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INTRODUÇÃO Neste capítulo são apresentados os principais grupos de medicamentos empregados para auxiliar o médico veterinário no manejo dos animais (contenção química) ou como medicação préanestésica. Alguns desses grupos farmacológicos aqui comentados são também empregados para o tratamento de transtornos do comportamento animal, sendo, com essa finalidade, abordados em detalhes no Capítulo 16. TRANQUILIZANTES O termo tranquilizantes, embora usado com restrições, referese a medicamentos que produzem a tranquilização do animal, isto é, acalmam a agitação e a hiperatividade. Sedativo, sedante, calmante são denominações também empregadas por alguns como sinônimo de tranquilizante. Essas denominações começaram a ser utilizadas na década de 1950, quando foi introduzido um grupo de medicamentos que revolucionou o tratamento das doenças mentais. Esses medicamentos, em pacientes psicóticos, produziam certa sedação sem a sonolência. Mais tarde apareceu outro grupo de medicamentos usados para o tratamento de doenças mentais, as neuroses, consideradas menos graves que as psicoses. Tais medicamentos passaram a ser chamados de tranquilizantes menores, pois eram usados no tratamento de doenças menores ou menos graves, e os primeiros, chamados de tranquilizantes maiores, empregados para o tratamento das psicoses, doenças consideradas mais graves. Em Medicina Veterinária, tanto os tranquilizantes maiores como os menores são usados principalmente para a contenção química dos animais e na préanestesia, além de transtornos comportamentais (ver Capítulo 16), porém, como têm características farmacológicas bastante diferentes, serão apresentados, a seguir, em separado. Tranquilizantes maiores Esses medicamentos são também denominados antipsicóticos, pois são empregados em seres humanos para tratar, entre outros transtornos mentais, as psicoses e a esquizofrenia. Como produzem também efeitos colaterais neurológicos, são também denominados neurolépticos. Essas substâncias bloqueiam receptores dopaminérgicos e produzem ataraxia (estado de relativa indiferença aos estímulos externos); portanto, podem ainda ser denominados de ataráxicos. São também encontradas outras sinonímias: psicolépticos, psicoplégicos, impregnantes e antiesquizofrênicos. ■ ■ ■ ■ Classificação Os tranquilizantes maiores em uso atualmente são classificados em vários grupos, conforme sua estrutura química, sendo os mais tradicionais: Derivados fenotiazínicos (clorpromazina, levomepromazina, acepromazina) Derivados butirofenônicos (haloperidol, droperidol, azaperona) Derivados tioxantênicos (tiotixeno, clorprotixeno) Ortopramidas ou benzamidas substituídas (sulpirida, tiaprida). Os componentes desses grupos diferem quanto à capacidade de produzir sedação ou outros efeitos colaterais (hipotensão, efeitos hipercinéticos etc.) e, por isso, em Medicina Veterinária, são usados apenas os derivados fenotiazínicos e os butirofenônicos (Figura 14.1), os quais serão comentados a seguir. Farmacocinética Tanto os derivados fenotiazínicos como os butirofenônicos são absorvidos pelo trato gastrintestinal e por via parenteral. Uma vez absorvidos, são amplamente distribuídos pelos tecidos (principalmente fígado, pulmões e encéfalo), sofrendo diferentes processos de biotransformação (oxidação, hidroxilação, conjugação), sendo eliminados pela urina e também pelas fezes. Efeitos terapêuticos e colaterais Os tranquilizantes maiores atuam seletivamente em algumas regiões do sistema nervoso central (SNC): núcleos talâmicos, hipotálamo, vias aferentes sensitivas, estruturas límbicas e sistema motor; também são capazes de atuar na periferia, afetando o sistema nervoso autônomo. Inúmeras pesquisas têm demonstrado que estes medicamentos induzem alterações no funcionamento da neurotransmissão dopaminérgica; o mecanismo se estabelece por bloqueio do receptor póssináptico, tornando o incapaz de responder ao neurotransmissor endógeno, a dopamina, presente, em particular, nos sistemas nigroestriatal, mesocortical e mesolímbico. Atuam também em receptores dopaminérgicos présinápticos, os quais são responsáveis pela regulação da síntese e pela liberação do neurotransmissor. O bloqueio dos receptores dopaminérgicos promove aumento da produção e da liberação da dopamina, na tentativa de vencer o bloqueio. Este efeito faz com que haja um incremento na degradação enzimática da dopamina e, consequentemente, aumento na concentração dos metabólitos da dopamina cerebral (ácido homovanílico, HVA; e ácido dihidroxifenilacético, DOPAC), sem alterar os níveis de dopamina; ocorre, então, aumento na taxa de renovação (turnover) do neurotransmissor. O bloqueio dos receptores dopaminérgicos do sistema nigroestriatal é responsável pela catalepsia (i. e., perda da motilidade voluntária, com rigidez espástica dos músculos, permitindo que os membros permaneçam em qualquer posição em que sejam colocados, por tempo indeterminado), pela abolição de estereotipia (movimentos que se repetem compulsivamente no tempo, sem variação e aparentemente sem objetivo) provocada por agonistas dopaminérgicos (como a apomorfina) ou por agentes liberadores de dopamina (como a anfetamina) e, devido ao uso prolongado, no ser humano, manifestase a síndrome extrapiramidal (caracterizada por alterações do psiquismo, da motricidade e das funções neurovegetativas). O bloqueio dos receptores do sistema mesocortical ou mesolímbico é responsável pela atividade antipsicótica e pelo antagonismo da toxicidade provocada pela anfetamina. O bloqueio dos receptores dopaminérgicos do sistema tuberoinfundibular explica a hipersecreção de prolactina e algumas alterações endócrinas, como a diminuição da secreção dos neurohormônios hipotalâmicos (TSH, ACTH, LH, FSH e ADH) e, ainda, hipotermia. O centro emético, localizado na formação reticular lateral do bulbo, comunicase por meio de fibras nervosas com a zona deflagradora dos quimiorreceptores que apresenta receptores dopaminérgicos; estes podem ser bloqueados pelos neurolépticos, o que explica seu efeito antiemético. Os neurolépticos produzem também um estado de indiferença aos estímulos do meio ambiente, sem efeito hipnótico e sem perda da consciência. Estes efeitos são demonstrados experimentalmente em animais através do bloqueio das respostas condicionadas. Neste sentido, o teste da esquiva ativa tem se destacado, dentre outros, como modelo comportamental para caracterizar os efeitos dos neurolépticos. Neste teste, o animal é treinado para se esquivar do choque elétrico nas patas toda vez que é emitido o som de uma campainha (resposta condicionada de esquiva), deslocandose para o outro lado da gaiola. Por outro lado, sob o efeito de um neuroléptico, o animal não manifesta o comportamento já aprendido de esquiva ao ser apresentado o som, porém foge na presença do estímulo incondicionado (o choque elétrico nas patas); este último efeito mostra que o neuroléptico não interferiu na resposta motora do animal, alterando apenas a resposta condicionada. ■ Figura 14.1 Estrutura química dos fenotiazínicos clorpromazina e acepromazina e das butirofenonas haloperidol e droperidol. Outros efeitos deste grupo de agentes são: diminuição da agressividade dos animais; inibição das reações vegetativas emocionais; potencialização dos efeitos dos hipnóticos, dos anestésicos gerais, dos opiáceos e dos analgésicos antiinflamatórios; e diminuição do limiar convulsivo (favorecem o aparecimento das convulsões). Este último efeito é consequência da inibição doespraiamento da convulsão, causada pelo bloqueio de receptores catecolaminérgicos, favorecendo o aparecimento de convulsões. Os tranquilizantes maiores deprimem os centros bulbares cardiovascular e respiratório. Poucos efeitos, porém, são observados sobre a respiração, enquanto os reflexos vasomotores mediados pelo hipotálamo ou tronco cerebral são deprimidos, resultando em queda da pressão arterial mediada centralmente. Além de atuarem em receptores dopaminérgicos no SNC, os tranquilizantes maiores podem também bloquear não só receptores noradrenérgicos e serotoninérgicos centrais, bem como perifericamente exercem efeitos αadrenolítico, antihistaminérgico H1, antisserotoninérgico e anticolinérgico. Estes efeitos podem ser maiores ou menores, dependendo do medicamento. No sistema cardiovascular, seus efeitos são complexos: agem diretamente sobre o coração e os vasos sanguíneos e também têm efeitos indiretos por meio de ações específicas no SNC e reflexos autonômicos. Assim, causam hipotensão principalmente por bloqueio alfaadrenérgico periférico e parte por ação central, levando a taquicardia reflexa. Promovem queda da temperatura corpórea; em parte devido a vasodilatação cutânea e em parte por ação nos mecanismos termorreguladores do hipotálamo. Apresentam efeito antiarrítmico semelhante ao dos anestésicos locais por serem estabilizadores de membrana. Efeitos tóxicos Os tranquilizantes maiores apresentam alto índice terapêutico, sendo, portanto, medicamentos bastante seguros. Os efeitos colaterais são fundamentalmente extensões das várias ações farmacológicas já descritas. Os mais importantes são os efeitos sobre o SNC, o sistema cardiovascular e o sistema nervoso autônomo. Os efeitos extrapiramidais e os endócrinos têm pouca importância em Medicina Veterinária, porém são importantes em Medicina Humana, em função, principalmente, do uso prolongado destes medicamentos como antipsicóticos. Sobre o SNC podem produzir: sonolência, apatia, excitação paradoxal em animais predispostos, diminuição do limiar convulsivo e hipotermia com participação periférica; sobre o sistema nervoso autônomo promovem hipotensão com taquicardia reflexa. Em equinos, descreveuse a ocorrência ocasional de priapismo ou prolapso do pênis após o uso dos derivados fenotiazínicos, em particular da acepromazina. A duração e extensão do prolapso peniano estão relacionadas com a dose. Em parte, este efeito pode deverse ao relaxamento dos músculos retratores do pênis, que são inervados por fibras nervosas adrenérgicas, as quais são bloqueadas pela acepromazina. Contraindicações A administração de epinefrina é contraindicada quando se faz uso dos derivados fenotiazínicos, uma vez que os receptores alfaadrenérgicos estão bloqueados. Quando se empregam anestésicos epidurais, também são contraindicados, pois potencializam a atividade hipotensora dos anestésicos locais. Os tranquilizantes maiores, por diminuírem o limiar convulsivo, não devem ser usados para o controle de convulsões e nem em animais epilépticos. O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) a partir de 2008 passou a monitorar a presença de resíduos de clorpromazina e acepromazina em produtos de origem animal (carne bovina, suína e equina). Isso ocorreu porque as agências internacionais (como European Medicines Evaluation Agency, EMEA; e Joint FAO/WHO Expert Committee on Food Additives, JECFA) alertaram que os resíduos de clorpromazina na carne dos animais têm risco potencial para a saúde do consumidor, pois podem causar hipotensão ortostática, icterícia obstrutiva, leucocitose, leucopenia e reações dermatológicas no ser humano. Assim, alguns países baniram o uso de clorpromazina em animais produtores de alimento e estabeleceram limite máximo de resíduos (LMR) para outros, como azaperona e acepromazina. Usos, posologia e especialidades farmacêuticas Os tranquilizantes maiores em Medicina Veterinária são usados principalmente como medicação préanestésica, como potencializadores da analgesia (neuroleptoanalgesia) e como antieméticos. Quanto à utilização dos antipsicóticos em transtornos comportamentais, estes são pouco empregados, uma vez que com sua administração visando à diminuição, por exemplo, do comportamento agressivo, observase a ocorrência de catalepsia (imobilidade com aumento do tônus muscular e postura anormal), enquanto os reflexos são mantidos, inclusive aquele relacionado à mordida. Outro motivo que inviabiliza o uso dos antipsicóticos para o controle de agressividade é o fato de que estes medicamentos, além de não causarem a supressão de respostas instintivas, promovem a diminuição de resposta aos comportamentos aprendidos; portanto, o animal sob o efeito destes medicamentos mais rapidamente responde agressivamente ao estímulo ou à situação aversiva. Além disso, os antipsicóticos propiciam o aparecimento de sinais extrapiramidais devido ao bloqueio de receptores dopaminérgicos, sendo comumente observados, nestes animais, tremores, rigidez muscular e alteração da locomoção. Verificase, ainda, que alguns antipsicóticos, particularmente a acepromazina, podem induzir ao aparecimento de crises convulsivas em animal suscetíveis, como, por exemplo, naqueles que apresentam epilepsia. O Quadro 14.1 mostra a posologia, para diferentes espécies animais, dos tranquilizantes maiores e as respectivas especialidades farmacêuticas disponíveis no mercado. QUADRO 14.1 Dose dos tranquilizantes maiores (doses para uso na préanestesia ou na contenção química ■ dos animais). Tranquilizante maior Dose Especialidades farmacêuticas Derivados fenotiazínicos Acepromazina Cães e gatos: 0,03 a 0,1 mg/kg, IM, IV; 1 a 3 mg/kg, VO Suínos: 0,03 a 0,04 mg/kg, IM, IV Equinos: 0,02 a 0,1 mg/kg, IM, IV Ruminantes: 0,05 mg/kg, IV; 0,1 a 0,4 mg/kg, IM Acepran®,V Aceproven®,V Aceprovets®V Clorpromazina Cães e gatos: 0,5 a 4 mg/kg, IV; 1 a 6 mg/kg, IM; 3 a 8 mg/kg, VO Suínos: 1 a 2 mg/kg, IM, IV Equinos: 1 a 2 mg/kg, IM Ruminantes: 0,2 a 1 mg/kg, IV; 1 a 4 mg/kg, IM Amplictil®,H Clorpromazina®,H Longactil®H Levomepromazina Cães e gatos: 1 mg/kg, IM, IV Suínos: 1 mg/kg, IM, IV Equinos: 0,5 a 1 mg/kg, IM Ruminantes: 0,3 a 0,5 mg/kg, IV; 1 mg/kg, IM Neozine®H Derivados butirofenônicos Azaperona Suínos: 2 a 8 mg/kg, IM Destress Injetável®,V Des-Vet®,V Suicalm®V Droperidol Cães e gatos: 0,5 a 2 mg/kg, IV; 2 a 3 mg/kg, IM Suínos: 0,1 a 0,4 mg/kg, IM Inoval®,H* Nilperidol®H* IM: via intramuscular; IV: via intravenosa; VO: via oral. *Associação com fentanila. HLinha humana. VLinha veterinária. Tranquilizantes menores São denominados também: ansiolíticos, calmantes, psicoharmonizantes, psicossedativos, estabilizadores emocionais e tranquilizantes. O emprego de drogas com a finalidade de reduzir a ansiedade é há muito conhecido pela humanidade. De fato, o álcool etílico (etanol) e o ópio são exemplos de drogas com efeito ansiolítico. No final do século 19 e início do 20, surgiram os brometos e, dentre os barbitúricos, o fenobarbital, que foram usados com esta finalidade. A história recente dos ansiolíticos iniciase com o surgimento do primeiro derivado propanodiol, a mefenesina, que foi empregada como miorrelaxante e tranquilizante muito antes da clorpromazina e da reserpina. Por causa de seu efeito fugaz e do pequeno índice terapêutico, a mefenesina foi substituída em meados de 1950 por outro derivado propanodiol, o meprobamato. Nas décadas de 1950 e 1960 surgiram os derivados benzodiazepínicos, que se tornaram bastante populares. Outros ansiolíticos têm surgido e dentre elesdestacase a buspirona. Classificação Os ansiolíticos em uso atualmente podem ser agrupados, conforme sua estrutura química, em: Benzodiazepínicos (diazepam, clordiazepóxido etc.) ■ ■ ■ Buspirona Bloqueadores betaadrenérgicos (propranolol, oxprenolol) Propanodiólicos (meprobamato, carisoprodol, clormezazona). Destes, em Medicina Veterinária, são usados principalmente os benzodiazepínicos e, mais recentemente, a buspirona e os betabloqueadores adrenérgicos. Os propanodiólicos são empregados na espécie humana visando a outros efeitos, além do uso como ansiolítico, como, por exemplo, descontraturantes da musculatura esquelética. Benzodiazepínicos Os benzodiazepínicos possuem efeitos ansiolíticotranquilizante, hipnóticosedativo, anticonvulsivante, miorrelaxante, e induzem amnésia e alterações psicomotoras. Todos os benzodiazepínicos induzem esses efeitos em maior ou menor grau, sendo a indicação clínica baseada na relação entre as intensidades relativas desses vários efeitos. Assim, por exemplo, alguns são mais empregados visando ao efeito ansiolítico tranquilizante e outros como hipnóticos na préanestesia. Farmacocinética Os benzodiazepínicos apresentam diferenças no início, na intensidade e na duração dos seus efeitos, as quais são atribuídas, na maioria das vezes, às suas propriedades farmacocinéticas. Todos têm alta lipossolubilidade e são rapidamente absorvidos pelas diferentes vias de administração. O diazepam e o clorazepato são rapidamente absorvidos pelo trato gastrintestinal, com rápido início de ação, enquanto o lorazepam e o clordiazepóxido têm absorção e início de ação intermediário. Pela via intramuscular, a velocidade de absorção é influenciada por outros fatores; por exemplo, o diazepam e o clordiazepóxido apresentam absorção lenta e errática, com picos de concentração plasmática inferiores aos obtidos após administração oral, possivelmente devido à formação de precipitados no local da injeção. Já a absorção do lorazepam por via intramuscular é mais rápida e completa; o midazolam, por ser hidrossolúvel, é rapidamente absorvido e bem tolerado, não causando irritação no local da injeção. Os benzodiazepínicos mais apropriados para o uso como ansiolíticos e anticonvulsivantes são aqueles que atingem o pico plasmático mais lentamente, com declínio gradual da concentração, enquanto os mais indicados como indutores do sono são os lipossolúveis, devido a seu rápido início de ação. A distribuição dos benzodiazepínicos é ampla por todo o organismo; eles atravessam a barreira hematencefálica e alcançam concentrações fetais semelhantes às maternas, bem como são eliminados pelo leite materno. Ligamse intensamente às proteínas plasmáticas. As reações de biotransformação dos benzodiazepínicos são a dealquilação e a hidroxilação, com posterior conjugação glicurônica, realizadas no microssoma hepático. Existem, entretanto, diferenças importantes entre os diferentes benzodiazepínicos devido ao aparecimento de metabólitos ativos (Quadro 14.2), comuns a vários deles, que prolongam a duração dos efeitos (Figura 14.2). A eliminação fazse fundamentalmente pela urina em forma de metabólitos conjugados com o ácido glicurônico, portanto inativos. Efeitos terapêuticos No SNC, os benzodiazepínicos agem fundamentalmente sobre o sistema límbico (septo, hipocampo, amígdala, formação reticular) e também reduzem a atividade funcional do hipotálamo e córtex. Foram descritas inúmeras modificações bioquímicas e eletrofisiológicas produzidas pelos benzodiazepínicos em várias regiões do SNC. Estudos de fixação estereoespecífica em membranas neuronais identificaram moléculas que podem ser consideradas farmacologicamente como receptores benzodiazepínicos. Como os benzodiazepínicos são moléculas artificiais obtidas por síntese laboratorial, supõese que devam existir substâncias endógenas capazes de atuar fisiologicamente nos mesmos locais. Portanto, agentes tranquilizantes ou ansiogênicos endógenos, com ações respectivamente como agonista ou antagonista, devem existir no organismo animal para a regulação da ansiedade normal ou patológica. Os benzodiazepínicos atuam em receptores do ácido γaminobutírico (GABA) no cérebro. O GABA é o principal transmissor inibitório do SNC, existindo em quase todas as regiões do encéfalo, embora em concentrações variáveis. Há três tipos de receptores GABAérgicos: GABAA, GABAB e GABAC. Os receptores GABAA e GABAC são receptores ionotrópicos, e o receptor GABAB é metabotrópico, isto é, é um receptor ligado a uma proteína G, o qual abre canais iônicos através de segundos mensageiros. Os receptores GABAA e GABAC estão acoplados aos canais de cloro, cuja abertura reduz a excitabilidade da membrana neuronal. Os receptores GABAC têm distribuição mais localizada, estando mais concentrados na retina. Os benzodiazepínicos são considerados agonistas dos receptores GABAA, assim com os barbitúricos, o etanol, o mucimol, entre outros; são antagonistas desses receptores o flumazenil, a bicuculina e a picrotoxina. Os agonistas de receptores GABAB são o baclofeno e o γhidroxibutirato (GHB, uma droga de abuso); o faclofeno é um antagonista desses receptores. QUADRO 14.2 Meiavida, presença de metabólito ativo e dose dos benzodiazepínicos mais usados em Medicina Veterinária. Benzodiazepínico Meia-vida (h) No de metabólito ativo (meia-vida em horas) Dose Especialidades farmacêuticas Alprazolam 11 a 16 0 Cão: 0,01 a 0,1 mg/kg, VO (ansiedade) Gato: 0,125 a 0,25 mg, VO, a cada 12 h; ou 0,0125 a 0,025 mg/kg, VO, a cada 12 h (ansiedade) Frontal®, Tranquinal®, Apraz® Clonazepam 18 a 50 0 Cão: 0,05 a 0,2 mg/kg, IV; ou 0,5 mg/kg, VO, 2 vezes/dia (medicação adjuvante no tratamento de convulsões) Rivotril®, Clonotril®, Uni-Clonazepax®, Clopan® ClorazepatoLA –* 2 (5 a 100) Cão: 0,5 mg/kg, VO, 2 ou 3 vezes/dia (medicação adjuvante no tratamento de convulsões) Tranxilene® DiazepamLA 20 a 70 3 (5 a 100) Cão: 0,2 a 0,6 mg/kg, IV (sedação); 1 a 4 mg/kg, VO, dividido 3 a 4 vezes/dia (convulsão); 0,1 mg/kg, IV (pré-anestesia) Gato: 0,5 a 1 mg/kg, VO, diariamente (convulsão) Bovino: 0,4 mg/kg, IV (sedação); 0,5 a 1,5 mg/kg, IM, IV (convulsão) Cavalo: 25 a 50 mg, IV (convulsão) Suíno: 0,5 a 1 mg/kg, IM (tranquilização); 0,5 a 1,5 mg/kg, IM, IV (convulsão) Valium®, Diempax®, Compaz®, Kiatrium®, Episol®V FlurazepamLA 2,3 2 (2 a 100) Cão: 0,2 a 0,4 mg/kg, VO, por 4 a 7 dias (alteração no parâmetro de sono devido à ansiedade); 0,5 mg/kg, VO, a cada 12 a 24 h (estimulante do apetite) Gato: 0,2 a 0,4 mg/kg ,VO, por 4 a 7 dias (alteração no parâmetro de sono devido à ansiedade); 0,2 mg/kg, VO, a cada 12 a 24 h (estimulante do apetite) Dalmadorm® Lorazepam 10 a 20 0 Cão: 0,02 a 0,1 mg/kg, VO, a cada 8 a 24 h (ansiedade, fobias, medo e aversão a outros cães) Lorax®, Sedacalm® Midazolam 1 a 5 2 (1 a 5) Cão e gato: 0,06 a 0,22 mg/kg, IM, IV (pré-anestesia) Cavalo: 0,01 a 0,04 mg/kg, IV (pré-anestesia) Dormonid®, Dormire®, Dormium®, Induson® IM: via intramuscular; IV: via intravenosa; VO: via oral. LAConsiderado de meiavida longa devido à formação de metabólito ativo que prolonga o efeito farmacológico. *O clorazepato é hidrolisado no estômago na sua forma ativa, o desmetildiazepam, que tem meiavida de 30 a 100 h. VProduto veterinário: associação com fenitoína. ■ Figura 14.2 Biotransformação e estrutura química de alguns benzodiazepínicos. Note que a biotransformação do diazepam e do clorazepato dá origem ao oxazepam. Esses três benzodiazepínicos encontramse disponíveis no mercado. O receptor GABAA é constituído de cinco subunidades simetricamente dispostas, formando um poro central de conduçãodo ânion cloreto (Figura 14.3). Os benzodiazepínicos ligamse em locais distintos daqueles do GABA sobre oreceptor GABAA; enquanto locais de ligação do GABA estão situados entre as subunidades α e β, os dos benzodiazepínicos estão situados entre as subunidades α e γ. Os benzodiazepínicos, ao se ligarem ao receptor do GABAA, abrem o canal de cloreto. A entrada do íon para dentro do neurônio promove a hiperpolarização da membrana póssináptica, impedindo a passagem do estímulo nervoso. ■ ■ ■ ■ ■ Figura 14.3 Receptor do ácido γaminobutírico do tipo A (GABAA), mostrando suas cinco subunidades (duas α, duas β e uma γ). O local de ligação do GABA está situado entre as subunidades α e β, e o local de ligação dos benzodiazepínicos está entre as subunidades α e γ. Foram demonstrados quatro efeitos principais dos benzodiazepínicos, podendo haver predominância de um ou mais deles: Efeito miorrelaxante: ocorre sobre a musculatura esquelética e é consequência da atuação depressora sobre os reflexos supraespinais, responsáveis pelo tônus muscular e por bloqueio da transmissão no nível de neurônios intercalares. Agindo, também, sobre a formação reticular, inibem os influxos hipertônicos através do sistema gama medular Efeito ansiolítico: ocorre em consequência da atuação no sistema reticular ativador que mantém o estado de alerta, no sistema límbico responsável pelo conteúdo evocador de ansiedade e no hipotálamo que organiza as respostas fisiológicas (manifestações vegetativas) à ansiedade. Há redução do comportamento agressivo, quer aquele espontâneo, quer induzido Efeito sedativo/hipnótico: alguns benzodiazepínicos produzem hipnose importante devido à sua atuação na formação reticular e no sistema límbico, diretamente relacionado com o ciclo vigíliasono Efeito anticonvulsivante: evitam as convulsões induzidas quimicamente (por estricnina, pentilenotetrazol etc.) ou por lesões corticais. Efeitos colaterais e tóxicos Os benzodiazepínicos apresentam escassa incidência de efeitos colaterais e, em particular, os transtornos do tipo extrapiramidal ou do sistema nervoso vegetativo, como aqueles que ocorrem com o uso dos antipsicóticos, são excepcionais. Os efeitos indesejáveis mais comuns são as ataxias e em alguns casos descreveuse o aparecimento de excitação paradoxal, provavelmente devido à desinibição, como aquela produzida pelo etanol, da agressividade ou hostilidade latentes. Em especial, o diazepam afeta severamente a percepção, podendo propiciar, por exemplo, quedas em gatos. Ainda, nesta espécie é relatada hiperatividade paradoxal em algumas raças, aumento de vocalização e aumento de comportamento predatório. O aparecimento da amnésia foi constatado com o uso de alguns destes medicamentos, sendo este efeito benéfico quando se considera seu uso como medicação préanestésica. Por outro lado, este efeito pode mascarar certos comportamentos aprendidos. O médicoveterinário deve lembrarse de que, embora os benzodiazepínicos promovam relaxamento muscular, os animais são ainda capazes de responder de maneira agressiva, por exemplo, mordendo, quando se sentirem ameaçados. O diazepam, em particular, produz em felinos um quadro de necrose hepática idiopática, cuja causa é ainda desconhecida. Esta alteração é observada em gatos que recebem prolongadamente baixas doses do benzodiazepínico (administração por 7 dias ou mais) e, embora não tenha alta incidência, geralmente todos os animais acometidos vêm a óbito. Atualmente estão em discussão os possíveis efeitos teratogênico e carcinogênico dos benzodiazepínicos. Na espécie humana, a ingestão materna de clordiazepóxido ou diazepam foi associada ao aparecimento de fenda palatina. Portanto, devese evitar o emprego de benzodiazepínicos em animais destinados à reprodução. Ainda, deve ser destacado que os benzodiazepínicos causam aumento do apetite (ver Capítulo 32) e, dependendo da situação, esse efeito pode ser considerado indesejável. Antagonista. Embora os benzodiazepínicos tenham alta margem de segurança, em algumas situações os animais podem ficar expostos a doses elevadas; nestes casos, recomendase a utilização de flumazenil, um antagonista de receptores dos benzodiazepínicos (Lanexat®, Flumazen®), descoberto em 1981. Recomendase, em cães e gatos, flumazenil na dose de 0,1 mg/kg por via intravenosa. Usos, posologia e especialidades farmacêuticas Os benzodiazepínicos em Medicina Veterinária são usados, tanto em cães como em gatos, para reduzir a ansiedade geral, bem como medos e fobias, sem que haja alteração de outros comportamentos. Estes medicamentos, no entanto, não são aqueles de escolha para reduzir a agressividade (para detalhes, ver Capítulo 16). Os benzodiazepínicos, particularmente o diazepam, são a primeira opção para tratamento de emergência nas diferentes espécies animais em status epilepticus (ver Capítulo 13), mesmo em cães, nos quais este benzodiazepínico apresenta meiavida muito curta. Os benzodiazepínicos são também empregados para promover miorrelaxamento de ação central, e, associados ou não, aos tranquilizantes maiores, são usados na préanestesia. Encontrase, ainda, disponível no mercado nacional para uso em Medicina Veterinária, o zolazepam associado ao anestésico dissociativo tiletamina, sendo comercializado com os nomes de Zoletil® e Telazol®. Quando o emprego do benzodiazepínico é prolongado e a terapia com estes medicamentos não é mais requerida, recomendase a retirada gradual, reduzindose a dose diariamente, em um total de 10 a 25% por semana. O Quadro 14.2 mostra a posologia de alguns benzodiazepínicos utilizados em Medicina Veterinária. Há vários outros, porém as doses ainda não foram estabelecidas para animais, como: bromazepam (Lexotan®, Somalium®), clordiazepóxido (Limbitrol®, associação com amitriptilina), estazolam (Noctal®), flunitrazepam (Rohypnol®) etc. Buspirona A buspirona é uma azapirona (azaspirona, azaperona ou azaspirodecanodiona), sendo a única representante desse grupo comercializada no Brasil. Em seres humanos, a buspirona é empregada no tratamento da ansiedade. A vantagem da buspirona em relação aos benzodiazepínicos inclui a ausência de efeito sedativo e a sua grande margem de segurança. Por outro lado, a buspirona deve ser administrada por no mínimo 1 a 2 semanas para se verificarem os efeitos benéficos. A buspirona é rapidamente absorvida por via oral, mas sofre extensa biotransformação devido ao efeito de primeira passagem, por processos de hidroxilação e dealquilação, formando, assim, diversos metabólitos ativos. O exato mecanismo de ação da buspirona ainda não é totalmente conhecido, no entanto, acreditase que seu efeito ansiolítico seja devido a sua atuação como agonista parcial em receptores serotoninérgicos, com grande afinidade aos receptores 5HT1A: nos receptores présinápticos somatodendríticos (autorreceptores) diminui a frequência de disparos do neurônio serotoninérgico présináptico e nos receptores póssinápticos compete com a serotonina por esses receptores e, consequentemente, reduz sua ação. Além disto, este medicamento também atua em receptores dopaminérgicos (antagonista D2), mas acreditase que este fato não contribua para o efeito ansiolítico deste medicamento. A buspirona não atua diretamente em receptores GABAérgicos, no entanto, potencializa a ligação de benzodiazepínicos no seu receptor. Quanto aos efeitos adversos, tem sido descritos, em seres humanos, bradicardia/taquicardia, irritação, distúrbios gastrintestinais, comportamento estereotipadoe cansaço. Em Medicina Veterinária, a buspirona vem sendo empregada principalmente em felinos, em quadros de ansiedade, como no tratamento do comportamento de urinar inapropriado (aspersão de urina e marcação de território) e também em quadros de agressividade entre felinos. Em cães, pode ser utilizado para o controle de agressividade e da ansiedade. A dose de buspirona (Ansitec®, Buspar®) indicada para cães é de 1 a 2 mg/kg, VO, a cada 8 a 12 h; para felinos, recomendase administrar 0,5 a 1 mg/kg, VO, a cada 8 a 24 h. Bloqueadores beta-adrenérgicos O mecanismo de ação dos betabloqueadores é descrito em detalhes no Capítulo 7. A utilização destes medicamentos, particularmente o propranolol (Cardix®, Propramed®; e como cloridrato de propranolol, Inderal®, além de diversos medicamentos genéricos) e o pindolol (Viskaldix®, Visken®), se refere ao bloqueio de alguns efeitos produzidos pela norepinefrina, neurotransmissor que é liberado em situações de medo ou de ansiedade. Assim, estes betabloqueadores são utilizados em seres humanos para diminuir algumas manifestações de medo e/ou ansiedade, como tremores, agitação, taquicardia e alterações do trato gastrintestinal. Em animais, estes medicamentos vêm sendo empregados em situações de fobia ao barulho. Além deste efeito, os bloqueadores betaadrenérgicos, principalmente o pindolol, são utilizados em cães que apresentam comportamento agressivo, uma vez que esta substância bloqueia receptores serotoninérgicos. A dose recomendada de propranolol para cães é de 5 a 40 mg/kg, por via oral, a cada 8 h; para felinos a dose é de 0,2 a 1 mg/kg, também por via oral, a cada 8 h. Em relação ao pindolol, indicase a dose de 0,125 a 0,25 mg/kg, por via oral, a cada 12 h; não havendo dose deste betabloqueador indicada para gatos. AGONISTAS DE α2-ADRENORRECEPTORES Os agonistas de receptores α2adrenérgicos são: xilazina (Figura 14.4), detomidina, medetomidina, dexmedetomidina (enantiômero dextrógiro da medetomidina) e romifidina; são mais comumente empregados nas espécies canina, felina e equina. A xilazina, um medicamento com propriedades tranquilizante, relaxante muscular de ação central e analgésica, foi sintetizada na Alemanha em 1962. É o membro mais antigo desta classe de medicamentos usados em Medicina Veterinária. Os efeitos destes medicamentos são consequência de sua atuação como agonistas em α2adrenorreceptores tanto centrais como periféricos e, portanto, apresentam efeitos farmacológicos qualitativamente similares. Os α2agonistas podem ser classificados como sedativos hipnóticos, possuindo adicionalmente propriedades analgésicas e relaxantes musculares. Farmacocinética Dentre os componentes desta classe de medicamento, têm sido mais amplamente estudadas as características farmacocinéticas da xilazina. Após a administração pelas vias parenterais, a xilazina é rapidamente distribuída pelos vários tecidos, em particular o SNC, e biotransformada. Os ruminantes são mais sensíveis aos efeitos da xilazina e especulase que isto seja consequência da atividade de um ou mais metabólitos ativos formados por estas espécies animais. A principal via de eliminação é a renal. Em função da similaridade da estrutura química da xilazina com aquela da lidocaína, especulase a respeito do possível efeito anestésico local produzido pela xilazina. ■ Figura 14.4 Estrutura química da xilazina. Efeitos terapêuticos e colaterais Xilazina, detomidina, medetomidina, dexmedetomidina e romifidina são agonistas de receptores α2adrenérgicos localizados présinapticamente, os quais, quando estimulados, impedem a liberação de norepinefrina através da inibição do influxo de íons Ca++ na membrana neuronal. A estimulação destes receptores no SNC promove efeito hipotensor e tranquilizante; este último é resultado da diminuição da atividade da projeção noradrenérgica ascendente da formação reticular. A participação da norepinefrina na modulação da dor é mais complexa, pois envolve outros neurotransmissores, como a serotonina e endorfinas; sabese que a norepinefrina inibe neurônios nociceptivos espinais, porém a origem anatômica da projeção noradrenérgica descendente ainda não foi estabelecida. Os α2adrenorreceptores centrais são similares aos periféricos, porém na musculatura lisa vascular estes receptores têm localização póssináptica e, quando estimulados, promovem vasoconstrição. Os efeitos sobre o SNC observados quando da administração dos agonistas de α2adrenorreceptores são: sedação, hipnose, relaxamento muscular, ataxia, analgesia, depressão do centro vasomotor e aumento tanto do tônus vagal como da atividade dos barorreceptores. Os efeitos periféricos são caracterizados por: bradicardia; bloqueio cardíaco de segundo grau; inicialmente aumento transitório da pressão arterial, seguido de queda moderada; aumento da pressão venosa central; redução da frequência respiratória e do volume corrente; relaxamento da musculatura do trato respiratório superior. Outros efeitos dos agonistas de adrenorreceptores incluem: diminuição da secreção de hormônio antidiurético e consequente diurese aumentada; hiperglicemia; hipoinsulinemia; tanto aumento como diminuição da motilidade gastrintestinal; aumento da resistência vascular e do consumo de oxigênio do trato gastrintestinal; efeito ocitócico em bovinos, porém não em éguas prenhes; salivação; piloereção, transpiração, prolapso peniano, tremor muscular leve e abaixamento da cabeça em equinos. A xilazina exerce excelente efeito analgésico visceral, no entanto, devese considerar que o efeito analgésico tem duração de até 20 min após a aministração de xilazina ou detomidina, enquanto o efeito sedativo é observado por maior período de tempo. Este fato tem relevância, pois ao se administrarem estes medicamentos, após um determinado período de tempo, o animal pode sentir dor, porém, devido aos efeitos sedativos e hipnóticos, este não consegue responder ao estímulo doloroso. Antagonistas. Ioimbina (Yomax®, Libiplus®, Tonoklen®), tolazolina, atipamezol (Antisedan®, produto veterinário, para uso em cães e gatos)) e piperoxam são antagonistas de α2adrenorreceptores que podem ser empregados em situações nas quais usouse dose excessiva ou quando da ocorrência de complicações após a administração de doses adequadas dos agonistas de α2adrenorreceptores. Alguns clínicos utilizam esses antagonistas até mesmo para obter uma recuperação mais rápida do animal. Usos, posologia e especialidades farmacêuticas Os agonistas de α2adrenorreceptores são usados para a contenção de animais, promoção de analgesia e de miorrelaxamento de ação central e como agente préanestésico. Estes medicamentos potencializam os efeitos dos anestésicos de maneira mais eficiente que os tranquilizantes maiores (neurolépticos); podem ser usados isoladamente ou associados a outros medicamentos préanestésicos, a fim de reduzir seus efeitos colaterais, como, por exemplo, com os tranquilizantes maiores (acepromazina) e, ainda, na neuroleptoanalgesia. Os agonistas de α2adrenorreceptores diferem entre si na potência e duração dos efeitos. O início dos efeitos após a administração por via intravenosa é quase imediato (1 a 3 min), enquanto o início é de 3 a 5 min após a administração por via intramuscular. O pico do efeito sedativo ocorre aproximadamente 15 min após a administração. A intensidade e a duração dos efeitos são dosedependentes; de modo geral, a duração dos efeitos da xilazina varia de 30 a 60 min e da detomidina de 60 a 150 min. A medetomidina e a dexmedetomidina tem sido indicada para cães e gatos, sendo a primeira cerca de 20 vezes mais potente que a xilazina. A romifidina é indicada para equinos;nesta espécie animal produz menos ataxia que os demais agonistas de α2 adrenorreceptores e a duração dos efeitos é maior (de 40 a 80 min). O Quadro 14.3 mostra as especialidades farmacêuticas e posologia desses medicamentos. RELAXANTES MUSCULARES DE AÇÃO CENTRAL Os relaxantes musculares podem ser de ação periférica (estudados no Capítulo 8) ou de ação central. Este último grupo determina relaxamento muscular transitório e reversível, sem deprimir a condução nervosa em nível periférico, a transmissão neuromuscular, a excitabilidade ou a contratilidade muscular. São utilizados no tratamento do espasmo da musculatura, que se caracteriza por aumento nos reflexos de extensão e dolorosos espasmos de músculos flexores. São várias as condições clínicas nas quais se verifica este quadro, tais como no tétano, na intoxicação por estricnina, nas miosites, em entorse ou estiramento de ligamentos e, até mesmo, na ansiedade. Esse grupo de medicamentos também pode ser usado como medicação préanestésica, particularmente a guaifenesina. QUADRO 14.3 Dose dos agonistas de α2adrenorreceptores. Agonista de α2- adrenorreceptores Dose Produtos veterinários Xilazina Equinos: 0,5 a 1,1 mg/kg, IV; 1 a 2 mg/kg, IM Bovinos: 0,03 a 0,1 mg/kg, IV; 0,1 a 0,2 mg/kg, IM Ovinos: 0,05 a 0,1 mg/kg, IV; 0,1 a 0,3 mg/kg, IM Caprinos: 0,01 a 0,5 mg/kg, IV; 0,05 a 0,5 mg/kg, IM Suínos: 2 a 3 mg/kg, IM Cães e gatos: 0,5 a 1 mg/kg, IV; 1 a 3 mg/kg, IM Rompun®, Anasedan®, Dopaser®, Dorcipec®, Virbaxyl®, Kensol®, Sedazine®, Sedomin® Detomidina Equinos: 0,01 a 0,04 mg/kg, IV; 0,04 a 0,08 mg/kg, IM Bovinos: 0,03 a 0,06 mg/kg, IV Domosedan®, Eqdomin®, Dormiun V® Medetomidina Cães: 0,03 a 0,04 mg/kg, IM Gatos: 0,08 a 0,11 mg/kg, IM Medetor®* Dexmedetomidina Cães: 375 µg/m2, IV; 500 µg/m2, IM Gatos: 40 µg/kg, IM Dexdomitor® Romifidina Equinos: 0,04 a 0,1 mg/kg, IV Cães: 40 a 120 µg/kg, IV, IM, SC Gatos: 200 a 400 µg/kg, IM, IV Sedivet®* IM: via intramuscular; IV: via intravenosa; SC: via subcutânea; VO: via oral. *Produto comercial não disponível no Brasil. Para que se possa melhor entender o mecanismo de ação destes medicamentos é necessário conhecer o funcionamento das estruturas envolvidas com a espasticidade e controle reflexo do movimento no nível da medula espinal e periferia. Bases anatomofisiológicas do arco reflexo O fuso muscular é uma estrutura fusiforme sensorial complexa dentro do músculo que serve para sinalizar alterações de extensão muscular. Sua terminação sensorial primária (terminação distal de fibras nervosas aferentes mielinizadas) está envolta por fibras musculares muito pequenas. Estas fibras musculares são denominadas fibras musculares intrafusais, para diferenciálas das fibras extrafusais, que estão fora do fuso e cuja estimulação produz a contração da musculatura (Figura 14.5). Como o fuso muscular encontrase em paralelo com as fibras extrafusais, o alongamento da massa muscular, como um todo, é acompanhado por um estiramento do fuso muscular, produzindo impulsos nervosos, os quais são conduzidos por neurônios aferentes (Ia) até a medula espinal. O Ia, no nível da medula, faz sinapses com motoneurônios α e γ, os quais, por sua vez, fazem sinapse com as células de Renshaw e com as células internunciais. As fibras eferentes motoras liberam acetilcolina (ACh) em suas junções neuromusculares, nas fibras intrafusais, exatamente como as fibras dos motoneurônios α fazem nas fibras extrafusais. Toda vez que ocorrer relaxamentode fibras musculares intrafusais, isto acarretará a geração de um potencial de ação, fazendo com que os motoneurônios α e γ contraiam as fibras musculares. O tônus muscular é a consequência da descarga sucessiva e reiterada dos motoneurônios α, sendo o funcionamento destes regulado pela atividade do sistema de motoneurônios do tipo γ, os quais regulam e sensibilizam a resposta do reflexo miotático (Figura 14.5). Os motoneurônios a fazem ainda sinapse, no nível da medula, com fibras descendentes, colinérgicas e dopaminérgicas, e esses dois sistemas promovem efeitos contrários e equilíbrio de efeitos em estado normal. Assim, o predomínio de transmissão colinérgica produz hipertonia e rigidez muscular, ao passo que a dopamina desempenha papel inibidor dos motoneurônios α, levando, consequentemente, ao relaxamento da musculatura. Miorrelaxantes de ação central Guaifenesina A guaifenesina (guaiacolato de glicerila, éter glicerila guaiacol – comercializado apenas em outros países, com o nome de Gecolate™) é um eficaz relaxante muscular, comumente utilizado com esta finalidade em equinos e, com menos frequência, em cães, bovinos e suínos. Seu mecanismo de ação não está completamente elucidado; acreditase que a guaifenesina atue como agonista glicinérgico. Este neurotransmissor é encontrado no tronco cerebral e na medula espinal (células de Renshaw), promovendo hiperpolarização póssináptica nos motoneurônios. Os primeiros músculos nos quais se observa o relaxamento são aqueles dos membros, ao contrário dos respiratórios, que, em geral, não são afetados. Assim, opostamente aos bloqueadores musculares periféricos, a guaifenesina não causa relaxamento do diafragma, podendo, por isso, ser utilizada sem a necessidade de respiração artificial. Este relaxante muscular possui também, como vantagem, leve efeito analgésico e sedativo; assim, a guaifenesina potencializa o efeito de medicação préanestesia ou anestésica. ■ Figura 14.5 Esquema do arco reflexo: (1) fuso muscular; (2) neurônio aferente; (3) motoneurônio α; (4) motoneurônio γ; (5) célula de Renshaw; (6) célula internuncial. A guaifenesina é administrada preferencialmente por via intravenosa, podendo também ser administrada por via oral. Normalmente este medicamento é associado, em concentração a 5%, à solução estéril de dextrose a 5% e administrado através de um cateter de grosso calibre (12 a 14 G). A solução de guaifenesina é estável; entretanto, pode ocorrer precipitação, recomendandose, assim, que a solução seja preparada em dextrose aquecida, imediatamente antes do uso. O fígado é o principal sítio de biotransformação da guaifenesina, onde sofre dealquilação, formando catecol, e a seguir sendo conjugado a substâncias mais polares. Diferentemente do que ocorre com os bloqueadores neuromusculares, a guaifenesina atravessa a barreira placentária, podendo promover depressão de movimentos fetais. Portanto, embora possa ser empregada em gestantes, devese ter cuidado ao se administrar este medicamento em animais prenhes. As principais indicações para o uso da guaifenesina, em equinos, são na prémedicação anestésica, no tratamento de tétano, na intoxicação por estricnina, na contenção química e ainda em manobras obstétricas. O Quadro 14.4 apresenta a posologia da guaifenesina para diferentes espécies animais. A guaifenesina apresenta ampla margem de segurança, ocasionando mínima depressão respiratória com as doses preconizadas. O uso de soluções concentradas de guaifenesina pode causar hemólise intravascular, sendo a extensão da hemólise proporcional à concentração do medicamento usado e não propriamente à dose total empregada. Desta maneira, o fator limitante para o uso de guaifenesina, em animais de pequeno porte, é o grande volume de solução que deverá ser infundido. O principal efeito tóxico da administração de doses elevadas de guaifenesina é o aparecimento de violentos espasmos de músculos extensores, seguindose um estágio semelhante à anestesia. A morte ocorre por parada cardíaca, precedida ou não por parada respiratória. Metocarbamol O metocarbamol (comercializado, porém não no Brasil, com os nomes Methocarbamol™,RobaxinV™) é um eficiente relaxante muscular usado em equinos, cães e gatos, tendo como principal indicação a terapia da dor de origem muscular esquelética, como na miopatia de esforço, espasmo da musculatura, trauma da medula espinal, inflamação em articulações, nas intoxicações por estricnina e por piretroides e no tétano. O mecanismo de ação deste medicamento não está perfeitamente elucidado; acreditase que o relaxamento muscular se faça por ação específica nos neurônios internunciais, promovendo bloqueio prolongado nas vias de reflexos polissinápticos. A dose e a frequência de administração do metocarbamol dependem da gravidade do processo e da resposta do paciente. Para cães e gatos, em condições moderadas, recomendase a administração oral de 44 mg/kg, 3 vezes/dia. Em condições graves, recomendase a administração intravenosa do relaxante muscular, na dose de 55 a 220 mg/kg. Em equinos, somente a IV é utilizada, recomendandose, para condições moderadas, a dose de 4,4 a 22 mg/kg e, em condições graves, como no tétano, a administração de 22 a 55 mg/kg. QUADRO 14.4 Dose da guaifenesina, sozinha ou associada, para diferentes espécies animais. Espécie animal Finalidade Dose (mg/kg) Associações (mg/kg) Cães Indução de anestesia Relaxamento da musculatura (no tétano ou intoxicação por estricnina) 44 a 88, IV 110, IV 33 a 88 de guaifenesina + 1,1 de cetamina IV Equinos Indução de anestesia 110, IV* 50 de guaifenesina + 2,2 de xilazina + 17 de cetamina IV Bovinos Indução de anestesia 66 a 132 44 a 88 de guaifenesina + 0,66 a 1,1 cetamina IV Suínos Indução de anestesia 44 a 88 33 a 88 de guaifenesina + 1,1 cetamina IV Caprinos Indução de anestesia 66 a 132 33 a 88 de guaifenesina + 1,1 cetamina IV IV: via intravenosa. *Administrar 1/3 ou 1/2 da dose total até que o animal se deite; devese administrar então o restante, observando se não há alterações respiratórias ou cardíacas. Os principais efeitos colaterais relacionados com as doses elevadas de metocarbamol são salivação excessiva, vômitos, fraqueza muscular e incoordenação motora. Não se recomenda o uso deste medicamento na gestação; também não se indica o uso de metocarbamol injetável em animais com comprometimento renal, pois o produto nesta apresentação contém polietilenoglicol 300, que, em humanos com doença renal prévia, induz ao aumento de acidose e retenção de ureia. A injeção perivascular do metocarbamol pode promover inflamação aguda e necrose. Benzodiazepínicos | Diazepam Foram discutidos anteriormente os efeitos miorrelaxantes dos benzodiazepínicos. Baclofeno O baclofeno (comercializado com o nome de Lioresal®) é um derivado sintético do GABA, atuando como agonista de receptores GABAB. Propõese que seu efeito relaxante muscular se faça em nível medular, atuando nos receptores GABAB, os quais desempenhariam função inibitória présináptica, reduzindo a liberação de neurotransmissores excitatórios de neurônios aferentes da medula espinal. O baclofeno é tão eficiente quanto o diazepam na produção de miorrelaxamento, entretanto produz menos sedação, sendo este fator limitante para seu uso na préanestesia; por isto, em Medicina Veterinária, vem sendo usado, basicamente, no tratamento de retenção urinária em cães. Outro inconveniente, quando da utilização do baclofeno na clínica veterinária, é o fato de estar disponível somente por via oral. Pouco se conhece sobre seus efeitos colaterais nas diferentes espécies animais domésticas, pois são escassos os estudos clínicos deste medicamento em animais domésticos. Recomendase que, quando houver a descontinuidade de uso do medicamento, devese fazêlo de maneira gradativa, pois alucinações e convulsões foram descritas em humanos após parada abrupta do uso deste relaxante muscular. BIBLIOGRAFIA Airton Bagatini, A.; Gomes, C.R.; Masella, M.Z.; Rezer, G. Dexmedetomidina: farmacologia e uso clínico. Rev Bras Anestesiol., v. 52, n. 5, p. 606617, 2002. Akabas, M.H. 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