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Resenha da peça Cyrano de Bergerac, de Edmond Rostand (Resenha 03) Enredo: Cyrano de Bergerac, mesmo sendo um talentoso poeta e espadachim, não se vê em condição de conquistar sua amada Roxana por ser feio. Decide então ajudar Cristiano de Neuvillette, belo e jovem (mas pouco eloquente) cadete, a conquistá-la. Tempo: A peça se dá em ordem cronológica. Inicia-se em 1640. Os dois primeiros atos passam-se no decorrer de dois dias. Entre o segundo e o terceiro ato há um salto temporal (de alguns dias ou semanas) pois Roxana já recebeu algumas cartas de “Cristiano”, tendo-as inclusive memorizadas. Há um novo salto temporal de algumas semanas ou meses entre os atos 3 e 4 pois Roxana, ao conversar com Cristiano no acampamento na Espanha, diz que ele mandou várias cartas, uma mais bela que a outra, há mais de um mês – há que se contar também o tempo da viagem de Cristiano até a Espanha, além do tempo da viagem de Roxana. Já o último (quinto) ato se passa em 1655. Espaço: - Ato I: O salão do Paço de Borgonha, onde se encenou a peça “A Clorisa”. - Ato II: A confeitaria de Ragueneau, situada numa esquina. - Ato III: A casa de Roxana, à direita de uma praça pequena no antigo bairro do Marais. - Ato IV: O acampamento militar de cerco. Ao fundo, além de uma trincheira, os muros e a silhueta da cidade de Arras. - Ato V: Parque do convento das Damas da Cruz, em Paris. Sequência de Ações: 1 - A Sociedade parisiense se reúne no salão do Paço de Borgonha para assistir “A Clorisa”, peça de Balthazar Baro. Cristiano de Neuvillette e o bêbado Lignière chegam juntos para procurar a moça pela qual esse se apaixou. Cristiano descobre que a moça é Madalena Robin, vulgo Roxana, prima do famoso Cyrano de Bergerac – poeta, espadachim, músico e matemático. Roxana, orfã e solteira, está acompanhada do Conde de Guiché, homem rico e velho, que tem por ela um interesse amoroso incorrespondido. Lignière deixa o teatro e Cristiano permanece por mais algum tempo, até descobrir que uma centena de bandidos prepara uma emboscada para Lignière, partindo à procura do amigo para avisá-lo. 2 - A peça começa e é interrompida por Cyrano, pois o ator Montfleury, que ele havia banido dos palcos por 30 dias, está no palco. A peça é cancelada e o público vai deixando o local, queixando-se. Um homem, o Visconde de Valvert, decide desafiar Cyrano, zombando-o por seu grande nariz. Cyrano, após satirizar a falta de criatividade de Valvert, duela o desafiante enquanto compõe uma canção, matando-o (ou ferindo-o gravemente) – e providenciando assim uma atração ainda melhor que a peça. 3 - A multidão se vai e Cyrano fica a conversar com Le Bret. Ele revela que baniu Montfleury pois o ator se insinuou (ou simplesmente olhar) para a mulher que ele ama… Referência: ROSTAND, Edmond. Cyrano de Bergerac. Trad. Carlos Porto Carreiro. São Paulo: Abril Cultural, 1976. sua prima, Roxana. A Aia de Roxana se aproxima deles e marca um encontro de sua patroa com Cyrano na pastelaria de Ragueneau. Lignière é trazido de volta ao teatro e conta a Cyrano sobre a emboscada. O poeta, empolgado pelo encontro com Roxana, parte à procura dos bandidos. 4 – Roxana encontra-se com Cyrano na confeitaria e trata das mãos do primo (que se machucaram na luta da noite anterior). Ela conta a ele que está apaixonada, e ele por um tempo deduz que ele é o homem de quem ela fala. No entanto, ela revela que ama o cadete Cristiano, e faz Cyrano prometer que irá se aproximar de Cristiano, além de protegê-lo. Cristiano chega em seguida à confeitaria com os outros cadetes de sua companhia. Cyrano narra a luta da noite anterior, e Cristiano o provoca com piadas acerca de seu nariz. Cyrano mantém a compostura, lembrando-se da promessa que fez à prima. 5 - Quando a confeitaria fica mais vazia, Cyrano apresenta-se a Cristiano e revela o interesse de Roxana por este. Cristiano diz que não possui eloquência para cortejar a dama, e Cyrano oferece uma carta que ele mesmo havia escrito para a prima um pouco antes. 6 – Cyrano vai à casa da prima e descobre que ela está apaixonada por Cristiano em razão das cartas que ele tem escrito. Cyrano tenta desqualificar a qualidade das cartas enquanto Roxana as elogia (sem saber que está elogiando a escrita do próprio primo). O Conde de Guiché chega à casa dela e informa que está partindo para comandar um regimento na guerra contra a Espanha. Ele diz que Cyrano também deverá partir à noite. Roxana, usando psicologia reversa, convence o Conde a deixar Cyrano e seus cadetes para trás, para privá-los da glória da batalha. 7 – Cristiano está inseguro sobre visitar Roxana. Cyrano descobre que ela pretende forçar Cristiano a improvisar sobre o amor, e tenta prepará-lo para tal. Cristiano recusa-se a seguir o plano de Cyrano e tenta conquistar Roxana com suas próprias palavras, mas apenas passa vergonha. Cyrano o ajuda ditando versos bonitos. No entanto Roxana estranha a forma lenta como Cristiano fala, e Cyrano toma seu lugar, falando mais baixo. A artimanha funciona. Cristiano e Roxana se casam em segredo. Pouco depois, no entanto, o Conde de Guiché descobre sobre o casamento e envia Cyrano e Cristiano à Espanha. Roxana tenta fazer Cyrano prometer que protegerá Cristiano durante a guerra, mas o primo diz que não poderia fazê-lo. Porém ele promete fazer com que Cristiano escreva cartas a ela diariamente. 8 – A situação no cerco à cidade de Arras é tenebrosa. Isolados e famintos, os cadetes de Carbon de Castel-Ja-loux perdem a esperança. Cyrano passa diariamente pelas linhas inimigas para entregar as cartas que serão enviadas a Roxana, mas não traz comida de volta ao acampamento pois precisa “estar com os pés leves” para fugir do fogo inimigo. Além disso, anima os cadetes com suas piadas, mesmo sobre a fome, bem como os faz chorar de emoção. De Guiché força um ataque dos espanhóis dentro de uma hora, através de um espião. Roxana chega ao local em um coche (carruagem), acompanhada de Ragueneau, trazendo consigo comida. Ela conta como usou seu charme para passar pelo território espanhol. O Conde tenta de todas as formas convencê-la a partir (sabendo que o inimigo se aproxima), mas ela não aceita. Ele então decide ficar e lutar. 9 - Roxana diz a Cristiano dentro de uma tenda que o amaria mesmo que ele fosse feio. Cristiano corre e conta isso a Cyrano, dizendo que ele é quem Roxana realmente ama, pois o ama pela alma e não pela beleza. Cyrano não acredita, mas em seguida Roxana repete isso a ele. Enquanto eles conversam, no entanto, alguns soldados chegam carregando algo que tentam esconder. É Cristiano, que foi atingido pelo primeiro tiro do confronto. Roxana desmaia e é retirada da batalha, que está se intensificando, pelo Conde e por Ragueneau. Cyrano fica no local e lidera os cadetes na batalha, recitando versos enquanto se move por entre as balas. 10 – Passados 15 anos da morte de Cristiano, Roxana vive em um convento, onde recebe visitas regulares do (agora) Duque de Guiché, de Le Bret e Ragueneau. Cyrano também a visita diariamente com notícias do mundo, mas naquele dia ainda não compareceu. Ragueneau tenta contar algo a Roxana, mas ela sai com o Duque. Regueneau conta então a Le Bret que Cyrano foi atingido na cabeça por uma tora de madeira que caiu (ou foi jogada) de um prédio enquanto ele dobrava uma esquina, e os dois partem à procura do amigo ferido. 11 – Mais tarde Cyrano chega ao convento. Ele tem dificuldade em manter-se de pé, e um chapéu cobre sua cabeça até os olhos. As coisas que ele fala parecem desconexas aos ouvidos de Roxana, e ele até mesmo desfalece em alguns momentos. Ele pede para ler a última carta escrita por Cristiano, e nesse momento ela percebe, em razão da pouca luz, que ele não lê a carta, mas a tem decorada. Ela então percebe que ele escreviaas cartas de Cristiano e o confronta, mas ele nega. Le Bret e Ragueneau aparecem e Roxana descobre que Cyrano está mortalmente ferido, com a cabeça enfaixada sob o chapéu. Roxana confessa seu amor pelo primo e os amigos lamentam o fim do herói. Cyrano agoniza em meio a versos e alucinações, brandindo sua espada contra o ar. Cai então nos braços dos amigos e morre após ser beijado na testa por Roxana, mas não sem terminar seu último verso. Parecer pessoal: Me agrada o fato de que as personagens desta peça se mostram inequivocamente multidimensionais (para os padrões românticos). Cristiano era jovem, bonito, amava Roxana e era correspondido, mas abriu mão desse amor (de maneira altruísta) ao perceber que a relação não era sincera. O conde (e depois duque), que em determinado momento da peça aproxima-se do posto de vilão do espetáculo, nos momentos mais críti- cos da peça abriu mão de seu orgulho para salvar a vida da moça que o rejeitou. Fortaleceu ainda o moral dos cadetes antes de uma batalha difícil, apesar do desprezo que tais cadetes dispensavam a ele. Roxana parecia uma moça indefesa, fútil e mimada durante boa parte da peça. No entanto tomou a iniciativa de ir ao encontro dos homens que amava no momento em que eles mais precisavam, salvando a vida do marido, do primo e possivelmente dos outros homens daquele regimento. Mostrou ainda astúcia ao transpor as linhas inimigas utilizando os seus atributos naturais (a beleza, a simpatia). Seu grande defeito foi não ter percebido o óbvio: a identidade real do autor das palavras que ela amava. “Duas almas eu choro; e só amava aquela.” Cyrano é o herói perfeito em praticamente todos os aspectos. Seu carisma é contagiante. Enfrenta todos os inimigos de frente, recitando versos. Seu maior diferencial em relação aos heróis de outras peças já estudadas neste semestre é sua polimatia: “Músico, poeta e metafísico, Espadachim, soldado e físico, Viajor ideal do espaço etéreo, Trocando ataque por ataque, Amante envolto no mistério — Aqui repousa Saviniano, Aqui jaz Hércules Cyrano de Bergerac.” A forma como ele derrota o Visconde de Valvert com a espada só não é mais desconcertante do que a forma como ele o derrota com as palavras. A maneira como ele cruza as linhas dos espanhóis em meio ao chumbo inimigo não é menos impressionante do que a forma como improvisa versos para a mulher que ama. Colocar-se diante do perigo de enfrentar cem bandidos não é mais difícil do que abster-se de professar seu sentimento à mulher amada para conservar a memória de um jovem cadete. Seus feitos parecem colocá-lo acima de qualquer derrota. Ele é mais rápido, mais forte, mais inteligente do que todos que o cercam. É possível que essa invencibilidade física, intelectual e moral fosse sua benção e sua maldição. Não fosse pela tora de madeira que caiu daquele prédio de esquina, ele não fugiria de desafios, não erraria os versos, mas também não teria seu sentimento correspondido. De certa forma, o nariz de Cyrano era ao mesmo tempo sua característica mais humana e sua maior fraqueza. Aparentemente era o que o mantinha com os pés no chão. Se fosse bonito, poderia conquistar qualquer mulher, e não dependeria de seus outros atributos. No entanto, é possível também afirmar que seu grande nariz está diretamente ligado ao processo de formação da identidade dessa personagem. Ele está sempre pronto a responder às provocações relacionadas ao nariz, seja pela palavra, pela mão ou pela espada. Isso nos faz imaginar o quão frequentes eram tais provocações, e se ele teria desenvolvido suas muitas habilidades de modo a enfrentar aqueles que o oprimiam. “CYRANO (reabre os olhos, reconhece-a e diz sorrindo)” O “homem invencível” que morre de maneira banal é um tema recorrente na literatura ocidental. Aquiles e Alexandre são alguns exemplos. Esse tipo de morte traz geralmente a sensação de descontinuidade de uma lenda, de fim súbito, de desperdício de uma grande narrativa. A morte de Cyrano no entanto tem um tom solar; ele está alucinando, com a cabeça enfaixada, sem saber exatamente onde está. Mas, ao reconhecer Roxana, sorri. Naquele momento ele se reconhece através da lembrança de um sentimento. E é uma lembrança boa. Ele identifica aquele momento como o fim de sua trajetória, e está satisfeito com seu legado. Aquele momento de amor correspondido não foi barato, mas o preço não deixa de ser justo.
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