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RESPONSABILIDADE CIVIL CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA Professor Emérito na Universidade Federal do Rio de Janeiro e na Universidade Federal de Minas Gerais 9ª edição Revista EDITORA FORENSE Rio de Janeiro 1998 Dedico este livro a três Mestres da Responsabilidade Civil: Raymond Saleilles Louis Josserand José de Aguiar Dias SUMÁRIO Apresentação Capítulo I - Responsabilidade Civil Capítulo II - Responsabilidade Subjetiva e Eclosão da Responsabilidade Objetiva Capítulo III - Responsabilidade Subjetiva ou Teoria da Culpa Capítulo IV - Dano Capítulo V - Culpa Capítulo VI - Nexo de Causalidade entre a Culpa e o Dano Capítulo VII - Responsabilidade por Fato de Terceiro Capítulo VIII - Responsabilidade pelo Fato das Coisas Capítulo IX - Responsabilidade Civil das Pessoas Jurídicas de Direito Privado Capítulo X - Responsabilidade Civil do Estado Capítulo XI - Responsabilidade Médica Capítulo XII - Responsabilidades Especiais Capítulo XIII - Responsabilidade Civil do Fabricante Capítulo XIV - Responsabilidade Civil do Construtor Capítulo XV - Responsabilidade em Meios de Transporte Capítulo XVI - Responsabilidade Civil pelo Furto de Automóvel em Estabelecimentos Comerciais e Análogos Capítulo XVII - Responsabilidade Aquiliana e Responsabilidade Contratual Capítulo XVIII - Responsabilidade Objetiva. Culpa Presumida Capítulo XIX - Risco, um Conceito Genérico Capítulo XX - Excludentes de Responsabilidade Civil Capítulo XXI - Liquidação do Dano Capítulo XXII - Ação de Indenização Índice Alfabético e Remissivo Índice Geral APRESENTAÇÃO Como professor e como advogado, como examinador de teses para concursos e como parecerista, como conferencista e como "Autor de Anteprojeto de Código de Obrigações", tenho-me largamente defrontado com a Responsabilidade Civil. Dada sua freqüência na problemática social e sua incidência no quotidiano das especulações, as minhas observações pessoais confirmam o que de muito mais alto enunciam os irmãos Mazeaud, em obra que se fez mundialmente clássica no direito moderno, segundo os quais a tendência absorvente da responsabilidade civil quase que a torna "centro das atividades jurídicas" (Traité Théorique et Pratique de la Responsabilité Civile Délictuelle et Contractuelle, vol. I, p. 15). Noutros termos B. Starck afirma que "a reparação dos danos que a atividade dos homens causa aos outros homens constitui o problema central do Direito con- temporâneo" (Essai d’une théorie générale de la Responsabilité Civile" considérée en sa double fonction de "Garantie et de Peine Privée" "Introduction", p. 5). Malaurie e Aynès, considerando a extensão e a transformação da responsabili- dade como "conseqüência da sociedade industrial", proclamam que a "responsabili- dade delitual ocupa na sociedade contemporânea um lugar de primeiro plano" (Philippe Malaurie et Laurent Aynès, Cours de Droit Civil Les Obligations, nº 10). Por outro lado, Alex Weill e François Terré, confirmando a importância sócio-jurídica da responsabilidade civil, assinalam que "mesmo quando repousa em textos de lei, sua tendência no curso dos anos tornou-se jurisprudencial", o que se explica, acrescentam eles, pela "evolução histórica" (Alex Weill et François Terré, Droit Civil, Les Obligations, nº 579, p. 595). Não é sem razão que Gaston Morin sustentava que houve, quanto ao fundamento da responsabilidade civil, uma tão grande evolução, que não trepidou ele em incluir este tema entre os que enfeixou nos casos de "revolta do direito contra o Código", analisando o impacto da jurisprudência na interpretação dos artigos do Código Napoleão, referentes ao assunto (La Revolte du Droit contre le Code, ed. 1945, ps.59 e segs.). Georges Ripert um dos mais nobres espíritos que ao direito se tem consagrado neste século, descreve o drama gerado pela civilização material, exigindo o tributo dos sacrifícios humanos, e rebela-se contra o fato de que as vítimas sejam designadas pela fatalidade. Recorda que "um direito individualista admitiu sem dificuldade" acobertan- do-se sob o mando da impunidade sustentada pelo caso fortuito. Sustenta, entretanto, que "a sensibilidade democrática comove-se com esta injustiça nova que a civilização material ajunta a tantas outras". Tecendo considerações em torno do tratamento judicial das questões, proclama que o direito atual "tende a substituir pela idéia de reparação a idéia da responsabilidade" (Le Régime Democratique et le Droit Civil Modeme). Estive muito tempo perplexo ante a idéia de escrever este livro, tratando-se de tema que tem sido abordado pelos mais insignes mestres. A leitura do volume escrito por Geneviève Viney, compondo o Traité de Droit Civil, sob a direção de Jacques Guestin foi, entretanto, decisiva. A autora, que já se consagrara com a publicação de outra obra de fôlego - Le Déclin de la Responsabilité Individuelle (Paris, 1965) confirma a mesma dúvida, ao confessar que também a ela pareceu supérfluo apresentar uma nova síntense da matéria que fora aprofundada pelos Mazeaud, reeditada com a colaboração de André Tunc e desenvolvida por Savatier, Esmein, Rodière, Marty et Raynaud, J. Carbonnier, A. Weill et F. Terré, B. Starck, N. Dejean de la Batie, P. Le Tourneau et J. L. Aubert. Não obstante, escreveu o livro animada do propósito de apresentar o direito positivo, bem como de projetar soluções atuais, que, muitas, pareceram-lhe superadas e inadaptadas, e propor certas orientações de reforma (Prefácio ao mencionado volume). Reconhecendo, embora, que o tema já foi objeto das cogitações valiosíssimas de nossos civilistas e administrativistas, a começar da obra monumental de José Aguiar Dias (Da Responsabilidade Civil), e sem perder de vista que a evolução jurídica neste terreno é tão grande que inspirou Savatier, ao desenvolver o tema "Comment répenser la conception français e actuelle de La Responsabilité Civile" (Paris, Dalloz), fortaleci-me na convicção de escrever este livro e, si parva licet componere magnis (Vergilio, Georgicas, IV, 176), trazer a minha modesta contribuição ao estudo do assunto. Entendi, então, que realizaria trabalho de algum proveito ao compendiar esta polêmica e tormentosa matéria. Não aspiro às galas de inovador, pois que em direito as construções vão- se alteando umas sobre as outras, sempre com amparo no que foi dito, explicado, legislado e decidido. Ninguém se abalança a efetuar um estudo qualquer, sem humildemente reportar-se ao que foi exposto pelos doutos e melhor dotados. O que especialmente me estimula nesta publicação é um conjunto de influências, de que sobressaem duas proposições básicas: por um lado, as questões se multiplicam no dia-a-dia dos conflitos, sugerindo uma elaboração constante, em doutrina e no pretório; por outro lado, a circunstância, de certo modo paradoxal, de que a teoria da responsabilidade civil, à medida que recebe o contributo dos mais opinados mestres, torna-se mais e mais exigente, oferecendo campos cada vez mais variados e extensos, e tanto mais polêmica quanto mais estudada. E é certo que a teoria da responsabilidade civil não terminou a sua evolução. Outros rumos estão abertos à sua frente, a que não é estranha a idéia de um retorno à "responsabilidade coletiva" que vigeu na sua infância (Malaurie e Aynès), aliada à concepção crescente da seguridade, que assenta no "seguro de responsabilidade" cada vez mais desenvolvido (Wilson Melo da Silva e Silvio Rodrigues). Ocorre ainda em nossos dias um ressurgimento da "teoria da culpa" desenvolvida por Philippe Le Tourneau (Revue Trimestrielle de Droit Civil 1988, p.505 e segs.), a que aludo no Capítulo XIX, infra. Pretendo iniciar este estudo por uma singela pesquisa histórica, focalizando no primeiro plano a sabedoria romana, retomada pelos civilistas que ventilaram os