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A TEORIA DO DOMÍNIO DO FATO E O DIREITO PENAL BRASILEIRO

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UNIVERSIDADE FEEVALE 
 
LILIANA MOREIRA KEHL 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
TEORIA DO DOMÍNIO DO FATO E O DIREITO PENAL BRASILEIRO 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
NOVO HAMBURGO 
2019 
 
 
 
TEORIA DO DOMÍNIO DO FATO E O DIREITO PENAL BRASILEIRO 
 
A teoria do domínio do fato, que teve sua contribuição mais relevante com a publicação 
da monografia do alemão Claus Roxin, em 1963, busca distinguir autor(es) e partícipe(s) de um 
crime, em sentido amplo. Antes de Roxin, a expressão domínio do fato já havia sido usada por 
Hegler, em 1915, estando mais vinculada aos fundamentos de culpabilidade, sendo que a 
primeira menção a teoria do domínio do fato, no plano da autoria, se deu em 1933, por Lobe, 
mas só ganhou notoriedade quando o tema foi retratado por Wenzel em 1939. 
Como toda a teoria jurídica se propõe a resolver um problema concreto, o fato dos 
principais autores do tema serem alemães coaduna com a exigência do Código Penal alemão 
em fazer tal distinção (tanto à época da monografia de Roxin, quanto nos dias atuais). No âmbito 
penal, a teoria do domínio do fato não determina se o agente será ou não punido, mas sim, se o 
será como autor ou mero partícipe. Portanto, a importância desta distinção, no direito alemão, 
não se trata de apenas uma definição simbólica, mas sim prática. 
Welzel foi o criador da teoria finalista, ou seja, para ele o objetivo do direito penal é 
identificar a finalidade e a intencionalidade da ação da vontade. Desta maneira, a ação expressa 
a vontade do agente que por fim acarretará um resultado, este resultado confirmará a vontade 
e, portanto, o tipo de crime, deste modo, pode-se concluir que a teoria do domínio do fato 
ocorrerá somente em crimes dolosos. 
 
TRÊS MANIFESTAÇÕES CONCRETAS DE DOMÍNIO DO FATO 
 
Domínio da Ação: autoria imediata 
Se refere àquele que domina a ação do tipo, quem tem domínio sobre a própria ação, 
por exemplo: apertar o gatilho da arma em caso de homicídio por arma de fogo. O agente, neste 
caso, nunca será mero partícipe, pois este autor direto tem o poder de condução sobre a 
realização, interrupção, impedimento e continuidade do fato típico direcionado à produção da 
ofensa ao bem jurídico, que no caso é a vida. 
Portanto é possível identificar o domínio sobre o resultado esperado por parte do autor, 
e se por forças diversas o resultado esperado não for atingido, não estará excluída a ofensa 
direcionada objetivamente ao resultado, ocorrendo, portanto, como no exemplo citado acima, a 
tentativa de homicídio. 
 
 
 
 
Domínio da Vontade: autoria mediata 
 Se dá quando um terceiro é reduzido a mero instrumento daquele que tem o dolo do 
crime. Aqui se caracteriza, segundo Roxin, o princípio da responsabilidade, único padrão viável 
no caso de coação. 
Um segundo grupo de razões para a autoria mediata seria o erro, que vai desde o erro 
de tipo até o erro de proibição, onde o autor mediato utiliza seu conhecimento superior para 
convencer aquele que não tem total conhecimento do resultado da ação para que seja executada 
a ação criminosa. 
Além disso, há uma situação adicional, mais notória, que é a possibilidade de domínio 
por meio de um aparato organizado de poder, quando, através de uma organização 
verticalmente estruturada e dissociada da ordem jurídica, os executores (fungíveis) cumprem a 
ordem como meras engrenagens de uma estrutura automática. 
A exemplo desta situação, pode-se citar o caso do tenente nazista Adolf Eichmann 
responsável pela logística de transporte de judeus à Solução Final na Segunda Guerra Mundial. 
Eichmann era mero executor das ordens repassadas pela cúpula do regime, declarava-se um 
burocrata que nada mais fazia do que seguir as leis vigentes na época e seguir sua rotina de 
trabalho buscando sua ascensão social e profissional, mesmo que a despeito do sentimento de 
humanidade em relação aos judeus ou até mesmo de idolatria, como era característico de seus 
colegas oficiais, em relação a Hitler. 
Importante salientar ser imprescindível que estas organizações sejam verticalmente 
estruturadas, possibilitem ação fungível por meio de seus executores e estejam dissociadas da 
ordem jurídica, como os regimes ditatoriais ou organizações criminosas por exemplo. Em 
organizações que tem seu funcionamento de acordo com as leis, é pressuposto que ordens 
ilegais, emitidas por algum superior, não sejam automaticamente cumpridas por terceiros 
responsáveis. 
 
Domínio Funcional do fato: coautoria 
Está relacionada ao crime com mais de um autor, baseado em uma atuação coordenada, 
com divisão de papéis, na qual cada agente desempenha seu papel com grau de importância 
semelhante aos demais e estes terão como consequência jurídica uma imputação recíproca. No 
entanto, a imputação a um sujeito fatos terceiros exige uma forte argumentação jurídica, não 
sujeitas a mera suposição óbvia. 
 
 
 
 
O DIREITO PENAL BRASILEIRO 
 
O Código Penal de 1940 filiou-se a tese da equiparação dos vários agentes do crime, ao 
dispor no artigo 25 “quem de qualquer modo concorre para o crime incide nas penas a este 
cominadas”, adotando, portanto, um sistema unitário e abolindo a diferenciação entre autores e 
partícipes presentes nos Códigos Criminais de 1830 e 1890. 
Mesmo com o advento da Lei 7.209 de 11 de julho de 1984, na qual o legislador 
procedeu com a reforma da Parte Geral do Código Penal, designando o Título IV “Concurso de 
Pessoas”, a opção pelo sistema unitário foi mantida, deixando claro dois aspectos: que o sistema 
unitário não é incompatível com a diferenciação entre as modalidades de autoria e participação 
e que apesar de não definir os conceitos, alguns critérios foram apresentados para nortear a 
doutrina nesta tarefa. 
Os critérios, mencionados pelo legislador, podem ser verificados ao longo do texto do 
Código Penal, como por exemplo, no artigo 29 ao mencionar a expressão “na medida de sua 
culpabilidade” esclarecendo que as penas serão distintas; no artigo 62, I, quando trata daquele 
que “dirige a atividade dos demais agentes”, identificando a hipótese de autoria mediata, a qual 
é corroborada pelo artigo 5, XLIII, da Constituição Federal ao fazer referência aos mandantes; 
no artigo 62, IV, e também indicando as modalidades de participação, indução, instigação e 
auxílio nos artigos 31; 62, II e III e 122. 
Pode-se observar, com isso, que o legislador adotou um sistema unitário funcional, já 
que admite a diferenciação entre as modalidades de autoria, porém, sem condicionar à conduta 
dolosa e antijurídica do autor mediato, já que o legislador brasileiro admite a chamada autoria 
mediata tanto punível quanto impunível. 
 
 
SISTEMA UNITÁRIO FUNCIONAL E A TEORIA DO DOMÍNIO DO 
FATO 
 
Tendo por pilar premissas causais naturalistas, o sistema unitário e a teoria do domínio 
do fato não seriam compatíveis, pois segundo Roxin, o desenvolvimento da sua teoria tem por 
base o sistema diferenciador. Apesar da incompatibilidade entre o sistema unitário brasileiro e 
a teoria do domínio do fato, em alguns casos os tribunais tem utilizado tais concepções como 
 
 
 
diretrizes para delimitação da autoria e suas respectivas modalidades. O caso mais famoso foi 
quando a teoria foi invocada pelo Supremo Tribunal Federal na Ação Penal 470, mais conhecida 
como Mensalão. 
 
CASO MENSALÃO 
 
Mensalão foi o nome dado ao escândalo de corrupção política, mediante compra de 
votos de parlamentares, que compunham a chamada “base aliada” do governo federal, entre os 
anos de 2005 e 2006. O caso foi descoberto por meio de uma gravação em uma conversa com 
o diretor da Empresa Pública Correios, na qual este
evidenciava todo o esquema tendo como 
principal articulador o deputado Roberto Jeferson, do Partido Trabalhista Brasileiro, partido 
que indicava os diretores para os Correios. 
No caso em questão, o então Ministro-Chefe da Casa Civil, José Dirceu, foi indicado 
por Roberto Jeferson como sendo o coordenador do esquema ilegal de pagamentos mensais 
para congressistas. O caso foi julgado em 2007 pelo Supremo Tribunal Federal e a teoria do 
domínio do fato foi utilizada pelo Ministro Joaquim Barbosa como fundamento para condenar 
José Dirceu. 
De acordo com alguns críticos, a Corte fundiu teorias incompatíveis entre si, não 
especificando critérios que utilizou para nortear aquilo que denominou domínio do fato e deixou 
de indicar analiticamente dados empíricos hábeis a fundamentar o suposto domínio do fato. 
Então, José Dirceu foi condenado pelo cargo de chefia que ocupava dentro da organização, 
sendo que a teoria do domínio do fato não utiliza este fato isolado como critério para 
delimitação de autoria mediata, tampouco dispensa da necessidade de provas concretas que 
demonstrem o dolo do autor. 
Outro ponto que não foi considerado pela Corte foi a fungibilidade dos autores mediatos, 
visto que estes eram subalternos, ou seja, sujeitos específicos da organização, deixando de lado 
uma regra essencial para caracterização da teoria do domínio do fato de Roxin. 
Na decisão restou de forma clara que a teoria de Roxin foi utilizada como simples 
retórica para fins de atribuição de responsabilidade, sem sequer chegar ao seu conteúdo, o que 
seria o principal aspecto a ser discutido. Não bastasse isso, a decisão ainda afirmou que “a teoria 
do domínio do fato, na versão de Roxin, não ofende o ordenamento brasileiro, ao contrário, 
revela-se compatível com a disciplina que o nosso Código Penal estabeleceu”. 
 
 
 
 
CONCLUSÃO 
 
Após leitura dos textos propostos, pode-se concluir que de acordo com a teoria do 
domínio do fato, autor é a figura central do acontecer típico, admitindo-se também a autoria 
mediata e a coautoria nos crimes dolosos observados seus requisitos. 
Visto que o Código Penal Brasileiro não requer distinção entre autor e partícipe de um 
crime, adotando um sistema unitário funcional, mesmo após leitura de algumas decisões de 
tribunais brasileiros, que se utilizaram da teoria para embasar seus fundamentos, não foi 
possível observar uma imprescindibilidade na menção à teoria para conclusão da sentença. 
O estudo acerca da teoria do domínio do fato se faz relevante para se fazer a distinção 
entre autores e partícipes de um crime, no entanto, para se utilizar a teoria ao argumentar decisão 
de julgamento é de extrema importância a observação dos requisitos impostos pelos renomados 
autores alemães e um estudo profundo em relação as provas obtidas para que esta 
fundamentação respeite as regras do ordenamento brasileiro, em especial, o artigo 93 da 
Constituição Federal que impõe pena de nulidade para decisões não fundamentadas. 
Sendo assim, mais importante do que uma robusta teoria utilizada em um ordenamento 
jurídico estrangeiro, que atende as necessidades práticas penais daquele país, se faz necessária 
a capacitação dos operadores de Direito no Brasil para que sejam solucionados os casos 
apresentados utilizando a teoria correta e a análise de provas concretas com o intuito de se evitar 
que a teoria do domínio do fato seja utilizada de maneira errônea apenas para servir de 
“argumento” em favor de uma punição que não ocorreria de outra forma. 
 
 
 
 
REFERÊNCIAS 
 
ALFLEN, Pablo Rodrigo. Teoria do domínio do fato. São Paulo: Saraiva, 2014 
 
GRECO, Luís. Et.al. Autoria Como Domínio do Fato: Estudos introdutórios sobre o concurso 
de pessoas no direito penal brasileiro.1. ed. São Paulo: Marcial Pons, 2014.

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