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Ginecologia Thomás R. Campos | Medicina – UFOB DOENÇA INFLAMATÓRIA PÉLVICA A Doença Inflamatória Pélvica (DIP) é uma síndrome clínica caracterizada por processo inflamatório/infeccioso do sistema genital superior causada por microrganismos que colonizam a endocérvice e ascendem até o endométrio e as tubas uterinas. Conceitualmente, a DIP é uma infecção sexualmente transmissível, mas existem outras formas de ocorrer uma inflamação pélvica, por exemplo: ▪ Ciclo gravídico-puerperal: aborto séptico, aborto clandestino, curetagem sem assepsia ▪ Manipulação do trato genital: inserção de DIU Então, DIU não é fator causador de DIP! FISIOPATOLOGIA Existem mecanismos de defesa no Trato Genital Inferior: – Muco cervical – Barreira anatômica (pelos pubianos) – Fatores imunológicos – Microbiota vaginal A DIP ocorre quando esses mecanismos são suplantados e os patógenos ascendem para o Trato Genital Superior, atravessando o orifício interno do útero. Isso é facilitado no período menstrual, pois nesse período o orifício interno está mais aberto, devido à menstruação, e isso facilita a ascensão dos patógenos. A inflamação pode estar presente em qualquer ponto de uma sequência que inclui: 1. Endometrite 2. Salpingite 3. Abscesso tubo-ovariano 4. Peritonite Fatores de risco ▪ Idade <25 anos ▪ Nível socioeconômico baixo ▪ Promiscuidade ▪ Coito no período menstrual ▪ DST prévia ou atual ▪ Infecções do Trato Genital Inferior ▪ Tabagismo (porque diminui o muco cervical) ▪ Contraceptivos Hormonais (pois subtende-se que uma mulher que está usando contraceptivo oral não usa preservativos) Ginecologia Thomás R. Campos | Medicina – UFOB AGENTES ETIOLÓGICOS Os principais são a Neisseria gonorrhoeae e Chlamydia trachomatis. Mas existem outros: – Micoplasmas (hominis, genitalium, ureaplasma urealyticum) – Aeróbios (grampositivos e gram-negativos) – Anaeróbios É importante frisar que, embora esses agentes possam ser os causadores da DIP, a infecção que eles causam pode ser porta de entrada para outros agentes infecciosos, ou seja, a DIP é polimicrobiana! Existe ainda a possibilidade de inferir o agente provável de acordo com a história clínica: Característica Agente provável Usuária de DIU Actinomyces israelii DIP de início agudo Neisseria gonorrhoeae DIP de início indolente Chlamydia trachomatis Abscesso tubo-ovariano Polimicrobiano Salpingite pós-menstrual Chlamydia trachomatis ou Neisseria gonorrhoeae Cervicite mucopurulenta Chlamydia trachomatis ou Neisseria gonorrhoeae [#] Dica: uma DIP de início agudo com dor importante é mais sugestiva de Gonococo. Já uma DIP mais indolente, com uma dor mais crônica, é mais sugestiva de Clamídia. QUADRO CLÍNICO Febre Corrimento Vaginal + e/ou Dor Abdominal Pélvica É um quadro evolutivo. Inicialmente há corrimento vaginal mucopurulento, que se segue de dor em região inferior de abdome associada a sangramento uterino anormal e, posteriormente, sinais de irritação peritoneal e manifestações sistêmicas. Lembrar que nem todas as pacientes vão evoluir para os estágios mais graves. Endometrite: – Corrimento purulento, de difícil controle – Dispaneuria – Sangramento uterino disfuncional – Febre pode não estar presente Salpingite: – Dispaneuria – Dor abdominal importante, geralmente unilateral (pois raramente acomete as 02 tubas) – Febre presente Peritonite: – Dor abdominal intensa, que piora à mobilização – Rigidez abdominal – Febre – Calafrios – Taquicardia – Náuseas/vômitos Nessas pacientes graves, a infecção pode causar abscessos na superfície hepática, condição conhecida como: Síndrome de Fitz-Hugh-Curtis Ginecologia Thomás R. Campos | Medicina – UFOB DIAGNÓSTICO O diagnóstico de DIP é clínico e se baseia nos seguintes critérios: 3 Maiores + 01 Menor ou 1 Definitivo/Elaborado Critérios Maiores/Mínimos – Dor abdominal baixa – Dor à mobilização cervical – Dor à palpação dos anexos Critérios Menores/Adicionais – Tº oral > 38,3 ºC – Descarga mucopurulenta cervical ou vaginal anormal – Presença de um número abundande de leucócitos na microscopia do fluido vaginal – VHS elevado – PCR elevada – Comprovação laboratorial de infecção por Clamídia ou Gonococo Critérios Definitivos/Elaborados – Histopatologia com evidência de endometrite – USG ou RM evidenciando: tubas espessadas e preenchidas com fluido (com ou sem fluido pélvico livre ou complexo tubo-ovariano) ou estudo de Doppler sugerindo infecção pélvica (ex.: hiperemia tubária) – Laparoscopia com evidências de DIP Apesar do diagnóstico ser clínico, exames laboratoriais podem ser solicitados em quadros subagudos: – Teste de gravidez – Hemograma – VHS/PCR – Urina tipo I – Cultura de materiais da cérvice – Sorologia para sífilis, hepatites e HIV – USG abdominal e pélvico – Ressonância Magnética – Biópsia de endométrio – Videolaparoscopia (gold standard) Ademais, é preciso atentar para diagnósticos diferenciais, de acordo com outras causas: ▪ Ginecológicas: dismenorreia, endometriose, cisto ovariano, torção ovariana, miomatose; ▪ Obstétricas: gravidez ectópica, aborto séptico; ▪ Renais: cistite, pielonefrite, nefrolitíase; ▪ Gastrointestinais: apendicite, colecistite, diverticulite, constipação, doença inflamatória intestinal; ▪ Musculoesqueléticas: psoíte, discopatias; TRATAMENTO A primeira coisa a definir é onde fazer o tratamento. Essa decisão é baseada no estadiamento de MONIF, dividido em 04 estágios: Estágio 1 (leve) Endometrite/salpingite sem peritonite Ambulatorial Estágio 2 (moderada sem abscesso) Salpingite aguda com peritonite Hospitalar (devido aos sinais peritoneais) Estágio 3 (moderada com abscesso) Salpingite aguda com oclusão tubária ou abscesso tubo- ovariano ou abscesso pélvico Hospitalar (devido aos sinais peritoneais ou presença de abscesso) Estágio 4 (grave) Abscesso tubo-ovariano roto ou sinais de choque séptico Hospitalar, com intervenção cirúrgica Ginecologia Thomás R. Campos | Medicina – UFOB Os esquemas de tratamento para DIP devem proporcionar cobertura empírica de amplo espectro, de patógenos mais prováveis, entre eles N. gonorrhoeae, C. trachomatis, M. genitalium, bactérias facultativas gram-negativas, anaeróbios e estreptococos. Tratamento ambulatorial: ▪ 1ª Escolha: Ceftriaxone + Doxiciclina (com ou sem Metronidazol) ▪ 2ª Escolha: Cefoxitina + Probenicide + Doxiciclina (com ou sem Metronidazol) ▪ Alternativo: Levofloxacina ou Ofloxacina (com ou sem metronidazol), se a prevalência na comunidade ou risco individual de infecção pelo gonococo é baixa. [?] Quanto devo internar a paciente? Um esquema ambulatorial com cefoxitina e doxiciclina é tão eficaz quanto a internação para administração parenteral dos mesmos antimicrobianos. Portanto, a hospitalização somenteé recomendada quando o diagnóstico é incerto, há suspeita de abscesso pélvico, a doença clínica é grave ou há dúvida sobre a adesão da paciente a determinado esquema ambulatorial. Tratamento hospitalar: ▪ Esquema A: Cefotetan ou Cefoxitina + Doxiciclina ▪ Esquema B: Clindamicina + Gentamicina ▪ Alternativo: Ampicilina/Sulbactam + Doxiciclina [?] Quanto devo dar alta à paciente? Pode-se considerar a alta das pacientes hospitalizadas quando a febre tiver cedido (<37,5°C por mais de 24 h), o número de leucócitos tiver se normalizado, não houver dor à descompressão súbita e a repetição do exame mostrar acentuada melhora da dor à palpação dos órgãos pélvicos. Tratamento cirúrgico: ▪ Videolaparoscopia: recomendada em casos de dúvida do diagnóstico (DIP, apendicite, gravidez ectópica) e na ausência de resposta de terapia parenteral após 72h. ▪ Laparotomia: reservada para casos de emergência, que cursam com instabilidade hemodinâmica, como ruptura de abscesso tubo-ovariano. Outras informações: ▪ Tratamento dos parceiros (Azitromicina + Ciprofloxacino ou Ofloxacino): É preciso avaliar os parceiros sexuais de mulheres com DIP e administrar-lhes tratamento para infecção uretral por clamídia ou gonorreia (Tabela 18.3). Em geral, encontra-se uma dessas DST nos parceiros sexuais masculinos de mulheres com DIP não associada a clamídia ou gonorreia. ▪ Gravidez: gestantes devem ser hospitalizadas e tratadas com antibióticos parenterais. ▪ DIU: o Ministério da Saúde e o CDC recomendam acompanhamento clínico. SEQUELAS É importante lembrar que a DIP pode deixar sequelas, tanto precoces (abscesso tubo-ovariano, síndrome de Fitz-Hugh-Curtis e até morte) quanto tardias (infertilidade, gravidez ectópica, dor pélvica crônica, dispaneuria, recorrência da DIP, fase crônica da síndrome de Fitz-Hugh-Curtis). Por esse motivo, é importante tomar medidas para evitar complicações: – Educação sexual; – Rastreamento de casos assintomáticos; – Diagnóstico e tratamento eficaz dos casos.
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