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DISCIPLINAS COMPLEMENTARES Direito do Consumidor Landolfo Andrade Aula 01 ROTEIRO DE AULA SURGIMENTO DO DIREITO DO CONSUMIDOR 1. Noções Introdutórias O Direito do consumidor surgiu em um contexto histórico e político pós-revolução industrial em que houve a massificação da produção de bens e do consumo. Surge, então, a sociedade de consumo em massa, levada por técnicas eficientes de marketing a consumir de modo impulsivo e sem reflexão. O direito privado tradicional se mostra ineficaz para tutelar os agentes econômicos vulneráveis, os seja, os consumidores. Em 1972, a Conferência de Estocolmo tratou do Direito do Consumidor. A Resolução 39.248 do Fórum da ONU é diretriz para as legislações consumeristas de diversos países. No Brasil, a CF/88 erigiu o Direito do Consumidor à categoria de direito fundamental. 1.1. Finalidade: O Direito do Consumidor tem a finalidade de proteger o consumidor, reduzindo a desigualdade existente entre consumidor e fornecedor na relação de consumo. 1.2. Definição: Direito do Consumidor é o conjunto de normas e princípios que regula a tutela de um sujeito especial de direitos, a saber, o consumidor, como agente privado vulnerável, nas suas relações frente a fornecedores. O Brasil adotou a terminologia “Direito do consumidor”, que tem foco no consumidor, diferentemente da França, por exemplo, que denomina “Direito do Consumo”, e foca na relação de consumo. 2. Fundamento Constitucional 2.1. Direito Fundamental O Direito do Consumidor está arrolado entre os Direitos fundamentais no art. 5º da CF: “Art. 5º, (...) - XXXII - o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor;” ADCT “Art. 48. O Congresso Nacional, dentro de cento e vinte dias da promulgação da Constituição, elaborará Código de Defesa do Consumidor.” Os efeitos desse status de direito fundamental são: • A proteção como parte do núcleo imodificável da CF (clausula pétrea). Não se admite proposta de EC tendente a abolir esse grupo de direitos; • Eficácia horizontal (direta e indireta) do direito fundamental. O Estado deve garantir que os fornecedores respeitem também o direito fundamental. Direta porque, para defender o direito do consumidor, o operador do direito pode valer-se diretamente do texto constitucional. A eficácia horizontal indireta ocorre quando o operador do direito se vale de uma norma infraconstitucional que concretiza o direito fundamental; • Garantia constitucional desse novo ramo do direito (força normativa da Constituição): as normas constitucionais vinculam os demais ramos do direito. Nenhuma lei setorial pode desrespeitar a normatividade do CDC, pois ele está lastreado na força normativa da Constituição, que garante a eficácia da normatividade consumerista. 2.2. Princípio da Ordem Econômica A defesa do consumidor é um princípio da ordem econômica, e o Estado (Estado juiz, Estado legislativo e Estado executivo) pode intervir na economia para assegurar a proteção dos consumidores. Constituição Federal “Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: V - defesa do consumidor;” Esse princípio tem caráter conformador. Ele não só autoriza a intervenção estatal, como também visa conformar a atuação do fornecedor, cuja livre iniciativa deve se dar em conformidade com o princípio da defesa do consumidor. 2.3. Competência Legislativa Concorrente A competência é concorrente, não cumulativa ou vertical. Estados e DF gozam de competência para legislar de modo suplementar para adequar as normas gerais, de competência legislativa da União, às particularidades regionais. Em caso de inércia da União, os Estados e o DF assumem a competência plena para legislar, de modo temporário. Quando a União legislar, as normas criadas por esta vão se sobrepor às criadas por estados e DF naquilo em que forem incompatíveis. CF “Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: V - produção e consumo; VIII - responsabilidade por dano ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico;” MARCIO LIMA DA CUNHA - 05308192790 Competência legislativa dos municípios? CF “Art. 30. Compete aos Municípios: I - legislar sobre assuntos de interesse local;” Os municípios também tem competência para legislar sobre direito do consumidor em se tratando de assunto de interesse local. Exemplo disso é a lei municipal que obrigue agências bancárias a disponibilizarem bebedouros ou banheiros aos clientes. “Recurso extraordinário. Constitucional. Consumidor. Instituição bancária. Atendimento ao público. Fila. Tempo de espera. Lei municipal. Norma de interesse local, legitimidade. Lei municipal 4.188/01. Banco. Atendimento ao publico e tempo máximo de espera na fila. Matéria que não se confunde com a atinente às atividades bancárias. Matéria de interesse local e de proteção ao consumidor. Competência legislativa do município. Recurso extraordinário conhecido e provido.” (STF, RE 432.789). 3. Características Nosso CDC teve como principal influência o Código de consumo francês. Em matéria de responsabilidade por acidente de consumo, houve influencia das normativas do direito comunitário europeu, dentre outras influências. Foi uma norma extremamente revolucionária e hoje serve de modelo a outros países da América Latina. O CDC inaugurou um microssistema jurídico, pois trouxe princípios gerais que devem orientar a aplicação das normas consumeristas em todas as relações jurídicas de consumo. Ele instituiu uma base principiológica sólida que confere coesão ao sistema, sem ter a preocupação de exaurir o sistema. Outra característica do CDC é que ele trouxe normas multidisciplinares (civil, processual, penal, etc.). 3.1. Normas de ordem pública e interesse social Trazem consigo valores fundamentais do ordenamento jurídico brasileiro, que transcendem o interesse das partes e prevalecem sobre estes, além disso, são normas de interesse social. CDC “Art. 1° O presente código estabelece normas de proteção e defesa do consumidor, de ordem pública e interesse social, nos termos dos arts. 5°, inciso XXXII, 170, inciso V, da Constituição Federal e art. 48 de suas Disposições Transitórias.” As normas consumeristas, para corrente minoritária (integrada pela Prof. Cláudia Lima Marques), retroagem para alcançar relações jurídicas iniciadas antes da entrada em vigor do mesmo. Não é esse o entendimento que prevalece para o STJ. De acordo com a regra geral de aplicação das leis no tempo, as normas podem retroagir desde que haja expressa previsão legal nesse sentido (o CDC não prevê sua aplicação retroativa), e respeitando o direito adquirido, a coisa julgada e o ato jurídico perfeito. ATENÇÃO: Por muito tempo o STJ seguiu o entendimento de que, sendo normas de ordem pública, o juiz poderia reconhecer de ofício qualquer prática abusiva contra o consumidor (é o que a doutrina majoritária reconhece). Hoje o entendimento que prevalece é de que o juiz deve ser provocado. MARCIO LIMA DA CUNHA - 05308192790 Súmula 381 do STJ: “Nos contratos bancários, é vedado ao julgador conhecer, de ofício, da abusividade das cláusulas”. 3.2. Política nacional das relações de consumo O art. 4º do CDC é classificado como uma norma narrativa, e trás quais os objetivos e princípios da política nacional das relaçõesde consumo. Ela não se limita a definir um programa, ela estabelece objetivos que vinculam toda e qualquer relação de consumo. “Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: I - reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo; II - ação governamental no sentido de proteger efetivamente o consumidor: a) por iniciativa direta; b) por incentivos à criação e desenvolvimento de associações representativas; c) pela presença do Estado no mercado de consumo; d) pela garantia dos produtos e serviços com padrões adequados de qualidade, segurança, durabilidade e desempenho. III - harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da Constituição Federal), sempre com base na boa- fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores; IV - educação e informação de fornecedores e consumidores, quanto aos seus direitos e deveres, com vistas à melhoria do mercado de consumo; V - incentivo à criação pelos fornecedores de meios eficientes de controle de qualidade e segurança de produtos e serviços, assim como de mecanismos alternativos de solução de conflitos de consumo; VI - coibição e repressão eficientes de todos os abusos praticados no mercado de consumo, inclusive a concorrência desleal e utilização indevida de inventos e criações industriais das marcas e nomes comerciais e signos distintivos, que possam causar prejuízos aos consumidores; VII - racionalização e melhoria dos serviços públicos; VIII - estudo constante das modificações do mercado de consumo.” Objetivos da política nacional das relações de consumo: • Defesa dos interesses dos consumidores; • Transparência nas relações de consumo; • Harmonia entre consumidores e fornecedores. 4. Diálogo das Fontes Os princípios do direito do consumidor alcançam as relações jurídicas de consumo em todo o ordenamento jurídico. Todos os ramos das atividades econômicas são alcançados pelo CDC, o que pode levar a sobreposição de normas, visto que esses setores também são regulados por leis setoriais. Em situação de conflito, o CDC sempre se aplica em caráter primário, e as outras normas serão aplicadas subsidiariamente, desde que compatíveis com a principiologia do CDC. 4.1. Critérios de solução de conflitos MARCIO LIMA DA CUNHA - 05308192790 Para os conflitos aparentes de normas, os critérios tradicionais de solução são: a) Cronológico: lei mais nova revoga lei mais antiga; b) Especialidade: lei especial prevalece sobre norma geral; c) Hierarquia: lei hierarquicamente superior revoga lei hierarquicamente inferior. Dado que uma das normas será revogada ou terá sua aplicação afastada nas hipóteses de ‘a’ a ‘c’, diz-se que há um monólogo. d) Diálogo das fontes: duas ou mais normas se aplicam ao mesmo tempo para a mesma situação fática. Os campos de aplicação dessas normas são convergentes. LINDB “Art. 2º. Não se destinando a aplicação temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue.” “A Emenda Constitucional 40, na medida em que conferiu maior vagueza à disciplina constitucional do sistema financeiro (dando nova redação ao art. 192), tornou ainda maior esse campo que a professora Claudia Lima Marques denominou “diálogo entre fontes” – no caso, entre a lei ordinária (que disciplina as relações consumeristas) e as leis complementares (que disciplinam o sistema financeiro nacional). (STF, ADI 2.591/DF). 4.2. Diálogo entre o CDC e o CC Existem três tipos de diálogos entre o CDC e o CC. a) Diálogo sistemático de coerência: o CC oferece bases conceituais que não estão presentes no CC, e devem ser buscadas para que o ordenamento jurídico tenha coerência. b) Diálogo sistemático de complementaridade: é possível que não haja no CDC alguma norma para solução de um problema, devendo ser adotados princípios e normas de um sistema pelo outro. Exemplo: o consumidor tem direito à repetição do indébito quando sofrer cobrança indevida, mas não há no CDC previsão de prazo prescricional para a propositura dessa ação. Deve, portanto, ser utilizado o prazo previsto no CC para suprir essa lacuna. c) Diálogo das influências recíprocas sistemáticas: uma norma influencia na interpretação do outra. Observação: Essas formas de diálogo podem ocorrer também entre o CDC e outros diplomas. “É aplicável aos contratos de prestações de serviços educacionais o limite de 2% para multa moratória, em harmonia com o disposto no art. 52, § 1º, do CDC.” (STJ, AgRg no Ag 572.088, Rel. Min. Humberto Gomes, j. 09.05.2006). 5. Princípios - Escola Jusnaturalista (séc. XIV): os princípios não tinham força de norma, apenas seriam aplicados de forma complementar, para preencher eventuais lacunas. Eram extraídos do direito natural. MARCIO LIMA DA CUNHA - 05308192790 - Escola Positivista: Os princípios encontravam-se já expressa ou implicitamente no ordenamento jurídico, mas ainda não tem força de norma e são utilizados apenas em caráter suplementar. - Escola Pós-positivista (segunda metade do séc. XX): princípios são positivados em normas constitucionais, tem força normativa, vinculando os operadores do direito. Deixam de ser fonte complementar e passam a ser fonte imediata. Se diferem das normas quanto à forma, pois trazem um enunciado mais genérico, e quanto ao conteúdo, pois carregam os valores fundamentais do ordenamento jurídico. 5.1. Princípio da vulnerabilidade É o ponto de partida do direito do consumidor. É a presunção de que o consumidor, em uma relação jurídica de consumo, é a parte vulnerável. Há três tipos de vulnerabilidade: a) Vulnerabilidade técnica: desconhecimento, por parte do consumidor, das características do produto/serviço. Vulnerabilidade decorre da não participação do consumidor na produção do bem. b) Vulnerabilidade jurídica: desconhecimento, por parte do consumidor, dos direitos e deveres da relação jurídica de consumo. Desconhecimento de direitos e deveres, incluindo aspectos econômicos e contábeis. c) Vulnerabilidade econômica: o consumidor é frágil diante do fornecedor, seja em razão do forte poder econômico do fornecedor, em razão do fornecedor deter o monopólio fático ou jurídico da relação, ou em razão de esse fornecedor desenvolver uma atividade considerada essencial. Vulnerabilidade Definição Exemplo Técnica Consiste na ausência de conhecimentos específicos sobre o produto que o consumidor adquire ou utiliza. É o caso do estudante que compra um notebook sem possuir conhecimentos técnicos específicos sobre o produto adquirido. Jurídica Consiste na falta de conhecimento, pelo consumidor, dos direitos e deveres inerentes à relação de consumo. É o caso da pessoa que firma um compromisso de compra e venda de um lote, junto a uma incorporadora, sem possuir conhecimento jurídico para compreender todos os aspectos do negócio. Fática ou Econômica Consiste na condição de fragilidade do consumidor frente ao fornecedor que, por sua posição de monopólio, fático ou jurídico, por seu forte poderio econômico ou em razão da essencialidade do serviço que fornece, impõesua superioridade a todos que com ele contratem. É o caso do pai de família que contrata serviço de internet banda larga fornecido em seu endereço por uma única concessionária de serviço público. 5.2. Princípio da boa-fé objetiva MARCIO LIMA DA CUNHA - 05308192790 Representa o padrão de conduta que deve ser observado por todos os fornecedores no mercado de consumo, com base em valores éticos, de modo a respeitar as expectativas do consumidor naquela relação jurídica. O fundamento desse princípio é constitucional, de modo implícito (art. 1º, III e art. 3º I da CF), e legal, de modo expresso (art. 4º, III CDC e arts. 113, 187 e 422, CC). Infere-se o princípio da boa-fé objetiva da previsão constitucional da dignidade da pessoa humana e do princípio da solidariedade. CF “Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: III - a dignidade da pessoa humana;” “Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;” Este princípio também é expressamente previsto no CDC e CC. CDC “Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: (...) III - harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da Constituição Federal), sempre com base na boa- fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores;” CC “Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração.” “Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.” “Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.” • Funções da boa-fé: a) Função interpretativa ou critério hermenêutico (CC, art. 113 e CDC, art. 4º, III): Quando houver, por exemplo, cláusulas contratuais de interpretação dúbia, a interpretação deve ser orientada de acordo com a boa-fé objetiva. b) Função integrativa ou de criação de deveres jurídicos (cuidado, informação e cooperação): A boa-fé objetiva cria deveres anexos ao contrato que devem ser respeitados. MARCIO LIMA DA CUNHA - 05308192790 - No exemplo da compra e venda de um carro o fornecedor deve informar adequadamente o consumidor das características do produto. - O dever de cuidado diz respeito à informação do consumidor pelo fornecedor, para que os produtos sejam utilizados de maneira segura pelo primeiro. - Quanto ao dever de cooperação, as partes de uma relação jurídica de consumo devem cooperar entre si para que as obrigações sejam satisfeitas. Jurisprudência: “Aplicação do princípio da boa-fé contratual. Deveres anexos ao contrato. O principio da boa-fé se aplica às relações contratuais regidas pelo CDC, impondo, por conseguinte, a obediência aos deveres anexos ao contrato, que são decorrência lógica deste princípio. O dever anexo de cooperação pressupõe ações recíprocas de lealdade dentro da relação contratual. A violação a qualquer dos deveres anexos implica em inadimplemento contratual de quem lhe tenha dado causa.” (REsp 595.631/SC). O descumprimento dos deveres anexos representa uma violação positiva do contrato ou, ainda, um adimplemento ruim do contrato. c) Função de controle ou limitativa do exercício de direitos subjetivos: A atuação do fornecedor é limitada pelo princípio da boa-fé objetiva. Os seus direitos não podem ser exercidos de modo abusivo, ou o princípio estará sendo ofendido. A nulidade das clausulas incompatíveis com a boa-fé objetiva é uma limitação ao exercício de direito pelo fornecedor. CDC “Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: (...) IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade;” CC “Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.” 5.3. Princípio do equilíbrio Deve haver um equilíbrio na relação jurídica entre consumidor e fornecedor e esse equilíbrio é assegurado no plano material e processual pelo CDC. O equilíbrio no plano material seria, por exemplo, o estabelecimento da responsabilidade objetiva por dano ao consumidor. No plano processual, a inversão do ônus da prova visa equilibrar a relação consumerista. CDC “Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: III - harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os MARCIO LIMA DA CUNHA - 05308192790 princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da Constituição Federal), sempre com base na boa- fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores;” 5.4. Princípio da defesa do consumidor pelo Estado (CDC, art. 4º, II) Traduz a ideia de que o Estado deve intervir nas relações de consumo para defender os interesses dos consumidores. “Art. 4º (...) II - ação governamental no sentido de proteger efetivamente o consumidor: a) por iniciativa direta; b) por incentivos à criação e desenvolvimento de associações representativas; c) pela presença do Estado no mercado de consumo; d) pela garantia dos produtos e serviços com padrões adequados de qualidade, segurança, durabilidade e desempenho.” 5.5. Princípio da harmonização (CDC, art. 4º, III) Harmonização dos interesses entre consumidores e fornecedores, respeitando a livre iniciativa deste último. 5.6. Princípio da transparência Em todas as fases da relação de consumo deve haver transparência, mesmo após a fase contratual. É o que se dá com quando o produto apresenta defeito e o fornecedor realiza o recall. “CDC Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios:” 5.7. Principio da confiança Trata-se do respeito às legitimas expectativas dos consumidores na relação de consumo, tanto em relação ao conteúdo do contrato quanto ao bem de consumo. Existem expectativas em relação ao contrato, direitos, deveres e consequências jurídicas, e também, em relaçãoao produto, quanto á segurança, durabilidade, etc. Jurisprudência: “A empresa que fornece estacionamento aos veículos de seus clientes responde objetivamente pelos furtos, ocorridos no seu interior, uma vez que, em troca dos benefícios financeiros indiretos decorrentes desse acréscimo de conforto aos consumidores, o estabelecimento assume o dever de lealdade e segurança, como aplicação concreta do princípio da confiança.” (STJ, AgInt no AREsp 844449/SP, 4ª T. rel. Min. Isabel Galotti, j. 06.09.2016). 5.8. Princípio do combate ao abuso MARCIO LIMA DA CUNHA - 05308192790 O fornecedor não pode desrespeitar, de forma abusiva, os direitos do consumidor. Tutela-se a relação entre consumidor e fornecedor, mas também entre os fornecedores (combatendo, por exemplo, as práticas de concorrência desleal). CDC “Art. 4º. (...) VI - coibição e repressão eficientes de todos os abusos praticados no mercado de consumo, inclusive a concorrência desleal e utilização indevida de inventos e criações industriais das marcas e nomes comerciais e signos distintivos, que possam causar prejuízos aos consumidores;” 5.9. Princípio da educação e informação Os consumidores devem ser devidamente informados para que a decisão do ato de consumo seja a mais consciente, evitando práticas de consumo irrefletidas. A educação pode ser formal, inserindo-se uma educação sobre consumo nas disciplinas do ensino básico; ou pode ser informal, ministrada pelos meios de comunicação social, normalmente pelo PROCON, pela promotoria do direito do consumidor ou, ainda, pela imprensa. CDC “Art. 4º (...) IV - educação e informação de fornecedores e consumidores, quanto aos seus direitos e deveres, com vistas à melhoria do mercado de consumo;” 5.10. Princípio da precaução O princípio da precaução está expressamente previsto em diplomas relativos ao Direito Ambiental. No entanto, boa parte da doutrina defende que este também se aplique ao direito do consumidor, sendo extraído de normas constitucionais e CDC (previsão da defesa do consumidor, defesa da vida, saúde e segurança do consumidor). Sempre que houver risco cientifico crível, alguma providência deve ser adotada. Difere-se do princípio da prevenção, pois este visa prevenir dano certo, muito provável. No princípio da precaução, o dano não é provável, mas é possível. 6. Direitos básicos dos consumidores A principal inspiração do nosso CDC é a Resolução 39/248 da ONU, de 1985, que apresenta os direitos básicos dos consumidores, e trás diretrizes para a cooperação jurídica internacional em matéria de direito do consumidor. - O art. 6º do CDC dá um rol exemplificativo dos direitos básicos dos consumidores. “Art. 6º São direitos básicos do consumidor: I - a proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos; II - a educação e divulgação sobre o consumo adequado dos produtos e serviços, asseguradas a liberdade de escolha e a igualdade nas contratações; MARCIO LIMA DA CUNHA - 05308192790 III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem; IV - a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços; V - a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas; VI - a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos; VII - o acesso aos órgãos judiciários e administrativos com vistas à prevenção ou reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos ou difusos, assegurada a proteção Jurídica, administrativa e técnica aos necessitados; VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências; IX - (Vetado); X - a adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em geral.” - Cláusula de abertura do microssistema: Para além dos direitos previstos no CDC, todo direito do consumidor, que esteja expressa em outra espécie normativa vai, através da abertura do art. 7º, ser inserido no sistema consumerista. CDC “Art. 7° Os direitos previstos neste código não excluem outros decorrentes de tratados ou convenções internacionais de que o Brasil seja signatário, da legislação interna ordinária, de regulamentos expedidos pelas autoridades administrativas competentes, bem como dos que derivem dos princípios gerais do direito, analogia, costumes e eqüidade.” Exemplo: concessão de gratuidade no transporte coletivo urbano e semiurbano para maiores de 65 anos (CF, art. 230, § 2º; Estatuto do Idoso, art. 39). 6.1. Direitos básicos do consumidor: a) Direito à vida, saúde e segurança (art. 6º, I): se, por um lado, o consumidor tem o direito à proteção, o fornecedor, por sua vez, tem o dever de segurança, devendo colocar à disposição dos consumidores somente produtos que não sejam perigosos, ou que possam causar danos. b) Direito à educação formal e informal (art. 6º, II): educação formal é aquela inserida no currículo do ensino básico, buscando formar um consumidor mais consciente. A educação informal, é ministrada por órgãos de defesa do consumidor, imprensa, etc. c) Direito à liberdade de escolha (art. 6º, II): direito ao livre consumo, assegurando a livre iniciativa e a livre concorrência. Aplicação prática: venda casada em cinemas (STJ, REsp 744.602/RJ). d) Direito à igualdade nas contratações (art. 6º, II): não se admite tratamento discriminatório entre os consumidores. e) Direito à informação (art. 6º, III): informações sobre o bem de consumo devem ser adequadas e claras. A ofensa a esse direito vem sendo admitida como razão para condenação por dano moral. MARCIO LIMA DA CUNHA - 05308192790 Exemplo: descredenciamento de hospital da rede conveniada ao plano de saúde (REsp 1144840-SP). f) Direito à proteção contra práticas e cláusulas abusivas (art. 6º, IV). g) Direito à “modificação” e “revisão” das clausulas contratuais (art. 6º, V): tem o objetivo de assegurar o equilíbrio econômico dessa relação contratual. O CDC inovou ao prever o dirigismo contratual, autorizando o Estado a intervir na economia interna do contrato, quando se identificar um desequilíbrio econômico e financeiro na relação contratual. O CC, influenciado pelo CDC, trouxe regras que também admitem a intervenção do Estado na economia interna do contrato. • Modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais: Haverá modificação das cláusulas quando o desequilíbrio existe desde o nascimento do contrato. Afeta- se o sinalagma original do contrato. Art. 51 do CDC aduz que cláusula contratual que coloque o consumidor em desvantagem exagerada será nula de pleno direito. O consumidor poderá, portanto, solicitar a modificação da cláusula geradora das prestações desproporcionais (com base no art. 6º, V, do CDC) ou a declaração de sua nulidade (art. 51 do CDC). • Revisão das cláusulas contratuais: Pode ocorrer em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas. Afeta o sinalagma funcional do contrato. Não é necessárioque o fato seja imprevisível. O CDC adotou a teoria da base objetiva do negocio jurídico, que exige apenas que o fato seja superveniente. Jurisprudência: “O preceito insculpido no inciso V do art. 6º do CDC dispensa a prova do caráter imprevisível do fato superveniente, bastando a demonstração objetiva da excessiva onerosidade advinda para o consumidor. A desvalorização da moeda nacional frente à moeda estrangeira que serviu de parâmetro ao reajuste contratual, por ocasião da crise cambial de janeiro de 1999, apresentou graus expressivo de oscilação, a ponto de caracterizar a onerosidade excessiva que impede o devedor de solver as obrigações pactuadas” (STJ, REsp 361.694/RS). h) Direito à efetiva prevenção e reparação dos danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos (art. 6º, VI): o CDC adotou o princípio da reparação integral (restitutio in integrum) do dano. A exceção a esse princípio se dá quando o consumidor for pessoa jurídica e, em acordo com fornecedor, negociar, por exemplo, a diminuição do preço do produto em troca da desnecessidade de reparação total do dano que, eventualmente, venha a ocorrer. Deve se tratar de pessoa jurídica, e deve haver situação justificada para a limitação da indenização. CDC “Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: I - impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços ou impliquem renúncia ou disposição de direitos. Nas relações de consumo entre o fornecedor e o consumidor pessoa jurídica, a indenização poderá ser limitada, em situações justificáveis;” O dano moral é ofensa a direito da personalidade. A dor e o abalo psicológico que daí decorrem são efeitos do dano moral. MARCIO LIMA DA CUNHA - 05308192790 h.1) Reparação do dano moral Tem fundamento constitucional no art. 5º, V e X. A reparação do dano moral desempenha uma dupla função: (I) compensatória, visa compensar o consumidor pelo abalo em seu atributo personalíssimo; (II) punitiva. (I) Compensatória: quando há uma ofensa a um direito personalíssimo, não se consegue valorar monetariamente o dano, por isso o que ocorre é uma compensação. (II) Punitiva: punir rigorosamente para evitar que o fornecedor seja dissuadido de atuar de forma predatória, função educativa. Em algumas situações o inadimplemento contratual pode ocasionar dano moral. Há situações em que o dano moral é presumido, bastando a prova prática do ilícito (dano moral in re ipsa). Exemplo: inscrição indevida do nome do consumidor em lista de devedores do SPC. Súmula 370 do STJ: “Caracteriza dano moral a apresentação antecipada de cheque pré-datado”. Súmula 385 do STJ: “Da anotação irregular em cadastro de proteção ao crédito, não cabe indenização por dano moral, quando preexistente legítima inscrição, ressalvado o direito ao cancelamento”. Súmula 387 do STJ: “É licita a cumulação das indenizações de dano estético e dano moral”. Súmula 388 do STJ: “A simples devolução indevida de cheque caracteriza dano moral”. h.2) Reparação de dano moral coletivo Parte da doutrina não admite a existência de dano moral coletivo. A doutrina majoritária, que é a corrente adotada pelo STJ já admite a existência de dano moral coletivo (previsto no CDC, art. 6º, VI; na CF; e na lei da ação civil pública). O STJ fixou os seguintes requisitos para reconhecer a ocorrência de dano moral coletivo: (I) razoável significância do fato transgressor; e (II) repulsa social. 1ª Turma: comercialização de leite com vício de qualidade (AgRg no REsp 1.283.434/GO); 2ª Turma: passe livre – idoso – transporte coletivo urbano gratuito (REsp 1.057.274/RS); 3ª Turma: caixa preferencial em segundo andar de agência (REsp 1.221.756/RJ); 4ª Turma: divulgação de publicidade ilícita de cigarros (REsp 1101949/DF). i) Direito de acesso à justiça (art. 6º, VII): no sentido amplo, é direito ao acesso a um ordenamento jurídico justo, assegurado, dentre outros: por meio da assistência jurídica, administrativa e técnica aos necessitados; foro privilegiado, que confere a possibilidade de o consumidor demandar em seu domicílio; ações coletivas, que tutelam interesses individuais homogêneos, ou coletivos propriamente ditos. j) Direito à inversão do ônus da prova l) Direito à prestação adequada e eficaz de serviços públicos: os serviços públicos que são considerados objeto de relação de consumo, devem ser prestados com eficácia e adequação. MARCIO LIMA DA CUNHA - 05308192790
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