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473 O ESPAÇO DO ESTÁGIO NA FORMAÇÃO DOCENTE Victor Hugo Davanço RESUMO O objetivo deste trabalho é analisar a importância do estágio na formação docente, tendo em vista a grande distância ou dicotomia existente entre o mundo teórico e o mundo prático, abordando as discussões a cerca do campo do estágio na formação docente do pedagogo. Para isso, delimitará o conceito de espaço a ser utilizado e fará um breve resgate da constituição dos cursos de formação docente influenciados pelas mudanças políticas, sociais e econômicas ocorridas em fins do século XX e início do século XXI. Por fim, apresentará algumas considerações sobre a organização da escola na atualidade. Como referencial trará documentos de base legal apresentando suas contradições e a importância do estágio assim como a necessária troca de idéias entre teoria e prática. Palavras - Chave: Estágio, docência, teoria e prática 1. INTRODUÇÃO: O ESPAÇO DE FORMAÇÃO Frente às indagações que sempre surgem quando se trata do processo de formação de docentes, sejam estes em formação inicial (estagiários) ou aqueles que já atuam e praticam a formação continuada, pode-se verificar que as discussões em torno dos espaços de formação docente fazem parte, na atualidade, de um grande esforço nacional pela melhoria da qualidade na educação ofertada à população. Este tem sido o desafio de educadores que se deparam com uma sociedade em constante mutação em que a cada dia novas tecnologias são incorporadas ao ambiente escolar. Ao tratar do estudo dos espaços de formação docente se faz necessário a priori delinear a concepção de espaço que será a base do estudo. A palavra espaço pode adquirir variadas formas de interpretação, ainda mais quando a relacionamos com o campo das ciências humanas e sociais. Segundo o dicionário Aurélio, espaço pode ser definido como um “lugar mais ou menos definido que pode ser ocupado por algo ou alguém, ou ser usado para determinado fim; uma extensão contínua e indefinida na qual as coisas existem e se movem”. Sendo assim, o espaço de formação docente é também esse lugar, mais ou menos definidos, onde as coisas (nesse caso pessoas e conhecimentos) existem e se movem. Dessa forma, especificamente, o espaço de formação docente pode ser entendido como um lugar onde se organizam e se instalam teoria e prática, marcado 474 por diferenças sociais e onde os sujeitos do processo desenvolvem seus habitus, por meio das interações de seus sujeitos. O sociólogo francês, Pierre Félix Bourdieu argumenta que o “espaço” é um local de relações dialéticas, onde existem estruturas no mundo social que podem coagir a ação dos indivíduos, e dessa forma os indivíduos incorporam a estrutura social na qual estão inseridos, legitimando-as e por fim reproduzindo-as. Tudo isso influenciado por quatro conceitos básicos: capital cultural, o capital econômico, capital social e o capital simbólico, que juntos criam assim o habitus. Capital Cultural: são os saberes e conhecimentos adquiridos e que são reconhecidos por títulos, diplomas, que se legitimam nas relações sociais; Capital Econômico: são as relações de renda, salários, bens acumulados; Capital Social: relações com os demais e que podem ser capitalizadas, podem gerar frutos; Capital simbólico: reconhecimento, honra, prestígio. Para Bourdieu a sociedade ocidental, é extremamente hierarquizada e dominada por essas forças simbólicas de dominação que ultrapassam o próprio indivíduo. Segundo ele, há um poder simbólico de representações que se articulam na tentativa de perpetuação do status quo. Essa hierarquização da sociedade pode ser sentida pelo docente em formação logo no instante em que a criança chega à escola carregando em si um capital cultural representativo do meio social na qual ela se encontra inserida e que pode e deve ser levado em consideração. Porém a estruturação escolar revela a separação em classes sociais, e a classe dominante acaba operando mecanismos de sujeição sobre a classe dominada impondo seu acervo cultural como superior. Isso pode ser verificado na escolha dos conhecimentos escolares, nas músicas consideradas de alto valor cultural ou ainda na valorização dos objetos de consumo necessários à vida, sendo esses os representativos, quase sempre, das classes dominantes. E por não terem acesso ao capital cultural hegemônico, as classes mais pobres são justamente as que mais se excluem desse meio e assim a igualdade não se instala efetivamente. Dessa forma a articulação dos docentes em formação com a rotina escolar seja com pais, alunos, professores, funcionários e demais agentes escolares, seja 475 dentro dos espaços institucionalmente constituídos da escola como a sala de aula, o pátio, a biblioteca, a sala dos professores, entre outros, observando o cotidiano escolar como algo em constante transformação, permite tanto a incorporação dos conhecimentos teóricos dos bancos universitários quanto a vivência com a prática escolar diária, compreendendo as particularidades de um espaço altamente importante para uma sociedade permeada por contradições e desafios. 2. PRIMEIRAS PALAVRAS ACERCA DA NOSSA EDUCAÇÃO A problemática educacional brasileira e seus vários espaços de formação docente vêm, ao longo dos tempos, sendo objeto de estudo de inúmeros pesquisadores. Isso nos faz refletir sobre a importância atribuída à educação enquanto possibilidade de mudança em uma sociedade que vive em constante transformação. Se a educação, entendida aqui como todo processo de construção e disseminação de conhecimentos, é também, vislumbrada como uma das possibilidades de transformação da sociedade. Portanto, seu papel é muito maior que meramente transmitir aos alunos os conhecimentos que foram construídos historicamente pela humanidade, é, acima de tudo, proporcionar que educandos e educadores desenvolvam seus conhecimentos em colaboração, onde ambos possam aprender e ensinar. Inserida em um contexto que a condiciona, podemos dizer que a educação escolar modifica e é modificada historicamente por meio das relações culturais, políticas, econômicas, sociais etc., da sociedade na qual a mesma se encontra instalada, criando assim um espaço único na sociedade que repercute tudo aquilo que nela acontece. Como diz Canário (2006), em relação à educação, temos um problema significativo, que se apresenta no século XX, que é o de conferir à escola a exclusividade no tratamento das questões relacionadas aos conhecimentos científicos e não considerá-la como uma das várias modalidades possíveis. Dessa forma, no século XX, acreditou-se que o meio pelo qual se aprendia estava predominantemente relacionado ao ambiente escolar e assim, “a educação tornou- se refém da forma escolar” (CANÁRIO, 2006, p. 15), pré-estabelecendo a validade dos saberes desenvolvidos na escola em detrimento dos demais. Essa exclusividade da escola é colocada em xeque por alguns autores, como comenta o próprio Canário 476 (2006, p. 44), com a possibilidade de uma sociedade sem escolas, sugerida por Ivan Illich. Assim, inserida em um contexto que absolutiza seus poderes, a educação, sobretudo a escolar, ao mesmo tempo em que proporciona ao aluno conhecer os saberes sistematizados e desenvolvidos ao longo do percurso histórico humano, pode contribuir para modificar as relações atuais da sociedade, sendo estas as relações deste aluno com seus saberes e também em suas relações com os demais. Dessa maneira, as relações da sociedade em determinada época histórica conferem à educação objetivos específicos, determinando o tipo de educação que teremos. Pensandoassim, a estrutura curricular escolar pode ser entendida sobre duas vertentes: como um método de manutenção da sociedade para atender às necessidades dela mesma, ou seja, estrutura-se a educação com o objetivo de manutenção da sociedade atual, manutenção das estruturas e, sobretudo, a manutenção do poder. Por outro lado, tem-se o objetivo de, por meio da educação, aprimorar e modificar as estruturas encontradas no presente, vislumbrando uma possibilidade de futuro diferente. Pensar na mudança estrutural só é possível com uma mudança na concepção educacional atual, pois ambas estão diretamente relacionadas. É preciso conceber e pensar em outros meios e caminhos de aquisição e produção de conhecimento, para que a relação ensino-aprendizagem não fique presa a uma única instância formadora. Como disse Canário (2006) precisamos deixar de ser reféns de uma única possibilidade de formação, pois, como afirma Moraes: A mente humana, ou seja, o equipamento cognitivo do indivíduo, é influenciada pela cultura, pela coletividade que fornece a língua, pelos sistemas de classificação, pelos conceitos, pelas analogias, pelas metáforas e pelas imagens. Portanto, qualquer alteração nas técnicas de armazenamento, na transformação e na transmissão das representações da informação e do saber provoca mudanças no meio ecológico no qual as representações se propagam, provocando mudanças culturais e mudanças de saber. (MORAES, 1997, p. 124). As mudanças culturais e as mudanças de saber, sobretudo relacionadas com as novas tecnologias, resultam em novas relações humanas e até mesmo em transformações na organização familiar, social, econômica e educacional. Morin (2003) reforça as palavras de Moraes (1997) dizendo que a cultura está presente em nós por meio de normas, leis, da linguagem, ou seja, a influência acontece 477 sutilmente e precisa ser entendida e percebida, sendo que qualquer modificação, por mais relevante que seja, acarreta modificações em nossas vidas. Dessa forma, podemos associar também que a escolha de determinados conteúdos, métodos e procedimentos no meio escolar atendem aos objetivos que se tem com a educação. E neste momento, a preocupação com os conteúdos em estudo, deve refletir também a preocupação com o futuro que se espera para esses alunos, um futuro no qual será primordial o pensamento coletivo para problemas coletivos, para que nossos alunos possam desenvolver plenamente seus saberes. Isso porque a estrutura social na qual estamos vivendo permite e, mais que isso, obriga-nos a pensar as relações sociais em contexto global. Como afirma Morin (2003), estamos vivendo um período de globalização, que se instala num processo mais amplo de planetarização, ou seja, o processo de globalização, sobretudo no final do século XX. Este processo abriu as portas das economias mundiais que passaram a operar fora dos marcos nacionais e a integração de todo o globo terrestre. Sendo assim, há atualmente a necessidade de formar um educando que consiga pensar o local atrelado ao planetário e às necessidades atuais, considerando todos os seus paradoxos e contradições. É nesse contexto que o estágio docente enquanto espaço de formação profissional nos ajuda a pensar novos caminhos para a educação, ou seja, uma educação que esteja atenta aos valores universais e à diversidade cultural e social. Nesse aspecto, Paulo Freire chama atenção para duas situações, a necessidade de um novo paradigma educacional voltado ao ser humano que atua em âmbito global e uma nova postura dos profissionais da educação a fim de que realmente modifiquem o quadro educacional de sua época. 3. SOCIEDADE EM TRANSIÇÃO: ESCOLA EM MUTAÇÃO Discutir sobre a nossa educação e a forma de organização do estágio atual, exige compreender as formas de estruturação dos cursos formadores no contexto da sociedade capitalista do final do século XX e inicio do século XIX. No período dado, a sociedade passa por inúmeras e intensas transformações, que alteram de forma significativa a sua estruturação. Podemos destacar, dentre elas, as mudanças ocorridas e que continuam a ocorrer nos 478 campos político, econômico e social, frutos de uma sociedade altamente capitalista e neoliberal, e que fortemente influenciam o desenvolvimento educacional. Essas mudanças tiveram terreno para se propagarem após a superação da tentativa de implantação de um modelo de sociedade socialista. A partir do momento em que o mundo capitalista se defronta com uma realidade ímpar, a inexistência de um modelo oposicionista que tivesse força para refutá-lo, cria-se condições para sua total disseminação pelo mundo. O avanço deste modelo econômico, social e político (capitalismo) se deu de maneira acelerada, obrigando o mundo todo a se reorganizar rapidamente. Foram os tempos da globalização de empresas, das privatizações, das terceirizações “motivadas palas necessidades de alcançar níveis de qualidade e produtividade superiores” (ROSAR, 1999, p.86). Ou seja, foram e ainda são tempos em que as diversas economias nacionais se articulam e se desenvolvem juntas, buscando sempre um estado mínimo e lucro máximo, carregadas muito mais de aspectos políticos e econômicos, que social. Tendo por base as décadas de 1980 e 1990, analisamos no Brasil um acelerado processo de transformação da sociedade nacional tanto nos aspectos relacionados ao governo quanto da (re) organização da vida social. A década de 1980 marca-se pela insatisfação popular frente ao Regime Militar opressor que se instalou desde 1964 e que sufocou os direitos dos cidadãos. Em consonância há a luta pela redemocratização do país, que se desenvolve lentamente com manifestações públicas como a Passeata das Diretas Já culminando com as eleições diretas em 1985 e a retomada do Estado Democrático. Com as eleições Diretas, forma-se a Assembléia Constituinte tendo o dever de elaborar a nova Constituição que irá reger o país nessa nova fase em que se encontra. Assim em 1988 é promulgada a Constituição Federal, conhecida como a Constituição Cidadã, pois devolve aos cidadãos vários benefícios rechaçados pela Ditadura Militar e dentre estes, o direito de acesso à educação que passa a ser entendido com direito de todo cidadão e dever do estado. Já na década de 90 quando todos imaginavam que o processo político estava estabilizado, ocorre à cassação do Presidente Collor por inúmeras acusações de irregularidades, mas, antes deste fim trágico o Presidente já havia lançado a sociedade brasileira nos braços da globalização, incluindo-se a educação que passa 479 a atender e responder por obrigações juntos aos organismos internacionais financiadores como a UNESCO e o FMI. Várias foram às reuniões, encontros e eventos internacionais que passaram a debater, elaborar e encaminhar propostas acerca da direção que a escola deveria assumir com vistas a atender as exigências da nova sociedade que se formava, dentre elas podemos destacar a Declaração Mundial sobre Educação para Todos (Conferência de Jomtien 1990) e a V Reunião do Comitê Regional Intergovernamental do Projeto Principal de Educação para a América Latina e Caribe (PROMEDLAC V 1993), que definiram muitas das bases educacionais para os países subdesenvolvidos. Em meio a isso, temos no Brasil a aprovação da Lei nº 9394/96, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) que adota várias destas recomendações como a obrigação do estado oferecer o acesso ao ensino básico, e a abertura de espaço para instituições privadas. Assim, no campo educacional, essas mudanças refletiram na constituição de todoo processo, e as transformações anteriormente citadas (conhecidas como neoliberalismo) começam a fazer parte da realidade educacional mundial, com a utilização de novos elementos tecnológicos aliado aos discursos de organismos internacionais que passam a politizar a educação, apregoando-a atribuições voltadas a atender as necessidades de estruturação do mercado. A política educacional concebida e implementada durante o atual governo pode ser avaliada como sendo adequada aos critérios definidos pelos organismos financiadores da educação em toda América Latina (Banco Mundial, BID, UNESCO). (ROSAR, 1999, p.92).” Podemos observar esses discursos, no contexto nacional, em documentos oficiais, decretos e leis, dentre eles, destacam-se a Constituição Federal (CF) de 1988, o Plano Decenal de Educação (PCNs) de 1993 e a Leis de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN ou LDB) de 1996. Forjadas em meio a esse ciclo de transformações mundiais, as mesmas trazem em seu interior, uma forte preocupação com a capacitação de profissionais para o mercado de trabalho. A LDB de 1996 trouxe alguns avanços, assim como deixou alguns pontos pouco esclarecidos, por exemplo, ao mesmo tempo que exigiu nos artigos 62 e 63 a graduação em universidades ou em institutos de nível superior para professores da educação infantil básica em substituição aos cursos de formação de docentes em 480 nível médio, deixou a ressalva no mesmo artigo 62 de admitir profissionais com formação mínima nos mesmos cursos de formação sem porém esclarecer que isso se recomendaria apenas a locais onde as universidades ou os Institutos Superiores de Educação inexistissem (ARANHA, 2006). Outro ponto que pode ser destacado e que vem confirmar a questão dos valores neoliberais incutidos nos cursos de formação docente, reiterando o que foi anteriormente citado, é encontrado na CF de 1988 onde deve existir como diz Aranha: A integração das ações do poder público que conduzam à erradicação do analfabetismo, universalização do atendimento escolar, melhoria da qualidade do ensino, formação para o trabalho, promoção humanística, científica e tecnológica do país. (ARANHA, 2006, p.324). Verificamos então que essas ações do poder público servem de instrumentos para a manutenção da ordem econômica que prevê no fim do processo a formação para o mercado de trabalho. Existem também as Diretrizes Curriculares para o curso de Pedagogia, editado em 2006 e que trouxeram grandes mudanças ao curso de formação, entretanto mais uma vez colocando-o a serviço da estrutura de mercado. Essas diretrizes servem de referência para a elaboração dos cursos de formação em todo o território nacional e entre outras orientações, busca adaptar-se as demandas de mercado e dar ênfase na formação geral e que tornam, com certeza, a estrutura do curso mais flexível e ao mesmo tempo mais dependente da economia. Assim sendo, como aborda Arce (2001), cria-se um problema dentro do qual a forte influência dos postulados neoliberais e pós-modernos nas políticas educacionais e de formação docente contribuem para aumentar a preocupação não com o desenvolvimento de uma educação crítica e sim com que o educando se adeque as necessidades que a sociedade e a economia capitalista lhes impõem. Essa formação orientada tende a disciplinar todos, professores e alunos, de que o correto está dado e cabe à eles adaptarem-se ao modelo a ser seguido, mais cômodo e fácil é claro, pois a discussão crítica é muito mais trabalhosa e exige de todos um compromisso que parece estar distante da realidade atual. Ainda mais quando se fala em espaço de formação docente, a abertura ao novo está sempre distante da realidade. 481 Essa adaptação ao mercado pode ser constatada tanto nos cursos de formação técnica ofertados concomitantemente com o ensino médio, que preparam o estudante para o ingresso ao mercado de trabalho, quanto na utilização indiscriminada de meios tecnológicos na preparação e fundamentação de aulas, pois os mesmos criam a armadilha, no mesmo instante que trazem infinitas contribuições aos estudos, não devem de maneira alguma se tornar únicos e muito menos substitutos de docentes. Diante desse quadro, há que se lutar por uma formação que possa favorecer o campo teórico aliado ao prático sendo o estágio um importante instrumento para conhecer a realidade escolar e ao mesmo tempo preparar o docente para desempenhar suas funções. Mas qual importância do estágio na formação docente? Como o mesmo é visto pela comunidade escolar e pelas universidades? 4. AS POSSIBILIDADES DO ESTÁGIO DOCENTE O estágio apresenta um papel fundamental na formação docente, pois é por meio do mesmo que começa a ser construída a sua identidade profissional. É a partir do estágio que se estabelece os primeiros contatos com o campo de atuação podendo este encontrar sua identidade, conhecer o campo de trabalho que lhe atrai, para que com esta identidade pré-construída possa ao término do curso procurar se inserir com maior facilidade na escola, de forma que não fique sem um norte ao se deparar com o mercado de trabalho e suas contradições. O exercício da atividade docente requer preparo. Preparo que não se esgota nos cursos de formação, mas para o qual o estágio docente pode ter uma contribuição específica enquanto conhecimento sistemático da realidade do ensino- aprendizagem na sociedade historicamente situada, enquanto possibilidade de antever a realidade que se quer (estabelecimento de finalidades, direção de sentido), e enquanto identificação e criação das condições técnico-instrumentais propiciadoras da efetivação da realidade que se quer. Enfim, enquanto formação teórica (onde a unidade teoria e pratica é fundamental) para a práxis transformadora, Pimenta nos diz: O processo educativo é mais amplo, complexo e inclui situações especificas de treino, mas não pode ser reduzido a este. Parece-nos que, em um certo nível, é possível falar em domínio de determinadas técnicas instrumentos e 482 recursos para o desenvolvimento de determinadas habilidades em situação. Portanto, a habilidade que o professor deve desenvolver é saber lançar mão adequadamente das técnicas conforme as diversas e diferentes situações em que o ensino ocorre, o que necessariamente implica a criação de novas técnicas (PIMENTA, 2002, p. 38). Ou seja, aliar situações de treino com desenvolvimento de novas técnicas, sempre balizadas por uma formação teórica sólida com objetivo de construir a identidade profissional. Entretanto, é valido ressaltar, a existência de estágios que não cumprem seu papel, em que há falhas tanto por parte do professor supervisor, quanto do conteúdo das aulas presenciadas, onde muitas vezes não acontece um acompanhamento do professor para oferecer as possíveis orientações. Segundo Gatti (2000), os controles dos estágios muitas vezes se dão por meio de relatórios bimestrais ou até mesmo semestrais, revelando certa negligência por parte dos professores supervisores. Outro fator que causa a ineficiência do estágio em seu objetivo já citado é a falta de tempo dos alunos para cumprirem as horas exigidas. A maioria dos alunos optam por estudar no período noturno, visto que necessitam trabalhar o dia todo, e desta maneira o estágio é realizado durante o período de serviço. Nesta perspectiva, Gatti (2000) argumenta que justamente uma das características dos cursos de formação é o aumento crescente de seu funcionamento em período noturno onde sem a compreensão de patrões se inviabiliza a execução do estágio de formação. Porém, o estágioprecisa ser visto de forma mais valorizada, pois ele é uma disciplina com uma importância especial, ele é pesquisa, é conhecimento, por meio dele que conhecemos um mundo amplo na área pedagógica, que descobrimos funções atribuídas aos docentes nos lugares mais inesperados, bem como a importância e as multitarefas que o pedagogo/docente exerce nestes lugares. O estágio proporciona adquirir os conhecimentos transmitidos pelas suas teorias vivenciando a prática, é um processo de perfeita combinação entre teoria e prática, é um espaço de desenvolvimento da ação pedagógica sendo que Pimenta diz: ... denominamos ação pedagógica as atividades que os professores realizam no coletivo escolar supondo o desenvolvimento de certas atividades materiais orientadas e estruturadas. Tais atividades têm por finalidade a efetivação do ensino e da aprendizagem por parte de professores e alunos.(PIMENTA,2008, p.42). Nesse processo, o papel das teorias é iluminar e oferecer instrumentos e esquemas para a análise e investigação que permitam questionar as práticas 483 institucionalizadas e as ações dos sujeitos e, ao mesmo tempo, colocar elas próprias em questionamento, uma vez que as teorias são explicações sempre provisórias da realidade. É também por meio do mesmo processo que é possível observar que a ação pedagógica esta inserida não só nas instituições escolares como é do pensamento de muitos, mas em diversos locais, tais como, ambientes hospitalares, empresariais, casas de detenção, em todos os lugares onde a educação e o desejo de humanização estejam presentes. A atuação pedagógica dentro dos hospitais acontece de forma muito valiosa e significativa. É através deste profissional que as crianças doentes tem um amparo para não se atrasarem com o conteúdo escolar, crianças que passam meses e até mesmo anos dentro de hospitais em tratamento conseguem por intermédio da ação pedagógica desenvolver seus estudos, ter a educação presente em suas vidas, mesmo distantes das salas de aula. Esta ação hospitalar está além do ensinar conteúdos escolares, ela é uma forma de suprir o sofrimento e a angústia dessas crianças que passam tanto tempo de suas vidas confinadas em um quarto de hospital, sem um contato com a sociedade e com o mundo. Afinal, neste ato pedagógico também esta presente a afetividade, que é algo de essencial importância no processo de desenvolvimento da criança. O estágio é então uma porta que se abre ao estudante, para que o mesmo verifique o que realmente acontece no âmbito educacional nos mais variados espaços sociais escolares e não-escolares, sendo indispensável para uma efetiva atuação do profissional, um conhecimento das práticas que podem ser empregadas, assim como a fundamentação teórica que o ajudará no desenvolvimento de suas funções nos variados espaços. É necessário que o estagiário tenha contato na prática com as teorias que o mesmo estuda em sala, para que a mesma não se torne algo fora e divergente do contexto analisado, tornando-se um problema tanto para o desempenho do professor quanto do educando, teoria e prática devem caminhar lado a lado. Paulo Freire, ao falar sobre o distanciamento entre o que se fala e o que se vive nos dá um exemplo disso dizendo que: Por isto mesmo que, muitas vezes, educadores e políticos falam e não são entendidos. Sua linguagem não sintoniza com a situação concreta dos 484 homens a quem falam. E sua fala é um discurso a mais, alienado e alienante. (FREIRE, 1970, p. 102). Podemos assim explicar por que muitas vezes ouvimos frases do tipo “na teoria é dessa maneira, na prática é outra”, ou ainda “sou um professor teórico e não prático”, pois a idéia de união entre as duas está longe dos mesmos, ou ainda pior, o discurso teórico está conflitando com a prática. Assim o estágio se fortifica, tornando um ponto indispensável e de fundamental importância na formação dos estudantes dos cursos de formação docente. Para que o desempenho profissional atinja as expectativas que sua função necessita e para que proporcione uma visão da necessária união entre teoria e prática, espera-se que o mesmo seja tratado com seriedade, que seja bem organizado e planejado, se efetivando em um ato prazeroso de comunicação teórica e prática. 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS Este trabalho, observou as contribuições possíveis do campo do estágio para a formação docente, englobando atitudes e ações às quais os educadores devem estar atentos durante a prática educativa. Ao longo do estágio, é premente instituir práticas dialógicas para a ação docente, pois, caso contrário, a escola continuará sendo, grande parte dela, uma mera reprodutora de conteúdos. Há que se salientar que a articulação entre teoria e prática por meio do estágio fortifica a formação do futuro docente e no mesmo instante proporciona um contato com a realidade escolar. Assim, as interações dos alunos com o meio escolar e com os docentes em formação passam a retratar a tentativa de mudança de postura, onde busca-se construir uma prática além do pensamento sobre o outro, refletindo então com o outro por meio das interações das práticas vividas. Este agir com é o principio da atuação na escola. É importante destacar que no espaço de formação docente observa-se também se as práticas desenvolvidas nas universidades estão presentes na escola e como as múltiplas formações dos agentes ali presentes, se destacam e se relacionam. Este processo de interação de professores em formação com professores em atuação, e de ambos com os alunos e toda a comunidade escolar já é esperado no 485 contexto da escola e pode propor possibilidades de ensinar e aprender ao mesmo tempo. Há a necessidade de considerar a pluralidade escolar para não reduzir a importância do estágio e compreendê-lo em suas múltiplas relações. Por fim, acredito que o estágio na formação docente, espaço esse de construção coletiva mediada por signos, gestos, olhares e inter-relação entre professores em formação e professores em atuação, pode fomentar uma relação onde ambos podem aprender, experimentar e ensinar contribuindo para a construção de escola reflexiva e aproximando teoria e prática. REFERÊNCIAS: AGUIAR. M. A. S. Gestão da Educação: impasses perspectivas e compromissos/ Naura Syria Carapeto Ferreira. Márcia Ângela da S. Aguiar, (orgs.) – 3. ed. – São Paulo: Cortez, 2001. ARANHA, M. L. A. História da Educação e da Pedagogia: Geral e Brasil. 3ª Ed. São Paulo: Moderna, 2006. ARCE, Alessandra. Compre o kit neoliberal para a educação infantil e ganhe grátis os dez passos para se tornar um professor reflexivo. Educação & Sociedade, ano XXII, nº 74, Abril/2001. 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