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Juliana Matos DIARREIA AGUDA Introdução Diarreia aguda é a eliminação anormal de fezes amolecidas ou líquidas com uma frequência igual ou maior a três vezes por dia e duração de até 14 dias. à Neonatos e lactentes, em aleitamento materno exclusivo, podem apresentar esse padrão de evacuação sem que seja considerado diarreia aguda. à Disenteria é a diarreia com a presença de sangue e/ou leucócitos nas fezes. Denomina-se diarreia persistente quando o quadro diarreico se estende além de 14 dias. Etiologia A diarreia aguda pode ter causas infecciosas e não infecciosas. à Mundialmente, as causas infecciosas apresentam uma maior prevalência e impacto na saúde das crianças, principalmente nas menores de 5 anos. à No mundo inteiro, os vírus são os principais causadores das diarreias infecciosas, sendo os mais prevalentes os rotavírus, os calicivírus, os astrovírus e os adenovírus entéricos. Bactérias: E. coli, Aeromonas, Pleisiomonas, Salmonella, Shiglella, Campylobacter jejuni, Vibrio Cholene, Yersinia. Parasitos: Entamoeba histolytica, Giardia lamblia, Cryptosporidiom, Isospora. Fungos: Candida albicans. à As diarreias agudas de causa bacteriana e parasitária são mais prevalentes nos países em desenvolvimento e têm pico de incidência nas estações chuvosas e quentes. A transmissão da maioria dos patógenos que causam diarreia é fecal-oral, podendo ocorrer de várias maneiras. Eventualmente outras causas podem iniciar o quadro como diarreia tais como: alergia ao leite de vaca, deficiência de lactase, apendicite aguda, uso de laxantes e antibióticos, intoxicação por metais pesados. A invaginação intestinal tem que ser considerada no diagnóstico diferencial da disenteria aguda, principalmente, no lactente. Fisiopatologia e quadro clínico As diarreias agudas de origem infecciosa têm como principais agentes os vírus, as bactérias e os protozoários. Alergias, intolerâncias e erros alimentares, além de certos medicamentos, estão entre as causas não infecciosas mais frequentes. Juliana Matos Compõem a barreira de defesa do sistema digestório potencializado em crianças que usam leite materno exclusivo. Para que ocorra diarreia aguda infecciosa, os microrganismos precisam romper essa barreira e aderir à superfície mucosa, mecanismo este comum a todos os patógenos. Depois da aderência à superfície celular, os microrganismos exercem seus fatores de virulência por meio da produção de enterotoxinas, citotoxina e lesão da mucosa intestinal de intensidade variada, podendo até determinar em alguns casos infecção generalizada. Dependendo do fator de virulência do microrganismo, podem ocorrer quatro mecanismos fisiopatológicos de diarreia aguda: mecanismo osmótico, mecanismo secretor, mecanismo inflamatório e alteração da motilidade. à Em algumas situações, há sobreposição desses mecanismos, podendo a diarreia, nesses casos, apresentar mais de uma forma clínica. A diarreia osmótica predomina nos quadros virais. à O rotavírus causa lesões focais, com infecção das células vilositárias apicais, que concentram as dissacaridases, principalmente a enzima lactase. à Esse tipo de diarreia caracteriza-se pela eliminação de fezes líquidas e volumosas, amareladas, com caráter explosivo e com grande perda hidroeletrolítica. à Os vômitos são frequentes e precoces, em 80 a 90% dos casos, precedendo a diarreia e causando a desidratação, principalmente nos lactentes, faixa etária em que se concentram os quadros mais graves. A febre, geralmente alta, ocorre em aproximadamente metade dos casos. A diarreia secretora caracteriza-se por perda de grande volume de água e de eletrólitos, por ação de enterotoxinas que estimulam os • pH ácido gástrico; • Flora bacteriana normal; • Peristaltismo intestinal; • Mucinas presentes na camada de muco que reveste a superfície luminal dos enterócitos; • Fatores antimicrobianos como lisozimas; • Lactoferrina; • Sistema imune entérico. Diarreia osmótica Diarreia secretora Destruição desses enterócitos Reposição por células imaturas Diminuição da atividade enzimática Redução da absorção dos carboidratos, com ênfase na lactose Os açúcares não absorvidos aumentam a pressão osmótica na luz intestinal Isso determina a maior passagem de água e eletrólitos para o espaço intraluminal para manter o equilíbrio osmótico. Juliana Matos mediadores da secreção, a adenosina monofosfato cíclico (AMPc), guanosina monofosfato cíclico (GMPc) e o cálcio (Ca2+), levando à diminuição da absorção de água e íons e à secreção ativa pela criptas. à São exemplos típicos desse tipo de diarreia a ETEC e o Vibrio cholerae. à Nesse tipo de diarreia, há poucos sintomas sistêmicos, a febre está ausente ou é baixa e os vômitos surgem com a desidratação, que é a principal complicação pela perda rápida e volumosa de água e eletrólitos pelas fezes. A diarreia inflamatória é causada por patógenos que invadem a mucosa do intestino delgado ou grosso, ocasionando resposta inflamatória local ou sistêmica, dependendo da extensão da injúria. à O quadro clínico caracteriza-se por febre, mal-estar, vômitos, dor abdominal do tipo cólica e diarreia disentérica, com fezes contendo sangue, muco e leucócitos. à Os sintomas sistêmicos serão tão mais intensos quanto maior for o potencial invasivo do patógeno. à Em algumas situações, os microrganismos podem atingir a circulação sistêmica, afetando órgãos a distância como articulações, fígado, baço e sistema nervoso central. ATENÇÃO: A PRINCIPAL COMPLICAÇÃO DA DIARREIA AGUDA É A DESIDRATAÇÃO, que nos casos de maior gravidade pode levar a distúrbio hidroeletrolítico e acidobásico, choque hipovolêmico e até morte. As crianças menores de 1 ano são as mais vulneráveis. à Nas populações mais carentes, a diarreia aguda pode ser um fator determinante ou agravante da desnutrição, que por sua vez aumenta a predisposição à infecção, além de uso prévio recente de antibióticos. Diagnóstico O diagnóstico da diarreia aguda é eminentemente clínico. Por meio de uma história e um exame físico detalhados, é possível levantar hipóteses quanto a determinados agentes etiológicos e orientar as medidas terapêuticas necessárias. Deve constar na anamnese: • Duração da diarreia; • Características das fezes; • Número de evacuações diarreicas por dia; • Vômitos (número de episódios/dia); • Febre; • Diurese (volume, cor e tempo decorrido da última micção); • Uso de medicamentos; • Sede; • Apetite; • Tipo e quantidade de líquidos e alimentos oferecidos após o início da diarreia; • Doenças prévias; • Estado geral; • Presença de queixas relacionadas a outros sistemas; • Viagem recente; • Contato com pessoas com diarreia; • Ingestão de alimentos suspeitos; • Uso prévio recente de antibióticos. Diarreia inflamatória Juliana Matos O exame físico deverá ser completo, incluindo avaliação nutricional, pois a desnutrição é fator de risco para quadros mais graves e evolução para diarreia persistente. IMPORTANTE: lembrar também que a diarreia, principalmente no lactente, pode acompanhar quadros de pneumonia, otite média, infecção do trato urinário, meningite e septicemia bacteriana. Deve-se classificar o estado de hidratação do paciente. Pacientes hidratados: PLANO A Paciente com algum grau de desidratação: PLANO B Paciente com desidratação grave: PLANO C Exames laboratoriais A solicitação de exames laboratoriais não é necessária rotineiramente para o tratamento da diarreia aguda, habitualmente autolimitada, ficando reservada para os casos de:• Evolução atípica, grave ou arrastada; • Presença de sangue nas fezes; • Lactentes menores de 4 meses; • Pacientes imunodeprimidos. à O hemograma completo deve ser solicitado para avaliar anemia e padrão leucocitário; à Ionograma, ureia e creatinina, nos casos com distúrbio hidroeletrolítico grave e impacto na função renal. Juliana Matos à Nas fezes, pH fecal, substâncias redutoras, leucócitos, hemácias, sangue oculto e coprocultura, ELISA para vírus e pesquisa de toxina para Clostridium são os exames mais frequentemente solicitados. à O exame de coprocultura geralmente tem uma positividade baixa. O material fecal deve ser transportado em meio especial ou cultivado até 2 horas após a coleta, com as fezes mantidas em refrigeração a 4°C. Tratamento e prevenção Terapia de reidratação oral (TRO) e dieta A Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Unicef preconizam o uso da solução de reidratação oral (SRO) HIPOSMOLAR, que, comparado com a SRO padrão antigo, mostrou-se mais eficaz, diminuindo os episódios de vômitos, o volume e a duração da diarreia em lactentes e também a probabilidade de hipernatremia. Plano A: Þ A criança com diarreia aguda sem desidratação pode ser tratada no domicílio. Þ Orienta-se aumentar a oferta de líquidos e após cada evacuação diarreica oferecer a SRO, de 50 a 100 mL para menores de 2 anos, 100 a 200 mL para crianças de 2 a 10 anos, e, para aquelas acima de 10 anos, o quanto aceitar. IMPORTANTE: Orientar aos familiares a observação de sinais de desidratação e gravidade. ATENÇÃO: Sucos, refrigerantes, energéticos e outros não substituem a SRO, uma vez que são hiperosmolares. Administrar zinco uma vez ao dia, durante 10 a 14 dias: • Até seis meses de idade: 10mg/Kg; • Maiores de seis meses de idade: 20mg/Kg Plano B: Þ Na criança com diarreia e desidratação leve a moderada (5 a 10% de perda), realiza-se a reposição com 50 a 100 mL/kg em 3 a 4 horas, oferecendo a SRO em pequenos volumes, com copo, com frequência, de modo supervisionado por profissional de saúde. Þ Em casos de vômitos persistentes, deve-se tentar a administração da SRO por sonda nasogástrica (via eficaz), 20 mL/kg/h, durante 4 a 6 horas. ATENÇÃO: Durante o período de reidratação, não alimentar a criança, exceto se estiver em aleitamento materno. O pH fecal igual ou menor de 5,5 e a presença de substâncias redutoras nas fezes indicam intolerância aos carboidratos, normalmente de natureza transitória. A ausência de leucócitos fecais não exclui a presença de bactéria invasiva, mas a sua presença indica inflamação e organismos que invadem a mucosa intestinal. Juliana Matos à Considera-se fracasso da reidratação oral se as dejeções aumentam, se ocorrem vômitos incoercí- veis, ou se a desidratação evolui para grave. Plano C: Þ A criança com diarreia e desidratação grave (> 10% de perda) NECESSITA DE HOSPITALIZAÇÃO e HIDRATAÇÃO ENDOVENOSA para restabelecer rapidamente a perfusão aos órgãos vitais. à Outros critérios para a hidratação venosa são: vômito intratável, falha na TRO por via oral ou sonda nasogástrica, diarreia profusa, íleo paralítico, irritabilidade, sonolência ou ausência de melhora após 24 horas da administração da SRO. FASE RÁPIDA (expansão): • Menores de 5 anos*: 20 mL/Kg de SF a 0,9% em 10-20 minutos; • Maiores de 5 anos: o 1º 30 mL/Kg de SF a 0,9% em 30 minutos; o 2º 70 mL/Kg de Ringer lactato em 2 horas e 30 minutos. *Para os recém nascidos e cardiopatas iniciar com 10 mL/Kg. FASE DE MANUTENÇÃO à Avaliar continuamente o paciente, se não houver melhora da desidratação, aumentar a velocidade de infusão. à Observar o paciente por pelo menos 6 horas. O plano b deve ser realizado na unidade de saúde e os pacientes deverão permanecer na unidade de saúde até reidratação completa e reinício da alimentação. Juliana Matos Medicações Em 2002, a OMS e o Unicef revisaram suas recomendações para adicionar o ZINCO de rotina como terapia anexa à reidratação oral para o tratamento da diarreia infantil, independentemente da etiologia. à Nas crianças que vivem nos países em desenvolvimento, o uso do zinco oral deve ser recomendado na dose de 20 mg por dia, durante 10 dias; e nos lactentes menores de 2 meses, na dose de 10 mg por dia, também durante 10 dias, para o tratamento da diarreia aguda. IMPORTANTE: Os antieméticos são DESNECESSÁRIOS para o tratamento da diarreia aguda e não conferem benefício; além disso, têm efeitos sedativos, o que pode atrapalhar a TRO; entretanto, novas evidências indicam que crianças com vômitos persistentes, tratadas com a ONDANSETRONA, apresentam menor risco de admissão hospitalar. A dose a ser empregada é de 0,1mg/Kg até o máximo de 4 mg por via oral ou intravenosa. à Os PROBIÓTICOS podem ser úteis para reduzir a gravidade e a duração da diarreia aguda infecciosa infantil, abreviando em cerca de 1 dia a sua duração, principalmente nas diarreias de etiologia viral. à Os ANTIPERISTÁLTICOS, como a loperamida, NÃO SÃO RECOMENDADOS para tratar crianças, pois aumentam a gravidade e as complicações da doença, particularmente em crianças com diarreia invasiva. As evidências são maiores com o Sacaromices bulardi e Lactobacillus GG. à A RACECADOTRILA é uma droga antissecretora que inibe a encefalinase intestinal sem reduzir o trânsito intestinal ou promover o supercrescimento bacteriano. A medicação reduz a duração da diarreia e o volume de fezes. Os estudos recentes de metanálises apoiam o uso da racecadotrila, associado à SRO, para a conduta terapêutica da diarreia aguda em crianças. PARA SABER MAIS: As encefalinas com ação mais duradoura, em função da menor atividade da encefalinase, reduzem a secreção intestinal de água e eletrólitos que se encontra aumentada nos quadros de diarreia aguda. Os quadros de diarreia aguda em geral são autolimitados e, portanto, o uso racional de antibióticos evita o aparecimento de complicações, bem como de resistência bacteriana, sendo excepcionalmente indicados. Recomenda-se manter a alimentação normal para a idade nos casos sem desidratação e reintroduzi-la de forma gradativa, com refeições frequentes e leves, selecionando alimentos ricos em energia e micronutrientes (grãos, ovos, carnes, frutas e hortaliças), sem a necessidade de diluir o leite ou de substituí-lo por uma fórmula sem lactose. Os lactentes em aleitamento materno devem continuar a ser amamentados, mesmo durante o período de reidratação. Juliana Matos Os antimicrobianos são indicados para os casos mais graves: na diarreia com sangue, nos pacientes imunodeprimidos e em lactentes jovens, menores de 4 meses; sua escolha deve se basear nos padrões de sensibilidade das cepas dos patógenos presentes na localidade ou região. Os antimicrobianos de escolha para os principais agentes bacterianos e parasitários são: • Cólera: azitromicina, ciprofloxacino; • Shigella: azitromicina, ceftriaxona e ácido nalidíxico; • Ameba invasiva (presença de hematófago em microscopia de fezes ou disenteria sem outro patógeno): metronidazol seguido do uso da nitazoxanida para a total eliminação dos cistos. • Giardíase: metronidazol, tinidazol, secnidazol; • Campylobacter: azitromicina, ciprofloxacino; • E. coli enteropatogênica, enterotoxigênica e invasiva: ciprofloxacino, ceftriaxona; • Clostridium difficile: metronidazol, vancomicina. Prevenção da diarreia à O aleitamento materno exclusivo durante os 6 primeiros meses e após esta idade, acompanhado de alimentação complementar adequada para a idade, o uso de água tratada, de alimentos adequadamente preparados e acondicionados e esgotamento sanitário apropriado previnem a incidência de diarreia. à A vacinação é a melhor maneira de prevenira infecção por rotavírus. à A imunização contra o sarampo pode reduzir a incidência e a gravidade das doenças diarreicas; por isso, essa vacinação deve ser feita para todos os lactentes na idade recomendada. PARA SABER MAIS: A nitazoxanida é um antiparasitário eficaz para o tratamento da diarreia provocada por parasitas como Giardia lamblia, Entamoeba hystolitica e Cryptosporidium parvum. Alguns estudos têm demonstrado a ação da nitazoxanida reduzindo a replicação do rotavírus no hospedeiro.
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