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Os Jogos Tradicionais na Educação Física Escolar

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OS JOGOS TRADICIONAIS INFANTIS NA EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR 
Evandro Spironello de Miranda1 
Fernando Donizete Alves (O)2 
 
Resumo 
O presente estudo tem como objetivo descrever e analisar o jogo na Educação Física Escolar, para 
que sejam compreendidos seus significados e viabilizado sua aplicação sistematizada. Desde os 
primeiros anos da Educação Física Escolar no Brasil, o jogo tem sido um conteúdo utilizado como 
prática pedagógica e isso parece ter sido intensificado com o passar do tempo. Apesar de diferentes 
abordagens justificarem sua importância, usa-se o jogo de modo indiscriminado devido ao fascínio 
que ele proporciona aos alunos. Com isso, realizamos uma revisão da literatura para entender 
algumas idéias que permeiam o jogo. Sendo assim, entende-se que o jogo possui uma grande 
relação com aspectos socioculturais, o que o torna um fenômeno histórico e cultural fazendo sua 
presença dentro da escola indispensável e consequentemente constituindo um instrumento 
pedagógico de grande valor no ambiente escolar, proporcionando vivências e experimentações 
variadas, pois assim como sua importância é inegável os benefícios atribuídos a ele também, já que 
colaboram com o desenvolvimento infantil de forma singular, atingindo todas as dimensões do 
comportamento humano. É neste sentido que, a Educação Física Escolar está inserida diante de 
tanta importância, enquanto área de conhecimento tendo como especificidade tratar dos temas da 
cultura corporal dentre os quais encontra-se o jogo, proporcionando ao mesmo um sentido sócio-
cultural através dos jogos e brincadeiras tradicionais e não apenas como desenvolvimento de 
determinadas habilidades técnicas ou gesto motor. 
 
Palavras Chaves: Educação Física, Educação Física Escolar e Jogos Tradicionais Infantis. 
 
Abstract 
The present study has as objective describes and to analyze the game in the School physical 
education, so that your meanings are understood and made possible your systematized application. 
Since the first years of the School physical education in Brazil, the game has been a content used as 
pedagogic practice and that seems it was intensified in the course of time. In spite of different 
approaches they justify your importance, the game in an indiscriminate way is used due to the 
fascination that he provides to the students. With that, we accomplished a revision of the literature 
to understand some ideas that permeate the game. Being like this, he/she understands each other 
that the game possesses a great relationship with sociocultural aspects, what turns him/it a historical 
and cultural phenomenon making your presence inside of the indispensable school and 
consequently constituting a pedagogic instrument of great value in the school atmosphere, 
providing existences and varied experimentations, because as well as your importance it is 
undeniable the benefits also attributed to him, since they collaborate with the infantile development 
in a singular way, reaching all the dimensions of the human behavior. It is in this sense that, the 
School physical education is inserted before so much importance, while knowledge area tends as i 
specify to treat of the themes of the corporal culture among which he/she is the game, providing to 
the even a partner-cultural sense through the games and traditional games and I don't just eat 
development certain technical abilities or motor gesture. 
 
Key words: School physical education and Traditional Games Children. 
 
 
 
 
1
 Professor de Educação Física da Rede Particular de Piracicaba; aluno do III Curso de Especialização em Educação 
Física Escolar do DEFMH/UFSCar. 
2
 Professor do DEFM/UFSCar. 
 
171 
1 INTRODUÇÃO 
O presente trabalho começa a ser elaborado a partir do aprofundamento das teorias 
relacionadas à temática do jogo, juntamente com a experiência docente, atuando há quatro anos 
como professor de Educação Física na educação básica, ajudando a afirmar a presença do jogo nas 
mais diversas faixas etárias. 
Antes de se realizar uma abordagem sobre as diferentes idéias de jogo e suas 
possibilidades no âmbito escolar, pretende-se definir que sentido será dado a esta palavra. 
O termo “jogo” será entendido de uma forma ampla e genérica, com mesmo sentido 
de brincar, brincadeira, brinquedo e lúdico. Buscando apoio nos estudos de Negrine (1994), temos 
que o termo jogo é de utilização universal, inclusive nos estudos relacionados com as atividades 
lúdicas da infância. Sendo assim, o termo jogo será utilizado no texto como sinônimo ao brincar 
lúdico. 
Dessa forma, a prática de atividade lúdica por crianças em fase escolar, permite 
observar que os significados, ritos, valores e número de participantes são elementos passíveis de 
alteração, mas a busca pelo jogo mostra-se uma constante. A medida em que se constata a 
fascinação das crianças pelo jogo criam-se algumas inferências que motivaram a realização desse 
trabalho. 
A primeira delas é que o ser humano é de fato um apaixonado pelo jogo, como 
Huizinga (2005) já expôs de maneira muito mais complexa, de modo que seu possível afastamento 
do lúdico em idades mais avançadas se dá pela imperiosidade das demandas da existência em 
distintos momentos da vida e não por um desinteresse das práticas. Afinal, diferentemente das 
obrigações, o jogo nem sempre permite uma linearidade. 
A segunda é a grande contribuição que o jogo pode representar para a Educação, pela 
enorme motivação que leva ao aprendizado. Pode-se nesse momento apelar para o idealismo e dizer 
que o jogo deveria ser mais respeitado dentro da sociedade como um todo, em suas diversas 
práticas, nas diferentes faixas etárias, mas isso demandaria uma análise mais complexa e apurada 
dos imbricados mecanismos da sociedade contemporânea, o que não é objetivo desse trabalho. 
As percepções que se tem com essas observações podem não representar uma grande 
novidade para alguns estudiosos do assunto, mas a convicção da importância dessas práticas para 
diferentes populações traz uma imensa motivação para o aprofundamento da compreensão do 
lúdico. Acredita-se que o entendimento e o compartilhar do conhecimento das diversas reações que 
as crianças apresentam na prática de um jogo podem ajudar muito a atividade de lecionar. 
Dessa maneira, o trabalho procura ter uma compreensão mais aprofundada do 
fenômeno jogo e a sua relação com a cultura (capítulo 1); em um segundo momento, será discutida 
a relação do jogo com o processo de ensino-aprendizagem, sob a ótica da teoria de Vigotsky 
 
172 
(capítulo 2), e por fim dialogar sobre o jogo no âmbito da Educação Física Escolar, analisando 
documentos oficiais que permeiam a área, concepções pedagógicas que subsidiam as práticas e 
possibilidades do jogo nas aulas, em especifico os jogos tradicionais infantis (capitulo 3). 
Portanto, o presente estudo tem como objetivo por meio de uma pesquisa 
bibliográfica descrever e analisar os Jogos Tradicionais Infantis na Educação Física Escolar, para 
que sejam determinados seus significados e viabilizado sua aplicação sistematizada. 
 
2 EM QUE LUGAR O JOGO ACONTECE? 
Chegando em uma sala de aula de uma turma do ensino fundamental (1) ao 
acompanhá-los até a aula de Educação Física na quadra, é fácil perceber a vivência dos jogos por 
toda parte: alguns brincam de figurinhas; outros se desafiam no braço de ferro; as meninas trocam 
palmas no famoso adoletá; outros fazem do lixo uma cesta de basquetebol improvisado que aos 
poucos acaba se transformando numa batalha maluca de papéis. 
Ao deparar-me diante dessa situação e realizar a intervenção a fim de restabelecer a 
calma, realiza-se o registro da chamada e em seguida temos uma rápida explanação sobre as 
atividades a serem realizadas naquela aula, logo em seguida outros jogos são iniciados 
imediatamente:a disputa para ver quem chega primeiro na quadra (mesmo sob meus alertas para 
que não corram na escada), o pega-pega ou o futebol com latinhas amassadas realizados na quadra 
até a minha chegada. 
É diante de toda essa situação não resta nenhuma dúvida de que o jogo está 
constantemente presente na vida dessas crianças, porém surgem algumas questões, como: “Por que 
isto acontece?”. 
Será que é uma simples busca do prazer, na qual o ser humano mostra-se realmente 
insaciável, sendo talvez esse o maior desafio na prática educacional: ensinar as crianças a controlar 
os seus desejos? Não se pode esquecer que a busca pelo prazer não se limita à prática de jogos. 
Sabe-se que são diversos os meios para se chegar a estados de excitação que não o lúdico. Tal 
procura pode ser mais intensificada na fase adulta, como a busca pelo sexo, as drogas, o 
consumismo, ações que proporcionam diferentes sensações de gozo. 
Seria possível dizer que o jogo é meio de fuga de uma realidade opressora que obriga 
as crianças a aprenderem conteúdos que não condizem com sua realidade? Entre as muitas 
determinações que as crianças encontram em seu cotidiano escolar que geram desconforto, 
podemos citar a “ordem estática” à qual elas estão submetidas, em nome da disciplina e das normas 
vigentes, que as obrigam a permanecerem sentadas por cinco horas quase ininterruptas. Então, não é 
difícil entender que o jogo seja visto como uma forma de liberdade. Além disso, o controle 
 
173 
exacerbado do corpo favorece a busca do jogo na procura pelo movimento, ainda que nem todos os 
jogos caracterizem-se por uma grande demanda de movimentação (FREIRE, 2005). 
Embora seja inegável a busca pelo jogo, as causas ou motivações que desencadeiam 
essa procura podem ter razões e origens muito diversificadas. Apesar de o jogo estar presente em 
diversas sociedades e épocas distintas, ainda hoje não se sabe ao certo qual sua origem, mas as 
dinâmicas sociais de distintos momentos históricos imprimiram suas marcas em seus praticantes. 
Não há um consenso na literatura quanto à constituição do jogo dar-se enquanto um 
elemento cultural ou natural (biológico), devido à sua complexidade de prática entre as sociedades 
de diversas épocas. Para Bruhns (1999), a causa que leva à busca pelo jogo e os valores que lhe são 
atribuídos parecem ser bastante heterogêneos e variável de acordo com a cultura e tempo em que 
estão presentes, dificultando uma definição sobre o ambiente do jogo. 
Embora acreditemos que o ambiente do jogo seja plural, o objetivo deste trabalho é 
compreender o significado do jogo e suas possibilidades na Educação Física Escolar. Para tanto, 
serão feitas reflexões quanto à origem do jogo no universo infantil (compreensão necessária para 
perceber a sua evolução e como se manifesta na infância) a partir de Huizinga (2005); Geertz 
(1989) e o jogo como elemento cultural (para compreender a influência mútua que os dois 
elementos proporcionam nos diversos ambientes e principalmente na infância), conforme Geertz 
(1989); Brougère (1997); Huizinga (2005); Valsiner (1988). 
 
2.1 A Origem do Jogo no Universo Infantil 
O primeiro contato com o jogo se dá ainda no início da infância, quando a criança 
encontra-se em um momento de incessante investigação do ambiente, na busca da modificação 
desse meio, por meio de brinquedos, brincadeiras, jogos ou simplesmente pela manipulação de 
objetos. Nota-se que entre tantos motivos que podem levar o homem a buscar o jogo, a formação de 
sua própria cultura surge como elemento fundamental (HUIZINGA, 2005). É possível perceber 
nesse momento uma formação complementar do homem proporcionada pelo encontro entre a sua 
natureza, caracterizada por sua forma física, seus instintos e sentimentos e a sua cultura, 
estabelecida por meio de valores (éticos, morais, estéticos), ritos e regras presentes dentro do 
ambiente em que ele convive. 
De acordo com Geertz (1989), o homem é o único animal que se apresenta com uma 
gestação incompleta, ou seja, que não apresenta ao nascer um desenvolvimento motor e cognitivo 
tão amplo quanto outros mamíferos. Além disso, seu pleno desenvolvimento é caracterizado por um 
período muito mais longo em relação aos demais animais. A necessidade de uma complementação 
só seria possível por meio das relações sociais, ou seja, a “segunda gestação” seria fruto da inserção 
 
174 
cultural que pode representar, desde a educação, costumes e valores da sociedade até mesmo a 
prática de jogos. 
Em seu Homo Ludens, Huizinga (2005), já traz no título do livro uma nova forma de 
designação do homem ao apresentar a diversidade de esferas em que as atividades lúdicas podem 
ser contextualizadas, não se restringindo apenas ao período da infância, mas ao ser humano em 
todas as faixas etárias. O autor aponta o jogo como um elemento da cultura, de forma que se pode 
criar uma série de critérios na diferenciação de sua prática, que pode ser representada pelo local em 
que é realizada, a pessoa envolvida (desde a diferenciação de faixas etárias até questões sócio-
econômicas), e as questões religiosas. 
Assim, ao abordar o jogo como elemento cultural, é possível compreender que seus 
valores e significados podem ser completamente distintos em duas sociedades diferentes. 
São muitas as funções representadas pelo jogo dentro de uma sociedade, enquanto 
um elemento cultural. Dentre elas pode-se observar a formação da identidade entre os praticantes de 
uma mesma atividade, exemplificado na formação de clubes e associações, formados a partir da 
criação de grupos que buscam a sensação de estarem ‘separadamente juntos’, por se identificarem 
em uma aliança de uma mesma ‘sociedade lúdica’ (HUIZINGA, 2005). 
 Embora seja indiscutível a condição cultural do jogo, o autor assume também sua 
essência natural ao afirmar que “os próprios animais brincam tal como os homens. Bastará que 
observemos os cachorrinhos para constatar que, em suas alegres evoluções, encontram-se presentes 
todos os elementos essenciais do jogo humano” (HUIZINGA, 2005). 
Em síntese, com essas considerações buscou-se elucidar as premissas do 
comportamento lúdico, a fim de compreender como tal fenômeno desencadeia do ponto de vista 
natural e cultural, sendo este último a ser especificamente discutido no próximo tema. 
 
2.2 O Jogo como Elemento Cultural 
A relação do jogo com a cultura, aparentemente óbvia, chamou a atenção dos 
estudiosos da área, sendo desenvolvida primeiro na Antropologia e na História, como demonstram 
os trabalhos de Brougère (1997), Huizinga (2005), Caillois (1990) e Ariès (1978). Antropólogos 
que não tinham como foco o estudo do jogo e da brincadeira acabaram por contribuir com suas 
visões de cultura para o estudo do lúdico em diferentes contextos culturais. 
Acredita-se que a relação jogo-cultura se dá em diversos planos (psicológico, social, 
político, cultural, filosófico e histórico), todos ocorrendo simultaneamente e, principalmente, se 
interpenetrando. 
Diante de algumas idéias expostas por teóricos da área, a concepção de cultura 
exposta por Valsiner (1988), outras, como a de Oliveira (1986), discutem a cultura do jogo como 
 
175 
subproduto da indústria cultural, ancorada na teoria crítica e no marxismo. No entanto, durante essa 
revisão bibliográfica, o enfoque principal será a criança em interação com seu meio, sua atividade 
lúdica, assim como qualquer outra atividade desenvolvida por ela, é fruto do seu meio histórico-
cultural, mesmo quando não há diferenciação explícita entre brincadeira, brinquedo e jogo, estas 
atividades são colocadas como pertencentes a uma mesma categoria: a infância. 
Os trabalhos de Fantin (1996) e Oliveira (1986) merecem maior atenção por 
realizarem uma discussão assentada na relação criança-brinquedo/jogo-escola-tevê. Fantin (1996) 
ocupa-se de trabalhar a relação jogo-escola, buscando pesquisaros limites e aplicações do jogo na 
educação infantil a partir de um enfoque psicopedagógico, valendo-se dos trabalhos de Kishimoto e 
Brougére sobre o tema. Já Oliveira (1986) assenta sua discussão acerca da relação criança-indústria 
cultural, com o brinquedo sendo encarado como mercadoria, perdendo suas características lúdicas e 
adentrando no mundo do valor de troca, próprio do modo de produção capitalista. 
Dessa forma, se faz necessário ampliar o conceito da palavra cultura, a fim de 
compreender os envoltos que constituem a estrutura da sociedade contemporânea em relação ao 
jogo, sendo assim, Valsiner (1988), refere-se à cultura como uma organização estrutural de normas 
sociais, rituais, regras de conduta e sistemas de significado compartilhados pelas pessoas que 
pertencem a um certo grupo etnicamente homogêneo. 
Já para Geertz (1989), o conceito de cultura deve ser eminentemente semiótico; a 
cultura deve ser entendida como uma “teia de significados que o indivíduo mesmo teceu”. 
Deste modo, as crianças entram em contato o tempo todo durante o jogo, com signos 
produzidos pela cultura à qual pertencem. Para Brougére (1997), a brincadeira de casinha, os 
brinquedos de guerra, os heróis da televisão ou a sandalinha da dançarina de axé, são elementos que 
encerram em si significados e ideologias. Neste sentido é que ocorre a troca da transmissão cultural, 
pois a atividade de brincar da criança é estruturada conforme os sistemas de significado cultural do 
grupo a que ela pertence. Mas, ao mesmo tempo, está atividade é reorganizada no próprio ato de 
brincar da criança, de acordo com o sentido particular que ela atribui às suas ações, em interação 
com seus pares ou com os membros mais competentes de sua cultura. Nesse processo, tanto os 
significados coletivos quanto os sentidos pessoais são remodelados e redefinidos continuamente. 
O jogo e o brincar supõem uma relação dialética. A criança pode brincar com os 
significados para mediar simbolicamente a internalização da cultura, que promove saltos 
qualitativos no seu desenvolvimento ou elaborar conflitos emocionais, conforme demonstram os 
trabalhos em ludoterapia. Segundo Araújo (2006), o adulto deve fortalecer a consciência de si na 
criança, atribuindo um sentido externo ao brincar e na medida que o jogo se torna um marco na 
atividade simbólica da criança, o adulto deixa de ser necessário para sua plena satisfação. 
 
176 
Pensando assim, a assimilação da cultura, mediada pela brincadeira, possui uma 
função subjetiva, em que a criança resgata, organiza e constitui sua subjetividade, esta função da 
brincadeira corresponde ao que Valsiner (1988) denomina “entidade pessoal” da cultura. 
Portanto, os jogos cumprem essa função de unir, juntar a cultura popular à vivência 
da criança, perpetuando a cultura infantil e desenvolvendo formas de convívio social, fatos que 
além de favorecer a transmissão cultural e a apropriação do acervo de conhecimentos, símbolos e 
valores, possibilita contemplar outras competências que favorecem o desenvolvimento e 
aprendizagem do ser humano. É neste sentido que no próximo capitulo será feita uma abordagem 
sobre a influência do jogo no processo de aprendizagem de acordo com a teoria de Vigotsky. 
 
3 O JOGO E O SEU PERCURSO NA EDUCAÇÃO 
Ao pensar o jogo e sua trajetória no âmbito da educação infere-se com Kishimoto 
(2003) que embora alguns autores ressaltem o aparecimento dos jogos educativos no século XVI, na 
escola maternal francesa, os primeiros estudos em torno do mesmo, situam-se na Roma e Grécia 
antigas. Entre os romanos, jogos eram destinados ao preparo físico, formar soldados para a guerra. 
A relevância do jogo vem de longa data. Filósofos como Platão, Aristóteles e, 
posteriormente, Quintiliano, Montaigne, Rousseau, destacam o papel do jogo na educação. 
Entretanto, é com Froebel, o criador do Jardim-de-infância, que o jogo passa a fazer parte do centro 
do currículo da educação. Pela primeira vez a criança brinca na escola, manipula brinquedos para 
aprender conceitos e desenvolver habilidades. Jogos, música, arte e atividades externas integram o 
programa diário composto pelos dons e ocupações froebelianas. 
Essas orientações de Froebel dominaram a educação por 50 anos, até o advento da 
era progressista. Dewey modifica estes programas Froebilianos e coloca a experiência direta com os 
elementos do ambiente e os interesses da criança como novos eixos, afirmando que: 
 
 
Se as crianças são vistas como seres sociais à aprendizagem infantil far-se-á 
de modo espontâneo, por meio do jogo, nas situações do cotidiano, isto é, 
tarefas simples como preparar alimentos, lanche, representações de peças 
familiares, brincar de faz-de-conta, adivinhações, etc. (KISHIMOTO, 2003, 
p. 23). 
 
 
Assim posto, para Dewey, o jogo é concebido como atividade livre, como forma de 
apreensão dos problemas cotidianos. 
Paralelamente, na Europa, escolanovistas como Montessori, divulgam a importância 
de materiais pedagógicos explorados livremente e Decroly expande a noção de jogos educativos. A 
ambigüidade das concepções froebelianas dá o alicerce para a estruturação da noção de jogo 
 
177 
educativo, uma mistura da ação lúdica e a orientação do professor visando a objetivos como a 
aquisição de conteúdos e o desenvolvimento de habilidades e, ao mesmo tempo, o desenvolvimento 
integral da criança (KISHIMOTO, 2003). 
Nessa época não se discutia o emprego do jogo como atividade pedagógica. Mas é 
durante o Renascimento que o jogo deixa de ser objeto de reprovação oficial e é incorporado no 
cotidiano dos estudantes, não como diversão, mas como tendência natural do ser humano. É nesse 
contexto, que Rabecq-Maillard (1969) situa o nascimento do jogo educativo (KISHIMOTO, 2003). 
O Renascentismo vê a brincadeira também como conduta livre que favorece o 
desenvolvimento da inteligência e facilita o estudo, tornando-se uma forma adequada para a 
aprendizagem dos conteúdos escolares, reabilita exercícios físicos banidos pela Idade Média. 
Exercícios de barra, corridas, jogos de bola semelhante ao futebol e o golfe são praticados em geral. 
Aos jogos do corpo são acrescidos os do espírito. 
No século XVI, é que se destaca o jogo educativo, com o aparecimento da 
Companhia de Jesus. Ignácio de Loyola, militar e nobre, compreende a importância dos jogos de 
exercícios para a formação do ser humano e recomenda sua utilização como recurso auxiliar de 
ensino. Através de exercícios de caráter lúdico é que o ensino escolástico foi substituído 
(ALMEIDA, 1998). 
Froebel, Montessori e Decroli, conforme diz Wajskop (2005), contribuíram para a 
superação de uma concepção tradicionalista de ensino, inaugurando um período histórico onde as 
crianças passaram a ser respeitadas e compreendidas enquanto seres ativos. 
A prática, em larga escala, dos ideais humanistas do Renascimento, o século XVIII, 
provoca a expansão contínua de jogos didáticos ou educativos. Popularizam-se os jogos. A imagem 
da criança com natureza distinta do adulto permite a criação e expansão de estabelecimentos de 
ensino. A partir dessas reflexões, é que o jogo, é colocado por Froebel, (apud Kishimoto, 2003, p. 
16) “como objeto e ação de brincar, e passa a fazer parte da história da educação”. 
O jogo continua presente nas propostas de educação infantil como o advento do 
freudismo, como mecanismo de defesa de impulsos não satisfeitos. Neofreudianos, especialmente 
Piaget, Gesel, Erikson, Winnicot e outros, enfocam a importância do jogo para o desenvolvimento 
emocional e psicológico da criança, como elemento importante frente às pressões oriundas do meio 
sócio-cultural em que vivem. 
Com a expansão dos novos ideais de ensino, crescem experiências introduzindo o 
jogo com a finalidade de facilitar tarefas de ensino. Mas a sua expansão na área de ensino dar-se-á 
no inicio deste século,pela discussão sobre as relações entre o jogo e a educação. 
O jogo educativo, metade jogo e metade educação, tomam o espaço das escolas 
sendo estas chamadas de um ‘grande brinquedo educativo’ e acrescenta: 
 
178 
 
 
O jogo é para a criança um fim em si mesmo, ele deve ser para nós um meio 
(de educar), de onde seu nome ‘jogo educativo’ que toma cada vez mais 
lugar na linguagem da Froebeldagogia maternal (KISHIMOTO, 2003 p.55). 
 
 
Nesse contexto cresce o número de autores que adotam o jogo na educação, 
incorporando a função lúdica e a educativa. Diante desses autores que tratam da temática do jogo e 
suas implicações na aprendizagem, a seguir focaremos nos pensamentos de Lev Vigotsky. 
 
3.1 O Jogo sob a ótica da Teoria de Vigotsky 
 A busca pelo conhecimento e o entendimento do ser humano sempre foi, em todas 
as épocas, objetivo do homem. Do mesmo modo, a compreensão de seu desenvolvimento, ou 
melhor, dizendo, do desenvolvimento de suas funções também se apresentou como objeto de estudo 
impregnado do mesmo desejo. 
 No entanto, na história dos estudos da psicologia a dificuldade em se tratar o 
desenvolvimento humano na perspectiva social foi fato marcante. Para esta área de conhecimento o 
desenvolvimento humano foi considerado um evento de natureza individual, mesmo considerando-
se a influência da interação com o meio ou da sua inserção social (PINO, 2000). 
 Vigotsky, no entanto, inverteu a direção por onde caminhavam estes estudos, 
introduzindo nesta ciência a perspectiva da origem e da evolução do homem indo do sentido do 
social para o individual, se perguntando como o meio social age no indivíduo, ou seja, como ele se 
constitui nas relações em sociedade. 
 O princípio orientador da abordagem de Vigotsky é a dimensão sócio-histórica do 
psiquismo. Segundo este princípio, tudo o que é especificamente humano e distingue o homem de 
outras espécies origina-se de sua vida em sociedade. Seus modos de perceber, de representar, de 
explicar e de atuar sobre o meio, seus sentimentos em relação ao mundo, ao outro e a si mesmo, 
enfim, seu funcionamento psicológico, vão se constituindo nas suas relações sociais (FONTANA; 
CRUZ, 1997). 
A perspectiva social da constituição do indivíduo permitiu o rompimento da 
dicotomia indivíduo-sociedade presente nas teorias que buscavam explicar o desenvolvimento 
humano. Deste modo, Vigotsky revoluciona os estudos tradicionais mudando o enfoque, até então 
de natureza biológica, para o campo social e cultural. 
É neste sentido que, a partir de suas investigações sobre o desenvolvimento dos 
processos superiores do ser humano, Vigotsky apresenta estudos sobre o papel psicológico do jogo 
para o desenvolvimento da criança. 
 
179 
Ao publicar, em 1933, “O papel do brinquedo no desenvolvimento infantil”, o autor 
contribui decisivamente para o surgimento de um novo paradigma a respeito da teoria psicológica 
do jogo. 
O autor enfatiza a importância de se investigar as necessidades, motivações e 
tendências que as crianças manifestam e como se satisfazem nos jogos, a fim de compreendermos 
os avanços nos diferentes estágios de seu desenvolvimento. 
Neste aspecto, é preciso levar em conta que o jogo atende necessidades que se 
modificam de acordo com a idade. Assim, um jogo que interessa a uma criança de dois anos de 
idade, deixa de ser interessante para outra mais velha. 
Esta característica constatada nas necessidades e motivações das atividades lúdicas, 
nas diferentes faixas etárias, confere ao jogo um importante papel no que se refere ao conhecimento 
do desenvolvimento infantil. 
Ao analisar o comportamento infantil, Vigotsky ressalta que uma criança pequena 
apresenta certos desejos que, muitas vezes, não podem ser satisfeitos imediatamente. Por exemplo: 
a criança quer ocupar o papel de mãe; porém, este papel não pode ser satisfeito. Esta peculiaridade 
do comportamento infantil se acentua na idade pré-escolar. Para resolver as tensões e conflitos dos 
desejos que não podem ser satisfeitos imediatamente, a criança recorre a um mundo ilusório, de 
imaginação, onde os desejos não realizáveis podem se concretizar. O autor denomina este mundo 
de “brincadeira”. 
Caracterizando o brincar da criança como imaginação em ação, Vigotsky elege a 
situação imaginária como um dos elementos fundamentais das brincadeiras e jogos. 
De acordo com o autor: 
 
 
Quando a criança brinca, ela cria uma situação imaginária que ultrapassa a 
dimensão perceptivo-motora do comportamento e ingressa no campo de 
significado “a essência da brincadeira é a criação de uma nova relação entre 
o campo de significado e o campo de percepção visual, ou seja, entre as 
situações no pensamento e o campo de percepção (VIGOTSKY, 2007, 
p.121)”. 
 
 
Conforme Vigotsky, esta possibilidade caracteriza um avanço no desenvolvimento 
infantil, na medida em que a criança pequena que agia somente de acordo com seu campo 
perceptivo imediato, começa a modificar seu comportamento no jogo, substituindo uma ação real 
por outra, um objeto real por outro, etc. Por exemplo: ao brincar de médico, utilizando um lápis 
como termômetro, a criança se relaciona com o significado em questão (a idéia de termômetro) e 
não com o objeto concreto. O lápis serve como representação de uma realidade ausente e permite a 
 
180 
criança separar o objeto do significado, assim, no brinquedo, o pensamento está separado dos 
objetos e a ação surge das idéias e não das coisas. 
No brinquedo, o significado conferido ao objeto torna-se mais importante que o 
próprio objeto, que é relegado a uma posição subordinada. 
Segundo Vigotsky (1999), o brinquedo que comporta uma situação imaginária 
também comporta uma regra relacionada com o que está sendo representado. Assim, quando a 
criança brinca de médico, busca agir de modo muito próximo daquele que ela observou nos médicos 
do contexto real. A criança cria e se submete às regras do jogo ao representar diferentes papéis. 
Esta brincadeira, onde se evidencia uma situação imaginária às claras e as regras 
estão ocultas, se transforma em brincadeira com regras às claras e uma situação imaginária oculta. 
Esta modificação se configura na evolução do jogo infantil e se relaciona com o desenvolvimento 
da criança. 
Na forma mais desenvolvida das brincadeiras, acrescentamos entre a situação 
imaginária e a ação da criança, o objetivo do jogo. Ao jogar, as crianças exigem que sejam 
consideradas as regras que traduzem o objetivo do jogo. 
Outro aspecto enfatizado por Vigotsky, se relaciona com o controle dos desejos e 
impulsos imediatos exigidos na brincadeira, onde a cada momento a criança se vê frente a um 
conflito. Entre as regras do jogo e seus desejos ao se submeter às regras, evidencia-se controle e 
renúncia. 
Para Vigotsky (1979), a brincadeira se configura como uma situação privilegiada de 
aprendizagem infantil, à medida que fornece uma estrutura básica para mudanças das necessidades 
e da consciência. 
O autor destaca que a brincadeira potencializa a criação de uma "zona de 
desenvolvimento proximal", que se refere à distância entre o nível de desenvolvimento atual - 
determinado através da solução de problemas pela criança, sem ajuda de alguém mais experiente - e 
o nível potencial de desenvolvimento medido através da solução de problemas sob a orientação de 
adultos ou em colaboração com crianças mais experientes. 
 O tutor ou parceiro chamado de mediador, serve como uma forma indireta de 
consciência, até que a criança seja capaz de dominar sua própria ação através de sua própria 
consciência e controle. Ocorre, portanto, uma discretização da experiência que permite à criança 
refletir sobre seu próprio comportamento, saindo da indiferenciação inicial. 
Outro aspecto evidenciado pelo estudioso é o papel essencial da imitação na 
brincadeira, na medida emque, inicialmente, a criança faz aquilo que ela viu o outro fazer, mesmo 
sem ter clareza do significado da ação. À proporção que deixa de repetir por imitação, passa a 
realizar a atividade conscientemente, criando novas possibilidades e combinações. Dessa forma, a 
 
181 
imitação não é considerada uma atividade mecânica ou de simples cópia de modelo, uma vez que ao 
realizá-la, a criança está construindo, em nível individual, o que observou nos outros. 
Vigotsky (1979) afirma que a imitação pode ser entendida como um dos possíveis 
caminhos para o aprendizado, uma forma de a criança internalizar o conhecimento externo. 
É, portanto, na situação de brincar que as crianças se colocam questões e desafios 
além de seu comportamento diário, levantando hipóteses, na tentativa de compreender os problemas 
que lhes são propostos pela realidade na qual interagem. Assim, ao brincarem, constroem a 
consciência da realidade e, ao mesmo tempo, vivenciam a possibilidade de transformá-la. 
Em síntese, com essas categorizações buscou-se delimitar a compreensão do termo 
“jogo”, uma vez que sua amplitude requer um maior cuidado ao ser retratado de forma indefinida. 
Assim, ao invés de se estabelecer uma definição para o vocábulo jogo, buscou-se sua categorização 
de forma a permitir o uso do termo jogo de forma mais delimitada e clara, diminuindo a 
possibilidade de interpretações ambíguas. 
 
4 EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR: O JOGO COMO A BOLA DA VEZ 
O presente capítulo visa a apresentar um breve histórico da Educação Física Escolar 
e a inserção do jogo em sua prática, dentro do contexto social em que ela foi produzida. Dessa 
maneira, busca-se discutir alguns fatos que ilustram, desde o ingresso da Educação Física na escola, 
até a apresentação de algumas perspectivas relevantes surgidas a partir da década de 1980, no 
cenário da Educação Física brasileira, com o seu processo de pluralização da área. 
O século XIX foi marcado por grandes mudanças socioeconômicas na Europa, 
mudanças essas iniciadas pela Revolução Industrial que provocou um movimento de êxodo rural e a 
formação de grandes aglomerados urbanos, devido à oferta de trabalho nas cidades. Essa massa 
trabalhadora vivia em condições sub-humanas com moradia em precárias condições de higiene e 
obrigadas a desempenhar longas jornadas de trabalho, criando condições para o surgimento e 
proliferação de epidemias. 
O pensamento da medicina clínica, cuja origem é anterior a todos esses 
acontecimentos, era de que a etiologia das doenças relacionava-se com a fome, a miséria e a 
opressão vividas pela população. Com o desenvolvimento da medicina social, a partir do século 
XVIII, há uma aproximação entre a medicina e as ciências sociais, onde se considera a inserção 
social e suas devidas conseqüências para a saúde, a doença e os doentes, traçando uma análise 
diferenciada de períodos anteriores. 
Segundo essa perspectiva, as epidemias estavam relacionadas aos vícios, à 
imoralidade e aos maus hábitos higiênicos da população, o que demandava não apenas a cura para 
as doenças, mas, sobretudo, a educação da população. Esse status de responsabilidade educacional 
 
182 
conquistado pela classe médica levou o médico a ser um conselheiro para a população que, por sua 
vez, viu-se na condição de agente e guardião da ordem social. Parte da conseqüência desse processo 
foi à responsabilização dos próprios operários e da população em geral pela falta de saúde 
(SOARES, 1990). 
A partir disso o médico passou a interferir na vida do indivíduo, impondo as regras 
que determinariam a manutenção da saúde e dos corpos biológicos. Este movimento 
intervencionista que se utilizou da promoção do médico como conselheiro educacional-higiênico foi 
chamado de Movimento Higienista. É neste contexto que se deu o surgimento da Educação Física, 
ou seja, sobre forte influência médica, como educadora do físico (corpo), valores, ‘bons modos’, 
costumes e hábitos higiênicos (CASTELLANI FILHO, 1994). 
A ação educadora da Educação Física, nem sempre referida com esse termo nesse 
momento histórico, fundiu-se ao movimento médico-higienista e sua introdução no Brasil 
restringiu-se a uma educação do corpo com uma preocupação exclusivamente biológica, uma vez 
que a justificativa da prática de atividade física visava a benefícios da saúde e da educação 
higiênica. 
Essa intenção orientou a Educação Física médico-higienista para uma faixa da 
população identificada com os trabalhadores, afirmando uma ordem estabelecida que preconizava o 
vigor físico do homem para o bom desempenho das atividades profissionais, atendendo às 
demandas da burguesia que detinha o controle dos meios de produção. Ao mesmo tempo essa 
perspectiva pedagógico-higiênica buscava “adestrar” os corpos, desenvolvendo a disciplina dentro 
de um sistema de produção que restringiu o ser humano à condição de mão-de-obra (SOARES, 
1990). 
A Educação Física, nesse momento, provém de uma íntima ligação com a Força 
Militar. Dois fatores podem ilustrar essa relação: um deles é o fato de diversos métodos provirem da 
Europa e chegarem ao Brasil por intermédio do exército, como as ginásticas européias, e a 
necessidade de haver uma massa trabalhadora com vigor físico para enfrentar o cotidiano de 
produção. 
Se o século XVIII marcou a Europa como um período de guerras e doenças, o que 
levou a Educação Física a tornar-se uma unidade exclusivamente biológica, essa perspectiva 
representou grande influência sobre as práticas físicas no Brasil. Isso porque elas foram trazidas e 
exercidas na América pelos militares, traduzindo para esse continente as intenções do movimento 
higienista europeu, reproduzindo também a idéia de eugenia da raça pelos seus exercícios físicos. 
Daí a responsabilidade dos militares na divulgação da Educação Física como unidade 
de ensino no Brasil. Seriam eles mesmos, os criadores não só da primeira unidade de ensino de 
Educação Física do Brasil (Escola de Educação Física do Exército – 1933), como diversos outros 
 
183 
órgãos com objetivo de lecionar a Educação Física, muito embora Marinho (1980) afirme que a 
primeira aula de Educação Física em uma instituição escolar foi ministrada na então província do 
Amazonas no ano de 1852. Conforme aponta Betti (1991) um ano antes, em 1851, houve a 
apresentação da reforma educacional de Couto Ferraz, que propunha a implementação da ginástica 
no primário e a dança no secundário. A influência militar sobre a Educação Física brasileira só 
diminuiria a partir da década de 40, com a maior formulação das instituições civis (BETTI, 1991). 
Foi com o método francês que os jogos e os esportes (coletivos e individuais) 
ganharam espaço nos currículos escolares, desencadeando uma discussão sobre o jogo como 
interesse e conteúdo “natural” humano, como era até então considerado. A valorização do esporte 
deu início ao que se chama de “esportivização da Educação Física”. 
Vale ressaltar que o jogo esportivo teve sobre os estudantes um apelo muito maior e 
imediato que as ginásticas européias, por apresentar maior ludicidade em sua realização. Sua prática 
era justificada pela busca de um conceito bio-psico-social, ou seja, um modelo amplamente difuso 
que tinha como princípio posicionar-se contra uma Educação Física exclusivamente biológica como 
propunham as ginásticas européias (CASTELLANI FILHO, 1994). 
Em 1968, com a criação do ministério da Educação Física e Desportos duas 
características importantes marcam a história dessa área: a consolidação da Educação Física para a 
Educação nacional e a fusão entre a Educação Física e o Esporte, levando-os a serem considerados 
quase como sinônimos, uma vez que o Esporte passou a ser área de estudo e ensino da Educação 
Física (BETTI, 1991). 
Enquanto política pública, o governo acabou por optar por uma intensa 
esportivização da Educação Física a ponto de considerar osalunos ‘não-habilidosos’ como um 
atraso para o andamento do processo em formar atletas. Betti (1991) expõe claramente o que isso 
representaria para a educação a concepção é a de que o aluno e a escola devem servir ao esporte, e, 
portanto aqueles devem adaptar-se a este, e não o esporte estar a serviço dos interesses 
educacionais. Assim, a década de 1970 seria marcada por uma intensa esportivização na Educação 
Física Escolar, em busca de talentos esportivos que afirmassem o poder da ditadura militar. 
A década subseqüente trouxe modificações profundas tanto no âmbito político como 
no educacional, e a Educação Física buscou novas alternativas para abordar a área dentro do âmbito 
escolar. A esportivização que ocorria na escola e o próprio binômio Educação Física/Esporte, que se 
havia estabelecido, perduraria com grande intensidade até os dias atuais. 
Neste sentido, apresentam-se a seguir duas propostas do período que Betti (1991) 
chamaria de “pluralização” da Educação Física: os parâmetros curriculares nacionais (1997) e a 
linha crítico-superadora (1992). Buscou-se assim, apresentar algumas concepções que surgiram 
 
184 
naquele momento e a presença do jogo em todas essas abordagens, demonstrando sua importância 
independente das concepções apresentadas na Educação Física Escolar. 
 
4.1 Os Parâmetros Curriculares Nacionais: um olhar para o jogo 
A abordagem apresentada como documento oficial serve como referência nacional 
para todas as disciplinas escolares. O documento responsável por discutir a Educação Física buscou 
contrariar o modelo esportivista vigente. Conforme versão do documento oficial essa nova 
perspectiva traz uma proposta que procura democratizar, humanizar e diversificar a prática 
pedagógica da área, buscando ampliar de uma visão apenas biológica, para um trabalho que 
incorpore dimensões afetivas, cognitivas e socioculturais dos alunos (BRASIL, 1997). 
Para introduzir o debate sobre o tema, o documento faz um breve histórico 
apresentando as influências militares e esportistas desde o início da Educação Física Escolar 
brasileira, que priorizavam o desenvolvimento do corpo humano, enquanto organismo (perspectiva 
exclusivamente biológica), desde o final do século XIX até o início da década de 1980, quando 
surgiram novas abordagens que trouxeram à disciplina o debate sobre a cultura corporal. 
Ao colocar a Educação Física como instrumento que busca democratizar a cultura 
brasileira, o PCN (Parâmetros Curriculares Nacionais) propõe o desenvolvimento da autonomia, da 
cooperação, da participação social, de valores e de princípios democráticos. 
Entendido assim, todos esses elementos constituem a cultura corporal e a promoção 
da cidadania, de forma que se coloca essa disciplina escolar como importante meio para inserção 
social. 
Nesse documento há a descrição de como se aplicar a Educação Física no ensino 
fundamental, apresentando pressupostos e estratégias que a concepção de referência brasileira da 
época estaria valorizando na prática docente. O primeiro aspecto refere-se ao caráter de promoção 
da autonomia, onde os movimentos vivenciados não devem ser realizados de maneira alienada a 
partir de um referencial de normalidade, permitindo e valorizando a construção de um 
conhecimento do próprio corpo a partir de suas potencialidades e limitações. 
Seguindo esses ideais, nessa abordagem há um incentivo à promoção de vivências de 
natureza recreativa, cooperativa e competitiva para que o aluno compreenda as diferenças de cada 
prática. Assim, o modelo vigente apresenta três elementos a serem trabalhados nas aulas: o 
automatismo e a atenção, ou seja, a necessidade de se trabalharem conteúdos e habilidades 
repetidamente em busca de uma automatização, por meio de práticas lúdicas, de interesse natural 
das crianças; a afetividade e o estilo pessoal, que trata do respeito às particularidades de cada aluno 
e a promoção da vivência de diversas emoções, promovendo uma boa relação com seus próprios 
 
185 
sentimentos; e, por último, a questão dos portadores de deficiência física que devem ser inseridos 
no contexto da aula. 
Ao abordar os objetivos gerais, o PCN apresenta grande valorização dos eixos 
conceituais e atitudinais, bem como do eixo procedimental por entender a importância desse eixo 
não somente enquanto fim, mas também como conteúdo e estratégia para se atingir as metas 
definidas. 
Dentro dessa perspectiva observam-se os seguintes objetivos conceituais e 
atitudinais: conhecer e valorizar a diversidade cultural, apresentar hábitos saudáveis, reconhecer as 
condições de trabalho impostas e ter uma atitude de reivindicação de melhoria dessas condições, 
conhecer a diversidade estética e padrões de saúde e valorizá-los, conhecer e organizar os espaços 
de prática de atividade física de maneira autônoma e reivindicar melhorias que sustentem suas 
necessidades básicas. 
É possível observar a influência da abordagem crítico-superadora (SOARES et. al., 
1992) nessa proposta pela explicitação da busca de atitudes ativas dentro da sociedade como meta 
de formação de alunos. 
Os objetivos procedimentais da proposta resumem-se a apenas dois tópicos: 
participar das atividades corporais, como situações lúdicas e esportivas, e respeitar as diferenças, e 
solucionar problemas corporais, reconhecendo suas potencialidades e limitações. O reduzido 
número de tópicos procedimentais não torna a prática corporal menos importante, uma vez que 
todos os conceitos e atitudes citados estariam incorporados à prática de atividades físicas em seus 
diversos contextos: lúdico trabalho e cotidiano. 
Para se atingirem as metas supracitadas são apresentados três blocos de conteúdo a 
serem buscados: o conhecimento do corpo; os esportes, jogos, lutas e ginásticas; e as atividades 
rítmicas e expressivas. 
Ao tratar do conhecimento do corpo, o documento categoriza quatro divisões para tal 
fim: anatômico (conhecimento do sistema locomotor), fisiológico (alterações do corpo na atividade 
física), biomecânico (hábitos posturais) e bioquímico (metabolismo durante a prática de atividade 
física). Tais conceitos são apresentados como elementos que devem ser tratados junto a um 
contexto histórico cultural, promovendo a compreensão das diferenças de cada cultura e suas 
respectivas relações com o corpo. 
Os esportes, jogos, lutas e ginásticas são tratados de maneira conjunta enquanto 
patrimônio cultural que deve ser respeitado e valorizado. É importante considerar as diferenças 
regionais de um país que apresenta tamanha diversidade cultural devido à sua grande extensão 
territorial e seu histórico de diversidade cultural. Os quatro elementos são agrupados devido à sua 
possibilidade de serem trabalhados de maneira relacional. 
 
186 
As atividades rítmicas e expressivas, entendidas como a apresentação de ritmos e 
danças provindos da cultura brasileira ou de outros países, busca conhecer e valorizar a origem e o 
significado dessas práticas, além de sua simples aprendizagem procedimental. 
Dessa forma, a concepção de Educação Física Escolar explícita nos PCN busca 
oferecer diversas referências de diferentes e importantes abordagens, que tratam a cultura corporal 
como principal elemento a ser trabalhado na Educação Física Escolar. Ao reduzir o espaço dado ao 
modelo esportivista e valorizar os conteúdos dos jogos, lutas, ginásticas e ao próprio esporte (sendo 
tratado de maneira inclusiva), o conhecimento do corpo e das atividades rítmicas ampliou o debate e 
o conhecimento sobre a cultura corporal de movimento. 
Foi então que se pôde observar a importância que o jogo representa para a Educação 
e para a Educação Física, uma vez que ele não se limitava a ser um bloco de conteúdos, mas se 
encontrava presente no esporte (jogos ‘oficiais’), nas atividades rítmicas (cirandas e brincadeiras de 
roda) e nas lutas (capoeira e jogosque envolvem força, como o cabo-de-guerra). 
A principal contribuição do jogo nessa abordagem se encontrava na possibilidade de 
trabalhá-lo como uma busca genuína de diversidade cultural, ou seja, na medida em que há uma 
preocupação pelo respeito e valorização das diferenças culturais locais do país, o jogo se torna um 
grande aliado para atingir essa meta. Assim, a concepção apresentada pelos PCN coloca a cultura 
corporal como principal elemento a ser desenvolvido pela Educação Física dentro da escola, o jogo 
representa o papel de um simples conhecimento (enquanto cultura), de meio (estratégia) para 
trabalhar questões atitudinais (relação com os demais praticantes) ou ainda de conceito (percepção 
de suas potencialidades e limitações). 
 
4.2 O Jogo e a tendência pedagógica Crítico-Superadora 
Essa perspectiva foi criada após os primeiros movimentos ‘renovadores’ da 
Educação Física Escolar, que buscavam modificar a visão biológica para uma perspectiva humana. 
A apresentação das idéias dessa linha foi dada na publicação do livro “Metodologia do Ensino de 
Educação Física” escrito por seis autores: Bracht, Taffarel, Castellani Filho, Escobar, Soares e 
Varjal. 
A proposta crítico-superadora foi apresentada no início da década de 1990 na busca 
de modificar o status quo reinante na Educação, oferecendo a perspectiva crítica da realidade dentro 
da Educação Física na formação de estudantes. Essa abordagem buscou retomar conceitos como 
projeto político-pedagógico, currículo e ciclos de escolarização até, finalmente, inserir uma 
perspectiva de “reflexão sobre a cultura corporal”. 
Os autores buscaram demonstrar que, em uma sociedade capitalista existem dois 
movimentos antagônicos: por um lado, o trabalhador, que vende sua mão de obra em busca de 
 
187 
suprir suas necessidades básicas e, por outro, o dono dos meios de produção, que busca a mais valia 
e conservar seus privilégios (manutenção do status quo). Em virtude desse conflito há uma 
necessidade da educação posicionar-se, dando as pistas de como o projeto político-pedagógico deve 
diagnosticar a realidade, fazer um juízo de valor do cotidiano e posicionar-se quanto a sua intenção 
de intervenção. 
Daí a concepção de currículo ampliado, onde se busca a formação do aluno para que 
ele realize sua própria reflexão. Nesse sentido a escola não deve desenvolver o conhecimento 
científico, mas sim se apropriar dele e refletir sobre sua realidade. Escolhas como a relevância 
social do conteúdo, a sua contemporaneidade, sua adequação para as possibilidades sócio-
cognitivas, sua simultaneidade (no sentido de não fragmentar o conteúdo) e a provisoriedade do 
conhecimento (no sentido de que todo conhecimento tem o caráter de poder ser superado por novos 
estudos e mais coesos com uma realidade futura) são alguns dos elementos a serem considerados. 
Nesse contexto a Educação Física, enquanto elemento transformador, é apresentada 
como possibilidade oposta ao modelo esportivista vigente, modelo que, ainda persistia, apesar da 
grande gama de novas abordagens apresentadas a partir da década de 1980, por caracterizar a 
legitimidade da busca de aptidão física para a manutenção do status quo. Isso porque o modelo 
esportivista apresentava e definia como valores fundantes a lei do mais forte (a busca em superar e 
dominar o adversário) ou ainda a tendência biológica na busca do rendimento, sem que houvesse 
uma reflexão sobre a prática. 
Para a abordagem crítico-superadora a Educação Física é uma prática pedagógica 
que, no âmbito escolar, tematiza formas de atividades expressivas corporais como: jogo, esporte, 
dança, ginástica, formas estas que configuram uma área de conhecimento que podemos chamar de 
cultura corporal (SOARES, et. al.,1992). Essa visão é afirmada como provisória, uma vez que os 
autores apontam a visão de um conhecimento a ser superado. 
A concepção crítico-superadora ressalta sempre a importância do momento histórico 
em que o programa está sendo desenvolvido e inserido na prática pedagógica. Assim, a cultura 
corporal é entendida como conhecimento que a Educação Física deve tratar na escola. Na medida 
em que existe uma intencionalidade na apresentação desse conteúdo, a abordagem busca 
proporcionar ao aluno a percepção de sua realidade para que os alunos tenham uma atitude 
reflexiva. Os conhecimentos a serem desenvolvidos são o jogo, o esporte, a capoeira, a ginástica e a 
dança. 
Para os autores o jogo é uma invenção do homem, um ato em que sua 
intencionalidade e curiosidade resultam num processo criativo para modificar, imaginariamente, a 
realidade e o presente (SOARES et. al., 1992). 
 
188 
Seguindo essa definição de jogo, a proposta dessa abordagem busca a possibilidade 
de transformar a realidade em que os alunos se encontram e proporcionar uma reflexão da prática 
do jogo, tanto num sentido conceitual quanto atitudinal. Dessa maneira, ao se deparar com um jogo 
a criança deve refletir sobre a sua representação, como a queimada que poderia representar uma 
guerra em que se busca eliminar o adversário, e qual a relação que se estabelece com os outros 
jogadores e com a realidade, regras, valores e sua relação com sua família, comunidade e trabalho. 
A concepção crítico-superadora busca enfatizar o caráter transformador que o jogo 
pode representar para a criança e como essa característica pode ser enriquecedora na reflexão de sua 
realidade. Sendo o jogo como uma atividade que pode proporcionar à criança uma relação afetiva 
de tamanha significância, ela pode de fato ter a sensação de perdas e ganhos dentro desse contexto, 
contribuindo para a percepção e reflexão de aspectos de sua realidade. 
Seguindo essa lógica, a abordagem traçada pelos autores propõe a prática de jogos 
que façam referência ao reconhecimento de si mesmos e das próprias possibilidades de ação, que 
facilitem a comunicação dos alunos, que estimulem as diversas relações sociais na compreensão do 
trabalho do homem, convivência do coletivo, auto-organização, auto-avaliação e avaliação coletiva, 
elaboração de brinquedos, emprego de pensamento tático, organização dos próprios jogos e decisão 
de níveis de sucesso. 
Apesar da complexidade e importância do tema, os autores não deixam claro como 
trabalhar esse conteúdo na prática escolar. Se, por um lado, o jogo é apresentado como elemento 
transformador, o esporte é aqui colocado como elemento a ser transformado. Entendido também 
como jogo, o esporte é visto como um jogo que representa os valores capitalistas (divisão de 
trabalho, produção, rendimento) e deve ser modificado em valores que sejam adequados para uma 
sociedade transformadora. Seguindo essa perspectiva, o conteúdo deve ser apresentado enquanto 
“esporte na escola” e não o “esporte da escola”, isto é, trata-se de uma mudança na interpretação do 
papel do esporte com características escolares, diferenciando-o do esporte de alto rendimento. 
Para o esporte os autores apresentam alguns exemplos de como trabalhar esse 
conteúdo segundo essa perspectiva: a compreensão do esporte enquanto espetáculo, enquanto jogo 
popularmente praticado, seu histórico (como no futebol que transcendeu barreiras socioeconômicas 
passando de um jogo nobre para popular), passando por questões econômicas do esporte (como a 
“lei do passe” no futebol). 
Além disso, poder-se-ia observar a prática do jogo e a compreensão de elementos 
atitudinais, por exemplo, seguindo um compromisso com a solidariedade ao praticar um jogo “a 
dois”, tendo o outro como companheiro e não como adversário (jogar “com” e não “contra”); 
refletir sobre elementos de cada parte do jogo e suas representações aos jogadores, ou seja, o que 
seria um “passe”? 
 
189 
Assim, é possível observar que, tanto o jogo como o esporte, são trabalhados como 
conceitos e elementos que proporcionam a discussão das relações sociais que as crianças possuem.Os caminhos traçados podem ser considerados inversos (um, enquanto elemento transformador; 
outro como conteúdo a ser transformado), mas as reflexões e objetivos de trabalho podem ser 
considerados semelhantes ou complementares. 
 
4.3 O Jogo na Educação Física Escolar 
O jogo é conteúdo, estratégia ou objetivo? É possível ir além e dizer que o jogo pode 
até ser uma avaliação? O que teria o jogo de tão especial a ponto de ser tratado com tamanha 
abrangência? E por que a Educação Física escolheria o jogo como elemento a ser trabalhado nessa 
disciplina, se de fato se trata de um tema tão amplo? 
O número de indagações parece sempre ser maior do que o de respostas, mas um 
trabalho que leve à reflexão de um conceito, como o jogo, acaba propiciando questões que parecem 
estar acima de nossa compreensão. 
Dessa forma, somos conhecedores da importância do jogo como ação pedagógica na 
escola, desde que este esteja inserido dentro de um planejamento educacional, pois de acordo com 
Freire (1989), num contexto de educação escolar, o jogo proposto como forma de ensinar conteúdos 
às crianças aproxima-se muito do trabalho. Não se trata de um jogo qualquer, mas sim de um jogo 
transformado em um instrumento pedagógico, em um meio de ensino. 
É notável que sempre que falamos em jogo nas aulas de Educação Física, há um 
grande interesse e motivação por parte dos alunos, pois o jogo faz parte da nossa cultura e do nosso 
dia-a-dia, ele é movimento, e sendo movimento trabalha com o corpo e representa valores sociais e 
culturais. 
Segundo Soares et. al. (1992) o jogo satisfaz as necessidades das crianças, 
especialmente a necessidade de “ação”. Assim, para entender o avanço da criança no seu 
desenvolvimento, o professor deve conhecer quais as motivações, tendências e incentivos que a 
colocam em ação. Não sendo o jogo aspecto dominante da infância, ele deve ser entendido como 
“fator de desenvolvimento” por estimular a criança no exercício do pensamento, que pode 
desvincular-se das situações reais e levá-la a agir independente do que ela vê. 
De acordo com a idéia de Soares et. a.l. (1992), quando a criança joga, ela opera com 
o significado de suas ações, o que faz desenvolver sua vontade e, ao mesmo tempo, tornar-se 
consciente das suas escolhas e decisões. Por isso, o jogo apresenta-se como elemento básico para 
mudança das necessidades e da consciência. 
 
190 
Ainda num contexto de Educação Física Escolar, o jogo deve ser proposto como uma 
forma de ensinar, educar e desenvolver no aluno o seu crescimento cognitivo, afetivo-social e 
psicomotor, facilitando e permitindo a interação com o grupo. 
Para Brotto (1999) o jogo é um meio para o desenvolvimento integral do ser humano 
e de aprimoramento da qualidade de vida. 
Por isso quando o conteúdo for jogos nas aulas de Educação Física devemos ter o 
cuidado para não colocar os alunos a jogar simplesmente para existir um ganhador ou perdedor, mas 
que através do jogo se busque o crescimento do aluno, como pessoa, como ser humano, que este 
seja motivado para a aula, que participe do grupo, que se sinta valorizado e acolhido em todos os 
momentos, com oportunidade de livre expressão, respeitando suas limitações e valorizando suas 
experiências. 
Ainda nesse sentido, segundo Brotto (1999), podemos aprender que o verdadeiro 
valor do jogo, não está em somente vencer ou perder, mas está também, fundamentalmente, na 
oportunidade de jogar juntos para transcender a ilusão de sermos separados uns dos outros, e para 
aperfeiçoar nossa vida em comunidade. 
Vale ressaltar a importância de que a metodologia utilizada pelos professores de 
Educação Física esteja vinculada ao sistema educacional e a uma prática pedagógica 
intencionalizada de tal modo que quando o conteúdo ministrado for jogos, não tenha simplesmente 
o objetivo de passar o tempo da aula ou de fazê-lo porque os alunos gostam. 
Ao encontro dessa perspectiva, Stumpf (2000) diz que o jogo como parte integrante 
do conjunto de conteúdos que devem compor a disciplina de Educação Física, caracteriza-se como 
um conhecimento de indiscutível importância, que não pode ser considerado simplesmente como 
uma mera atividade utilitária e espontaneísta, desprovido de sentido educativo. 
Assim implica dizer que o professor junto com o aluno deverá buscar a construção de 
novas formas de ensinar e aprender, lembrando que a aprendizagem só acontece quando o aluno 
começa a buscar por si mesmo o saber, sentindo nele o sabor da descoberta. 
E tal busca pode ser facilitada com a abordagem de uma das variantes e categorias do 
jogo, os chamados jogos tradicionais infantis que possibilitam ao professor fazer um trabalho muito 
rico e diversificado, utilizando-se de pouquíssimo material. Isto é importante na medida em que 
reconhecemos a dura realidade que os profissionais de Educação Física enfrentam em muitas 
escolas devido à falta de recursos para o ensino. 
 
4.3.1 Os Jogos Tradicionais Infantis: uma possibilidade 
Deparando-nos com a sociedade em que vivemos, onde a tecnologia é o centro das 
atenções de nossas crianças, observamos que a importância das brincadeiras tradicionais pode ser 
 
191 
significativa neste contexto, o que, no entanto, muitas pessoas desconhecem. Sendo assim, as aulas 
de Educação Física poderiam influenciar no resgate dos valores culturais e o melhor 
desenvolvimento das crianças da sociedade. 
Nesta perspectiva então, destaca-se o papel dos jogos e brincadeiras tradicionais 
dentro do universo infantil, facilitando o grau de compreensão da criança e o enriquecimento do 
conteúdo pedagógico da escola, procurando resgatar as brincadeiras tradicionais para o ambiente 
das aulas de Educação Física Escolar. 
Considerada como parte da cultura popular, a Brincadeira Tradicional guarda de 
certa forma, alguns “costumes espirituais” de um povo em certo período histórico, e para nós, 
algumas destas brincadeiras tem seu período histórico desconhecidos. 
Principalmente aqui no Brasil por ser um país de grande mistura de raças, fica bem 
difícil saber sobre as origens destas brincadeiras. O primeiro indício de brincadeiras veio com o 
folclore lusitano com os primeiros colonizadores, incluindo contos, histórias, lendas, superstições e 
também os jogos, festas e valores. 
Não se conhece a origem destes jogos. Seus criadores são anônimos. Sabe-se apenas 
que são provenientes de praticas abandonadas por adultos, de fragmentos de romances, poesias, 
mitos e rituais religiosos. A tradicional idade e universalidade dos jogos assentam-se no fato de que 
povos distintos e antigos como da Grécia e do oriente brincaram de amarelinha, de empinar 
papagaios, jogar pedrinhas, e até hoje as crianças o fazem quase da mesma forma. Estes jogos 
foram transmitidos de geração em geração através de conhecimentos empíricos e permanecem na 
memória infantil (KISHIMOTO, 2003). 
Com isso, segundo a mesma autora, jogos e brincadeiras infantis provêm dos tempos 
passados, de fragmentos de contos, mitos, praticas religiosas e culturais, sendo fundamental para a 
educação com o objetivo da transmissão da cultura, da apropriação do acervo de conhecimentos, 
competências, valores e símbolos intrínsecos nos jogos e brincadeiras tradicionais. 
 Velasco (1996), afirma que na antiguidade as crianças brincavam e participavam das 
festividades, lazer e jogos dos adultos, mas ao mesmo tempo tinham também um espaço reservado 
para que elas realizassem suas próprias atividades. O que incluía nestas atividades o que hoje 
chamamos de brincadeiras populares, pois naquela época a brincadeira era considerada um 
elemento cultural, do riso e do folclore. 
Enfim, podemos notar então, que as brincadeiras utilizadas naquela época, ainda hoje 
se fazem presentes em nosso dia-a-dia, porém com um fim diferente, mas com o mesmo prazer 
trazido à criança. E entre essas brincadeirasutilizadas, podemos citar vários jogos, como: as 
cantigas de roda, o jogo de pedrinhas e a amarelinha, que estão lutando por sua existência em nossa 
sociedade, recheada de jogos eletrônicos e computadores. 
 
192 
Pensando assim, os jogos e brincadeiras tradicionais além de favorecer a transmissão 
cultural e a apropriação do acervo de conhecimentos, símbolos e valores, possibilita contemplar 
outras competências que favorecem o desenvolvimento humano. Conforme Cavallari e Zacharias 
(1994) comenta, as rodas e brincadeiras cantadas são atividades em que as pessoas podem cantar e 
brincar ao mesmo tempo, coordenando sempre as brincadeiras com as músicas entoadas. São 
compostas por letras simples e acopladas, gestos e movimentação divertida. As rodas e brincadeiras 
podem ainda ajudar no desenvolvimento da sociabilização e aprendizagem motora (ritmo, 
coordenação, e desenvolvimento de percepção, observação e atenção). 
Do mesmo modo diz Freire e Scaglia (2003) ao abordar que a amarelinha 
basicamente, em termos cognitivos exige da criança coordenação espacial. Ora, a noção espacial 
que se forma a partir desta relação da criança com o espaço, esta entre outras na base da formação 
de noções lógicas como a classificação e a seriação. 
Dessa forma ao trabalhar com estas atividades o professor tem a possibilidade de 
explorar e valorizar o conhecimento do próprio aluno, aprendendo os seus valores, habilidades, 
convivência social e repertório motor, pois a escola é uma grande aliada para o bom 
desenvolvimento integral da criança e os professores devem se colocar como os mediadores destes 
conhecimentos culturais, além de aproveitarem a própria bagagem cultural trazida pelo aluno. Por 
isso, as brincadeiras não só dão prazer às crianças, quanto são parte da cultura lúdica infantil e, 
utilizá-los é uma forma de resgatá-las, servindo como um poderoso recurso metodológico 
(FREIDMANN, 1996). 
Portanto, o brincar é eminentemente educativo no sentido em que constitui meios 
para desenvolver a curiosidade e o princípio de toda descoberta, apresenta valores específicos para 
todas as fases da vida humana. E ao pensarmos nas brincadeiras populares podemos considera-las 
um fenômeno histórico social de irrefutável significação cultural, independentemente de gênero, 
ideologia, etnia, credo, raça, condições socioeconômicas etc., e cabe a escola socializar os 
indivíduos com patrimônio cientifico e cultural produzido historicamente pela humanidade, de 
modo que os homens possam adquirir a autonomia necessária a sua interação e intervenção no 
processo de construção e direção da sociedade. 
 
5 CONCLUSÕES 
Grande parte da literatura analisada entende como sinônimo o jogo, o brinquedo e a 
brincadeira. Não se tem com este trabalho a pretensão de estabelecer uma diferenciação destes 
termos, apesar de realizar uma análise apenas do jogo, até mesmo porque se entende que esses 
termos se relacionam e se completam e, portanto se consideram sinônimos. O que se procurou foi 
explorar uma variedade de olhares sobre o jogo e com isso possibilitar sua maior utilização. 
 
193 
É neste sentido também que tal pesquisa possibilitou considerar o jogo como um 
elemento tão antigo na história do homem que o leva a ser questionado como um elemento natural 
ou cultural da espécie (HUIZINGA, 2005). No entanto, o jogo ultrapassou a barreira do tempo, das 
sociedades e dos valores a que ele foi submetido, estando presente em diferentes momentos 
históricos. Sua própria história talvez seja uma das principais responsáveis por lhe proporcionar 
tamanha amplitude, assim como a complexidade de sua natureza (BRUHNS, 1999). 
Com isso considera-se que os jogos possuem uma grande relação com aspectos 
socioculturais, o que o torna um fenômeno histórico e cultural fazendo sua presença dentro da 
escola indispensável e consequentemente constituindo um instrumento pedagógico de grande valor 
no ambiente escolar, proporcionando vivências e experimentações variadas, pois assim como sua 
importância é inegável os benefícios atribuídos a ele também, já que colaboram com o 
desenvolvimento infantil de forma singular, atingindo todas as dimensões do comportamento 
humano. 
Paralelo a isso é fato que independentemente de estar em uma escola ou não a 
criança vai jogar e brincar. O que torna o jogo importante dentro da escola e principalmente para a 
Educação Física, é o fato de além de ser um poderoso recurso pedagógico, ter grande capacidade de 
proporcionar prazer e vivências lúdicas aos seus praticantes. O jogo possui a capacidade de 
contribuir para o desenvolvimento não só de qualidades e capacidades físicas, mas também para a 
disseminação de valores morais e éticos que venham a contribuir para formação intelectual e da 
personalidade do indivíduo. Sendo assim, não se pode negar o caráter educacional do jogo, que se 
constitui como atividade para o desenvolvimento humano. 
Tais observações levam a perceber que o jogo é utilizado dentro do ambiente escolar 
muitas vezes de forma competitiva e até em alguns momentos se confundindo com outro fenômeno, 
o esporte. Mas nota-se que a aprendizagem de gestos técnicos não é a única forma de utilização do 
jogo e muito menos item de discussão desta pesquisa, no entanto, este também é utilizado de forma 
lúdica e visa objetivos pedagógicos, contribuindo para formação da personalidade, transmitindo 
valores diversos. 
Diante disso, deve-se pautar nos pilares da educação para propormos a utilização do 
jogo de forma fundamentada para que ele possa contribuir com mudanças significativas, não só no 
ambiente escolar ou nas aulas de Educação Física, mas para a construção de autonomia, no resgate 
de valores e de forma geral na vida das pessoas. 
Assim como foi visto anteriormente, sugere-se ao profissional de Educação Física 
uma ampla utilização do jogo, não o limitando a simples adestramento técnico, mas transcendendo a 
barreira da competição e do aperfeiçoamento de habilidades. Para isso é fundamental o 
planejamento de um amplo programa com atividades lúdicas, cooperativas, culturais e populares 
 
194 
que venham a suprir necessidades condicionantes das crianças, objetivando em suas metas atingir 
não apenas de forma secundária, mas de modo primordial o prazer e a satisfação na realização das 
atividades. 
Porém, se faz necessário deixar claro que este trabalho não coloca o jogo como o 
redentor da Educação e/ou da Educação Física. Pretende-se mostrar que o jogo não deve 
necessariamente ser interpretado como algo altamente competitivo ou que deve servir apenas para 
distrair e entreter, mas sim como uma das muitas alternativas para a aquisição de conhecimentos, 
vivências e trocas de experiências. Para tanto, deve-se construir objetivos que possam aproximar as 
pessoas e uni-las na busca de objetivos comuns, sendo um elo da grande corrente que é a educação 
de qualidade. 
 
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