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1 UNIDADE 1 A ASSISTÊNCIA SOCIAL E AS POLÍTICAS SOCIAIS BRASILEIRAS OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM PLANO DE ESTUDOS Esta unidade tem por objetivos: • entender a construção histórica das políticas sociais no Brasil; • analisar o legado elitista e o autoritarismo na representação das políticas sociais; • compreender as reformas neoliberais e seus contrassensos e retrocessos nas políticas sociais; • conhecer qual é o papel do Estado Brasileiro perante as novas políticas sociais. A Unidade 1 está dividida em quatro tópicos. Para um melhor aprofundamento do conteúdo e fixar melhor seus conhecimentos, no final de cada tópico você terá oportunidade de realizar as atividades propostas. TÓPICO 1 – A CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DAS POLÍTICAS SOCIAIS NO BRASIL TÓPICO 2 – O LEGADO ELITISTA E AUTORITARISMO NA REPRESENTAÇÃO DAS POLÍTICAS SOCIAIS TÓPICO 3 – AS REFORMAS NEOLIBERAIS: CONTRASSENSOS E RETROCESSOS TÓPICO 4 – O ESTADO BRASILEIRO PERANTE AS NOVAS POLÍTICAS SOCIAIS 2 3 TÓPICO 1 UNIDADE 1 A CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DAS POLÍTICAS SOCIAIS NO BRASIL 1 INTRODUÇÃO Esta primeira unidade deste Caderno de Estudos, tem como objetivo avaliar os principais processos econômicos e sociais, mediante os quais são determinadas e produzidas as políticas sociais públicas em todo território brasileiro. No desenvolver dos tópicos pretende-se apresentar e materializar conhecimentos sobre as configurações específicas de cada esfera sociopolítica de ações estratégicas desenvolvidas no que se refere à proteção social, através de percepções históricas e críticas da formação econômica e social do Brasil, enfatizando também questões culturais e políticas. A contribuição teórica-metodológica enfatiza um enfoque para a problematização dos conceitos em estudo, e que sejam voltados para a compreensão histórica das políticas públicas sociais no país, com destaque às que estão ligadas em um contexto socioassistencial, através da atuação profissional dos trabalhadores das áreas sociais, que se esforçam na complexidade das instituições, tradicionais ou não. Este resgate histórico tem sua concretude para a obrigação de um conhecimento sobre a formação econômica e política brasileira, oportunizando um melhor pensar e avaliar o descobrimento do Brasil em sua dinâmica histórica. Segundo Motta (1994, p. 19), “[...] tentando não cair na velha tradição historicista de “contar a história tal qual ela se passou”. Diante da reflexão teórica-histórica que esta unidade de ensino se apresentará, buscando o resgate de contradições e de perspectivas da política de assistência social, como política pública no Brasil. Caro(a) acadêmico(a), então, buscando o resgate histórico da assistência social, vamos aos estudos! Bons estudos! UNIDADE 1 | A ASSISTÊNCIA SOCIAL E AS POLÍTICAS SOCIAIS BRASILEIRAS 4 FIGURA 1 – POLÍTICAS SOCIAIS NO BRASIL FONTE: Disponível em: <http://cartamaior.com.br/?/Editoria/Politica/Revista-mostra- situacao-das-politicas-sociais-de-Norte-a-Sul-do-pais/4/32727>. Acesso em: 9 jun. 2015. A abrangência histórica das políticas sociais no Brasil, enfatizando a política de Assistência Social, gera algumas provações, que são importantes devido às dimensões das análises e reflexões que envolvem o Serviço Social como profissão. Neste sentido, Iamamoto (1998, p. 20) apresenta: Para garantir uma sintonia do Serviço Social com os tempos atuais, é necessário romper com uma visão endógena, focalista, uma visão ‘de dentro’ do Serviço Social, prisioneira em seus muros internos. Alargar os horizontes, olhar para mais longe, para o movimento das classes sociais e do Estado, em suas relações com a sociedade; não para perder ou diluir as particularidades profissionais, mas ao contrário, para iluminá-las com maior nitidez. O questionamento crítico, que existe em torno da assistência social e da construção do desenvolvimento histórico brasileiro, define importantes bases teóricas no que diz respeito aos entendimentos contraditórios da assistência social como uma política social pública específica. Com isso foi possível elaborar procedimentos ao exame de certos traços construtivos da elaboração da assistência social como política pública no país. Desse modo, a assistência social conseguiu introduzir o modelo constitutivo, voltado à evolução, para que se possa apreender algumas de suas características singulares na formação histórica social brasileira. Para Teixeira (1987, p. 48), esta compreensão está explícita através do contexto teórico-metodológico, pois: A emergência e desenvolvimento de uma política social é, por um lado, a expressão contraditória da relação apontada [capital e trabalho], sendo, ao mesmo tempo, fator determinante no curso posterior desta mesma relação entre as forças sociais fundamentais. Assim sendo, para o campo das políticas sociais confluem interesses de natureza contraditória, TÓPICO 1 | A CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DAS POLÍTICAS SOCIAIS NO BRASIL 5 advindos da presença de cada um destes atores na cena política, de sorte que a problemática da emergência da intervenção estatal sobre as questões sociais encontra-se quase sempre multideterminada. 2 COMPREENDENDO AS POLÍTICAS SOCIAIS Diante da multiplicidade de interesses e determinações visíveis que foram eleitas como expressões sintéticas que podem concentrar-se como questão específica, pela qual a assistência social, através da Constituição Federal de 88 – CF/88, passou a ser parte integrante de proteção social. DICAS Conforme a CF/88: Seção IV DA ASSISTÊNCIA SOCIAL Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos: I - a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice; II - o amparo às crianças e adolescentes carentes; III - a promoção da integração ao mercado de trabalho; IV - a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária; V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei. Cabe ressaltar que a assistência social, perante a CF/88 teve um novo desenho e papel nas políticas sociais e se institui como escudo dos princípios da seguridade social. Se analisarmos na íntegra, podemos verificar que o conceito de seguridade social, na legislação atual, tem uma melhor compreensão, se for comparada as outras versões. A CF de 88 representou um marco importante na inclusão da população no sistema público de seguridade social, através do chamado tripé da seguridade social. Conforme Wegrzynovski (2015, p. 212): “Um novo conceito de seguridade social foi a partir da Constituição Federal, que se constituiria em uma sociedade mais justa e solidária com as pessoas em situações de vulnerabilidade social”. UNIDADE 1 | A ASSISTÊNCIA SOCIAL E AS POLÍTICAS SOCIAIS BRASILEIRAS 6 Os conceitos e as informações sobre a seguridade social começaram a ser evidenciadas no sistema capitalista, início do século XX, onde houve a constituição dos Estados de Bem-Estar Social, pois o governo britânico, no decorrer da guerra de 1941, solicitou a constituição de uma comissão interministerial, para realizar um estudo, que objetivasse futuras reformas do sistema de seguros do país. O estudo realizado ficou conhecido como Plano Beveridge, pois a comissão foi presidida por Sir William Beveridge, sociólogo inglês, e originou uma nova forma na seguridade social inglesa, sendo colocada em prática somente após a Segunda Guerra Mundial. O plano tinha como objetivo a proteçãosocial de todas as pessoas que residiam na Grã-Bretanha, com fundamento no princípio da “necessidade”. O mesmo se desenvolveria através do auxílio de benefícios igualitários, que tinham como variante o estado civil ou sexo, sem ser considerado o rendimento anterior. Com este plano, houve a unificação das instituições de seguro social, através de apenas um serviço público, e centralizadas no Ministério da Seguridade Social. Este modelo teve influência no Brasil nas primeiras décadas do século XX, sendo identificado nas reproduções e discursos dos técnicos e dos dirigentes dos institutos de previdências e do Ministério do Trabalho. Os autores Oliveira e Teixeira, realizam uma avaliação através do documento do Serviço Atuarial do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, de 1950. Essa avaliação compreende: [...] a tendência moderna nesta questão é ampliar o âmbito dos antigos seguros sociais, para compreender nas finalidades do Estado, neste setor, não somente a Previdência stricto sensu, como também a assistência, a garantia do emprego etc., [...], a seguridade social do trabalhador [...]; da Previdência Social propriamente dita (seguro de pensões), desenvolver um amplo sistema de assistência social (prestações em natureza ou em serviços) [...]. Para que possa o segurado gozar dos benefícios da Previdência, [...] para que possa ser aposentado por velhice, precisa antes de mais nada sobreviver; a condição primordial é a saúde, a qual depende em grande parte de uma boa assistência médica, cirúrgica e hospitalar. Por outro lado, essa assistência, prevenindo os riscos de invalidez e morte prematuras, alivia o encargo de seguros de pensões. (OLIVEIRA; TEIXEIRA, 1989, p. 175, grifos da autora). Novamente citando Oliveira e Teixeira, o ideário da seguridade social, diante dos modelos que foram inicialmente idealizados pela comissão de Lord Beveridge, e que foi logo depois implementado na grande maioria dos países da Europa Ocidental, na ótica dos governos socialdemocratas e trabalhista, e que são originados no meio de uma articulação política, que era composta pelos países capitalistas que estavam aliados à Segunda Guerra, e que tinham como objetivo a reconstrução de hegemonia, com a elaboração de novas estratégias. TÓPICO 1 | A CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DAS POLÍTICAS SOCIAIS NO BRASIL 7 Esse movimento corresponde, na verdade, a parte de um amplo processo de enfrentamento, no plano ideológico, simultaneamente aos projetos fascista e socialista de organização da sociedade, o primeiro dos quais, apesar de derrotado militarmente, demonstrara ter encontrado significativa aceitação em amplos setores de diversos países, enquanto o segundo estava em plena ascensão ao final do conflito [...]. A democracia liberal procurava demonstrar, em síntese que, como seus interlocutores, também tinha uma proposta avançada para a satisfação das ‘necessidades sociais’ (OLIVEIRA; TEIXEIRA, 1989, p. 176). É importante relembrar alguns dos princípios norteadores de concepção que moldam o padrão de Seguridade Social, e serviram de bases estruturais dos Estados do Bem-Estar (Welfare States), e que foram utilizados como as principais referências os princípios teóricos e políticos para pensar, elaborar e implementar as legislações sociais na sua totalidade, mesmo sendo alvo de críticas durante todo processo. Como principais princípios, podem-se destacar: • A contribuição será adequada à capacidade do segurado e, também, não obrigatória; • O direito a uma renda mínima será para todo cidadão, involuntariamente de contribuição, garantindo um padrão mínimo de bem-estar, apontado de acordo com a situação histórica concreta; • A concessão do benefício não estará acondicionada a critério de mérito, instituído pelos agentes causadores da precisão. Citando novamente Oliveira e Teixeira (1989, p. 178): A Seguridade Social seria, nesta perspectiva, algo além de um mero sistema de concessão de benefícios. Consistiria, também, numa Política de Seguridade Social, na sua acepção mais abrangente, contemplando, além dos benefícios pecuniários tradicionais, ações de saúde, saneamento básico, educação, habitação, medidas de garantia do pleno emprego, redistribuição de renda, e outros. O modelo de proteção social que estava no auge na década de 50, baseado nos atributos acima citados, não foram materializados no Brasil. Pois o oposto aos modelos históricos que estavam se configurando nas políticas sociais, o país se caracterizou pelo domínio de um perfil limitativo e discriminatório, no que se refere aos direitos sociais. Analisando as primeiras medidas no campo da legislação trabalhista e social, pode-se perceber que existe uma lógica da acumulação elevada aos interesses e anseios coletivos da classe trabalhadora, resultado da correlação de forças antidemocráticas instituídas entre o Estado e a Sociedade. UNIDADE 1 | A ASSISTÊNCIA SOCIAL E AS POLÍTICAS SOCIAIS BRASILEIRAS 8 FIGURA 2 - RELAÇÃO DE PODER FONTE: Disponível em: <http://blogdaboitempo.com.br/2013/02/page/2/>. Acesso em: 12 jun. 2015. Apesar de forças antagônicas que as políticas sociais no Brasil sofreram, em especial a de Assistência Social, desde a CF de 88 começou a ser compreendida com mais clareza e nitidez como já citado, no que diz respeito aos direitos do cidadão e o dever do Estado, para a proteção social e de suas potencialidades de aprimoramento. Resgatando a história política do país, a década de 1930 foi o momento histórico inicial mais representativo de intervenção estatal nas esferas das políticas sociais e econômicas, decorrente do período da modernização industrial, e das relações sociais que foram constituídas como a nova ordem capitalista, o que ocasionou para o Estado uma nova maneira para explorar novas formas de gerenciamento institucional, buscando uma regulação social, através de novas iniciativas governamentais. Durante este período o Brasil estava saindo de uma grande crise econômica e política, que foi originada devido ao colapso monocultor da oligarquia cafeeira. TÓPICO 1 | A CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DAS POLÍTICAS SOCIAIS NO BRASIL 9 A CRISE DE 1930, A QUEIMA DO CAFÉ, A 2ª GUERRA E A ERA DOURADA Samuel Sérgio Salinas Examinada deste ponto de vista, a Grande Depressão dos anos 1930 do século passado e suas consequências foi um fenômeno tipicamente econômico financeiro. A nossa proposta é acrescer a descrição dos acontecimentos econômicos com a visibilidade de intensa atividade política desses anos que precederam a mais devastadora das guerras, onde a decisão política inaugurou a barbárie da era atômica. No Brasil, a queda nas exportações de café caiu mais da metade entre 1929 e 1932. O preço do produto despencou um terço em 1931. A entrada de capital estrangeiro cessou quase por completo em 1932, informa Werner Baer, que acrescenta que o Brasil foi o primeiro país latino-americano a introduzir o controle do câmbio e outras medidas diretas da mesma natureza, combinados com a desvalorização da moeda, reduzindo as importações em cerca de dois terços. Muito café, porém, foi queimado. O valor da produção destruída era muito inferior ao montante da renda criada, informa Celso Furtado. Essa providência antecipa as recomendações de Keynes, ou seja, a construção de pirâmides para sustentar o emprego, a renda e o consumo. No caso brasileiro permitiu manter a produção e o emprego de cerca de 200.000 trabalhadores. A produção prosseguiu, graças aos subsídios à agricultura, patrocinado pelo Conselho Nacional do Café, conhecidos como “socialização dos prejuízos”. Um tanto paradoxalmente, a queda nas importações de produtos industrializados favoreceu a indústria nacional: foi a nossa segunda substituição de importações, lembrando que a primeira ocorreu durante a conflagração de 1914-1918. Parte da dívidabrasileira foi suspensa: a crise da dívida dos anos 1930, que se estendeu célere e feroz aos países subdesenvolvidos, ofereceu aspectos semelhantes às mais recentes crises ocorridas durante o predomínio neoliberal dos anos antecedentes ao governo Lula da Silva. A interação cidade-campo nos anos de crise em todo o mundo produziu o círculo vicioso que debilitou o conjunto. Forçados pela queda dos produtos primários de exportação, os países da periferia foram obrigados a desvalorizar as suas moedas para continuar no mercado. A situação não era exclusiva dessas economias, caracterizadas na época de subdesenvolvidas. FONTE: Disponível em: <http://www.vermelho.org.br/noticia/170692-297>. Acesso em: 13 jun. 2015. A oligarquia dominante naquele período defendia e possuía os interesses diferenciados de outros setores, principalmente em relação às oligarquias gaúchas e mineiras, que eram responsáveis pela produção do algodão, açúcar, carne e laticínio, que abasteciam o mercado interno. Desde o início do século, com o surgimento de novos grupos econômicos, outros sujeitos históricos se fortalecem, LEITURA COMPLEMENTAR 1 UNIDADE 1 | A ASSISTÊNCIA SOCIAL E AS POLÍTICAS SOCIAIS BRASILEIRAS 10 como a classe burguesa industrial, os operários e a denominada classe média, que era composta pela burocracia civil e militar. Neste período, necessitava-se de uma nova política de exportação, que fosse articulada com as pressões da classe operária urbana, para melhoria das condições de trabalho e vida. Para Coutinho (1989, p. 123): Naquele período, o movimento operário lutava pela conquista de direitos civis e sociais, enquanto as camadas urbanas emergentes exigiam uma maior participação política. Essas pressões ‘de baixo’ (que não raramente assumiam a forma de um ‘submersíssimo, esporádico, elementar, desorganizado’) fizeram com que um setor da oligarquia agrária dominante, o setor mais ligado à produção para o mercado interno, se colocasse à frente da chamada Revolução de 30. O triunfo dessa Revolução levou à formação de um novo bloco de poder, no qual a fração oligárquica ligada à agricultura de exportação foi colocada numa posição subalterna, ao mesmo tempo em que se buscava cooptar a ala moderada da liderança político militar das camadas médias (os tenentes). A caracterização deste movimento revolucionário se deu pelo caráter elitista, através da nova classe econômica, ou seja, um novo bloco de poder, que constituiu reordenamento e rearticulação interna dos setores econômicos e oligárquicos. Esse movimento entre as oligarquias, pela sua natureza, foi um movimento antipopular e conservador, através da incorporação dos setores mais conservadores e que ainda não obtinham o controle da máquina estatal, como por exemplo, o setor cafeeiro de São Paulo. IMPORTANT E Com a criação de um bloco de poder elitista, os setores populares foram excluídos de política, economia e outras. Esses indícios são importantes para entender os caminhos constitutivos da formação histórica social do Brasil. Para Coutinho (1993), esta manutenção da classe dominante, revela o perfil antidemocrático e de exclusão da classe trabalhadora, dos processos de transformações sociais, sendo caracterizado como uma “revolução passiva”, caracterizado no pensamento de Gramsci. [...] uma constelação histórica na qual se dá uma conciliação entre frações das classes dominantes, com a explícita tentativa de excluir o povo de uma participação mais ampla nos processos de transformação. TÓPICO 1 | A CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DAS POLÍTICAS SOCIAIS NO BRASIL 11 Gramsci diz que as revoluções passivas provocam mudanças na ordem social, mas mudanças que também conservam elementos da velha ordem. (COUTINHO,1993, p. 79). Mesmo sem nenhuma representação política, algumas reivindicações e demandas apresentadas pelas classes subalternas deveriam ser aceitas pela classe dominante e que estava no poder, para que fosse possível a implementação de um projeto político e econômico, como possibilidades de negociação. Os setores dominantes, que estavam sob o comando de Getúlio Vargas, quase que radicalizaram o autoritarismo, inserindo um regime de exceção mais correspondente, para um projeto de sociedade capitalista. Coutinho (1989, p. 123- 124) reflete que: Reprimido com extrema facilidade putsch [conhecido como Intentona Comunista] será o principal pretexto para a instauração da ditadura Vargas. Contudo, apesar de seu caráter repressivo e de sua cobertura ideológica de tipo fascista, o ‘Estado Novo’ varguista promoveu uma acelerada industrialização do País, com o apoio da fração industrial da burguesia e da camada militar; além disso, promulgou um conjunto de leis de proteção ao trabalho, há muito reivindicadas pelo proletariado (salário mínimo, férias pagas, direito à aposentadoria etc.), ainda que ao preço de impor uma legislação sindical corporativista, copiada diretamente da Carta del Lavoro de Mussolini, que vinculava os sindicatos ao aparelho estatal e anulava sua autonomia. FIGURA 3 – CRISE DE 1930 FONTE: Disponível em :<http://www.grupoescolar.com/pesquisa/caracteristicas-da- industria-moderna.html>. Acesso em: 14 jun. 2015. Sendo assim, a ditadura do Estado Novo foi responsável pela implementação de uma política econômica que estimulasse a industrialização, UNIDADE 1 | A ASSISTÊNCIA SOCIAL E AS POLÍTICAS SOCIAIS BRASILEIRAS 12 através de mecanismos que gerassem a acumulação através da intervenção estatal e que garantisse o mercado interno. O desenvolvimento da ordem econômica capitalista, depende de uma organização, influência e reprodução de um mercado força de trabalho, que tenha condição de promover a mão de obra assalariada, no que se refere às qualidades político-ideológicas e culturais para seu uso. Wegrzynovski (2015, p. 201-208) afirma: O Brasil desencadeou uma das maiores transformações do país, que foi chamada Revolução de 1930, foi liderada por Getúlio Vargas e ficou conhecida como a Era Vargas, a qual durou até 1945. Nesses 15 anos o Brasil se industrializou, provocando mudanças importantes na estrutura ocupacional da sociedade e a sua alocação nos setores econômicos, refletindo no aumento do número de trabalhadores nas empresas privadas, provocando o êxodo rural, um aumento nas populações das cidades e nas demandas de problemas sociais, como, por exemplo: falta de escolas, de habitação, de saneamento básico, de saúde, de assistência, entre outros. Perante as novas configurações econômicas, sociais, políticas e culturais que se instauraram no país, Vargas implementou uma legislação social e trabalhista, que além de sua amplitude, detinha o controle direto sobre a classe trabalhadora e na regulamentação das organizações sindicais, sendo ligadas ao Ministério do Trabalho, que foi criado neste período. O que antes se chamava de discurso da “colaboração de classe”, foi estabelecido em um reconhecimento legal das vulnerabilidades dos trabalhadores, objetivando o abandono da chamada “destrutiva ideologia de luta de classe”, e a classe trabalhadora limitasse a sua organização em uma representação, de caráter corporativo ao próprio Estado. Consequentemente, aos objetivos acima foram promulgados diversos decretos que afetaram diretamente as organizações sindicais, onde estabeleceram o sindicalismo único, unidade sindical, criava-se a possibilidade da intervenção do Ministério do Trabalho, onde teria autonomia suficiente para intervir na direção sindical, podendo até destituir uma direção eleita, se não fosse de acordo com as ideias do governo. Faleiros (1992, p. 100) analisa essas diretrizes, afirmando: Como os sindicatos se transformaram em ordens de colaboração com o Estado, as reivindicações dos trabalhadores são canalizadas pelos novos aparelhos semioficiais. A função principaldas organizações sindicais não é mais a reivindicação e a pressão, mas a assistência médica, jurídica e cultural de seus membros. Despolitiza-se a ação sindical e, ao mesmo tempo, retira- se dela o seu potencial de mobilização reivindicativa e política. O perfil elitista das políticas sociais e trabalhistas, através da institucionalização das mesmas, acerou diretamente no campo da assistência TÓPICO 1 | A CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DAS POLÍTICAS SOCIAIS NO BRASIL 13 FIGURA 4 – CLIENTELISMO POLÍTICO FONTE: Disponível em: <https://gastao30.wordpress.com/tag/politica/>. Acesso em: 14 jun. 2015. social, que foram caracterizadas pelas ações de caridade e filantropia, através do imediatismo e interesses clientelistas. O Serviço Social surge no Brasil durante o século XX, sendo um instrumento para atender imediatamente as demandas sociais, que se estruturavam neste novo período da história do modelo capitalista. O Estado começa a ser obrigado a responder aos problemas sociais que estão surgindo no contexto da sociedade. Foi durante esse período que começam a ser criadas as primeiras políticas públicas sociais para atender às necessidades da população e instrumentalizar o Serviço Social, como profissão. Para Iamamoto (2007, p. 171): “A profissionalização do Serviço Social pressupõe a expansão de produção e de relações sociais capitalistas, impulsionadas pela industrialização e urbanização, que trazem, no seu verso, a questão social”. Sobre as ações que estavam sendo desenvolvidas na área da assistência social, foram observadas por Sposati et al. (1987, p. 45): A assistência Social [...] se reveste de maior racionalidade, introduzindo serviços sociais de maior alcance, sem perda, no entanto, de sua característica básica; o sentido do benefício ou da benevolência, só que, agora, do Estado. [...] é em 1938 que o Decreto-lei nº 525 estatui a organização nacional de Serviço Social enquanto modalidade de serviço público, através do Conselho Nacional de Serviço Social, junto ao Ministério de Educação e Saúde. O Conselho Nacional de Serviço Social, criado por decreto, teve sua atuação em diversos dividendos objetivos e na área da assistência social, sendo apontado por suspeitas de uso manipulado das verbas e também de indevidas subvenções sociais, que são próprias do modelo clientelismo político. UNIDADE 1 | A ASSISTÊNCIA SOCIAL E AS POLÍTICAS SOCIAIS BRASILEIRAS 14 A história da assistência social, como política social, foi marcada por mais de meio século de corrupção e desvio de recursos financeiros destinados a essa área, sendo evidenciados para a sociedade, através dos escândalos que envolviam parlamentares que faziam parte da Comissão de Orçamento do Congresso Nacional, no período do governo do Presidente da República Fernando Collor de Melo. Na época, o Conselho Nacional de Serviço Social (CNSS), era ineficaz no que se referia ao combate às práticas de corrupção, com recursos públicos, ou até cúmplice das irregularidades na utilização das verbas que eram destinadas à implementação de políticas sociais, e que acabaram sendo desviadas para a utilização clientelista dos diversos setores governamentais, como por exemplo: deputados, senadores e até por membros do Executivo. Analisando o que representa o uso indevido, o mau uso dos recursos públicos, está longe de ser reprimido no Brasil, pois infelizmente a prática que está fundamentada nessa natureza, nutre várias estruturas de poder e de desenvolvimento ilícitos que se fazem presentes na atual conjuntura política e econômica. FIGURA 5 – ANTICORRUPÇÃO FONTE: Disponível em: <http://www.adjorisc.com.br/politica/movimento- anticorrupc-o-volta-as-ruas-em-35-cidades-nesta-terca-feira-1.986627#. VX5E3flViko>. Acesso em: 15 jun. 2015. Neste sentido, consegue-se perceber que a trajetória da formação da classe burguesa no Brasil é contraditória, e evidencia um reconhecimento parcial aos princípios de cidadania pela classe dominante pelo Estado, através das transformações institucionais e políticas a partir da Revolução de 1930. O autor Marshall (1967), em seu escrito “Cidadania e Classe Social”, afirma que o Brasil possui uma característica peculiar na formação no seu processo histórico, que contradiz com sequências cronológicas das aquisições e conquistas dos direitos sociais, tendo como referência a Grã-Bretanha, para consolidar a lógica de implementação desses direitos, que se estruturam incialmente pelos direitos civis, seguidos dos direitos políticos e finalizando com os direitos sociais. TÓPICO 1 | A CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DAS POLÍTICAS SOCIAIS NO BRASIL 15 Com o reconhecimento dos direitos sociais, que beneficiaram em especial a burguesia e as classes dominantes, como os direitos trabalhistas e sociais, impostos na Era Vargas, que foi considerado um governo repressor para os segmentos de oposição política, mas cauteloso com as necessidades de legitimação da classe de trabalhadores, desprovidas de qualquer forma de politização, sendo um governo vigilante nas demandas dos trabalhadores, mas receptivo à reivindicação de organização, representação e reprodução da força de trabalho, solicitada pelo modelo capitalista. Sendo assim, assume-se uma coerência excludente e ineficaz do sistema de seguridade social no Brasil, que reflete de forma antidemocrática a relação que o Estado estabeleceu com cidadãos brasileiros, a partir do momento que leva o desconhecimento dos direitos e interesses fundamentais e legítimos da classe operária, gerando assim um aumento do empobrecimento dos trabalhadores, tanto por bens materiais e de formação política no resgate à cidadania. Para entender melhor as políticas sociais pós-30, Santos (1979, p. 132) traz o conceito sobre a conquista da cidadania e o papel do Estado, como “cidadania regulada”, sendo assim, “Por cidadania regulada, entendo o conceito de cidadania cujas raízes encontram-se não em um código de valores políticos, mas em um sistema de estratificação ocupacional [...]”. Este conceito apresentado pelo autor, se tornou um referencial característico da formação social de toda a população brasileira, devido à inclusão parcial e seletiva de alguns setores e segmentos sociais, principalmente os que envolvem as classes trabalhadoras, no que diz respeito à participação dos trabalhadores no processo decisório sobre as políticas sociais e econômicas do país. O Estado brasileiro, através da cidadania reguladora dos processos históricos, passou a ter atitude centralizadora e autoritária pós-30, mostrando que sempre esteve a serviço de interesse da inciativa privada, sendo que este princípio de privatização se perpetua até os dias atuais. Coutinho (1993, p. 87) apresenta que: O fato de ter sido esse Estado sempre muito forte e de ter aparentemente se superposto à ordem privada não anula, de modo algum, a realidade fundamental: a de que toda essa força foi sempre, em primeira ou em última instância, mais em primeira do que em última, um poderoso e eficiente instrumento a serviço de interesses estritamente privados. UNIDADE 1 | A ASSISTÊNCIA SOCIAL E AS POLÍTICAS SOCIAIS BRASILEIRAS 16 FIGURA 6 - INTERVENÇÃO DO ESTADO FONTE: Coutinho (1993) No transcorrer da história do Estado brasileiro, consegue-se analisar que o mesmo foi se moldando na década de 1930, e cada vez mais aperfeiçoando durante o período pós-1964 e no decorrer da ditadura militar, como patrimonialistas, pois os diferentes governos que se sucederam nestes anos eram eleitos e representados pelas elites dominantes e seus dirigentes. Essas características estavam centradas em ações tradicionalistas, paternalistas e clientelistas, que vigoraram até o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, mesmo com promessa de desmontar o modelo patrimonialista, teve seu mandato como todas as evidênciasdos anteriores, principalmente no que se refere à privatização das empresas estatais. A privatização de vários segmentos públicos se expressam através da intervenção estatal, do Estado, na inovação das condições favoráveis para a ampliação do capital privado, que desde o golpe de 64, passou a consentir prioritariamente aos interesses do capital financeiro multinacional, sendo este um caminho que se efetua em grandes dimensões na chamada política de globalização, a partir de 1995, com o governo de FHC. Este período da história brasileira, não veio de encontro com a equidade social e efetivação da cidadania, como se almejava, e sim, ocorreu um redirecionamento do Estado em relação ao seu papel econômico, através de seu desempenho protagonista no modelo de inserção de sistema capitalista monopolista mundial, gerando um regime antidemocrático dos direitos sociais e políticos da classe trabalhadora. Mediante esta função de acumulação desenvolvida do capital monopolista por parte do Estado, desde 1964, o autor Coutinho, baseado nas reflexões de Gramsci, descreve o conceito de “revolução passiva”: As forças produtivas da indústria, através de uma intervenção maciça do Estado, desenvolveram-se intensamente, com o objetivo de favorecer a consolidação e a expansão do capitalismo monopolista. A estrutura agrária, por seu turno, mesmo conservando o latifúndio TÓPICO 1 | A CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DAS POLÍTICAS SOCIAIS NO BRASIL 17 como eixo central, foi profundamente transformada, sendo hoje predominantemente capitalista. A camada tecnocrático-militar, que se apoderou do aparelho estatal, certamente controlou e limitou a ação do capital privado, na medida em que submeteu os interesses dos múltiplos capitais ao capital em seu conjunto, mas adotou essa posição ‘cesarista’ precisamente para manter e reforçar o princípio do lucro privado e para conservar o poder das classes dominantes tradicionais, quer da burguesia industrial e financeira (nacional e internacional), quer do setor latifundiário que ia se tornando cada vez mais capitalista. (COUTINHO, 1989, p. 124). Esta categoria chamada de “revolução passiva”, também foi empregada pelo pensador marxista, que serviu para esclarecer a mudança do capitalismo italiano, que estava na fase concorrencial, para a fase monopolista. A ditadura brasileira adotou alguns procedimentos, que fortaleceu o projeto de dominação imposto pelo sistema que estava em vigor. Segundo Faleiros (1992, p. 179): O capital multinacional, que tende a oligopolista, se implanta através dos setores mais modernos e mais rentáveis, isto é, na indústria de bens duráveis. Ocupa, ao mesmo tempo e gradativamente, os espaços de financiamento para compra desses produtos, sua comercialização, e alcança os investimentos agrícolas. Formam-se conglomerados cada vez maiores em todos os setores da economia. Nesse processo, entram na órbita do capital multinacional várias empresas nacionais, por compra ou simples associação [...] O Estado propicia tal concentração através dos seus mecanismos de união do bloco dominante e de controle do conjunto das medidas econômicas. Existem outros fatores importantes que precisam ser destacados e avaliados no modelo econômico, durante o período da ditadura, que está relacionado nas categorias fundamentais para a implementação de um padrão antipopular e concentrador de poder e de riquezas, que é o recurso à violência (diversas formas), à repressão e coerção direta e à plena restrição da liberdade. É importante recordar que, naquele período, a repressão política e militar foi contra os movimentos sociais organizados, como sindical, estudantil e social, que lutavam por uma política salarial, que objetivava o achatamento e perdas salariais, impostas à força pelo regime militar. UNIDADE 1 | A ASSISTÊNCIA SOCIAL E AS POLÍTICAS SOCIAIS BRASILEIRAS 18 FIGURA 7 – REPRESSÃO MILITAR 1964 FONTE: Disponível em: <http://militanciapolitica.webnode.com.br/a%20 resist%C3%AAncia%20aos%20anos%20de%20chumbo/>. Acesso em: 17 jun. 2015. O autoritarismo foi um dos procedimentos mais utilizados, para a negociação das políticas públicas sociais, tendo sempre relevância os interesses das classes dominantes. Neste sentido, não somente os canais de participação popular, como partidos políticos, sindicatos, organizações sociais sofreram retaliações em relação à formação política das massas trabalhadoras. Para Viana (1989, p. 26): Agências formuladoras ou reguladoras de políticas econômicas (aquelas que têm a ver com o processo produtivo), responsáveis por traduzir demandas setoriais em decisões generalizantes, estabelecem vínculos diretos com ‘clientelas’ selecionadas, garantindo no interior do aparelho estatal o lócus para a articulação técnica de seus interesses. A neutralidade no reconhecimento dos reais interlocutores dos diversos setores internos da burguesia, não vem de encontro com os verdadeiros interesses sociais. Sendo assim, conservaram-se as chamadas classes “clientelas” ou “pelegas” no movimento sindical, pois não possuíam nenhuma representatividade ou comprometimento na defesa dos trabalhadores. Diante da anulação dos direitos políticos e sociais em todos os setores da sociedade que visavam combater democraticamente os direitos da sociedade civil, as opções de ampliação dos recursos na área social estão limitadas. Porém, o mito das opções técnicas e racionais se tornam automatizadas, pela abrangência, mediante os discursos que foram propagados equivocadamente aos interesses políticos individualistas e particularistas. Mediante esta questão, Viana (1989, p. 26) observa que: Mantida a aparência constitucional, com a realização de eleições periódicas e câmaras legislativas em funcionamento, a política social, TÓPICO 1 | A CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DAS POLÍTICAS SOCIAIS NO BRASIL 19 através das imensas máquinas burocráticas de suas agências, cargos disponíveis e serviços prestáveis, transformou-se em esfera ideal para o fazer política uma política estreita e eleitoreira, alternativa ao tipo de competição política em que se reconhecem pressões conflitantes e se negociam interesses divergentes em arenas abertas. Em todo o período do regime autoritário acontece a materialização institucional fundamentalmente conservadora no sistema de proteção social, sendo que os princípios de financiamento são edificados através de critérios contrários ao da equidade social, acontecendo um bloqueio em todas as formas de transferências de rendas, através de setores e fontes de recursos de financiamento e de transferência de renda. Essas medidas afetaram diretamente os trabalhadores e operários assalariados, pois contribuíram de forma decisiva para a eliminação dos meios de acesso da população nas políticas públicas sociais, em especial as de assistência social. DICAS Caro(a) acadêmico(a), a leitura do livro a seguir é fundamental para que você consiga aprofundar melhor seus conhecimentos. Ensaio fundamental para a compreensão da formação social e política brasileira. Partindo das origens portuguesas de nosso patronato político, o autor demonstra como o Brasil foi governado, desde a colônia, por uma comunidade burocrática que acabou por frustrar o desenvolvimento de uma nação independente. Sua análise abarca o longo período que vai da Revolução Portuguesa do século XIV até a Revolução de 1930 no Brasil. Esta edição foi revista e acrescida de um índice remissivo. FAORO, Raymundo. Os donos do poder, formação do patronato político brasileiro. 5. ed. Rio de Janeiro: Ed. Globo, 2012. LEITURA COMPLEMENTAR 2 A RESISTÊNCIA AOS ANOS DE CHUMBO Ramati “Ex-Militante Político” Um dos períodos de maior terror e crueldade em toda a história do Brasil foi o da repressão implantada pela ditadura que sobreveio ao golpe militar de março de 1964,que destituiu um presidente eleito e praticou prisões ilegais, torturas, assassinatos, perseguições, censura, proibições, extinguiu as liberdades políticas e fechou o Congresso Nacional por várias vezes. UNIDADE 1 | A ASSISTÊNCIA SOCIAL E AS POLÍTICAS SOCIAIS BRASILEIRAS 20 A ação do estado autoritário que assaltou o poder, deixou marcas profundas em toda uma geração que carrega em sua memória, as lembranças do horror e da tensão dos “anos de chumbo”, mas também o orgulho de ter impetrado uma resistência firme, trazendo à tona para a sociedade brasileira, toda a podridão abrigada no interior do regime militar. No início da década de 60, o Brasil vivia um processo político muito intenso, com as mais diversas forças sociais atuando no cenário nacional, onde os movimentos populares se expressavam de forma aberta e davam passos na sua livre organização. Estudantes, trabalhadores, artistas e intelectuais se empenhavam na democratização da educação e da cultura. O Presidente João Goulart aproxima-se destes setores mais à esquerda com medidas nacionalistas como a Lei de Remessa de Lucro e discute-se amplamente a reforma agrária, tendo como referência importante as Ligas Camponesas, organizadas por Francisco Julião. Setores conservadores, aliados ao capital estrangeiro, inflam o velho fantasma do “perigo comunista” e precipitam um golpe que depõe Jango, implantam uma ditadura militar, que logo nas primeiras semanas, demite 10 mil funcionários públicos, prende 40 mil pessoas, destrói 25 mil livros de autores diferentes e cassa os direitos políticos de 2.700 cidadãos, dando início a um terrível período de cerceamento de direitos e desrespeito à condição humana. Para se consolidar no poder, a ditadura busca neutralizar o movimento de oposição, e extingue 13 partidos políticos, cancela as eleições presidenciais previstas para 1966, cria a Lei de Imprensa e a Lei de Segurança Nacional, intervém na estrutura sindical e joga a CGT na ilegalidade, além de continuar cassando, prendendo e exilando inúmeras lideranças populares. Mesmo estabelecendo um permanente estado de sítio, com o AI-5 institucionalizando o terror e centros de tortura e morte espalhados pelo país, a ditadura não consegue neutralizar a resistência que de imediato manifesta sua insatisfação promovendo passeatas, greves e manifestações as mais variadas, com os estudantes dirigidos pela UNE, assumindo a vanguarda do protesto. No Calabouço, morria Edson Luiz e nas ruas a célebre passeata dos 100 mil protestava: “Vem vamos embora que esperar não é saber quem sabe faz a hora não espera acontecer” (Geraldo Vandré) A esquerda aprofundava o debate interno sobre táticas e estratégias políticas, e com isso novas ramificações surgiam da matriz do Partido Comunista (MR-8, POL0P, COLINA, VPR, VAR-PALMARES, POC, ALN, PCBR, AP etc.). Contra a ditadura qualquer maneira de luta vale a pena. As ações armadas surgem e se ampliam: invasões e tomadas de rádios para divulgação de manifestos, sequestros de diplomatas para serem trocados por presos políticos e assaltos a bancos para financiamento da luta revolucionária. Na virada da década, o país do “ame-o ou deixe-o”, cantava “prá frente Brasil, salve a seleção”. Era o tempo da Transamazônica, milagre econômico, 200 milhas, e cartazes espalhavam em todos os cantos o rosto de centenas de jovens idealistas sob o rótulo de terroristas, e haja assassinatos: Marighella, Mário Alves, TÓPICO 1 | A CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DAS POLÍTICAS SOCIAIS NO BRASIL 21 Joaquim Câmara, Lamarca, Stuart Angel, Honestino Guimarães, José Porfírio, Paulo Wright, Pedro Pomar, e muitos outros. Apesar de você Amanhã há de ser Outro dia ........ (Chico Buarque) Mais uma vez os estudantes nas ruas, pelas Liberdades Democráticas e Anistia Ampla Geral e Irrestrita, e junto com as donas de casa e os trabalhadores contra a carestia, greves econômicas, passeatas etc. Novamente o movimento popular se organizava contra a Ditadura. O MDB ganha as eleições para governador em 1974, instituições como CNBB, ABI, OAB, UNE, sindicatos e setores progressistas da Igreja manifestavam-se seguidamente “contra a fome e a farsa”. Denúncias de prisões arbitrárias, torturas e mortes, como a do jornalista Vladimir Herzog, e o operário Manoel Fiel Filho, eram cada vez mais contundentes, o que desestabilizava o governo militar. A luta pela anistia ganha corpo, mas a promessa de abertura “lenta e gradual” não extinguiu a violência. A extrema-direita tenta se articular e lança ofensiva com ameaças e atentados a bombas contra jornais de oposição, personalidades e entidades democráticas. Mas o “outro dia” já vinha raiando, fechando 20 anos (1964/84) de Ditadura Militar no Brasil, nos quais 500 mil pessoas foram processadas, indiciadas, ou presas por motivos políticos. Até hoje restam fatos a esclarecer, paradeiros a desvendar, mortos a enterrar. Uma mancha forte de sangue brasileiro ainda é viva, apesar das tentativas de se instalar um pacto velado de silêncio e de não se apurar tais incógnitas. A resistência impetrada pelo povo brasileiro nos “anos de chumbo” contra a intolerância, o desrespeito e a violência desumanas impostos por um governo tirano demonstravam mais uma vez que, onde quer que se levante contra ele a opressão, ele não se renderá, pelo contrário, responderá com luta, da forma que for possível e necessária para derrubar tudo aquilo que lhe ousar oprimir. FONTE: Disponível em: <http://militanciapolitica.webnode.com.br/a%20resist%C3%AAncia%20 aos%20anos%20de%20chumbo/>. Acesso em: 18 jun. 2015. 22 Neste tópico você viu que: • A abrangência histórica das políticas sociais no Brasil, enfatizando a política de Assistência Social, gera algumas provações, que são importantes devido à dimensão das análises e reflexões que envolvem o Serviço Social como profissão. • O questionamento crítico que existe em torno da assistência social e da construção do desenvolvimento histórico brasileiro, definem importantes bases teóricas no que diz respeito aos entendimentos contraditórios da assistência social como uma política social pública específica. • A multiplicidade de interesses e determinações visíveis que foram eleitas como expressões sintéticas que podem concentrar-se como questão específica, pela qual a assistência social, através da Constituição Federal de 88, passou a ser parte integrante de proteção social. • A CF de 88 representou um marco importante na inclusão da população no sistema público de seguridade social, através do chamado tripé da seguridade social. • Os conceitos e as informações sobre a seguridade social começaram a ser evidenciados no sistema capitalista, início do século XX, onde houve a constituição dos Estados de Bem-Estar Social. • Alguns dos princípios norteadores de concepção que moldam o padrão de Seguridade Social, e serviram de bases estruturais dos Estados do Bem-Estar. • O modelo de proteção social que estava no auge na década de 50, que estava baseado nos atributos acima citados, não foi materializado no Brasil. Pois o oposto aos modelos históricos que estavam se configurando nas políticas sociais, o país se caracterizou pelo domínio de um perfil limitativo e discriminatório, no que se refere aos direitos sociais. • Resgatando a história política do país, a década de 1930 foi o momento histórico inicial mais representativo de intervenção estatal nas esferas das políticas sociais e econômicas. • Durante este período o Brasil estava saindo de uma grande crise econômica e política, que foi originada devido ao colapso monocultor da oligarquia cafeeira. • A oligarquia dominante naquele período defendia e possuía os interesses diferenciados de outros setores, principalmente em relação às oligarquias gaúchas e mineiras, que eram responsáveis pela produção do algodão, açúcar,carne e laticínio, que eram abastecidos o mercado interno. RESUMO DO TÓPICO 1 23 • Mesmo sem nenhuma representação política, algumas reivindicações e demandas apresentadas pelas classes subalternas deveriam ser aceitas pela classe dominante e que estava no poder. • A ditadura do Estado Novo foi responsável pela implementação de uma política econômica que estimulasse a industrialização, através de mecanismos que gerasse a acumulação através da intervenção estatal e que garantisse o mercado interno. • Vargas implementou uma legislação social e trabalhista, que além de sua amplitude, detinha o controle direto sobre a classe trabalhadora e na regulamentação das organizações sindicais, sendo ligadas ao Ministério do Trabalho, que foi criado neste período. • O perfil elitista das políticas sociais e trabalhistas, através da institucionalização das mesmas, acerou diretamente no campo da assistência social, que foram caracterizados pelas ações de caridade e filantropia, através do imediatismo e interesses clientelistas. • O Conselho Nacional de Serviço Social, criado por decreto, teve sua atuação em diversos dividendos objetivos e na área da assistência social, sendo apontado por suspeitas de uso manipulados das verbas e também de indevidas subvenções sociais, que são próprias do modelo clientelismo político. • A trajetória da formação da classe burguesa no Brasil é contraditória, e evidencia um reconhecimento parcial aos princípios de cidadania pela classe dominante pelo Estado, através das transformações institucionais e políticas a partir da Revolução de 1930. • Com o reconhecimento dos direitos sociais, que beneficiaram em especial a burguesia e as classes dominantes, como os direitos trabalhistas e sociais, impostos na Era Vargas, que foi considerado um governo repressor para os segmentos de oposição política. • O Estado brasileiro, através da cidadania reguladora dos processos históricos, passou a ter atitude centralizadora e autoritária pós-30, mostrando que sempre esteve a serviço de interesse da inciativa privada, sendo que este princípio de privatização se perpetua até os dias atuais. • A privatização de vários segmentos públicos se expressam através da intervenção estatal, do Estado, na inovação das condições favoráveis para a ampliação do capital privado, que desde o golpe de 64, passou a consentir prioritariamente aos interesses do capital financeiro multinacional, sendo este um caminho que se efetua em grandes dimensões na chamada política de globalização, a partir de 1995. 24 1 Com a Constituição Federal de 88, a proteção social passou a ser obrigatória aos cidadãos brasileiros, devido à multiplicidade de interesses e determinações visíveis que foram eleitas como expressões sintéticas que podem concentrar- se como questão específica. Diante disso, cite na íntegra o artigo da CF de 88 que apresenta a assistência social como direito garantido. 2 Descreva o que você entendeu sobre cidadania regulada. AUTOATIVIDADE 25 TÓPICO 2 O LEGADO ELITISTA E AUTORITÁRIO NA REPRESENTAÇÃO DAS POLÍTICAS SOCIAIS UNIDADE 1 1 INTRODUÇÃO FIGURA 8 – REPRESENTAÇÃO DAS POLÍTICAS SOCIAIS FONTE: Disponível em: <http://arquivo.geledes.org.br/areas-de- atuacao?start=7786>. Acesso em: 19 jun. 2015. Focalizando o contexto histórico das políticas públicas, em seus pequenos elementos distributivos, como por exemplo, a previdência social, onde se sabe que o seu modelo de financiamento admite diminuídas transferências de ativos para inativos, enfatizando um padrão simplesmente horizontal na distribuição do benefício. Contextualizando a política de previdência social, no período da década de 90, consegue-se verificar que ela relevava várias propostas de mudanças na regulamentação da previdência, mediante a revisão constitucional que estava em curso. As proposições convergiam contrárias às reformas neoliberais que recém estavam implementadas no Brasil. UNIDADE 1 | A ASSISTÊNCIA SOCIAL E AS POLÍTICAS SOCIAIS BRASILEIRAS 26 2 A REPRESENTAÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS E O AUTORITARISMO DAS CLASSES SOCIAIS Uma outra característica que se pode apontar sobre o sistema nacional de arrecadação, mencionado naquela época, é referente ao repasse integral dos custos das contribuições sociais aos valores das mercadorias por parte das empresas, assim os assalariados e os consumidores são os financiadores dos programas sociais. Para Camargo (1991), o regime militar, no que se refere ao financiamento das políticas sociais, apresentou através de um perfil mais limitado e restrito, ou seja, autoritário e antipopular, para ampliar a arrecadação por meio da captação compulsória de poupança, usando as contribuições sociais, ao invés de ampliar a arrecadação das cargas tributárias, caracteristicamente fiscal, preservando o capital de realizar maiores gastos nas políticas sociais. Sendo assim, a quantia de recursos que foram recolhidos com as contribuições sociais computou, naquele momento, mais de 50% da receita tributária de toda a União, que são recursos procedentes de um orçamento paralelo coberto pelo consumo compulsório das contribuições sociais. Estas contribuições foram impostas com a justificativa de subsidiar as aplicações, projetos, programas e benefícios de instância social, consequentemente o Estado, União, estaria em última instância comprometido com as despesas sociais, pois ficaram acopladas diretamente aos fundos públicos exclusivos de cada área, e que já estavam discriminadas cada fonte de financiamento. A característica desse modelo do sistema de arrecadação e financiamento, por mais injusto e induzido, pois o comprometimento com as políticas sociais, incidem somente para uma parte da sociedade, e nesses moldes, a classe trabalhadora, e o Estado, sempre descomprometido com os interesses sociais, sem disponibilidade de orçamento, mesmo através das arrecadações fiscais. UNI O Estado se tornou um mecanismo completamente insuficiente para responder de maneira democrática às necessidades primordiais e básicas da população brasileira. No Brasil [...], dadas as condições de distribuição de renda e de salários, o baixo piso salarial e o limitado alcance do segmento formal do mercado de trabalho tornam o aporte de recursos fiscais simultaneamente mais necessário e mais difícil. Mais necessário, para fazer face aos gastos de cobertura de proteção social à população como um todo, não financiados com receita de contribuição. Mais difícil porque a esfera tributária revela-se TÓPICO 2 | O LEGADO ELITISTA E AUTORITARISMO NA REPRESENTAÇÃO DAS POLÍTICAS SOCIAIS 27 incapaz, face às limitações estruturais à expansão da receita impositiva, de acomodar uma crise fiscal originária de transferências para o setor privado e para o setor externo. (DAIN, apud VIANA,1989, p. 8). Todas essas características que formam o conjunto da formação social brasileira, está fundamentada por origens profundas nas representações sociais e políticas que foram herdadas da redemocratização da economia. Até poucos anos atrás o Brasil era considerado país com maior número de desigualdade na distribuição de renda. Os números que foram apresentados, no período militar, mostram que o PIB – Produto Interno Bruto – existia um percentual pequeno, relacionado à população, sendo 1% das famílias mais ricas, e que possuíam aproximadamente 20% de toda a renda nacional, contrapondo essa realidade, 50% dos mais pobres centralizavam apenas 10% de toda a riqueza produzida, o remanescente estava apropriado pelos extratos da proletarização da política recessiva. Esses dados foram ratificados através de relatório do Banco Mundial, e apresentam dados inquestionáveis. Com efeito, os conhecidos relatórios anuais do Banco Mundial fornecem algumas estatísticas básicas sobre 129 países-membros, aforaaqueles com população inferior a um milhão de habitantes. Na sua última versão, o relatório apresenta informações de distribuição de renda para 46 países e entre estes o Brasil é o que aparece com o perfil mais iníquo. (ROMÃO apud CAMARGO, 1991, p. 104). Mesmo diante desse quadro de concentração de riqueza, o Brasil passava por uma crise econômica que há décadas vinha se alastrando no país e sem prévia de duração. As escolhas e alternativas habituais tinham sido esgotadas, as mudanças de importações e financiamentos externos e contratos para a expansão da produção e a rolagem da dívida, esses eram chamados de “draconianos”, devido a acordos firmados que não traziam nada de benefícios aos trabalhadores. DICAS Caro(a) acadêmico(a): assista ao curta-metragem: O dia em que Dorival encarou a guarda: Sinopse: Todo homem tem seu limite, e Dorival resolve enfrentar a tudo e a todos para conseguir o que quer. A história da luta desigual de um homem contra um sistema sem lógica e sem humanidade. FONTE: Disponível em: <https://www.youtube.com/ watch?v=zRO1HIVkFT>. Acesso em: 25 jun. 2015. UNIDADE 1 | A ASSISTÊNCIA SOCIAL E AS POLÍTICAS SOCIAIS BRASILEIRAS 28 Com as dificuldades encontradas para superar a crise econômica, outros caminhos foram trilhados, sendo esses mais atrozes e ineficientes, causando a recessão, fundamentados no ideário neoliberal. O legado para combater de qualquer forma a inflação durante aquele período, houve um arrocho ainda maior dos salários, demissão em massa dos trabalhadores, e um enorme sucateamento dos patrimônios públicos, e efetivando os cortes nos recursos das políticas sociais, aumentando consequentemente as desigualdades sociais, fome, pobreza, desemprego. Outros segmentos com muito mais estrutura econômica se preveniam de qualquer forma de perdas. Essa chamada “herança indesejada”, foi apresentada por Benjamim (1991, p. 50): O atual sistema de poder que começa na hiperconcentração da riqueza e da terra, passa pelo predomínio dos oligopólios na economia, se reproduz no controle dos meios de comunicação de massa, apresenta poder de corrupção virtualmente ilimitado, garante sobre representação de oligarquias no Congresso Nacional e tem como reserva um judiciário conservador –, esse sistema de poder, aprisiona um grande país [...]. O poder das elites brasileiras no sistema em discussão, tenha se perpetuado, e deixado em seu caminho a marca da exclusão na história da sociedade brasileira, deve- se destacar uma importante modificação nas estruturas obsoletas e distribuídas, que foi o processo de ampliação e materialização do processo das liberdades democráticas, mesmo que limitadas na dimensão política. Assim, o Estado brasileiro, que era o retentor de extensos e ilimitados poderes, que mediava em torno de si, os setores politizados da sociedade, através de uma disputa corporativa de interesses, que se construiu durante este processo de resistência ao regime militar e nas lutas pela cidadania, uma combativa sociedade civil, que estava reconstruída através da participação e mobilização popular. FIGURA 9 – MOBILIZAÇÃO POPULAR FONTE: Disponível em: <http://jornalggn.com.br/noticia/as-mulheres-que- lutaram-contra-a-ditadura-militar>. Acesso em: 21 jun. 2015. TÓPICO 2 | O LEGADO ELITISTA E AUTORITARISMO NA REPRESENTAÇÃO DAS POLÍTICAS SOCIAIS 29 Nos anos 90, a sociedade civil esteve submersa em um período de instabilidade política, onde as classes trabalhadoras tiveram que outra vez reconquistar e buscar a capacidade de organização e de luta, mediante a degradação dos modelos de proteção social e de trabalho que foram implementados para a sociedade através das políticas sociais de interesses dos partidos social democratas e liberal que estavam no poder. Este período é descrito por Paiva (1999, p. 11): Como se sabe a ditadura investiu de diferentes maneiras no controle coercitivo da sociedade civil que, apesar da repressão e da desigualdade econômica, cresceu e se fortaleceu simultaneamente ao amadurecimento e à ampliação das forças produtivas sob o regime militar, potencializando-se pela multiplicação de interesses diversificados surgidos com a modernização econômica. A luta pela anistia, o multipartidarismo (que deu oportunidade de expressão a novas forças políticas, como o Partido dos Trabalhadores – PT, por exemplo), as manifestações de rua pelas eleições diretas para a presidência da República, a retomada dos sindicatos como espaço de luta política e não apenas de prestação de serviços, a mobilização em torno da Constituição de 1988 e as campanhas eleitorais, bem como, o movimento pela ética na política que detonou o impeachment de Fernando Collor de Melo, são apenas alguns exemplos emblemáticos dessa capacidade de mobilização e de ação da sociedade civil. Esse processo pôde ser constatado através das últimas eleições majoritárias e proporcionais ocorridas com o fim da ditadura. Com o aumento crescente dos coeficientes eleitorais, embora ainda aquém do necessário para alçar o poder, as esquerdas passaram a expressar e a reunir as aspirações políticas e éticas de vastos setores democráticos no País, ativadas, principalmente, através da militância contra a ditadura e na luta pelos direitos dos trabalhadores. O Partido dos Trabalhadores, de maior expressão política, e os demais partidos realmente progressistas, vêm indubitavelmente demonstrando, tanto em suas atuações no interior dos parlamentos quanto no desafio das administrações de muitas cidades e governos estaduais e também na luta do dia a dia dos movimentos populares, que é perfeitamente viável a construção de uma sociedade mais justa, mais ética e democrática, na recriação da história presente e futura deste país. As políticas neoliberais já foram devidamente implementadas e nem por isso a inflação, combatida a qualquer preço, cedeu. Há que se propor e levar à frente novas alternativas de solução para a crise econômica e social que vem solapando o cotidiano do trabalhador brasileiro. Assim sendo, essa conjuntura contraditória precisa ser reavaliada nos seus desdobramentos e condicionantes, pois coexistem num mesmo país uma sociedade civil representativa e organizada e uma população faminta em torno de 35 milhões de habitantes: são mais de três Somálias dentro do Brasil, já que naquele infeliz país africano a população gira em torno de 10,5 milhões. Com efeito, se for perpetuado esse desolador quadro econômico e social, incompatível com os princípios da democracia, pode-se gerar a impressão de que a transição UNIDADE 1 | A ASSISTÊNCIA SOCIAL E AS POLÍTICAS SOCIAIS BRASILEIRAS 30 democrática processada na luta contra a ditadura não teve o fôlego necessário para possibilitar a superação dos principais elementos de atraso e da exclusão gestados ao longo da história brasileira. Em função do pacto que levou a uma transição “sem traumas”, todos os ônus recaíram pesadamente sobre a população trabalhadora, que tem – às custas de muito trabalho mal pago – sustentado um modelo econômico irracionalmente concentrador de riquezas, modelo sustentado e aprofundado pelos governos civis que subiram ao poder depois da ditadura, os de José Sarney, Fernando Collor de Melo, Itamar Franco, a primeira e a corrente versão do governo Fernando Henrique Cardoso. Resgatando aquele traço recorrente da dinâmica política, pode-se repensar essa transição à luz da já aludida noção de “revolução passiva”: dado o aspecto conciliatório característico da transição democrática, tornou-se possível desconsiderar a legítima participação das massas populares na derrocada da ditadura, com a aceitação da eleição para presidente no Colégio Eleitoral criado pela ditadura, através da composição Tancredo Neves/José Sarney, e não pela via direta, como foi amplamente reivindicado naquele momento. Porém,essa não foi a única medida conciliatória e “pelo alto” imposta contra os apelos de participação democrática; pode-se recordar também o processo de convocação da Assembleia Constituinte, duramente golpeado pela manobra do Governo Sarney, que preferiu a solução de atribuir poderes constituintes a um Congresso instituído segundo as regras eleitorais e institucionais herdadas da ditadura. Portanto, os que redigiram a nova Constituição não o fizeram legitimamente, já que não foram eleitos para elaborar a primeira Carta democrática do país, e sim para legislar dentro da rotina normal do Parlamento. Essa manobra, muito combatida pelos setores progressistas, garantiu uma composição ideológica no Congresso Constituinte bastante favorável e adequada aos interesses das elites dirigentes; basta recordar o famoso “centrão”, que articulou uma firme resistência às mudanças pretendidas pelos segmentos democráticos. Para Coutinho (1994, p. 53), esse período de transição significa: [...] se praticamente todos os sujeitos políticos oposicionistas se empenharam na ‘guerra de posição’ que pôs fim à ditadura, nem todos levaram em conta, na época, o risco contido nessa forma de transição relativamente ‘negociada’. Nela se verifica [...]e, como tentamos indicar, a combinação de processos ‘pelo alto’ e de processos provenientes ‘de baixo’; e, decerto, é o predomínio de uns ou de outros o que determina o resultado final, a natureza do terminus ad quem da transição. A partir do momento em que, com a ida da oposição ao Colégio Eleitoral criado pela ditadura, preponderou uma solução ‘pelo alto’, concretizou-se o risco a que aludimos: o de que a transição terminasse por reproduzir, ainda que ‘atenuados’ e ‘modernizados’, alguns dos traços mais característicos do tradicional modo ‘prussiano’ e ‘passivo’ de promover as transformações sociais no Brasil. Uma transição desse tipo – que poderíamos chamar de ‘fraca’ – implicava certamente uma ruptura com a ditadura implantada em 1964, mas não com os traços autoritários e excludentes que caracterizam aquele modo tradicional de se fazer política no Brasil. (Grifo da autora). TÓPICO 2 | O LEGADO ELITISTA E AUTORITARISMO NA REPRESENTAÇÃO DAS POLÍTICAS SOCIAIS 31 Mediante este conjunto de restrições objetivas ao direito de exercer a cidadania, refletem diretamente nas políticas sociais de maneira cada vez mais decisiva, pois passou a ser alvo preferencial nos cortes dos recursos e despesas públicas. Este corte de recursos financeiros nas políticas públicas sociais acompanhou paralelamente o arrocho salarial, constando uma dificuldade na reversão desta representação, principalmente no que se refere ao sistema tributário do Brasil, pois representa uma fonte de recursos para a redistribuição de recursos pelas políticas públicas. FIGURA 10 – SISTEMA TRIBUTÁRIO FONTE: Disponível em: <http://oimpostoderenda.com/wp-content/ uploads/ID_22_impostos.jpg>. Acesso em: 22 jun. 2015. A questão da composição fiscal envia possíveis alternativas para a universalização e remanejamento na importância de estrutura fiscal remetente, portanto, que são produzidas coletivamente de maneira que as políticas sociais se constituem, sendo um elemento determinante para a estratégica e tática na luta pela democracia, através da socialização de bens de consumo e produção. O sistema tributário desde sempre, esteve fundamentado em critérios mais contraditórios e injustos possíveis, sendo um determinante na diferenciação da concentração de rendas, afligindo diretamente os assalariados, principalmente os que recebem uma menor renda e os consumidores, que são afetados através dos impostos que indiretamente são introduzidos nos preços das mercadorias. UNI O trabalhador é sempre penalizado duplamente, pois quando recebe seu salário tem o seu imposto recolhido mensalmente pela fonte pagadora, e a parcela mais bem- sucedida da sociedade tem recursos estratégicos para sonegar impostos, e em muitas vezes envia clandestinamente dinheiro para contas bancárias no exterior, as chamadas caixa-dois. UNIDADE 1 | A ASSISTÊNCIA SOCIAL E AS POLÍTICAS SOCIAIS BRASILEIRAS 32 Diante da conjuntura acima apresentada, é que o porcentual tributário do PIB, é um dos mais baixos se comparado com todos os outros países, um dos mais baixos mundialmente, isso devido à sonegação de impostos que atinge quase a metade que poderia ser arrecadado. O sistema financeiro, juntamente como os setores industriais nacionais e multinacionais, como os produtores agrários e os latifundiários, e os trabalhadores ativos e inativos de todo o sistema privado e público, como também cargos eletivos executivo e legislativo de todas as esferas, e ministros, além de partidos políticos e o Fundo Monetário Internacional, maior financiador das políticas, através de ações desordenada, discutem o fim das contribuições sociais, e com elas os investimentos das políticas sociais, e continuando a estrutura regressiva, sendo esta de interesse dos empresários, propondo um aumento de alíquotas, afetando o assalariado, que estarão relacionados aos impostos estaduais, municipais, ICMS e ISS, e transforma contribuições em impostos e com um Contribuição Provisória sobre a Movimentação Financeira – CPMF. Neste período de implementação das políticas neoliberais, algumas das propostas elaboradas por segmentos de esquerdas foram debatidas, como o início da progressividade na pertinência das taxas e alíquotas, em conjunto com a melhora na Receita Federal, que objetivasse o combate à sonegação de impostos. Sendo essas, medidas econômicas e políticas de uma maior precisão, que sem as mesmas os compromissos com uma redistribuição perdem o sentido, onde as políticas públicas seriam apenas um instrumento ratificador e reprodutor das desigualdades sociais. Em sociedades capitalistas, nunca houve, nem haverá, transição de modelos se os agentes transformadores não puderem exercer controle sobre a taxa de investimento [...]. Para controlar as variáveis macroeconômicas fundamentais, prover bens e serviços coletivos, induzir distribuição de renda, estabelecer a forma de exploração dos recursos não renováveis, promover o progresso científico e tecnológico e regular o intercâmbio com exterior, o Estado não precisa deter muito mais do que 25% ou 30% do PIB. (BENJAMIM, 1991, p. 49). O autor defende ainda a suposição clássica, que o processo distributivo deveria ser entregue somente para as políticas governamentais, de transferir o excedente, que era irrealizável no país, pelos índices de pobreza e desigualdade impostos na sociedade brasileira. O acúmulo dos impostos são grandes, comparados ao excedente que é mínimo, sendo necessária a realização de transformações qualitativas no setor econômico, pois só assim o modelo de exclusão social poderá ser superado. A política de Assistência Social, neste contexto, precisa estar atrelada a uma eficaz política de redistribuição de renda igualitária. Sendo assim, desenha- se o início da construção efetiva da cidadania, através da elaboração, estruturação e implementação de benefícios, programas, projetos e serviços, que deveriam ser TÓPICO 2 | O LEGADO ELITISTA E AUTORITARISMO NA REPRESENTAÇÃO DAS POLÍTICAS SOCIAIS 33 universalmente custeados através das contribuições tributárias do capital vigente, por meio de captação e alocação dos recursos públicos, por meio de um claro e criterioso planejamento das ações que utilizem os recursos públicos. Apesar das estratégicas conservadoras que foram utilizadas no processo constituinte, e das forças contrárias da sociedade civil, que muitas conquistas foram afirmadas na Constituição Federal de 1988, no que diz respeito aos direitos de cidadania da população brasileira, sendo o que resultou na chamada “Constituição Cidadã”. Foi na CF de 88, que foram contemplados osdireitos sociais, a educação, a saúde, o trabalho, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados (cf. Título II, “Dos Direitos e Garantias Fundamentais”, Capítulo II, “Dos Direitos Sociais”, artigo 6º). FIGURA 11 – DIREITOS SOCIAIS FONTE: Disponível em: <http://sinprogoias.org.br/violencia-contra-as-mulheres/>. Acesso em: 22 jun. 2015. A assistência é uma referência diretamente interligada com o direito de cidadania, através da aproximação e reconhecimento com área da seguridade, ou seja, passou a ser considerada uma política social específica, conforme o artigo 194 (Capítulo II, “Da Seguridade Social”, do Título VIII, “Da Ordem Social”), dispõe que: a seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de inciativa dos poderes públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social. Esses direitos sociais foram reconhecidos juntamente como os novos princípios políticos relacionados a uma estrutura mais racionalizada e democrática na utilização dos recursos e serviços oferecidos pelas políticas públicas, como: UNIDADE 1 | A ASSISTÊNCIA SOCIAL E AS POLÍTICAS SOCIAIS BRASILEIRAS 34 • Universalidade da cobertura e do atendimento para todos os cidadãos; • Igualdade e equivalência dos benefícios e serviços a populações urbanas e rurais; • Seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços; • Irredutibilidade do valor dos benefícios; • Igualdade na forma de participação do custeio, através da participação dos estados e municípios na composição dos fundos sociais; • Diversidade na base de financiamentos; • Caráter democrático e descentralizado da gestão administrativa, através da participação da sociedade civil, em especial a classe trabalhadora, empresário e aposentados. A democratização dos recursos públicos e das políticas sociais, que foram apontadas na CF/88, estão fundamentadas nos princípios acima citados, porém na prática, os cumprimentos das políticas públicas não são efetivados na sua totalidade. Se analisarmos a política de saúde, que está regulamentada pelo Sistema Único de Saúde – SUS, onde é evidente a diferença entre o discurso político, independentemente de partido político, e da ação ética. Pois diariamente nos deparamos através dos meios de comunicação com notícias dos sucateamentos da política de saúde, através da falta de estrutura física, humana e/ou limitação de medicamentos na rede pública. FIGURA 12 - SUS FONTE: Disponível em: <http://www.pmpr.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo. php?conteudo=962>. Acesso em: 23 jun. 2015. Mesmo com o sucateamento das políticas sociais, muitos avanços foram evidenciados no sentido de uma universalização dos direitos sociais averiguados por uma análise centralizada restrita à CF em vigência. Novamente, citando o SUS, aponta para uma atenção hospitalar integral e indiscriminada para todos os cidadãos, ultrapassando o limite de atendimento segmentário, apenas para uma parcela da população, como no caso aos segurados da previdência social. TÓPICO 2 | O LEGADO ELITISTA E AUTORITARISMO NA REPRESENTAÇÃO DAS POLÍTICAS SOCIAIS 35 Sobre a Previdência Social, desde a CF/88, foram obtidas algumas conquistas importantes para os trabalhadores, podendo ser citadas a regularização dos direitos do trabalhador doméstico, a ampliação da licença maternidade e outros. Faz-se necessário ponderar todos esses avanços cautelosamente, apesar de conquistas formais, é importante constar que a falta de correspondência e diálogo entre tais avanços com a promulgação da CF/88 , impedindo assim avanços no âmbito da legislação, sendo assim, em partes foi possível materializar enquanto prestação efetiva de serviços prescritos, exceto os itens legais, que estavam centralizados na época pelo extinto Ministério da Previdência e Assistência Social – MPAS, desde o ano de 1995. Esses obstáculos na efetivação das políticas públicas podem ser apontados diante do processo de revisão Constitucional, que era defendido ardorosamente pelos setores empresarial e pelo governo. Esta revisão apontava alterações muito desfavoráveis aos interesses da classe dos trabalhadores. A sistematização jurídica – formal da seguridade social, realizada para uma análise da assistência social como política social, destina-se a ampliar a discussão desta área com um outro ponto de vista. Isto constitui analisar a questão da política pública de assistência social através de novas condições, através de um processo de regulamentação legal. No ano de 1993 foi aprovada a Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS, que desde então estão sendo efetivados os serviços assistenciais por meio de novas configurações da área de assistência social. UNI Caro(a) acadêmico(a), a Política de Assistência Social será apresentada na sua íntegra nas próximas unidades. Fique atento(a). LEITURA COMPLEMENTAR REPRESENTAÇÕES SOCIAIS, AÇÃO POLÍTICA E CIDADANIA Flavio A. A. Goulart Entre as opiniões, imagens e percepções dos atores sociais, ou seja, suas representações sociais e a tradução destas nos chamados movimentos sociais, em reivindicações e ação política dirigidas ao aparelho estatal, existem mediações UNIDADE 1 | A ASSISTÊNCIA SOCIAL E AS POLÍTICAS SOCIAIS BRASILEIRAS 36 diversas, tais como consciência e visão de mundo, o conjunto de saberes “profanos” envolvidos, o sentido e o conteúdo das carências, necessidades e interesses individuais e coletivos etc. Em trabalho recente (GOULART, 1992), procuramos discutir e aprofundar tais mediações, bem como evidenciar as relações que se estabelecem entre os movimentos sociais e a formulação das políticas públicas, analisando também os fatores determinantes da passagem das concepções de mundo elaboradas e difundidas pelos movimentos, isto é, suas representações cristalizadas nas demandas e reivindicações à ação dotada de finalidades políticas concretas. Em outras palavras, trabalhamos com o objetivo de tornar transparentes os determinantes do projeto (ou do contraprojeto) político dos movimentos sociais, além de tentar evidenciar como estes dão conta de perceber e enunciar uma noção de cidadania no embate com o caráter por vezes inibidor, por vezes estimulador, da ação estatal na área social. No estudo presente, o eixo analítico central é aquele consubstanciado pelas representações sociais elaboradas pelos diversos atores sociais, individuais e coletivos. Do ponto de vista teórico, cabe ressaltar, preliminarmente, que as representações sociais constituem um sistema de valores, noções e práticas ligado a um conjunto de relações sociais e processos simbólicos que instaura a possibilidade de orientação dos indivíduos no mundo social e material, além de possibilitar a tomada de posição e a comunicação intergrupal, bem como a decodificação deste mundo e da história individual e coletiva do grupo. Sua apreensão, através de estudos específicos, deve levar em conta um contexto sempre em mudança, marcado pelo caráter contraditório das relações sociais, dentro do qual a representação não deve ser buscada como única explicação correta de um fenômeno, mas sim como fator facilitador da comunicação (HERZLICH, 1975; MINAYO, 1989; MOSCOVICI, 1975). Quando o tema é a ação política dos movimentos sociais, cabe também, preliminarmente, estabelecer uma visão mais abrangente de uma questão central: a dimensão cultural de tais movimentos. Faz-se necessário, portanto, tentar discriminar e aclarar os valores aí referidos, como, por exemplo, a consciência política, ou ainda, os aparentes apolitiquíssimo e apartidarismo dos movimentos. Neste aspecto, uma afirmativa que carece de maior aprofundamento é aquela, por vezes registrada por determinados autores, de que a sociedade brasileira não possui representações
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