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UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS FACULDADE DE DIREITO DE ALAGOAS LUCIANO SOARES SILVESTRE FATO JURÍDICO: VALIDADE MACEIÓ 2019 LUCIANO SOARES SILVESTRE FATO JURÍDICO: VALIDADE Trabalho apresentado como requisito para obtenção de nota da segunda avaliação bimestral, na disciplina Teoria Geral do Direito Civil. Prof. José Barros Correia Júnior MACEIÓ 2019 Na concepção ponteana, o mundo é conjunto de fatos (mundo físico). Dentro deste, existe o mundo jurídico, formado pelos fatos em que incidiram normas jurídicas. A norma é a proposição que estabelece um suporte fático: prevê que para um determinado fato ou conjunto de fatos do mundo físico há certos efeitos jurídicos1. De acordo com a lição de Marcos Bernardes de Mello, que tem como fonte os ensinamentos de Pontes de Miranda, o fenômeno jurídico em toda sua complexidade envolve diferentes momentos, interdependentes, que podem ser condensados em três diferentes planos do mundo jurídico: plano da existência, plano da validade e plano da eficácia2. No plano da existência, observam-se três diferentes momentos: abstrato, que se dá pela descrição da hipótese fática pela norma jurídica (definição hipotética do fato jurídico pela norma); concreção, que se configura pela incidência da hipótese normativa sobre fato ou complexo de fatos da vida; nascimento, no qual se verifica que, juridicizado o fato pela prescrição normativa, passa ele a existir no mundo jurídico. Na sequência, tem-se a dimensão da validade, quando se verificará a existência ou não de defeitos no preenchimento de seu suporte fático, de modo que se comine uma sanção: a invalidade do fato jurídico. Por fim, o fato jurídico atinge (ou não) o plano de eficácia, para gerar situações jurídicas. Desdobrando os conceitos acima expostos, tem-se que o plano da existência é o plano do “ser” do direito, ou seja, o fato jurídico surge quando a parte relevante do suporte fático é transportada para o mundo jurídico, pela incidência da norma juridicizante. Quando o fato não existe, “não há de se discutir, assim, se é nulo ou ineficaz, nem se precisa ser desconstituído judicialmente (…) porque a inexistência é o não ser que, portanto, não pode ser qualificado”3. Por sua vez, no plano da validade se considera quando o fato jurídico já existe e é “daqueles em que a vontade humana constitui elemento nuclear do suporte fático”4. Além da vontade, passam pelo crivo da validade os fatos ilícitos, inclusive os atos ilícitos. 1 PONTES DE MIRANDA, F. C; Tratado de Direito Privado, tomo I. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012, p. 18. 2 MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do fato jurídico. Plano de existência. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 11. 3 Idem, p. 99-100. 4 Ibidem, p. 100 Já o plano da eficácia “é a parte do mundo jurídico onde os fatos jurídicos produzem os seus efeitos, criando as situações jurídicas, as relações jurídicas, com todo o seu conteúdo eficacial representado pelos direitos – deveres, pretensões – obrigações, ações e exceções, ou os extinguindo”.5 O plano da eficácia pressupõe o da existência, mas não necessariamente o da validade. Feitas as distinções dos planos propostos por MELLO (2004), cabe agora adentrar com mais especificidade no plano da validade, objeto do presente trabalho. “Diz-se válido o ato jurídico cujo suporte fático é perfeito, isto é, os seus elementos nucleares não têm qualquer deficiência invalidante, não há falta de qualquer elemento complementar. Validade, no que concerne o ato jurídico, é sinônimo de perfeição(…).” 6 Neste sentido, MELLO (2004) aponta para a possibilidade de perfeição do fato jurídico, desde que cumpridos requisitos para tanto. Ou algum dos seus elementos nucleares é deficiente ou lhe falta algum elemento complementar, de modo que o sistema jurídico o tem como ilícito, impondo-lhe como sanção a invalidade. MELLO (2004) informa que a invalidade diz respeito a uma sanção imposta pelo sistema ao ato jurídico que, embora concretize suporte fático previsto em suas normas, viola seus comandos cogentes. Ou seja, dizer que um ato não é válido representa uma punição. Essa imputação de invalidade indica uma forma de assegurar a integridade do ordenamento jurídico. Um ponto interessante na Teoria do Fato Jurídico de Marcos Bernardes de Mello diz respeito à possibilidade de elaboração de uma teoria geral da validade (ou das nulidades). O alagoano afirma que a enunciação de princípios gerais se torna impossível em uma matéria em que estão sempre presentes tantas exceções. Dentre tais exceções, ele diz que não é possível dizer que todo ato nulo é ineficaz ou que a nulidade convalesce no decurso do tempo, além de a nulidade não ser decretada de ofício pelo juiz. Como dito anteriormente, a perfeição do fato jurídico está atrelada a requisitos que este deve cumprir, sob pena da sua invalidade. Marcos Bernardes de Mello localiza no plano da Dogmática Jurídica o conteúdo que define tais 5 MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do fato jurídico. Plano de existência. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 101. 6 MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do fato jurídico. Plano da validade. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 4. pressupostos e os separa em 3 categorias: quanto ao sujeito, ao objeto e à forma da exteriorização da vontade.7 No que tange o sujeito, Marcos Bernardes de Mello define a capacidade de agir como um “estado pessoal, de modo que ser capaz é uma qualificação atribuída pelo direito às pessoas em geral, sendo que, em relação aos seres humanos, nem todos a têm”. 8 Incapaz, de acordo com o autor, seria aquele a quem as normas negam a capacidade de praticar, pessoalmente, ato jurídico lato sensu válido. Quanto à forma da exteriorização da vontade, ele afirma que para integrar o suporte fático do ato jurídico, tal manifestação deve ser: autêntica, íntegra e hígida, no sentido de que tenha sido manifestada pelo próprio figurante ou por alguém que, negocial ou legalmente, o represente, e que não contenha defeitos que a afetem em sua perfeição. Por fim, em relação ao objeto, MELLO (2004) informa que o objeto do fato jurídico pode ser lícito, possível e determinado; mas se a prestação é ilícita, ou impossível, ou indeterminada ou, apenas, indeterminável, ele será nulo. Antonio Junqueira Azevedo, ex professor da Faculdade de Direito da USP, em sua obra acerca do negócio jurídico comenta acerca do plano da validade e dos requisitos para esta. O papel maior ou menor da vontade, a causa, os limites da autonomia privada quanto à forma e quanto ao objeto são algumas das questões que se põem, quando se trata de validade do negócio, e que, sendo peculiares dele, fazem com que ele mereça um tratamento especial, diante dos outros fatos jurídicos.9 AZEVEDO(2000) afirma que a validade é uma qualidade que o negócio deve ter ao entrar no mundo jurídico, consistente em estar de acordo com as regras jurídicas (“ser regular”). Os requisitos, por sua vez, seriam aqueles caracteres que a lei exige nos elementos do negócio para que este seja válido. O autor subdivide os requisitos em dois grandes grupos: intrínsecos e extrínsecos. Os requisitos intrínsecos, ou constitutivos, são a declaração de vontade, a licitude do objeto e as circunstâncias negociais. Já os extrínsecos correspondem à legitimidade do agente (capacidade para o negócio), o tempo (se o ordenamento jurídico impuser que o negócio se faça em um determinado momento) e o lugar. 7 MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do fato jurídico. Plano da validade. São Paulo: Saraiva, 2004,p. 20. 8 MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do fato jurídico. Plano da validade. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 25. 9 AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Negócio Jurídico: Existência, Validade e Eficácia. Saraiva, 2000, p. 41. Tem-se, então, uma categorização dos requisitos de validade que dialoga em certa medida com a proposta por Marcos Bernardes de Mello, embora haja uma especificação conforme visto anteriormente. O certo é que ambos os autores concordam que a validade se constitui no plano da qualificação do fato jurídico, identificando-o axiologicamente. A invalidade, conforme outrora visto, corresponde a uma sanção que o ordenamento jurídico adota para punir determinadas condutas que implicam contrariedade ao direito. De acordo com Marcos Bernardes de Mello, a invalidade se determina em diferentes graus (nulidade e anulabilidade). A nulidade constitui “a sanção mais enérgica, acarretando, entre outras consequências, em geral, a ineficácia erga omnes do ato jurídico quanto a seus efeitos próprios, além da insanabilidade do vício, salvo exceções bem particularizadas”.10 A anulabilidade, por sua vez, produz eficácia específica, integralmente. O ato, no entanto, pode ser convalidado pela confirmação ou pelo transcurso do tempo. Tanto AZEVEDO (2000) quanto MELLO (2004) concordam que apenas o fato existente pode ser válido, nulo ou anulável). Azevedo também considera a gradação existente quando há invalidade, classificando os fatos como nulos ou anuláveis. Ele afirma que os negócios anuláveis estão provisoriamente em situação indefinida, ou seja, após certo tempo, ou estarão definitivamente entre os nulos (foram anulados), ou se equipararão aos válidos como se nunca tivessem qualquer defeito. 11 O professor Marcos Bernardes de Mello reserva um capítulo específico para tratar dos vícios da vontade. No trato dos atos jurídicos, devem ser considerados três dados essenciais: a exteriorização da vontade, o querer a manifestação e a vontade em si mesma (conteúdo). Nessa leitura, classificam-se como vícios da vontade: o erro, o dolo, a coação, o estado de perigo e a lesão. O erro na manifestação da vontade se caracteriza por uma falsa representação psicológica da realidade. Dolo é o meio empregado para enganar alguém. Ocorre dolo quando o sujeito é induzido por outra pessoa a erro. A coação é o constrangimento a uma determinada pessoa, feita por meio de ameaça com intuito de que ela pratique um negócio jurídico contra sua vontade. A ameaça pode ser 10 MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do fato jurídico. Plano da validade. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 60- 61. 11 AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Negócio Jurídico: Existência, Validade e Eficácia. Saraiva, 2000, p. 64. física (absoluta) ou moral (compulsiva). O estado de perigo, por sua vez, ocorre quando alguém, premido de necessidade de se salvar ou a outra pessoa de grave dano conhecido pela outra parte, assume obrigação excessivamente onerosa. Por fim, a lesão ocorre quando determinada pessoa, sob premente necessidade ou por inexperiência, se obriga a prestação manifestadamente desproporcional ao valor da prestação oposta. Caracteriza-se por um abuso praticado em situação de desigualdade, evidenciando-se um aproveitamento indevido na celebração de um negócio jurídico. Desdobrando os conceitos acima expostos, Marcos Bernardes de Mello aponta para algumas características específicas. Em relação ao erro, ele distingue erro e ignorância. “Enquanto a ignorância se caracteriza pela ausência de conhecimento, no erro o conhecimento existe, mas falsamente quanto à realidade”12. Em seguida, MELLO(2004) se debruça acerca do erro invalidante. Do ponto de vista jurídico, afirma o autor, nem todo erro constitui causa de anulabilidade dos atos jurídicos. De acordo com o Direito Civil, somente se tem como invalidante do ato jurídico o erro substancial, assim considerado aquele que: interessa à natureza do negócio, diga respeito à identidade ou à qualidade essencial da pessoa a quem se refira a declaração da vontade. Ainda: “quando de direito, for o motivo único ou principal do negócio jurídico, desde que não implique recusa à aplicação da lei; ou ainda se houver falsidade quanto aos motivos, desde que expressos como razão determinante do negócio jurídico”. 13 Em relação ao dolo, MELLO (2004) enumera alguns pressupostos do dolo invalidante: a intenção de induzir, reforçar ou manter o outro figurante em erro; o fato de ele ser a causa eficiente da concretização do ato jurídico; a unilateralidade do dolo, ou seja, apenas uma das partes do negócio agiu dolosamente; a anterioridade ou, ao menos, a contemporaneidade do dolo; o seu desconhecimento no momento de concluir o negócio jurídico, dentre outros. No que diz respeito à lesão, Marcos Bernardes de Mello informa que ela ocorrerá invalidando o negócio jurídico quando alguém, por necessidade ou levado por inexperiência, formaliza negócio jurídico em que se obriga a prestação manifestamente desproporcional ao valor da contraprestação.14Ele afirma ainda que o Código Civil não estabeleceu critérios objetivos para que seja avaliada a 12 MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do fato jurídico. Plano da validade. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 149. 13 Idem, p. 152. 14 Art. 157 do Código Civil Brasileiro. onerosidade da lesão. O Código contenta-se em mencionar que haja uma manifesta desproporção entre a prestação a que se obrigou o lesado e a contraprestação do outro figurante. Além dos vícios de vontade, tem-se os vícios sociais, que são atos contrários à boa fé ou à lei, prejudicando terceiro. Como exemplo de vício social, Marcos Bernardes de Mello caracteriza a fraude contra credores. “Constitui fraude contra credores todo o ato de disposição e oneração de bens, créditos e direitos, a título gratuito ou oneroso, praticado por devedor insolvente, ou por ele tornado insolvente, que acarrete redução de seu patrimônio, em prejuízo de credor preexistente”. 15 Em outras palavras, a fraude contra credores é o negócio realizado para prejudicar o credor, que torna o devedor insolvente. Já no que tange à simulação, tem-se que o Código Civil de 2002 modificou, substancialmente, o seu regramento, tornando-a causa de nulidade e excluindo de sua caracterização a necessidade de ser prejudicial a terceiro ou infringente da lei. No artigo 167, caput, o Código Civil declarou ser nulo o negócio simulado, considerando como tal aquele que: apresentar, conferir ou transmitir direitos a pessoas diversas daquelas a que realmente se conferem; contenha declaração, confissão, condição ou cláusula cujo conteúdo não seja verdadeiro ou os instrumentos particulares forem antedatados, ou pós-datados. Outro ponto importante tratado na obra de Marcos Bernardes de Mello diz respeito à legitimação para alegar a invalidade. Em se tratando de nulidade, podem ser legítimos o interessado ou ainda o Ministério Público, quando lhe couber intervir, e são decretáveis de ofício pelo juiz quando as encontrar provadas. Aquele que deu causa à nulidade pode alegá-la, desde que tenha interesse. A anulabilidade, por sua vez, somente pode ser alegada pelos interessados diretos, ou seja, exclusivamente por aqueles em favor dos quais a lei a estabeleceu, não a qualquer um. O negócio jurídico pode ainda ser desconstituído, seja por decisão judicial, seja por ato administrativo. O que se desconstitui, no caso de nulidade, é apenas o ato jurídico, uma vez que não há efeitos a desfazer. O mesmo não ocorre com o negócio jurídico anulável, uma vez que a sentençaanulatória tem eficácia ex tunc: desconstitui o negócio e seus efeitos desde o momento de sua prática. 15 MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do fato jurídico. Plano da validade. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 205. REFERÊNCIAS AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Negócio Jurídico: Existência, Validade e Eficácia. Saraiva, 2000. BRASIL. Lei n. 10.406, 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 11 jan. 2002. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm. Acesso em: agosto de 2019. MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do fato jurídico. Plano de existência. São Paulo: Saraiva, 2004. MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do fato jurídico. Plano da validade. São Paulo: Saraiva, 2004. PONTES DE MIRANDA, F. C; Tratado de Direito Privado, tomo I. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012.
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