que o desenvolvimento das sociedades não pode ser considerado linear? _______________________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________________