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CAPÍTULO III CHOQUE A síndrome choque, por suas características, sempre despertou o interesse de clínicos e cirurgiões. Apesar das inúmeras pesquisas voltadas para esta síndrome, muitas perguntas ainda carecem de resposta. Por exemplo: qual a melhor maneira para reposição do volume intravascular? Como é melhor prevenida ou tratada a coagulação intravascular disseminada? Os glicocorticóides são realmente eficientes na terapia do choque? Sua dosagem farmacológica é suficiente? Infelizmente os estudos experimentais são feitos em condições controladas e não reproduzem a mesma evolução observada nos choque pelos diversos fatores desencadeantes. 3.0 - Conceito Várias definições têm sido propostas para a síndrome choque. Praticamente todas caracterizam-na como severa insuficiência da perfusão capilar, incapaz de manter a função normal das células. Decorrente desta hipoperfusão sobrevem várias alterações funcionais que se somam e, quando não corrigidas, conduzem a irreversibilidade da síndrome. 3.1 - Tipos Diferentes fatores interferem com a dinâmica circulatória. Na dependência do mecanismo pelo qual estes fatores desencadeantes diminuem o fluxo circulatório efetivo, o choque pode ser classificado em três tipos principais: hipovolêmico, vasculogênico, cardiogênico e por obstáculo circulatório conforme ocorram respectivamente diminuição efetiva na volemia, aumento na capacitância vascular, deficiência da bomba cardíaca, impedimento ou restrição no retorno venoso na grande circulação. 3.1.1 - Choque hipovolêmico Ocorre por diminuição aguda no volume sangüíneo circulante devido a perdas para fora do espaço vascular. Estas perdas (Quadro 3.1) podem ser por: 3.1.1.1 - Hemorragia (choque hemorrágico): o choque por perda de sangue é estabelecido nas hemorragias equivalentes a 30% da volemia no cão, 40% no gato e ao redor de 30% nos eqüinos, alcançando 100% de mortalidade nas perdas de 50% do volume circulante. A hemorragia pode ser externa ou interna. No primeiro caso são mais comuns os ferimentos traumáticos na superfície externa e as cirurgias prolongadas em que haja sangramento abundante. Em bovinos ocorre sangramento abundante nas lacerações da veia mamária subcutânea. No segundo caso o sangue drena para determinada cavidade ou para a intimidade de grandes Quadro 3.1 - Relação dos fatores etiológicos mais comuns no choque hipovolêmico. 1. Hemorragia 1.1 - Externa - ferimentos traumáticos - cirurgias prolongadas 1.2 - Interna -ruptura de víscera compacta - ruptura de grandes vasos - fraturas. 2. Hemoconcentração - queimaduras - desidratação - gastrenterites - peritonite e pleuris - insuficiência adrenocortical - obstrução e torção intestinal. Alceu Gaspar Raiser 32 massas musculares. As mais freqüentes são as hemorragias por ruptura do fígado ou baço em quedas violentas ou por acidentes cirúrgicos. Em eqüinos pode haver hemorragia maciça nos sacos guturais ou pulmões. Quando no tórax a hemorragia é mais preocupante devido a pressão negativa desta cavidade que favorece a saída do sangue dos vasos, estabelecendo rápido hemotórax. 3.1.1.2 - Hemoconcentração: neste caso o choque deve-se à diminuição no plasma circulante, como ocorre nas queimaduras, onde é observada intensa exsudação na superfície destruída. Queimaduras envolvendo mais de 20% da superfície corporal são suficientes para determinar alterações gerais incluindo aumento na viscosidade sangüínea e agregação de hemácias e plaquetas. A perda de plasma ocorre também nas espoliações internas verificadas na peritonite e pleuris. A desidratação como se dá no homem é rara em animais. No cão seria por distúrbios no centro da sede ou por privação aguda de água. Em eqüinos a sudoração excessiva pode ser fator determinante. A perda de líquido extracelular, no entanto, ocorre nos casos de vômito e diarréia onde são eliminados água e eletrólitos. Um eqüino adulto com enterite séptica pode ter diarréia severa com perdas de 50 a 100 litros de líquido em 24 horas. Nas obstruções intestinais a perda de líquido ocorre para a luz do intestino obstruído, para a cavidade peritoneal e para o exterior com o vômito. Nos casos de falência da adrenocortical pode ser induzida diminuição crítica do volume circulante. A secreção diminuída de aldosterona aumenta a perda de sódio e conseqüentemente de água, com depleção na volemia. Tem sido relatada a ocorrência de choque cirúrgico em eqüinos devido à desidratação dos tecidos expostos durante cirurgias prolongadas, ou perdas por evaporação nas misturas com gases expirados no trato respiratório. Estes animais sofrem hemoconcentração, além da perda de sangue podendo sofrer choque após curto período se estiverem debilitados. 3.1.2 - Choque vasculogênico Este tipo de choque é devido não a perda de volume circulante, mas a um aumento agudo na capacitância do leito vascular, pela incapacidade de manter a resistência periférica. Assim é criada uma situação de hipovolemia relativa. Os fatores etiológicos (Quadro 3.2) incluem: 3.1.2.1 - Paralisia vasomotora (choque neurogênico):é desenvolvido por paralisia do sistema nervoso simpático devido a traumatismo, particularmente na medula oblonga e tóraco-lombar, depressão por anestesia geral profunda (barbitúricos), intoxicação por fármacos hipotensores e envenenamento por produtos químicos com propriedade vasodilatadora; 3.1.2.2 - Agentes vasoativos de anafilaxia (choque anafilático): Ocorre falência circulatória periférica por liberação aguda de histamina. É devido a uma reação Quadro 3.2 - Relação dos fatores etiológicos mais freqüentes de choque vasculogênico 1. Paralisia vasomotora - trauma medular - intoxicação por fármaco hipotensor. 2. Agentes vasoativos de anafilaxia - picada de insetos - acidente transfusional - Peçonhas de serpentes, aranhas, escorpiões - depressores do SNC como acepromazina, cetamina - fármacos como penicilina, cloranfenicol. 3. Toxinas bacterianas - sepsia. Patologia Cirúrgica Veterinária - UFSM, Santa Maria. 33 antígeno-anticorpo-complemento entre uma célula previamente sensibilizada e um agente específico. A lesão celular decorrente desta reação libera substâncias altamente tóxicas como a histamina, serotonina e bradicinina. As picadas de abelha e/ou vespa também podem determinar reação anafilática pela interação antígeno-anticorpo (hipersensibilidade tipo I) ou alterações neurotóxicas e hemolíticas. Nas transfusões de sangue incompatível pode haver urticária relacionada à presença de fatores de contato do plasma que ativam o sistema das cininas com liberação de aminas biogênicas. Têm sido relacionados fármacos (penicilina, cloranfenicol, trimetoprim-sulfatiazol), depressores do sistema nervoso central (maleato de acepromazina, cloridrato de cetamina) e peçonhas (serpentes, sapos aranhas, escorpiões) como causadores de anafilaxia com hipotensão; 3.1.2.3 - Toxinas bacterianas (choque séptico ou endotóxico): esta é a forma mais comum de choque principalmente em grandes animais. Podem ser divididas em exotoxinas de germes Gran-positivos e endotoxinas de Gran-negativos. As endotoxinas, mais freqüentes, estimulam as terminações simpáticas pós- ganglionares liberando catecolaminas. Neste caso a hemodinâmica do choque ocorre em duas fases: a primeira com elevado débito cardíaco e aumento no tono periférico. A segunda fase apresenta queda no débito cardíaco devido ao seqüestro capilar e retorno venoso diminuído. O baixoretorno de sangue ao coração decorre da elevada resistência periférica, por persistência do tono arteriolar sistêmico através da ação de catecolaminas. No homem as exotoxinas provocam vasodilatação precoce com baixa resistência periférica. No cão, entretanto, parece haver um aumento do tono periférico por ação das catecolaminas. As causas mais comuns do choque séptico são: queimaduras contaminadas, traumatismo extenso, peritonite, obstrução intestinal, isquemia intestinal, enterite, pericardite, abscessos, osteomielite, enfermidades hepáticas, meningite, mastite e choque hemorrágico. 3.1.3 - Choque cardiogênico Neste caso estão incluídas todas as causas que interfiram com a repleção e esvaziamento das cavidades cardíacas (Quadro 3.3). Aqui o fator primordial é a deficiência de bomba. Estes elementos desencadeantes podem ser divididos em dois grupos: 3.1.3.1 – Origem intrínseca: podem ser alterações estruturais como ruptura de cinta tendinosa, arritmias que tornam as sístoles ineficientes. Taquicardia ou fibrilação e os bloqueios cardíacos total ou parcial são fatores estimulantes do choque cardiogênico. 3.1.3.2 – Origem extrínseca: depressão do miocárdio provocada por acidose ou distúrbios eletrolíticos (hipercalemia associada a hiponatremia) e intoxicações por fármacos ou produtos químicos depressores do miocárdio. Os peptídeos tóxicos liberados pelo pâncreas isquêmico (Fator Depressor do Miocárdio - FDM) são elementos que complicam outros tipos de choque (hipovolêmico ou vasculogênico) pelo comprometimento cardíaco. 3.1.4 – Choque por obstáculo na grande circulação O comprometimento na dinâmica circulatória se dá por um impedimento ou restrição do retorno Quadro 3.3 - Fatores etiológicos mais comuns do choque cardiogênico 1 - origem intrínseca ruptura de cinta tendinosa distúrbios de condução bloqueio total ou parcial arritmia, fibrilação. 2 - origem extrínseca depressão do miocárdio distúrbios eletrolíticos e ácido-base fármacos depressores peptídeos tóxicos do pâncreas isquêmico. Alceu Gaspar Raiser 34 venoso na grande circulação. Os principais fatores etiológicos estão relacionados no quadro 3.4. Há interferência com o fluxo cardíaco e retorno venoso efetivo que acontece no tamponamento cardíaco, ou por compressão das veias cavas, por expansão excessiva dos pulmões, quando se faz ventilação positiva. Nos casos de pneumotórax, nas efusões pleurais e na hérnia diafragmática o retorno venoso é prejudicado pelo efeito ocupação de espaço que diminui a pressão negativa intrapleural. Na síndrome volvo-dilatação gástrica, além do impedimento venoso, ocorre deslocamento cranial do diafragma interferindo com a fisiologia respiratória. 3.2 - Fisiopatologia 3.2.1 - Mecanismos compensatórios: O comprometimento circulatório é fator comum nos choques hipovolêmico, vasculogênico e cardiogênico. Esta hipovolemia absoluta ou relativa determina hipotensão arterial (choque cardiogênico e por obstáculo na grande circulação) ou arteriovenosa (choques hipovolêmico e vasculogênico). O organismo procura por meio de mecanismos compensatórios (Quadro 3.5) conter o ciclo de deterioração hemodinâmica que se estabelece. Estes mecanismos que compõem a fase I do choque (fase adrenérgica) são ativados de várias maneiras: 3.2.1.1 - ao baixar a pressão arterial os baro-receptores ou presso-receptores localizados nos seios carotídeos e arco aórtico diminuem os estímulos aferentes ao sistema nervoso central. Em resposta há redução na atividade vagal eferente com predomínio do tono simpático. Este induz taquicardia e vasoconstrição que é mais acentuada na pele, músculo esquelético, rins e leito vascular esplâncnico que são ricos em alfa receptores. Deste modo o sangue é dirigido para a circulação central mantendo órgãos essenciais à sobrevivência imediata, como coração, sistema nervoso central e pulmões; 3.2.1.2 - pressão arteriolar muito baixa estimula os quimioreceptores periféricos, sensíveis à anóxia que se instala pela perfusão diminuída nos tecidos. O estímulo desses receptores acentua a vasoconstrição periférica e produz taquipnéia. Este estímulo respiratório melhora o retorno venoso devido a ação bombeadora auxiliar do pulmão, durante a inspiração; - pressão sangüínea abaixo de 40mmHg resulta em isquemia do sistema nervoso central devido ao afluxo inadequado de sangue e sobrevem descarga simpática mais intensa que a soma daquela desencadeada pelos receptores. É acentuada ainda mais a vasoconstrição e aumenta a contratilidade do miocárdio; 3.2.1.3 - respondendo ao estímulo simpático a medula libera catecolaminas em quantidades expressivas (epinefrina aumenta até 50 vezes) na tentativa de compensar a hipotensão persistente. As catecolaminas promovem contração esplênica, vasoconstrição periférica e têm estímulo cronotrópico e inotrópico sobre o Quadro 3.4 - Fatores etiológicos mais comuns do choque por obstáculo na grande circulação pneumotórax efusão pleural hérnia diafragmática tamponamento cardíaco hiperinsuflação pulmonar compressão nas veias cavas síndrome volvo-dilatação gástrica. Quadro 3.5. Mecanismos compensatórios desencadeados pela hipotensão durante o choque. - diminuição dos estímulos via presso-receptores; - estimulação de quimioreceptores periféricos; - descarga simpática em resposta à isquemia mediada pelo Sistema Nervoso Central; - liberação de hormônios: + catecolaminas, +antidiurético (ADH), + adrenocorticotrófico (ACTH), + renina-angiotensina-aldosterona; - refluxo intersticial. Patologia Cirúrgica Veterinária - UFSM, Santa Maria. 35 miocárdio; 3.2.1.4 - a baixa perfusão renal em pressões abaixo de 60 mmHg estimula a liberação de renina pelo aparelho justaglomerular. Esta transforma o angiotensinogênio do plasma em angiotensina que tem potente ação vasoconstritora. A angiotensina estimula também a secreção da aldosterona que promove reabsorção de sódio e água desde os túbulos renais; 3.2.1.5 - a pressão baixa nos átrios e em nível dos presso-receptores promove a liberação do hormônio antidiurético (ADH) ou vasopressina e do hormônio adrenocorticotrófico (ACTH) pelo lobo posterior da hipófise. A vasopressina é um dos mais potentes vasoconstritores liberados no organismo e atua controlando a excreção renal de água (dutos coletores – néfron distal). Em pressões sangüíneas inferiores a 50mmHg aumenta 20-50 vezes. O ACTH estimula a secreção de corticosteróides (aldosterona e hidrocortisona). A aldosterona auxilia a estabilizar o volume plasmático aumentando a reabsorção de sódio pelos rins (túbulos e dutos coletores). Os glicocorticóides potencializam o efeito das catecolaminas e estimulam a gliconeogênese; - quando decrescer a pressão sangüínea e conseqüentemente a perfusão capilar, ocorre afluxo de líquido intersticial para o lúme capilar. Este fenômeno contribui para a reposição de volume circulante, porém, diminui a pressão coloidosmótica devido à diluição das proteínas do plasma. Os mecanismos descritos tendem, portanto, a restaurar a volemia principalmente através da vasoconstrição que pode ou não restaurar a pressão sangüínea. Se o fator desencadeante for contido e a queda na volemia não for muito aguda (inferior a 30 ou 40%) geralmente há possibilidade de compensação. Se, por outro lado, o fator desencadeante continuar atuando, esses mecanismos sofrerão oposição de outros, descompensatórios (Quadro 3.6), que iniciam um ciclo mortal para o paciente devido ao agravamento da hipotensão. No choque vasculogênicoem que haja bloqueio do simpático, não ocorre a fase adrenérgica. 3.2.2 - Mecanismos descompensatórios: São relacionados os seguintes: 3.2.2.1 - falência cardíaca por hipofluxo coronariano: a hipotensão diminui o fluxo de sangue para as artérias coronárias, deprimindo a função cardíaca. Esta depressão do miocárdio agrava a pressão precariamente baixa, completando um ciclo que tende a tornar-se irreversível; 3.2.2.2 - alterações microcirculatórias: é sabido que a unidade capilar (Figura 3.1), composta pelas arteríolas distais, metarteríolas, esfíncteres pré e pós capilares, capilares, vênulas coletoras é controlada por ação de fatores vasoativos locais e gerais. Os fatores que chegam pela circulação sistêmica têm sido denominados fatores vasotrópicos sistêmicos e possuem efeito vasoconstritor. Os mais comuns são: adrenalina, noradrenalina, angiotensina e vasopressina entre outras. Os fatores produzidos e liberados na circulação local têm ação vasodilatadora e são denominados fatores vasotrópicos locais. São constituídos por produtos do catabolismo tecidual. Incluem as enzimas lisosomais, proteases, serotonina, histamina, bradicinina e ácido láctico entre outros. Quadro 3.6 - Mecanismos descompensatórios desencadeados pela hipotensão no choque - falência cradíaca por hipofluxo coronariano; - alterações microcirculatórias: + insuficiência constritiva, + insuficiência vasoplégica; - acidose metabólica; - depressão dos centros cardaco e vasomotor; - depressão do sistema histiolinfoplasmocitário; - diátese hemorrágica. Alceu Gaspar Raiser 36 Cabe ressaltar ainda que 80% dos capilares são normalmente isquêmicos, sendo perfundidos alternadamente conforme o requerimento celular na área. Em condições de volemia estável os capilares contêm somente 5% do volume sangüíneo. Assim, a microcirculação é controlada pelo sistema nervoso autônomo e pelos catabólitos locais. As células teciduais, quando isquêmicas, produzem os fatores vasotrópicos locais (catabólitos) que possibilitam, pelo efeito vasodilatador, o enchimento capilar e a nutrição celular. Este sangue proveniente da grande circulação, além de trazer os nutrientes para a célula, contém fatores vasotrópicos sistêmicos e carreia os produtos do catabolismo local (vasodilatadores) que serão metabolizados e/ou eliminados. Com o predomínio de fatores sistêmicos no local, os esfínteres pré-capilares fecham e o sangue é desviado pelas metarteríolas. Através deste mecanismo o sangue circulante é suficiente para manter a extensa rede capilar do organismo. No paciente em choque a diminuição da perfusão periférica determina insuficiência na microcirculação que evolui em duas fases: uma isquêmica, outra vasoplégica de estase. A insuficiência microcir- culatória isquêmica (Figura 3.2) é estabelecida pela constrição desencadeada através dos mecanismos compensatórios do choque (fase adrenérgica). Inicialmente o sangue flui apenas pelas metarteríolas devido ao fechamento dos esfíncteres pré- capilares. Nesta fase há passagem de líquido intersticial para a luz capilar, tentando repor a volemia. A medida que se acentua a constrição na arteríola terminal o fluxo é desviado pelas comunicações artério-venosas para as vênulas distais. Com a persistência da constrição sistêmica os tecidos entram em acidose devido à hipóxia Figura 3.1 - Esquema da microcirculação em condições de normovolemia. Porção escura representa área vascularizada. Porção clara representa capilares isquêmicos. Figura 3.2 - Microcirculação no choque. Insuficiência microcirculatória isquêmica (fase I). Capilares isquêmicos com sangue desviado pelas comunicações artério-venosas. Patologia Cirúrgica Veterinária - UFSM, Santa Maria. 37 tecidual. Este fenômeno intensifica a produção de fatores vasotrópicos locais que relaxam os esfíncteres pré-capilares. O sangue flui então para o leito capilar que, nesta fase, está bastante ampliado. Isto causa dois efeitos: (1) a quantidade de sangue que mesmo em condições de normovolemia seria insuficiente para irrigar todo o leito capilar distendido, é precariamente baixa e resulta em diminuição no retorno venoso, da pressão venosa central e do débito cardíaco; (2) o fluxo capilar sofre estase e não supre as necessidades da célula que se torna anóxica. Esta fase é agravada pela constrição das arteríolas proximais e vênulas distais que estão sob efeito dos fatores vasotrópicos sistêmicos. Em conseqüência a pressão hidrostática sistêmica não é transmitida ao sangue aí estagnado e os catabólitos não retornam pela circulação venosa. Este mecanismo consiste em seqüestro sanguíneo que ocorre predominantemente em área esplâncnica no cão e no pulmão do gato, cavalo e bovino (Figura 3.3). Esta dilatação capilar e estase sangüínea favorecem a migração de colóides para o interstício favorecendo a ocorrência de edema. 3.2.2.3 - Acidose metabólica: a acentuada redução no fluxo periférico propicia o acúmulo de fatores vasotrópicos locais que diminuem o tono vascular periférico agravando ainda mais a hipotensão. Esta expansão do leito vascular caracteriza a fase II do choque (Figura 3.3). A acidose resultante da hipóxia celular deprime diretamente o miocárdio e diminui a resposta deste à estimulação simpática das catecolaminas; 3.2.2.4 - Depressão dos centros cardíaco e vasomotor: quando ocorrer severa hipotensão, com resultante perda do tono simpático, predominará o parassimpático e haverá diminuição do tono vascular periférico e do débito cardíaco; 3.2.2.5- depressão do sistema histiolinfoplasmocitário: a vasoconstrição, particularmente nos vasos hepáticos e esplênicos, reduz o fluxo sangüíneo ao fígado e baço que são os principais órgãos responsáveis por esse sistema. A isquemia nesses órgãos e o acúmulo de mediadores vasotrópicos locais destroem o sistema histiolinfoplasmocitário e o paciente torna-se incapaz de detoxificar as toxinas bacterianas; 3.2.2.6 - diátese hemorrágica: é caracterizada por coagulação intravascular disseminada que caracteriza a fase III do choque. Ocorre sob duas condições: (1) diminuição no fluxo capilar e (2) liberação de material tromboplastínico no sangue. Estes agentes tromboplastínicos podem provir de trauma tecidual, hemólise, toxinas bacterianas ou contato do sangue com superfícies estranhas como cânulas e catéteres. A coagulação intravascular disseminada apresenta em sua evolução duas fases: a primeira, denominada coagulopatia de consumo, é caracterizada pelo consumo dos fatores de coagulação e formação de microtrombos intravascular. Estes microtrombos situando-se nos capilares alteram a perfusão celular determinando acidose láctica com morte celular (Figura 3.4). Na segunda fase ocorre ativação da fibrinólise com lise dos coágulos e sangramento difuso pelas soluções de continuidade (Figura 3.5). Esta fase é acompanhada de diarréia sangüinolenta no Figura 3.3 - Esquema da microcirculação na fase II do choque. Seqüestro de volume devido a vasoplegia (ação de fatores vasotrópicos locais) e constrição sistêmica. Alceu Gaspar Raiser 38 cão. Os distúrbios circulatórios e hidroeletrolíticos propiciam a formação e liberação de mediadores que levam a comprometimento sistêmico com insuficiência de múltiplos órgãos (Fase IV do choque). Os principais mediadores são a CID, radicais livres, prostaglandinas, leucotrienos, citocinas, complemento, fator ativador plaquetário entre outros. 3.2.3 - Comprometimento dos diferentes órgãosConsiderando os mecanismos que favorecem ou antagonizam a evolução do choque cabe ressaltar as alterações evidenciadas nos principais órgãos durante essa síndrome. 3.2.3.1 - Cérebro: O cérebro é o órgão que menos sofre interferência das variações sistêmicas da volemia, pois seu fluxo sangüíneo tem regulação local. O tono vascular local não é regulado pelo sistema nervoso simpático, mas por agentes da circulação. Os principais são o oxigênio, dióxido de carbono e prótons hidrogênio cujas concentrações ao serem alteradas provocam vasodilatação nesta circulação regional durante o choque. Durante acidose, no entanto, pode haver diminuição na pCO2 por aumento reflexo na freqüência respiratória mantendo normal a pO2. Esta combinação pode causar vasoconstrição da microcirculação cerebral e diminuir a perfusão durante um estado de hipotensão. Recentemente tem sido demonstrado, no entanto, que há variações significativas no fluxo sangüíneo em diferentes regiões do cérebro, em resposta à hipovolemia, resultando em redistribuição do mesmo. Esta redistribuição parece favorecer aquelas áreas onde se localizam os neurônios relacionados ao controle cardiovascular. Pressão sangüínea mantida ao redor de 35mmHg por mais de duas horas produz lesão irreversível no sistema nervoso central. 3.2.3.2 - Coração: Quando a pressão arterial cair abaixo de 70mmHg o fluxo coronariano diminui paralelamente ao débito cardíaco. A depressão da função cardíaca é devido à redução na tensão de oxigênio nas coronárias, acidose mista, perfusão reduzida e a substâncias liberadas pelos Figura 3.4 - Microcirculação na fase III do choque. Coagulação intravascular disseminada causando obstrução em nível da microcirculação. Observar capilares em vasoplegia. Figura 3.5 - Microcirculação na fase IV do choque. Presença de fibrinólise secundária que desfaz os microcoágulos, mas já ocorre insuficiência dos principais órgãos com lesão celular. Patologia Cirúrgica Veterinária - UFSM, Santa Maria. 39 tecidos hipoperfundidos. São exemplos os peptídeos tóxicos liberados em altas concentrações pelo pâncreas isquêmico (fator depressor do miocárdio) e fatores cardiodepressores liberados no intestino em hipóxia. A hipotensão, aliada a uma taquicardia acima de 260 batimentos/minuto, diminui a perfusão coronariana porque neste evento o tempo de diástole é menor propiciando, assim, menor afluxo de sangue nestes vasos. 3.2.3.3 - Fígado, Intestino delgado, Estômago e Baço: No cão parece ser esta a área de choque devido ao comprometimento que sofrem estes órgãos. Inicialmente submetidos à isquemia são depois os locais de estase e seqüestração de sangue. O intestino delgado sofre hipóxia isquêmica na fase final do choque pela estimulação adrenérgica que diminui a produção de muco, ativa os leucócitos, induz necrose epitelial e desintegração da lâmina própria com ulceração e hemorragia. Aumenta a permeabilidade capilar, ocorre edema intersticial que causa diarréia, perda de proteínas do plasma e produção e liberação da xantina oxidase na circulação. As lesões surgem precocemente e de forma intensa. A estase na circulação intestinal ocorre em estágios posteriores à hipóxia, sendo mais acentuada no cão, pela vasoconstrição portal, permitindo proliferação das bactérias na luz intestinal. A perda da linha de defesa favorece a translocação bacteriana e endotoxinas ou bactérias do lúme, além dos catabólitos, que são absorvidos na mucosa e seguem pela circulação porta determinando endotoxemia e septicemia. Estudos experimentais mais recentes sobre choque séptico, no cão e gato, revelam que a hipóxia celular está relacionada à baixa pressão arterial em nível das vilosidades do intestino. Como nos vilos os ramos arterial e venoso da alça vascular que os irriga estão muito próximos cria-se um fluxo sangüíneo contra-corrente e assim, o sangue arterial que chega na extremidade do vilo, embora seja mais lento, carreia pouco oxigênio resultando em anóxia do mesmo. As endotoxinas ou bactérias do lúme intestinal, são absorvidos através das áreas ulceradas na mucosa para a circulação portal e removidas pelo sistema histiolinfoplasmocitário quando funcionante. No choque, entretanto, o fígado que é o principal órgão de detoxificação sofre acentuada depressão funcional e distúrbios metabólicos conseqüentes às alterações microcirculatórias. Esta perda da capacidade detoxificadora permite que as toxinas bacterianas no choque séptico e as endotoxinas de bactérias da luz intestinal, nos demais tipos de choque, efetuem livremente sua ação deletéria. Estudos revelam que o fígado suporta no máximo 40 minutos de isquemia. No estômago do cão além da anóxia celular há necessidade da ação do ácido do suco gástrico para ocorrer ulceração. O baço não apresenta grande importância no choque a não ser pela esplenocontração que tem papel influente na compensação da hipovolemia. Pode repor até 20% do volume circulante no cão. 3.2.3.4 - Pâncreas: O pâncreas sofre lesão isquêmica e potencializa o choque pela ativação e liberação de suas enzimas na circulação onde induzem a formação de compostos farmacologicamente ativos. Estes são peptídeos tóxicos que causam poderosa diminuição no débito cardíaco e na função do sistema histiolinfoplasmocitário. Isto combinado com o comprometimento hepático deixa o animal vulnerável ao efeito das bactérias ou toxinas, principalmente àquelas originárias do intestino. 3.2.3.5 - Rins: Estes órgãos sofrem intensa isquemia durante o choque por serem ricos em - receptores. A vasoconstrição que se estabelece na fase adrenérgica é proporcional ao grau de Alceu Gaspar Raiser 40 hipotensão e diminui a filtração glomerular agravando a acidose. A capacidade renal para utilização do lactato é pouco afetada pelo decréscimo gradual no fluxo renal, entretanto, a hipotensão aguda prejudica sua irrigação e diminui a metabolização do lactato. Em pressões abaixo de 50mmHg há redistribuição do fluxo sangüíneo neste órgão. Enquanto a medular é perfundida adequadamente a cortical não o é. Estudos experimentais demonstraram que a insuficiência renal no choque não é comum em cães. Para que ocorra há necessidade de lesão dos túbulos renais o que acontece somente na hipoperfusão do órgão por mais de 12 horas. Em 24 horas ocorre necrose tubular aguda. A vasoconstrição renal pode permanecer mesmo após o retorno da pressão arterial sistêmica em níveis fisiológicos. Clinicamente pode ser observada oligúria ou anúria, isostenúria, glicosúria e presença de células renais na urina. 3.2.3.6 - Pulmão: Nas espécies domésticas, à semelhança do homem, a microcirculação pulmonar é pobre em alfa-receptores. Na fase do choque em que ocorre intensa constrição sistêmica, o órgão pode sofrer sobrecarga de volume em grau capaz de determinar até edema agudo devido sua discreta resposta à estimulação adrenérgica. Além disso, nesta fase podem afluir para a microcirculação pulmonar trombos, toxinas bacterianas e outros elementos deletérios. Neste ponto é preciso observar que transfusões de sangue refrigerado, que comumente é feita por via venosa, constituem grande fonte de microtrombos os quais são retidos na circulação terminal do pulmão. Foi verificado que o sangue conservado em citrato por mais de seis horas já apresenta formação de agregados plaquetários. Apesar do aprimoramento dos filtros adaptados aos equipos de transfusão estes não conseguem reter estes microagregados os quais terminam situando-se na microcirculação do pulmão. A hipóxia que sobrevém à microtrombose desencadeia a síndrome da membrana hialina com progressivainsuficiência respiratória. Estas alterações já são evidenciadas pela microscopia eletrônica em uma hora após a tranfusão. 3.2.3.7 - Alterações celulares: A maioria das células tornam-se temporária ou permanentemente lesionadas após 5 a 10min de privação de oxigênio e irreversivelmente lesionadas após 15-20 minutos. A baixa perfusão tecidual e retorno venoso inadequado ocasionam hipóxia celular. O deficiente aporte de oxigênio bloqueia o ciclo de Krebs e diminui em 94% a produção de energia por molécula de glicose. Há acúmulo de lactato e outros elementos do catabolismo protéico e lipídico produzindo acidose intracelular. Pelo efeito diluição sobrevém acidose extracelular. Estabelecida a acidemia haverá estímulo dos centros respiratório e simpático que desencadeiam os mecanismos compensatórios do choque. Com o acumulo de lactato haverá bloqueio da glicose anaeróbica e finalmente morte celular por falta de energia. Diminuindo a produção de energia cessam os mecanismos de transporte ativo, as membranas sofrem alterações de permeabilidade e ocorre passagem de sódio, cálcio e água para a célula (edema) e saída de potássio (hipercalemia). O edema destrói a matriz intracelular, há labilização das membranas lisossomais que levam à autofagia celular e irreversibilidade do choque. 3.2.3.8 - Lesões de isquemia e reperfusão São alterações celulares que se seguem à ressuscitação após um período variável de isquemia parcial ou completa. Curtos períodos de isquemia ou hipoperfusão tecidual (<5min), após restabelecimento do fluxo sangüíneo causam hiperemia pela liberação de fatores vasotrópicos locais (K + , H + , NO, adenosina, ácido láctico) que são dilatadores; períodos de completa isquemia por mais de 5min resultam em ao menos quatro eventos interatuantes: incapacidade de reperfusão, lesão de reoxigenação, produção de enzimas e metabólitos de Patologia Cirúrgica Veterinária - UFSM, Santa Maria. 41 autodestruição (enzimas lisosomais, proteases, serotonina, histamina, bradicinina) e distúrbios de coagulação. 3.2.3.9 - Choque séptico: Considerando a importância e incidência do choque séptico, cabe ressaltar algumas alterações metabólicas induzidas pelas endotoxinas bacterianas. Sua fisiopatologia é diversificada na literatura devido aos vários modelos experimentais estudados. 3.2.3.9.1 - Efeitos hemodinâmicos: O choque séptico no cão manifesta-se por duas fases hemodinâmicas. A resposta hipercinética, que experimentalmente pode ser induzida pela administração de endotoxinas por uma via que simule um foco de infecção que permita baixa absorção de toxina. É a que ocorre mais freqüentemente no paciente clínico, embora muitas vezes não seja diagnosticada. Dez a quinze minutos após administração venosa de baixas doses de endotoxina são observadas venoconstrição hepática e esplâncnica, diminuição do retorno venoso e débito cardíaco além de discreta queda na pressão arterial. Esta queda de pressão arterial estimula a liberação de catecolaminas as quais, juntamente com a restauração parcial do retorno venoso, promovem recuperação temporária da pressão arterial. A resposta hemodinâmica hipocinética é induzida pela administração venosa de altas doses de bactérias ou endotoxinas que simulam uma bacteremia ou endotoxemia nos pacientes clínicos. Ocorre dilatação dos esfíncteres pré-capilares e queda no tono vascular periférico. Paralelamente ocorre constrição das vênulas coletoras, seqüestro de sangue na circulação periférica, diminuição no retorno venoso, queda no débito cardíaco, hipotensão progressiva e morte. Em resumo: na resposta hiperdinâmica ocorre leve hipotensão ou taquicardia normotensiva, o débito cardíaco está normal ou elevado e há diminuição na resistência periférica pela vasodilatação. Na resposta hipodinâmica ocorre hipotensão, diminuição no débito cardíaco, aumento na resistência periférica por vasoconstrição e diminuição na pressão venosa central. Nos eqüinos com enterite séptica a hemoconcentração ocorre em poucas horas pelas perdas de líquido no trato intestinal. O hematócrito sobe a níveis de 50-70% e as proteínas totais de 7,5-9,0g/dl. Associa-se congestão venosa periférica e hipotensão. O pulso periférico desaparece, a perfusão capilar diminui, as mucosas, inicialmente, congestas tornam-se pálidas, as extremidades são frias e úmidas, adota expressão ansiosa e de desconforto e podem desenvolver- se congestão e edema pulmonar. Rapidamente desenvolve-se acidose metabólica e leucopenia. 3.2.3.9.2 - Efeitos hematológicos: Experimentalmente as endotoxinas produzem rápida neutropenia, seguida em algumas horas de neutrofilia com aumento de células imaturas. Esta cinética dos neutrófilos é devida a um fenômeno de marginação nos vasos e posteriormente a medula é requerida liberando as formas imaturas. Em algumas espécies a leucopenia é dependente do complemento. A interação do complemento lipídico A da endotoxina com o complemento circulante no plasma ativa a cascata do complemento produzindo marginação das células. A ativação do complemento pelas endotoxinas, além da formação da anafilotoxina pela reação antígeno-anticorpo-complemento, leva a seqüestração de neutrófilos no leito capilar onde sofrem degranulação. Com a liberação de suas enzimas vasoativas ocorre lesão das células nos microvasos. As endotoxinas induzem diminuição nas plaquetas circulantes por retenção na microcirculação pulmonar e renal. Devido a estase e hipoxemia que aí sofrem são lesionadas liberando substâncias vasoativas e ativam a via intrínseca da coagulação. Este fenômeno Alceu Gaspar Raiser 42 associado à eritroestase e hemoconcentração nos microvasos resulta em lesão tecidual hipóxica e predispõe à coagulação intravascular disseminada. 3.2.3.9.3 - Proteínas do plasma: As endotoxinas acionam vários sistemas enzimáticos como a coagulação, fibrinólise, complemento e calicreínas. Estes sistemas são ativados por um mecanismo em cascata. A coagulação e fibrinólise são ativadas subseqüentemente de maneira equilibrada, em condições fisiológicas, para evitar aberração na coagulação sangüínea. Quando houver distúrbios neste equilíbrio ocorrerá a síndrome da coagulação intravascular disseminada. As endotoxinas induzem um estado inicial de hipercoagulabilidade. Os distúrbios são produzidos diretamente na via intrínseca da coagulação por ativação do fator Hageman ou, indiretamente através da via extrínseca, por lesão tecidual com liberação de tromboplastina extrínseca. A ativação do fator Hageman desencadeia os mecanismos fibrinolítico e das cininas. Ocorre ainda bloqueio do sistema histiolinfoplasmocitário prevenindo assim a remoção dos produtos de degradação da fibrina na circulação. O complemento é ativado pelo complexo antígeno-anticorpo. As endotoxinas atuam de maneira semelhante (como pseudomensageiras). Entre os produtos de ativação do complemento estão as anafilotoxinas que induzem aumento da permeabilidade vascular, liberação de histamina pelos mastócitos, constrição dos músculos lisos dos vasos e quimiotaxia neutrofílica. As calicreínas são ativadas diretamente pelas endotoxinas. Os membros deste grupo aumentam a permeabilidade capilar, induzem vasoconstrição e hipotensão (bradicinina), leucotaxia e dor (cininas). 3.2.3.9.4 - Efeitos metabólicos: As endotoxinas comprometem o metabolismo dos carbohidratos, lipídeos e proteínas. As alterações mais conhecidas estão relacionadas ao metabolismo carbohidrato. Ao serem injetadas doses de endotoxinas capazes de determinar choque serão observadas rápida hiperglicemia e mais tarde hipoglicemia. O resultado é uma acentuada diminuição nas reservas de hidrato de carbono. Este mecanismo é explicado da seguinte maneira: as endotoxinas atuam como falsosmensageiros para ativarem as enzimas responsáveis pela glicogenólise hepática detectando-se, então, a hiperglicemia inicial. A hipoglicemia secundária é devida ao consumo das reservas de hidratos de carbono, aumento no metabolismo da glicose e diminuição na sua síntese. Tanto a glicogenogênese como a gliconeogênese não se processam porque as endotoxinas inibem a conversão de glicose em glicogênio hepático e a indução através dos glicocorticóides endógenos necessários para a síntese das enzimas gliconeogênicas. No estresse a lipólise é iniciada pelas catecolaminas e glicocorticóides, proporcionando ácidos graxos e glicerol que no ciclo glicolítico são admitidos na reação piruvato -acetil coenzima A e, então, convertidos em intermediários do ciclo energético para produzir ATP. Tem sido demonstrado que em cães submetidos a choque endotóxico os ácidos graxos livres aumentam significativamente. Neste tipo de choque parece que esta resposta dos ácidos graxos é mediada por uma via mais complexa que a simples estimulação hormonal. No metabolismo protéico foi verificado experimentalmente que as endotoxinas bloqueiam o metabolismo do triptofano. Este é o precursor do ácido nicotínico, componente do NAD (nicotinamina dinucleotídeo). 3.3 - Diagnóstico Para que seja procedida uma terapia adequada faz-se necessário detectar as anormalidades evidenciadas pelo organismo e as complicações que delas resultam na vigência do Patologia Cirúrgica Veterinária - UFSM, Santa Maria. 43 choque. Na rotina das clínicas são fundamentais os dados de anamnese e os sinais físicos, principalmente quando não se dispõe de apoio laboratorial. Considerando que as alterações do choque envolvem basicamente a microcirculação, comprometendo a função celular em diferentes órgãos, a análise de parâmetros como provas de função hepática e renal, gases sangüíneos e eletrólitos, associados ao exame clínico permitem avaliação mais criteriosa. 3.3.1 - Anamnese Quando bem orientada a anamnese proporciona informações sobre os fatores desencadeantes do choque e orienta sua terapia. Verificar com o proprietário se houve traumatismo (se viu a ocorrência), perda de sangue (volume estimado), presença de diarréia e/ou vômito (tempo de evolução), se o paciente já recebeu algum tipo de medicação ou atendimento e o tempo decorrido desde o início dos sintomas. Procurar saber se o animal apresenta evolução favorável ou desfavorável em relação ao momento em que o informante fez as primeiras observações. O choque por hemorragia aguda ou insuficiência respiratória é desencadeado em poucas horas, enquanto que nas infecções ou perdas hidroeletrolíticas ocorre após várias horas ou dias de evolução. O choque anafilático instala-se em minutos. 3.3.2 - Avaliação clínica Para avaliação clínica do paciente em choque é recomendada uma seqüência sistemática de exames para evitar algum lapso em decorrência da excitação que acompanha os casos de emergência. Indica-se a seguinte prioridade na seqüência de avaliação: sistema respiratório, sistema cardiovascular, grandes órgãos, massa muscular e sistema nervoso central. O exame inicial é feito de maneira rápida e paralelamente são tomadas medidas de emergência para ressuscitação ou manutenção da vida. Instituído o tratamento de emergência, os exames são complementados de forma mais rigorosa. 3.3.2.1 - Função respiratória: É essencial que as vias aéreas estejam intactas para permitir o suprimento de oxigênio a um paciente que já se encontra hipoxêmico. Verificar a freqüência respiratória, índices inspiratório e expiratório, líquidos ou gases intratorácicos e as trocas gasosas pela observação da coloração das mucosas. Quando for possível fazer gasometria torna-se mais fácil identificar a real necessidade para instituir apoio com ventilação positiva. Estar atento para obstruções das vias aéreas por hemorragia e coágulos de lesões nas cordas vocais e cavidade oral, feridas penetrantes, colapso de anel traqueal, secreções brônquicas, falsa via e lesões pulmonares decorrentes de traumatismo no tórax, presença de efusões, pneumotórax, hérnia diafragmática e outras lesões como enfisema subcutâneo, fratura e assimetria na parede costal. Ruminantes podem apresentar distensão abdominal de origem timpânica dificultando severamente a respiração. 3.3.2.2 - Sistema cardiovascular: A preocupação maior deve ser inicialmente com o coração e grandes vasos que são necessários para manutenção da pressão arterial, essencial à sobrevivência. Observar a freqüência cardíaca, intensidade das bulhas e presença de arritmias. Taquicardia pode ser indicação de choque ou excitação. Arritmias podem ser devidas à hipóxia, acidose, comprometimento do miocárdio ou liberação de catecolaminas endógenas. Bulhas Alceu Gaspar Raiser 44 cardíacas abafadas à auscultação podem indicar tamponamento cardíaco, efusão ou pneumotórax ou hérnia diafragmática. A hérnia de diafragma ocorre com maior freqüência no hemitórax direito do gato e esquerdo do cão. O controle da pressão venosa central é importante para avaliação do retorno venoso. Será baixa nos choque hipovolêmico e vasculogênico e alta no choque cardiogênico (acima de 15 cm de água no cão). Para medição da pressão venosa central é introduzido um catéter pela veia jugular conduzindo sua ponta até o átrio direito. Este catéter adaptado a um manômetro de água (equipo de PVC) permite a medição da pressão venosa e adminstração de soluções ou medicamentos (Figura 3.6). Em cães e gatos a pressão venosa em nível do átrio direito é de -2 a +4cm de água. Nos choques hipovolêmico ou vasculogênico pode ser necessário dissecar uma veia calibrosa em virtude do colapso venoso periférico. Para dissecação da veia jugular é feita infiltração local com lidocaína e incisão cutânea de aproximadamente 1-2 cm, adjacente ao vaso. A seguir a veia é dissecada e reparada com dois fios para facilitar a flebotomia. Introduzido o catéter, o fio de reparo caudal é utilizado para fixá-lo. A seguir são suturadas a tela subcutânea e a pele de modo que o catéter fique projetado por um dos ângulos da incisão, e fixado à pele por um ponto chinês, por exemplo. Efetuada a reposição de volume o catéter (que pode permanecer por 48 a 72 horas) pode ser removido por tração e a hemostasia feita por compressão temporária sobre a região. Se o diâmetro da flebotomia for muito grande pode ser necessária abordagem cirúrgica para fleborrafia, com fio mononáilon ou polipropileno 6-0, agulhado. Outro parâmetro útil, porém pouco utilizado, na avaliação do sistema cardiovascular é a determinação da pressão arterial média. A medição é feita por meio de catéter adaptado na artéria femoral e conectado a um manômetro de mercúrio. No cão o parâmetro fisiológico varia de 80-120mmHg e no eqüino entre 70 e 90mmHg. A cateterização da artéria femoral é feita por punção percutânea ou por abordagem na face medial da coxa, cranial ao músculo pectíneo e ateriotomia com introdução do catéter até que sua extremidade alcance a aorta. Para que o paciente tenha perfusão tecidual adequada a pressão sistólica deverá ser de ao menos 70mmHg. Os dados de pressão arterial devem ser associados à palpação de pulso periférico, pois nos choques com resistência periférica elevada a pressão pode ser mantida normal, porém com baixa perfusão dos tecidos. Para avaliar a perfusão tecidual periférica deve ser medido o tempo de reperfusão capilar. Ao ser feita compressão digital sobre a mucosa oral cria-se um ponto de isquemia. Em condições adequadas de perfusão a coloração (reperfusão) da mucosa deve retornar em menos de um segundo, ao ser liberada a compressão.Nos animais que apresentem hipotensão aguda devido a hemorragia por ferimentos externos, fazer hemostasia temporária, estabilizar a volemia e somente então fazer abordagem cirúrgica. Figura 3.6 - Esquema representativo do protocolo para determinar a pressão venosa central. Patologia Cirúrgica Veterinária - UFSM, Santa Maria. 45 Todo paciente de traumatismo que apresente hipotensão sem evidência de hemorragia externa deve ser submetido à paracentese ou toracocentese para identificar possível hemorragia interna. Para avaliar criteriosamente a função cardíaca recomenda-se associar também a monitoração com eletrocardiógrafo, essencial para detectar os tipos de arritmias que reduzem o débito cardíaco. Nível elevado de potássio no sangue é um exemplo de fator que altera o electrocardiograma e complica a função cardíaca. 3.3.2.3 - Grandes órgãos: Dentre os órgãos da cavidade abdominal é dada maior atenção ao fígado e rim por sua importância na regulação metabólica do indivíduo. Suas funções serão melhor avaliadas mediante dados laboratoriais, comentados mais adiante. Ao examinar o abdome verificar a presença de distensão, hérnia, ferida penetrante, avulsão tecidual e sensibilidade à dor. A maioria das vísceras pode ser avaliada por palpação externa nos cães de pequeno porte e em gatos. Esta palpação deve ser cuidadosa para evitar o descolamento de coágulos aderentes a vísceras lesionadas. Quando não se conseguir palpar a bexiga em um animal atropelado deve-se inferir que houve esvaziamento por micção ou ruptura. Casos de ruptura do baço, fígado ou rim podem conduzir a perdas agudas de sangue. A paracentese abdominal pode indicar a presença de sangue livre na cavidade peritoneal. 3.3.2.4 - Massas musculares: Detectar a possível presença de hematoma ou áreas de necrose decorrentes de fraturas ou contusões nas regiões de grandes massas musculares. Em acidentes traumáticos os animais de pequeno porte podem sofrer significativa espoliação da volemia por perda do líquido intersticial em esmagamentos ou por formação de hematomas, como em fraturas do fêmur, podendo haver seqüestro de até 30% da volemia. As infecções nos músculos podem evoluir para choque séptico. Já foram verificados casos de choque, conseqüentes a fleimão, induzido por aplicações mal feitas de medicamentos com veículos oleosos nos músculos da coxa. 3.3.2.5 - Sistema nervoso: Avaliar o grau de depressão e as possibilidades anestésicas, principalmente quando o paciente requerer intervenção cirúrgica para corrigir a causa desencadeante do choque. Nos animais submetidos a traumatismos o exame deve incluir a verificação da integridade do esqueleto axial além da função nervosa. 3.3.2.6 - Sinais físicos: Ao ser procedido o exame clínico do paciente chocado podem ser observados vários sinais físicos, a maioria deles demonstrativo das alterações produzidas pela hipotensão e anóxia tecidual. 3.3.2.6.1 - Variação na temperatura corporal: Ocorre hipotermia devida à vasoconstrição periférica, diminuição na atividade metabólica e na produção de energia em conseqüência da hipóxia ou anóxia tecidual. No choque endotóxico, porém, pode haver hipertermia na fase hiperdinâmica. Nas espécies que suam, como o eqüino, a hipotermia associada à estimulação parassimpática das glândulas sudoríparas podem determinar o aparecimento de suor frio. 3.3.2.6.2 - Diarréia com ou sem sangue: A redução no fluxo sangüíneo esplâncnico causa hipermotilidade gastrintestinal. Segue- se estase sangüínea, diátese hemorrágica e ulceração da mucosa. Nesta fase é comum, ao medir a temperatura retal no cão, que o termômetro saia envolto por uma substância gelatinosa e avermelhada. Nesta eventualidade o prognóstico é desfavorável quanto à reversão do choque. Alceu Gaspar Raiser 46 3.3.2.6.3 - Oligúria ou anúria: A filtração glomerular decresce em pressão sangüínea inferior a 60mmHg no cão e 70mmHg no gato, devido à hipovolemia e constrição da artéria renal. A taxa de filtração glomerular pode ser estimada pelo débito urinário que é ao redor de 1-2ml/kg/h. Para determiná- lo basta fazer sondagem vesical, esvaziamento da bexiga e monitoração do gotejamento da urina, produzida subseqüentemente, em um frasco graduado. No eqüino com choque séptico a urina é concentrada e ácida. 3.3.2.6.4 - Colapso venular: É evidenciado colabamento das veias devido ao baixo retorno venoso e redução na volemia. No choque cardiogênico haverá repleção que pode ser detectada principalmente nas veias jugulares. 1.3.2.6.5 - Movimentos respiratórios: Haverá aumento na freqüência respiratória em resposta à acidose metabólica. É característica a retração da comissura bucal durante a fase inspiratória ou a respiração com a boca aberta em casos de acidose grave. 3.3.2.6.6 - Coração: A hipotensão produz taquicardia reflexa devido à atividade simpática. Quando ocorrer acidose, no entanto, diminuirá a resposta do miocárdio ao estímulo de catecolaminas. Pela auscultação serão notadas bulhas cardíacas com intensidade diminuída. 3.3.2.6.7 - Coloração das mucosas e tempo de reperfusão capilar: Estes parâmetros são indicadores dos níveis da pressão sangüínea e perfusão tecidual. Em condições fisiológicas estáveis as mucosas têm coloração rosa-brilhante e tempo de reperfusão capilar inferior a um segundo. Mucosa de coloração rosa-pálida e tempo de reperfusão entre 1 e 3 segundos indicarão intensa constrição reflexa, pressão e débito cardíaco baixos. Mucosa azulada com tempo de reperfusão acima de um segundo indicarão pressão sangüínea e débito cardíaco muito baixos, hipóxia e possível dilatação venular ou refluxo de sangue venoso em leito capilar. Mucosa congesta com tempo de reperfusão capilar normal ou aumentado indicam vasodilatação periférica e diminuição no débito cardíaco. Na resposta hiperdinâmica do choque séptico o tempo de reperfusão capilar está diminuído e a mucosa congesta. Na resposta hipodinâmica a mucosa está pálida com o tempo de reperfusão aumentado. 3.3.2.6.8 - Desidratação: A desidratação e hipoperfusão tecidual determinam diminuição na elasticidade ou turgor da pele e a língua torna-se enrugada e seca. 3.3.2.6.9 - Sistema nervoso central: A estimulação simpática produz excitação e dilatação de pupila. A hipóxia também dilata a pupila e provoca depressão ou inconsciência. Estes sinais iniciam em pressões sangüíneas ao redor de 70mmHg e serão acentuadas conforme cair a pressão. Inicialmente pode haver excitação, estupor e depois depressão e coma. Nesta fase a sensibilidade estará diminuída e não haverá resposta aos estímulos externos. A depressão sensorial e debilidade muscular serão reflexos da baixa oxigenação e nutrição celular, hipercalemia e acidemia. Quando da inspeção, avaliar o diâmetro, simetria e reação fotomotora da pupila. 3.3.3 - Avaliação laboratorial Patologia Cirúrgica Veterinária - UFSM, Santa Maria. 47 Quando houver possibilidade de realização os exames laboratoriais constituirão excelente apoio diagnóstico e de orientação terapêutica. Os exames mais recomendados serão relacionados na seqüência: 3.3.3.1 - Hematócrito: O hematócrito freqüentemente estará elevado no choque, sendo particularmente mais concentrado no choque séptico. O hematócrito, no entanto, tem maior valor na orientação terapêutica que diagnóstica, pois não reflete a quantidade de volume circulante, além de sofrer diversas influências: na fase inicial do choque pode estar normal ou elevado devido à esplenocontração, por efeito das catecolaminas e, mais tarde, diminuído pela diluição do líquido extravascular que migra do interstício para os vasos; por outro lado, pacientes que se apresentavam anêmicos antes de iniciar a síndrome já possuíam o hematócrito comprometido,mascarando o possível efeito determinado pelo choque. No choque, o hematócrito acima de 45% indica tendência a aumentar a viscosidade sangüínea favorecendo a agregação de células circulantes. Esta hemoconcentração pode significar elevado teor de hemoglobina e conseqüentemente maior capacidade de transporte de oxigênio. Esta vantagem é antagonizada, no entanto, pela maior viscosidade que dificulta a passagem de sangue pela microcirculação. Nos choques com perda de líquido intersticial a hemoconcentração é um achado comum. 3.3.3.2 - proteínas do plasma: As trocas líquidas entre os meios intravascular e intersticial ocorrem devido a variações entre as pressões hidrostática (dada pelo débito cardíaco) e oncótica (das proteínas do plasma), com leito capilar de paredes íntegras. A pressão coloidosmótica pode ser avaliada pela determinação das proteínas do plasma. Em condições fisiológicas a pressão hidrostática é superior à coloidosmótica nos capilares arteriais, o que permite a passagem de líquidos para o interstício. No lado venoso a pressão hidrostática é inferior e os líquidos tendem a retornar para o lúme vascular. Pacientes com choque cardiogênico apresentam alta pressão venosa resultando em aumento da pressão hidrostática do lado venoso. Neste caso, o retorno do líquido do interstício para o leito vascular será diminuído. Na fase de vasoplegia do choque ocorre passagem de colóides para o interstício, devido ao efeito vasodilatador dos fatores vasotrópicos locais, com o carreamento de proteínas e líquido vascular favorecendo a incidência de edema. Casos de hemorragia aguda podem reduzir a pressão coloidosmótica devido à diluição compensatória com líquido intersticial. Quando a concentração de albumina cair abaixo de 1,5- 2,0g/dl a restauração da pressão sangüínea com uma solução que não seja coloidal pode levar à fuga de líquido vascular para o interstício devido à hemodiluição. A determinação das proteínas do plasma, à semelhança do hematócrito, não é indicador confiável para avaliar o volume perdido, quando analisado isoladamente. 3.3.3.3 - Eletrólitos: Os distúrbios eletrolíticos mais importantes no choque são a hiponatremia e a hipercalemia. O sódio, pela participação ativa no controle hemodinâmico, regulação do equilíbrio ácido-base e por ser o eletrólito que ocorre em maior concentração no meio extracelular. O potássio pela depressão cardíaca que pode determinar quando em concentração excessiva no meio extracelular. Alceu Gaspar Raiser 48 A determinação do sódio é importante para a escolha da solução adequada na reposição hídrica. A hiponatremia ocorre em choque hipovolêmico associado com diarréia. Concentrações de sódio abaixo de 130mEq/l causam apatia, flacidez muscular e hipotensão. Concentrações extracelulares de potássio acima de 7mEq/l são miocardiotóxicas. Na acidose metabólica por baixa perfusão tecidual a passagem de potássio para a célula é retardada pelo acúmulo de prótons hidrogênio. Isto permite que a concentração daquele íon aumente no plasma. O excesso de potássio que seria eliminado pelo rim, sob perfusão normal é retido pois há maior eliminação de hidrogênio. Outro fator limitante na excreção do potássio é a oligúria ou anúria que se estabelece no choque. 3.3.3.4 - Lactato sérico: O lactato sérico proporciona avaliação do grau de oxigenação dos tecidos. A produção de lactato é inversamente proporcional à oxigenação tecidual e resulta do catabolismo anaeróbico da glicose. É recomendável observar a relação lactato/piruvato porque ambos estão elevados na fase inicial do choque e posteriormente predomina o lactato devido à falta de oxigênio em nível celular. As concentrações de lactato no sangue venoso do cão variam de 5-20mg/dl e no plasma de 12,6-36 mg/dl. A hiperventilação, administração de glicose, epinefrina ou insulina são fatores que elevam a concentração plasmática do lactato. Esta elevação, no entanto, é menor que aquela observada no choque. Se a concentração de lactato no sangue permanecer elevada ou em ascenção, após terapia, é indicação de correção inadequada ou sinal de irreversibilidade do choque. Os dados do lactato sérico devem ser associados à anamnese, exame clínico e dados de gasometria. 3.3.3.5 - Gasometria: As determinações do pH, pCO2, pO2, pHCO3 proporcionam informação sobre a acidemia ou alcalemia que refletem respectivamente a ocorrência de acidose ou alcalose. Esta determinação da concentração de dióxido de carbono e do bicarbonato, junto com os dados de anamnese proporcionam parâmetros para a terapia. A baixa perfusão e oxigenação dos tecidos resulta em metabolismo anaeróbico e pequena produção de energia. Em resposta haverá aceleração no metabolismo carbohidrato e das gorduras. Da glicose resulta o lactato e dos ácidos graxos os corpos cetônicos. Estes catabólitos não voláteis determinam acidose metabólica quando produzidos em quantidade que suplante a reserva tampão integrada pelos fosfatos, algumas proteínas e, principalmente, pela hemoglobina e bicarbonato (90%). O ácido carbônico tem sua eliminação pelos pulmões na forma de dióxido de carbono. Quando houver concentração elevada de CO2 com diminuição no pH ocorre acidose respiratória. O sangue para determinação da gasometria pode ser arterial ou venoso e colhido por meio de técnica anaeróbica. Quando colhido de uma artéria o sangue demonstra a capacidade oxigenadora dos pulmões. Quando colhido no sistema venoso periférico demonstra apenas o grau de oxigenação daquela região que o vaso puncionado drena. A gasometria venosa deve ser realizada em sangue colhido em nível do átrio ou cavas. Os dados fisiológicos obtidos através da gasometria estão relacionados nos quadros 3.7 e 3.8. Para interpretação da gasometria primeiro é observado o pH para verificar se o paciente está em alcalose (pH > 7,4) ou acidose (pH < 7,4). O parâmetro seguinte é determinar se a alteração é respiratória (variação primária na pCO2) ou metabólica (variação primária na pHCO3). Patologia Cirúrgica Veterinária - UFSM, Santa Maria. 49 Observar os seguintes exemplos: Caso n.1: cão com insuficiência renal. Dados de gasometria: pH = 7,20; pCO2 = 25mmHg; pHCO3 = 9mEq/l E.B. (excesso de base) = -12 O pH indica acidemia (7,2) devido a uma diminuição na concentração de bicarbonato (9mEq/l) caracterizado por um excesso de base negativo, ou seja, um déficit [diferença entre a concentração apresentada de bicarbonato (9mEq/l) e a concentração normal (21,7mEq/l)]. A diminuição na concentração de dióxido de carbono é uma alteração secundária, dita compensatória que procura equilibrar o pH aumentando a freqüência respiratória (eliminar CO2). O diagnóstico é de acidose metabólica. Caso n. 2: cão em quadro de choque. Dados de gasometria: pH = 6,99; pCO2 = 60mmHg; pHCO3 = 13mEq/l; E.B. = -7 O pH indica acidemia. A presença de pCO2 aumentada e pHCO3 diminuída indicam a presença de acidose mista, ou seja, por alteração respiratória e metabólica. Estes dados são compreensíveis se for considerado que o paciente em choque pode ter depressão respiratória e hipoperfusão renal. 3.3.3.6 - Intervalo ânion: O intervalo ânion, também denominado Anion gap é definido como a diferença entre a concentração de cátions séricos mensuráveis (sódio e potássio) e a concentração de ânions séricos mensuráveis (cloreto e bicarbonato). O cálculo do intervalo ânion pode ser feito através da determinação do ionograma e gasometria. Esta análise pode identificar a presença de ânions (proteínas aniônicas como albumina, e globulinas; fosfatos; sulfatos; ânions orgânicos como piruvato, lactatoe beta- hidroxibutirato) e cátions [proteínas catiônicas como (-globulinas; cálcio e magnésio) não mensuráveis]. No sangue, em condições fisiológicas, os cátions sempre são iguais aos ânions para manter a eletroneutralidade. Assim: (Na + + K + + cátions não mensurávies) = (Cl - + HCO3 - + ânions não mensuráveis) define-se então: Quadro 3.7 – Valores de gasometria arterial em diferentes espécies. Espécie pH HCO3 * pCO2 ** pO2 Gato 7,43 21,00 32,50 107,00 Cão 7,43 21,70 33,90 85,90 Boi 7,40 25,00 39,00 83,90 Cavalo 7,42 # 40,53 95,60 *mEq/l; **mmHg; #não efetuado; ZASLOW (1984). Quadro 3.8 - Valores de gasometria venosa em diferentes espécies. Espécie pH HCO3 * PCO2 ** pO2 Gato 7,36 22,40 40,80 39,10 Cão 7,40 22,30 35,00 # Boi 7,43 30,00 44,00 8# Cavalo 7,00 # 41,18 44,15 *mEq/l; **mmHg; #não efetuado ZASLOW (1984). Alceu Gaspar Raiser 50 (Ânions não mensuráveis - cátions não mensuráveis) [IA] = (Na + + K + ) - (Cl - + HCO3 - ). Como os ânions não mensuráveis estão em maior concentração que os cátions não mensuráveis, o valor do intervalo ânion será sempre positivo. O valor normal nas diferentes espécies é de: - bovinos: 13,9-20,3mEq/l - eqüinos: 8-16mEq/l - caninos e felinos: 12-23mEq/l. O intervalo ânion aumenta com a elevação na concentração de ânions não mensurados ou diminui quando baixa a concentração de cátions não mensurados. Um intervalo ânion elevado é altamente sugestivo de acidose metabólica embora nem todas as acidoses tenham intervalo ânion elevado. O intervalo ânion tem sido útil como prognóstico de sobrevivência. Para eqüinos com abdome agudo os dados são os seguintes: intervalo ânion < 20mEq/l = 81% de sobrevivência; intervalo ânion entre 20 e 24,9mEq/l= 47% de sobrevivência; intervalo ânion > 25mEq/l = sem sobrevivente. Em bovinos com torção de abomaso o prognóstico é desfavorável em intervalo ânion 30mEq/l. O paciente em choque apresenta acidose metabólica com elevado intervalo ânion. 3.3.3.7 - Outros exames: Neste item estão relacionados os exames que permitem avaliação do fígado e rim, principais órgãos de detoxificação e eliminação de catabólitos. A função hepática pode ser avaliada pela determinação dos níveis de glicose no sangue, alanina-amino-transferase sérica, fosfatase alcalina, proteínas do plasma e bilirrubinas. A determinação da glicemia pode proporcionar importante dado de prognóstico. No início do choque há aumento na glicemia a qual diminui na medida da utilização dos estoques hepáticos e musculares de glicogênio. Níveis acima de 300mg/%, nos primeiros 30 a 60 minutos após trauma têm prognóstico reservado. A alanina-amino-transferase deve ser determinada a cada 12 horas. Um aumento contínuo indica progressão na lesão hepática. A bilirrubina, proporção albumina/globulina e as proteínas do plasma são indicadores da função hepática que se recomenda determinar. Pode haver elevação do nitrogênio no plasma e urina devido ao catabolismo das proteínas e incapacidade do fígado para utilizar aminoácidos. A função e perfusão renal podem ser monitorizadas pela análise da urina, débito urinário, uréia nitrogenada do sangue, creatinina e taxa de filtração glomerular. Um decréscimo na produção de urina pode ser conseqüente à vasoconstrição ou perfusão inadequada do rim, perda da integridade uretral, vesical ou ureteral, trauma renal, débito cardíaco inadequado ou profunda hipovolemia. O índice de creatinina tem sido utilizado como parâmetro de prognóstico. Valores acima de 7mg/% geralmente são considerados de prognóstico desfavorável, entretanto, já ocorreram casos de sobrevivência com índices mais elevados. 3.4 - Tratamento Patologia Cirúrgica Veterinária - UFSM, Santa Maria. 51 A terapia do choque deve ser voltada para a remoção das causas desencadeantes e a correção das variáveis fisiológicas alteradas. Considerar que o volume circulatório é deficiente e que o choque não se detém por si mesmo. É necessário procurar determinar as causas, evitar ações inúteis, não tardar em instaurar o tratamento, evitar fármacos sedativos e anestesia profunda sem estabilizar a volemia. Na tentativa de obter melhor resultado, seguindo as observações citadas é aconselhável seguir em ordem de prioridade a seqüência de cuidados a seguir relacionados. 3.4.1 - Proporcionar ventilação adequada Este cuidado reveste-se de importância na medida em que se relaciona ao aporte de oxigênio até os alvéolos, no entanto, é necessário que este oxigênio alcance os tecidos. Assim, este procedimento está intimamente relacionado às condições de volemia, pois a oxigenação tecidual depende da pressão sangüínea e saturação de oxigênio. Sabe-se que pressões abaixo de 60 mmHg determinam baixa perfusão cerebral e que concentrações sangüíneas de oxigênio abaixo de 36 mmHg levam à inconsciência. Os primeiros cuidados envolvem posicionamento do paciente em decúbito lateral, com a cabeça distendida, em plano levemente inferior ao restante do corpo e tracionamento da língua. A extensão da cabeça distende as estruturas da parte ventral do pescoço forçando a base da língua a afastar-se da parede faringeana dorsal. Procurar remover as sujidades, secreções e eventuais coágulos na cavidade orofaríngea. O decúbito lateral com a cabeça em plano levemente inferior ao corpo facilitará o aporte de sangue, por gravidade, ao sistema nervoso central e evitará falsa via em caso de regurgitação. Nos casos de acentuada depressão respiratória promover a intubação orotraqueal e oferecer oxigênio à pressão positiva. Havendo impedimento para intubação (edema de glote, reflexo laríngeo) colocar o paciente em tenda ou incubadora com oxigênio (pequenos animais), ou adotar máscara, catéter intratraqueal ou traqueostomia. A simples oferta de oxigênio por vaporização na mucosa oronasal, já permite algum aproveitamento por difusão. Para um bovino ou eqüino de 450kg, por exemplo, deve-se administrar um fluxo de oxigênio de 15 litros/minuto. Considerar que a concentração de O2 no ar de um ambiente fechado é de apenas 20,93% e que um animal em choque pode ter distensão abdominal, atelectasia posicional ou shunt pulmonar induzidos pelo choque, reduzindo drasticamente a captação de oxigênio. O animal não deve ser movido desnecessariamente nem é recomendado o uso de anestésicos gerais apenas para permitir intubação. A maioria dos tranqüilizantes e anestésicos tem efeito hipotensor. 3.4.2 - Estabilizar a volemia No choque este procedimento deverá ser instituído precocemente, à semelhança dos cuidados de ventilação, porque dele depende o transporte de oxigênio até os tecidos. Para tanto é recomendada a colocação asséptica de uma agulha ou catéter calibroso em uma veia como a jugular, colhendo amostra de sangue para determinar o hematócrito e proteínas totais do plasma. A finalidade da reposição de volume é melhorar o transporte de oxigênio e a perfusão tecidual conforme já foi salientado. A determinação do hematócrito (Ht) e das proteínas totais (PT) oferece excelente subsídio para repor a solução mais apropriada para expandir a volemia. Baseado neles pode ser adotado o esquema terapêutico exposto no quadro 3.9. Este esquema evita que ao ser procedida a reposição volêmica seja aumentada a viscosidade sangüínea ou provocada hemodiluição excessiva. Até que seja obtido o hematócrito Alceu Gaspar Raiser 52 por meio de exame laboratorial, a reposição poderá ser iniciada com solução de Ringer lactato de sódio aquecida à temperatura ao redor de 37 o C. Quando não houver possibilidade de apoio laboratorial a expansãoda volemia pode ser baseada na anamnese e exame clínico: - hemorragia: repor sangue total; - queimaduras: repor plasma ou expansor coloidal; - desidratação: repor solução eletrolítica balanceada. As soluções salinas, quando utilizadas no tratamento do choque, causam hemodiluição que tem como vantagens a diminuição na resistência periférica, na viscosidade sangüínea e deslocam para a direita a curva de dissociação da hemoglobina o que proporciona maior oferta de oxigênio aos tecidos. Este efeito dilucional pode trazer, no entanto, sérias desvantagens como diminuição nas proteínas totais a níveis críticos. A conseqüência mais séria parece ser o edema pulmonar. A determinação das proteínas totais do plasma auxilia na escolha do tipo e volume de solução requerida. As soluções coloidais estão indicadas sempre que o nível de proteínas do plasma for inferior a 3,5g/dl. De modo geral é recomendado que na restauração da volemia seja feita associação entre uma solução hidroeletrolítica balanceada e uma coloidal na proporção de 3:1 ou 4:1. Desta forma serão repostos os volumes intravascular e intersticial devido à rápida difusão da solução salina. Na rotina tem-se utilizado Ringer lactato e sangue numa proporção de 3:1. A literatura tem apresentado controvérsia sobre a utilização de solução de Ringer lactato no tratamento do choque devido à hemodiluição e por fornecer lactato à um paciente supostamente em acidose lática. Atualmente sabe-se que a hemodiluição favorece a perfusão tecidual e que o lactato da solução de Ringer não causa acidemia. Como a acidose lática resulta da hipoperfusão tecidual, o Ringer lactato auxilia a combatê-la, pois melhora a perfusão capilar. Considerando, no entanto, que a ação alcalinizante do lactato depende de sua metabolização no fígado e que este estará comprometido no paciente em choque, deve-se associar o bicarbonato de sódio para controlar a acidose se as medidas de ventilação e expansão da volemia não forem suficientes. Ainda que a literatura não recomende a associação de sangue conservado em citrato com soluções contendo cálcio, trabalho recente tem demonstrado que a transfusão de sangue conservado em citrato associado com o Ringer lactato não apresenta indicação de interferência com o efeito quelante do citrato devido à baixa concentração de cálcio na solução de Ringer. Recomenda-se, no entanto, evitar a homogenização in vitro, administrando-as simultaneamente, mas em vasos separados. Pesquisas experimentais têm demonstrado excelentes resultados com o uso de soluções hipertônicas como o cloreto de sódio, manitol e glicose no tratamento do choque. Como solução emergencial de ressuscitação, o cloreto de sódio a 7,5% (2400mOsm/l) é eficiente com reposição equivalente a 4-8ml/kg do sangue perdido. A velocidade de administração não deve exceder a 1ml/kg/min para evitar efeito inotrópico negativo. A solução hipertônica aumenta a contratilidade do miocárdio, mobiliza o líquido extracelular e através de receptores pulmonares inicia uma resposta reflexa caracterizada por vasodilatação visceral e constrição pré-capilar Quadro 3.9 – Fluidoterapia conforme o hematócrito (Ht) e proteína total (PT). Ht (%) PT (g/dl) Solução <25 >5 papa de hemáceas <25 <5 sangue total 25-50 >5 sangue total 25-50 <5 sangue total >45 >5 solução salina >45 <5 plasma ou expansor. Patologia Cirúrgica Veterinária - UFSM, Santa Maria. 53 miocutânea. Devido a seu efeito transitório (30 a 60 minutos) deve ser associada a uma solução coloidal. Está contra-indicada em pacientes desidratados. A reposição de volume na terapia do choque deve ser feita em grande quantidade porque podem haver perdas ocultas ou inaparentes, perda do tono vascular e da integridade capilar que favorecem a fuga de líquido para o interstício. A velocidade da adminstração das soluções é melhor avaliada pela monitorização da pressão venosa central. Durante a reposição ela deve alcançar no máximo 15cm/H2O no cão e 25cm H2O no cavalo em decúbito lateral, para que ao estabilizar fique dentro dos parâmetros fisiológicos (-2 a +4cm H2O). Lembrar, no entanto, que a elevação na pressão venosa não é proporcional ao volume de soluções salinas (sem poder oncótico), pois estas se difundem rapidamente para o interstício. Pode ocorrer edema antes que a pressão suba significativamente. Em uma reposição de volume sem controle da pressão venosa o volume perdido deve ser estimado clinicamente. O choque hemorrágico, por exemplo, se estabelece quando houver perdas entre 30 e 40% da volemia. Ao compensá-la repor ao menos o dobro do volume perdido. Procurar associar uma solução colóide com uma cristalóide na proporção de 1:3. Por exemplo: Cães e gatos: volemia = 10% do peso; no choque hipovolêmico a perda é de 30-40% da volemia; repor 30ml/kg de sangue, ao qual se associa 90ml/kg de Ringer lactato (administrar em vasos diferentes). Casos graves podem requerer duas a três vezes o volume perdido (60- 90ml/kg de sangue e 180 a 270ml/kg de Ringer lactato, especialmente quando complicado por coagulopatia). Bovinos e eqüinos: volemia = 8% do peso; no choque hipovolêmico a perda é de 30% da volemia; repor 25ml/kg de sangue e 75ml/kg de Ringer lactato. Expansores do plasma como os polímeros de gelatina (Haemaccel®, Isocel®, Polisocel®, Gelafundin®) ou hidroxietilamido (Aes-steril®) são mais seguros que os dextranos (Rheomacrodex®). Embora o hidroxietilamido seja recomendado em dose de até 40ml/kg/dia, para os demais não deve exceder 20ml/kg/dia, pois pode causar diluição nos fatores de coagulação, favorecendo alterações na hemostasia. O tempo e a velocidade de reposição das soluções, no choque, são avaliados clinicamente aumentando ou diminuindo conforme as variações dos sinais físicos do paciente. Como referência pode-se adotar o seguinte protocolo: - um eqüino em choque deve receber 1ml/kg/minuto e 15 a 30 minutos após reduzir para 0,5 a 0,25 ml/kg/minuto. Em casos muito agudos podem ser necessáriomao menos 50 ml/kg durante as primeiras duas a três horas; - a quantidade média de volume para pequenos animais é de 3ml/kg/minuto durante 10 minutos baseando-se na pressão venosa central para mudar a velocidade de administração. Quando estiver indicada a transfusão de sangue, este deve ser colhido imediatamente antes de ser administrado para evitar as complicações decorrentes das alterações que ocorrem durante a estocagem em baixas temperaturas. O protocolo de terapia ao choque hipovolêmico está resumido no quadro 3.10. 3.4.3 - Combater a acidose A acidose pode ser respiratória, quando houver problema com a ventilação pulmonar, ou metabólica nos casos de acúmulo de catabólitos ácidos decorrentes do metabolismo tecidual anaeróbico. A acidose respiratória será corrigida mediante a remoção da causa e incremento na ventilação alveolar. A acidose metabólica pode ser corrigida com o restabelecimento da perfusão Alceu Gaspar Raiser 54 tecidual e, se necessário, com bicarbonato de sódio. Esta reposição é particularmente importante nas transfusões maciças de sangue conservado em citrato que é mais ácido. O bicarbonato de sódio é comercializado em várias concentrações. Na apresentação a 8,4%, 1 ml é igual a 1 mEq, facilitando o cálculo de reposição. O volume a ser administrado pode ser calculado com auxílio da gasometria, baseado no déficit básico conforme a seguinte fórmula: NaHCO3 (mEq) = biopeso (kg) x 0,3 x déficit de base. Por exemplo: um cão de 10 kg com pHCO3 = 10mEq terá um déficit de base igual a 11,7 mEq (diferença entre a concentração apresentada e a fisiológica que
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