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DOCÊNCIA EM SAÚDE PSICOMOTRICIDADE E DESENVOLVIMENTO HUMANO 1 Copyright © Portal Educação 2012 – Portal Educação Todos os direitos reservados R: Sete de setembro, 1686 – Centro – CEP: 79002-130 Telematrículas e Teleatendimento: 0800 707 4520 Internacional: +55 (67) 3303-4520 atendimento@portaleducacao.com.br – Campo Grande-MS Endereço Internet: http://www.portaleducacao.com.br Dados Internacionais de Catalogação na Publicação - Brasil Triagem Organização LTDA ME Bibliotecário responsável: Rodrigo Pereira CRB 1/2167 Portal Educação P842p Psicomotricidade e desenvolvimento humano / Portal Educação. - Campo Grande: Portal Educação, 2012. 210p. : il. Inclui bibliografia ISBN 978-85-66104-43-1 1. Psicomotricidade. 2. Desenvolvimento humano. I. Portal Educação. II. Título. CDD 152.3 2 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO À PSICOMOTRICIDADE E DESENVOLVIMENTO HUMANO ......................... 6 2 CONTEÚDO EPISTEMOLÓGICO DA PSICOMOTRICIDADE .................................................. 8 2.1 ORIGEM, CONCEITOS E DEFINIÇÕES DE PSICOMOTRICIDADE ......................................... 8 2.2 FILOGÊNESE, ONTOGÊNESE E RETROGÊNESE .................................................................. 9 3 HISTÓRIA DA PSICOMOTRICIDADE ...................................................................................... 14 3.1 MOVIMENTOS DA PSICOMOTRICIDADE ............................................................................... 15 3.2 TEORIAS E MOVIMENTOS QUE CONSTRUÍRAM A PSICOMOTRICIDADE ......................... 16 3.3 VERTENTES DA PSICOMOTRICIDADE .................................................................................. 18 4 PSICOMOTRICIDADE TERAPÊUTICA .................................................................................... 24 5 PSICOMOTRICIDADE RELACIONAL ...................................................................................... 37 6 EDUCAÇÃO PSICOMOTORA .................................................................................................. 42 6.1 ESPAÇO TEMPORAL ............................................................................................................... 45 6.2 PERCEPÇÃO CORPORAL ....................................................................................................... 46 6.3 EQUILÍBRIO .............................................................................................................................. 46 6.4 LATERALIDADE ........................................................................................................................ 47 6.5 RITMO ...................................................................................................................................... 48 6.6 COORDENAÇÃO VISOMOTORA ............................................................................................. 48 6.7 COORDENAÇÃO MOTORA AMPLA OU GLOBAL ................................................................... 49 6.8 COORDENAÇÃO MOTORA FINA ............................................................................................ 49 6.9 AGILIDADE ............................................................................................................................... 50 6.10 TONICIDADE ............................................................................................................................ 50 3 7 CURRÍCULO EM MOVIMENTO ................................................................................................ 51 8 AÇÃO DO PSICOMOTRICISTA ............................................................................................... 56 8.1 ATUAÇÃO DO PSICOMOTRICISTA ......................................................................................... 56 8.2 CLIENTELA E MERCADO DE TRABALHO .............................................................................. 57 8.3 DIAGNÓSTICO, INTERVENÇÃO E AVALIAÇÃO .................................................................... 57 8.4 INVESTIGAÇÃO E FUNÇÃO DA PSICOMOTRICIDADE ......................................................... 59 9 INTRODUÇÃO AO DESENVOLVIMENTO HUMANO .............................................................. 71 10 ETAPAS DO DESENVOLVIMENTO HUMANO ........................................................................ 73 10.1 PERSPECTIVAS TEÓRICAS DO DESENVOLVIMENTO HUMANO: PSICANALÍTICA, APRENDIZAGEM, COGNITIVA, ETIOLÓGICA E CONTEXTUAL ..................................................... 74 10.2 CONCEPÇÃO E INFLUÊNCIA DA HEREDITARIEDADE E DO AMBIENTE NO DESENVOLVIMENTO HUMANO ........................................................................................................ 75 11 DESENVOLVIMENTO FÍSICO INICIAL E DA PRIMEIRA INFÂNCIA ...................................... 83 11.1 NASCIMENTO E DESENVOLVIMENTO INICIAL ..................................................................... 83 11.2 REFLEXOS PRIMITIVOS DO RECÉM-NASCIDO .................................................................... 87 11.3 DESENVOLVIMENTO MOTOR................................................................................................. 91 12 ORGANIZAÇÃO HIERÁRQUICA DE DESLOCAMENTOS CORPORAIS DE HENRI WALLON ............................................................................................................................................. 97 12.1 TESTE DE AVALIAÇÃO DO DESENVOLVIMENTO ................................................................ 103 13 DESENVOLVIMENTO COGNITIVO INICIAL E DA PRIMEIRA INFÂNCIA ............................. 105 13.1 TEORIA BEHAVIORISTA: APRENDIZAGEM DO BEBÊ ......................................................... 105 13.2 ABORDAGEM PIAGETIANA: ETAPAS COGNITIVAS ............................................................. 107 13.2.1 Estágio Sensório-motor ............................................................................................................ 107 13.3 ABORDAGEM PSICOMÉTRICA: TESTAGEM DA INTELIGÊNCIA ......................................... 109 4 13.4 ABORDAGEM FILOSÓFICA: PERCEPÇÃO E SIMBOLISMO ................................................. 111 14 DESENVOLVIMENTO DA LINGUAGEM NOS PRIMEIROS ANOS DE VIDA ........................ 115 14.1 LINGUAGEM FALADA ............................................................................................................. 117 14.2 LINGUAGEM NÃO VERBAL .................................................................................................... 120 14.3 LINGUAGEM ESCRITA, ALFABETIZAÇÃO E LEITURA ......................................................... 122 15 DESENVOLVIMENTO PSICOSSOCIAL NOS PRIMEIROS ANOS DE VIDA ......................... 125 15.1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................................... 125 15.2 NEUROPSICOLOGIA DAS EMOÇÕES ................................................................................... 126 15.3 INDEPENDÊNCIA E INTERDEPENDÊNCIA NAS RELAÇÕES HUMANAS ............................ 128 16 BRINCAR NA CONSTRUÇÃO DO DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA .............................. 130 17 INTRODUÇÃO AO DESENVOLVIMENTO HUMANO NA SEGUNDA, TERCEIRA INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA ..........................................................................................................134 18 DESENVOLVIMENTO HUMANO NA SEGUNDA E TERCEIRA INFÂNCIA ........................... 135 18.1 DESENVOLVIMENTO FÍSICO: CRESCIMENTO E MUDANÇAS FISIOLÓGICAS .................. 136 18.2 DESENVOLVIMENTO COGNITIVO: MEMÓRIA, LINGUAGEM, INTELIGÊNCIA E PENSAMENTO ................................................................................................................................... 145 18.3 O BRINCAR NA SEGUNDA E TERCEIRA INFÂNCIA ............................................................. 150 18.4 DESENVOLVIMENTO PSICOSSOCIAL: RELAÇÕES COM O EU, O OUTRO E O MEIO AMBIENTE ......................................................................................................................................... 153 19 DESENVOLVIMENTO HUMANO NA ADOLESCÊNCIA ......................................................... 156 19.1 ETAPAS DA TRANSFORMAÇÃO: A PUBERDADE ................................................................ 157 19.2 FENÔMENOS PSICOLÓGICOS, FÍSICOS E SOCIAIS DA ADOLESCÊNCIA ........................ 158 19.3 ASPECTOS DA MATURAÇÃO COGNITIVA ............................................................................ 162 19.4 ASPECTOS EDUCACIONAIS .................................................................................................. 163 5 19.5 SEXUALIDADE ........................................................................................................................ 165 20 INTRODUÇÃO AO DESENVOLVIMENTO HUMANO NA FASE ADULTA JOVEM E NA TERCEIRA IDADE ............................................................................................................................. 168 21 DESENVOLVIMENTO DO ADULTO JOVEM .......................................................................... 169 21.1 ASPECTOS FÍSICOS: FUNCIONAMENTO SENSÓRIO E PSICOMOTOR ............................. 170 21.2 ASPECTOS COGNITIVOS: TRANSIÇÃO PARA O PENSAMENTO PÓS-FORMAL ............... 172 21.3 ASPECTOS PSICOSSOCIAIS DO ADULTO ........................................................................... 174 21.4 INTELIGÊNCIA EMOCIONAL ................................................................................................. 176 21.5 ASPECTOS EDUCACIONAIS DA VIDA ADULTA .................................................................... 178 22 DESENVOLVIMENTO NA TERCEIRA IDADE ......................................................................... 181 22.1 ASPECTOS FÍSICOS DO ENVELHECIMENTO HUMANO...................................................... 182 22.2 ASPECTOS PSICOSSOCIAIS NA VELHICE ........................................................................... 184 22.3 ASPECTOS COGNITIVOS: MEMÓRIA, ATENÇÃO E MOTIVAÇÃO ....................................... 188 22.4 EDUCAÇÃO NA TERCEIRA IDADE ........................................................................................ 190 REFERÊNCIAS .................................................................................................................................. 199 6 1 INTRODUÇÃO À PSICOMOTRICIDADE E DESENVOLVIMENTO HUMANO O material que ora se apresenta pretende contribuir na atualização, revisão de conteúdo e aprendizagem de profissionais da educação e da saúde, que manifestem interesse pelo tema Psicomotricidade e Desenvolvimento Humano. Esse é um tema muito abrangente e complexo na medida em que envolve inúmeras ciências, tais como: a neuroanatomia, a neurologia, a psicologia, a fenomenologia, a psicopedagogia, as ciências do movimento humano, a pedagogia; entre outras que se encontram intrinsecamente ligadas às primeiras supracitadas. Assim, pretende-se aqui expressar e comunicar cada temática em uma linguagem mais simplificada que nos seja possível, uma vez que o assunto exige uma terminologia específica, cuja compreensão depende do conhecimento etimológico de cada termo, no entanto usaremos nesse instrumento didático notas de rodapé, bem como um glossário em anexo ao conteúdo, para que o entendimento se faça possível. O tema se encontra descrito e dividido em dois capítulos, no qual o primeiro disserta sobre a Psicomotricidade em sua epistemologia, conceituação, história, vertentes e movimentos criados ao longo de cem anos de história da mesma. Em sua abordagem também se encontra o trabalho desenvolvido nos três paradigmas psicomotores existentes: psicomotricidade terapêutica, relacional e educativa, além da forma de diagnóstico, intervenção e avaliação utilizada pelo psicomotricista. Discute-se a função, atuação, clientela e mercado de trabalho em que existe a necessidade do serviço do psicomotricista e a importância de uma investigação contínua no campo da psicomotricidade. O segundo capítulo aborda o Desenvolvimento Humano desde a concepção até a morte do ser humano. Estudando todas as fases e os aspectos importantes da vida humana. Será possível perceber que entre o capítulo I e II, existe uma interdependência e inter-relação inevitável, visto que falaremos todo o tempo do mesmo assunto, o Homem em sua evolução enquanto espécie e seu desenvolvimento enquanto ser social. Para entender qualquer fenômeno que se passa com uma pessoa, é necessário compreender que o Homem é resultado de sua própria interação com o meio, com outrem, com os objetos e consigo mesmo; e que carrega em 7 sua memória genética a história dos seus ancestrais, consciência esta que todo indivíduo deveria possuir para evitar diversos problemas consequentes da desinformação sobre o desenvolvimento humano, da má conduta com seu próprio corpo e com seus semelhantes. Portanto, trata-se de um conteúdo rico em informações e necessário para a nossa própria compreensão sobre os fenômenos que acercam a vida humana. 8 2 CONTEÚDO EPISTEMOLÓGICO DA PSICOMOTRICIDADE 2.1 ORIGEM, CONCEITOS E DEFINIÇÕES DE PSICOMOTRICIDADE Na origem da Psicomotricidade se encerra o estudo causal e a análise de condições de adaptação e de aprendizagem que tornam possível o comportamento humano. Um médico chamado Tissié (1894), que no século XIX "tratou" pela primeira vez, "um caso de instabilidade mental com impulsividade mórbida", por meio da chamada "ginástica médica". Dessa forma, entendeu-se que o movimento humano gerava transformações na psique da pessoa, ou seja, era capaz de tratar e curar certos comportamentos motivados e controlá-los mediante atividade motora orientada. A ginástica dita médica, da época, consistia na execução de movimentos elementares coordenados, de flexões de membros, de equilíbrios, de percursos a pé, de boxe e de percursos de bicicleta, com duchas frias administrados em intervalos regulares. Para Tissié, um trabalho muscular orientado, compensaria as impulsões enfermas dos seus pacientes. O paradigma na perspectiva higienística sustentava que "dominando os movimentos, o paciente disciplinaria a razão", um conceito psicomotor relevante. A ação curativa da ginástica médica juntou-se à ação psicodinâmica da "ginástica respiratória", que emergiu essencialmente da medicina com a finalidade de "estimular os centros da sugestão” (Tissié, 1894). Esse médico, formador de opinião da época, afirmava que a ginástica médica e o controle respiratório, desenvolviam o autodomínio, solicitando os centros cerebrais, região onde se encontram os pensamentos e os movimentos, sendo o lugar onde nasce à vontade. Psicomotricidade é uma palavra que pode gerar diversos conceitos diferentes e até mesmo, em alguns modelos, um verdadeiro caos semântico que se espalha por várias profissões, desde fisiatrasa psiquiatras, desde fisiologistas a ortopedistas, desde psicólogos a psicoterapeutas, desde fisioterapeutas a professores de educação física, desde professores de música a professores de expressão artística etc. Uma vez que a Psicomotricidade é base para a compreensão de muitas ciências que estudam o corpo e a mente. Damásio (1995), 9 neurocientista português de renome mundial, ressalta que o corpo e o cérebro encontram-se indissociavelmente integrados por circuitos neurais e bioquímicos reciprocamente dirigidos de um para o outro. Para esse autor, qualquer que seja a questão que possamos levantar sobre o que somos e porque é que somos ou como somos - uma coisa é indiscutível: somos organismos vivos complexos, com um corpo propriamente dito e um sistema nervoso. Outros autores definem a Psicomotricidade: Dalila Costalat (1976) – é a ciência da educação que realiza o enfoque integral do desenvolvimento nos três aspectos: físico, psíquico e intelectual, de maneira a estimular harmoniosamente o casamento dessas três áreas em diferentes etapas do crescimento humano. Ajuriaguerra (1980) – é a realização do pensamento por meio de um ato motor, preciso, econômico e harmonioso. Morizot (1982) – “é uma ciência que tem por objetivo o estudo do homem, pelo seu corpo em movimento, nas relações com seu mundo interno e externo” (p.5). Esse conceito foi proposto durante o 1º Congresso Brasileiro de Psicomotricidade, com o intuito de viabilizar o entendimento comum do termo Psicomotricidade. Pierre Vayer (1986) – é a educação da integridade do ser por meio do corpo. A Psicomotricidade é, portanto, uma atividade que reúne o sentir, pensar e realizar no ato motor, pois como refere Wallon (1975), o pensamento e a ação motora são indissociáveis. 2.2 FILOGÊNESE, ONTOGÊNESE E RETROGÊNESE Enfim, a psicomotricidade na sua essência, define Fonseca (1981), não é só a chave da sobrevivência, como se observa no animal e na espécie humana, mas é igualmente, a chave da criação cultural, em síntese: a primeira e última manifestação da inteligência. A Psicomotricidade, em termos filogenéticos1·, tem, portanto, um passado de vários milhões de anos, porém uma história restrita de apenas cem anos. A motricidade humana, a única que se pode denominar por psicomotora, é distinta da motricidade animal por duas características: é voluntária e possui novos atributos de interação com o mundo exterior (Eccles, 1989). Ou seja, a ideia de atividade ou de motricidade pressupõe uma noção de que o homem se orienta por 1 Termos filogenéticos referem-se à filogênese – estudo da origem da espécie humana (FONSECA, 2004) 10 objetivos, agindo intencionalmente, planejando mentalmente, ação que o primata não consegue alcançar, pois a idade mental de um macaco não ultrapassa os três anos de idade mental do ser humano. FIGURA 1 FONTE: Fonseca (1998) A evolução cultural ou social, conforme Leontiev (1978) condiciona a evolução biológica ou corporal da espécie e da criança, ambas coexistem e influenciam-se, ocorrendo uma interação mútua que revela a complexidade da evolução da espécie humana. Esse é o paradigma que explica a teoria da psicomotricidade. A motricidade humana ocorre não apenas num sistema de relações biológicas, igualmente e concomitantemente em um sistema de relações sociais, em que o trabalho humano ocupa um papel fundamental. Uma vez que o trabalho é uma atividade que exige múltiplas relações entre atividade psíquica e motora, sugerindo ainda que a atividade psicológica interna, que lhe é inerente, tem sua origem na atividade motora externa, a evolução da espécie não teria condições de se realizar sem o trabalho humano, gerado pela necessidade de sobrevivência. Dessa forma, podemos dizer que a evolução de cada ser humano está diretamente relacionada à história de sua ascendência e aos aspectos filogenéticos de sua existência, o que irá influenciar igualmente sobre sua descendência e na ontogênese de seus descendentes, embora Luria (1986) não concorde com esse pensamento, pois considera que cada sujeito constrói sua história na relação com o meio no qual se desenvolve e que esse tem poder de transformação das heranças genéticas e filogenéticas. 11 O binômio cérebro-corpo (sinônimo de psicomotricidade), mais complexo do reino animal é definitivamente o da espécie humana. Fonseca (2004) reforça que o ser humano, evoluindo de Homo fabers, para Homo habilis, de Homo erectus para Homo sapiens, atingiu uma multiplicidade de conquistas motoras adaptativas importantes, que explicam o desenvolvimento do homem inclusive na ontogênese (estudo da origem do desenvolvimento do ser humano). Exemplificando: a postura bípede (em pé) desenvolveu as praxias2 finas (motricidade fina) e a especialização sensório-motor corporal e hemisférica, aperfeiçoando os sentidos, a orientação espaço-temporal, a interação sexual e vinculação socioafetiva, as representações sensórias dos movimentos (gnósico-práxicas) e elevada coordenação para trabalhar. A linguagem e a comunicação sofreram impressionante evolução, desenvolvendo-se da mímico-gestual para a sonora e falada, a linguagem articulada e expressiva. Os costumes sociais foram construindo a cultura e as tradições comportamentais que eram intergeracionais. Assim, podemos afirmar que por trás da ontogênese encontra-se a sociogênese (origem do comportamento social humano), pois todos os componentes da motricidade infantil encontram-se dependentes do envolvimento social e cultural, que contextualiza a conduta da criança nos seus fatores psicológicos e motores indissociáveis. Em resumo, refere Fonseca (1998), a gênese (origem) da consciência é a gênese da psicomotricidade, na qual a relação da imagem do outro, regula, orienta e controla a postura, lateralidade e motricidade da criança. Para Vygotsky (1988), as capacidades psicológicas da criança desenvolvem-se a partir, e por meio das atividades motoras e práticas de relação e interação, com o mundo social e com o mundo dos objetos, principalmente de forma lúdica, modo que domina seu universo simbólico. 2 Praxia – ato motor voluntário; praxia fina refere-se à motricidade fina (movimentos pequenos que requer precisão), praxia ampla é sinônimo de motricidade ampla ou global (movimentos grandes que exigem grandes grupos musculares, equilíbrio e noção de espaço e tempo). 12 FIGURA 2 FONTE: Disponível em: < http://healthcarenutricao.blogspot.com.br/ >. Acesso em: 16/05/2012 Por último, a retrogênese, em psicomotricidade, vem a ser o estudo dos fenômenos relacionados à involução (retrocesso) das funções psicomotoras (equilibração, noção de corpo, estruturação espaço-temporal, tonicidade e praxias) e a adaptação do indivíduo à senescência (velhice), nos contextos ambientais desde a família, à sociedade e às organizações. Dessa forma, o ser humano, no declínio de suas capacidades vitais, cognitivas e motoras, inicia um processo de reconstrução, ou de readaptação às situações da vida, ao meio social. É uma etapa de reconhecimento e aprendizagem de novas formas de ação motora, dependendo principalmente da ação psíquica e da consciência das limitações físicas, espaciais, estruturais e das praxias que demonstram o nível da involução motora. A importância da construção de um relacionamento social produtivo e ativo torna-se fundamental nesta etapa. O desenvolvimento das funções motoras se faz primordial, mantendo ativotodo o sistema funcional, orgânico, psicológico e emocional, retardando o processo de envelhecimento. 13 FIGURA 3 FONTE: arquivo pedagógico. A velhice envolve dois processos, sendo um fisiológico, (denominado senescência) e outro metabólico (chamado de senilidade). Envelhecer é viver, é mover-se, essa afirmativa é tomada como base para as justificativas de programas de prevenções e de reabilitação psicomotora (Fonseca, 1998). O envelhecimento é um processo contínuo e inevitável, que constitui uma etapa da vida onde é preciso estudar, tendo em vista que ocorre uma série de modificações que necessitarão de adaptações. Tais modificações somáticas, psíquicas e psicomotoras serão combatidas com medidas reabilitativas, ativas e preventivas. A motricidade humana pode, assim, ser entendida em uma relação triárquica teoricamente (FONSECA, 2004), que aqui faremos uma primeira referência e abordaremos melhor em capítulo posterior: A subteoria multicomponencial traz uma explicação filogenética do desenvolvimento psicomotor. Refere-se à dimensão do mundo interior do indivíduo e aos componentes do ato motor: tônus, postura, lateralização, noção de corpo, estruturação espaço-temporal, praxia global ou coordenação motora ampla, e praxia fina ou coordenação motora fina. Esses componentes são necessários, de forma que o indivíduo tenha competências para solucionar problemas, e estão intrinsecamente relacionadas à sua história evolucionária enquanto espécie humana. A subteoria multiexperencial, por se referir à familiarização, à prática e à aprendizagem integrada, que encerram a utilização dos componentes psicomotores em concordância com a sua dimensão mnésica (relativo à memória) e ontogenética, (FONSECA, 1989), encara a dialética dos diversos períodos de desenvolvimento, do bebê ao idoso. A subteoria multicontextual, por se relacionar com o mundo exterior e com os ecossistemas onde decorre a evolução psicomotora, refere-se à retrogênese, de certa forma, à 14 eficiência dos vários sistemas biopsicossociais, como reflexos da adaptabilidade dos contextos às características dos indivíduos, desde a família, à escola, à sociedade e às suas organizações. FIGURA 4 FONTE: Fonseca (2004) 3 HISTÓRIA DA PSICOMOTRICIDADE A psicomotricidade, cujo berço de origem é a França, no final do século XIX, iniciou-se como prática terapêutica para crianças com distúrbios psicomotores. Fonseca (1981, p. 15) lembra-nos nomes de grandes pesquisadores e teóricos que ajudaram a formar conceitos, diretrizes e técnicas científicas, na área da psicomotricidade. Dupré, “a quem se deve um dos primeiros estudos sobre as relações psíquicas e as relações motoras no seu ponto de vista patológico”, Collin, Ozeretski, Wallon, Gesell, Stern, Piaget e Ajuriaguerra. Com o passar das décadas, a psicomotricidade enriqueceu-se ao deixar de ser estudada isoladamente, pois uma rede interdisciplinar colocou o estudo da motricidade e do movimento humano em um enfoque cada vez mais científico, menos mecanicista e com maior 15 ênfase no contexto global do ser humano, recebendo reconhecimento institucional a partir de Wallon. No século XX, surgiram a psicomotricidade educativa ou educação psicomotora e a psicomotricidade relacional que é uma psicomotricidade de cunho educativo com enfoque relacional citado em Negrine (2002). Esta última vertente é a mais recente, iniciada por Bernard Aucouturier e André Lapierre, é uma “abordagem que se sustenta na ação do brincar como atividade-meio” e utiliza a intervenção pedagógica de forma não diretiva também, assim como a Psicocinética. O método não diretivo, segundo Negrine (2002, p. 62) permite que “se façam interpretações significativas das ações que a criança experimenta quando se exterioriza” e, assim, mediante o ato exploratório dos espaços organizados, ela realiza atividades múltiplas, isenta de julgamentos de mérito: se está certo ou errado, se está bonito ou feio (NEGRINE, 2002). Todas as vertentes se apoiam, inicialmente, nos mesmos pesquisadores e estudiosos de psicomotricidade terapêutica, da época de seu surgimento, porém com enfoques de trabalho e objetivos diferentes. Sendo assim, a educação psicomotora tem por objetivo desenvolver as capacidades motoras dentro do âmbito escolar, educando o ser integralmente, contribuindo para o desenvolvimento evolutivo psicomotor e o sucesso escolar. Aucouturier (1986) sublinha que a educação psicomotora favorece uma tríade indissociável: a comunicação, a criação e a operação (pensamento operatório). Isso acontece no momento em que o indivíduo se relaciona consigo mesmo, com os outros e com o meio onde exercita sua atividade. A história da Psicomotricidade, no Brasil, segue os passos da escola francesa. Os estudos de Dupré às respostas de Charcot originados das vias instinto-emocional, a busca de crianças com dificuldades escolares, nortearam também os cientistas sul-americanos e brasileiros a encontrarem na França, o refúgio às suas dúvidas. A Escola Francesa de Psiquiatria Infantil e da Psicologia na época da 1ª guerra em todo mundo, ainda que tardiamente, influenciou o Brasil marcando com os primeiros ventos da Pedagogia e da Psicologia. Nos países europeus, pesquisadores se organizavam em grupos de trabalho: era preciso responder as aspirações e necessidades da sociedade industrial, que levava as mulheres ao trabalho formal, deixando as crianças em creches. Henri Wallon ousou falar em Tônus e Relaxamento e Dr. Ajuriaguerra combinou às suas pesquisas, a importância do tônus falada por Wallon em seus escritos sobre o diálogo tônico. Dra. Helena Antipoff, assistente de Claparéde, em Genebra, no Instituto Jean-Jacques Rosseau e auxiliar de Binet e Simon em Paris, da escola experimental "La Maison de Paris", 16 trouxe ao Brasil sua experiência em deficiência mental, baseada na Pedagogia do interesse, derivada do conhecimento do sujeito sobre si mesmo, como via de conquista social. A seguir se descreve um quadro de resumo comparativo entre os movimentos que construíram os conceitos epistemológicos da psicomotricidade: 3.1 MOVIMENTOS DA PSICOMOTRICIDADE TISSIÊ (1894) DUPRÉ (1925) WALLON (1925/34) Reconhecimento Institucional MOVIMENTO MOVIMENTO TERAPÊUTICO MOVIMENTO EDUCATIVO MOVIMENTO RELACIONAL/ CONSTRUTIVISTA TEÓRICOS Ayres(1979) Petat(1942) Babinsky(1934) Lapierre(1968) Parlebas(1970) EFI Estruturalista LeBoulch(1967/72) Psicocinética Mérand(1970) Pedagogia Institucional Vayer(1961/71) Lapierre; Auconturier(1973) Gardner(1995) OBJETIVOS Identificar Diagnosticar Prescrever Corrigir Retificar Recuperar Educar/aperfeiçoar Dominar/controlar Integrar/totalidade Do ser Interagir/tomar Conscientizar/explorar Refletir/socializar Cooperar/brincar 17 3.2 TEORIAS E MOVIMENTOS QUE CONSTRUÍRAM A PSICOMOTRICIDADE A ginástica médica, do paradigma higienista, iniciava, há dois séculos, o movimento psicomotricista. Com Tissié, Charcot e Dupré, a execução de movimentos coordenados tinha uma ação curativa (FONSECA, 1981), sustentando que ao dominar os movimentos, o paciente disciplinaria a razão. Eram teorias mecanicistas que supervalorizavam a anatomia funcional e morfológica,contudo, nasce neste momento da história às primeiras afirmações ocidentais a cerca das relações entre o pensamento e o movimento. As impressionantes concepções psicanalíticas de Freud, Schilder, Lacan, entre outros, levam os filósofos somáticos e fenomenologistas como Kant, Camus, Nietzsche, Merleau-Ponty, e outros, a discussões muito produtivas sobre a Psicomotricidade, relacionando a percepção, o simbolismo, às emoções às representações de corpo, imagem e consciência que influenciariam na formação de novos métodos e práticas motoras do sujeito enquanto instrumento de reação com ele mesmo, com objetos, com outros e com o meio. Surgem as primeiras representações de um corpo emocional e intrapsíquico, construtor da personalidade do indivíduo e da autoconsciência, o verdadeiro EU que emerge das experiências relacionais. Esses princípios que nasceram em Wallon e Ajuriaguerra tornaram a Psicomotricidade de terapêutica corretiva em reeducadora física e psicomotora. Também Le Boulch, Vygotsky, Piaget, Parlebas e Mérand contribuíram na criação dessa vertente pedagógica estruturalista. É o movimento cujo paradigma abraça a intencionalidade e a consciência do EU, como refere Manuel Sérgio (1984?), a motricidade é a “verdade da percepção” ou a “pensabilidade em ato, pois só se pensa verdadeiramente o que é capaz de exprimir” (p. 95). Toda e qualquer teoria que trate da comunicação humana e do desenvolvimento da espécie terá de passar obrigatoriamente pelas questões que se referem ao corpo, pois nada foge ao corpo, tudo é matéria que transcende a carne. E é assim que a teia das relações entre corpo, linguagem, movimento, percepções, pensamentos e sensações se trama. Não existe maneira de segmentar o ser humano, fatiá-lo, dissociando essas partes tão importantes como se não fossem igualmente vitais, como as partes orgânicas e fisiológicas dos órgãos viscerais. São esses componentes interdependentes que fazem um todo existencial e que dão sentido ao homem. 18 Mais recentemente, Antônio Damásio (neurologista português renomado) e Howard Gardner (psicólogo americano criador da Teoria das Inteligências Múltiplas) vêm contribuindo de forma imprescindível para a ciência do movimento humano e a Psicomotricidade. Esses teóricos, sociointeracionistas, defendem a relação construtiva do ser humano interagindo com o meio ambiente, em que não existiria evolução se não existisse interação entre corpo e cérebro, reagindo com e ao ambiente (DAMÁSIO, 1995). Com Gardner (1996), tivemos o surgimento da Teoria das Inteligências (figura 5), no qual a inteligência criadora somente pode ser compreendida à luz da evolução da inteligência sensório-motora e vertebrada, que possibilitou à espécie humana, por intermédio de sua inteligência corporal-cinestésica, transformar a natureza e acrescentar-lhe cultura. Dessa forma, a inteligência não pode distanciar-se das condições sócio-históricas concretas, de que emerge, assim, ela se torna coronário da motricidade que se interiorizou (AJURIAGUERRA; SOUBIRAN, 1959). FIGURA 5 FONTE: Fonseca (2004). 19 3.3 VERTENTES DA PSICOMOTRICIDADE O paradigma da motricidade, sendo um paradigma emergente, segundo Sérgio (1984) insere-se hoje na base de muitos estudos e pesquisas, e é reconhecido em sua importância por diversas profissões nas áreas da saúde, educação e humanas, como: medicina, fisioterapia, terapia ocupacional, fonoaudiologia, educação física, psicologia, sociologia, relações públicas, comunicação, administração de empresas, antropologia, filosofia, entre outras. São muitas as razões que fazem da motricidade humana um foco de pesquisa, porém a busca de subsídios para a compreensão sobre a evolução e desenvolvimento do ser humano e sua complexidade está entre as razões principais, como também a busca de razões para a existência de tantas patologias, muitas de fundo genético. A educação atual também vem se ancorando nos princípios psicomotores para amenizar os efeitos terríveis do baixo rendimento escolar, causados por inúmeros distúrbios de aprendizagem, desvios de comportamento social, disfunções psicológicas, entre outras situações presentes no contexto escolar. Com o intuito de facilitar a compreensão das características das principais vertentes da psicomotricidade, alguns aspectos serão analisados e categorizados em cada uma delas. No desenvolvimento desse exercício de categorização é necessário um prévio entendimento a respeito do que cada um desses aspectos irá tratar. Ao analisar a finalidade da vertente da psicomotricidade, procuramos aqui entender o objetivo principal dessa vertente, ou seja, o propósito de sua existência. Por área de base deve-se entender em qual área do conhecimento esta vertente tem suas bases, visto que a psicomotricidade busca constantemente um fundamento teórico em outras áreas do conhecimento, mudando, então, os objetivos de sua prática. Em suas diferentes vertentes, esteve alicerçada no modelo biomédico (neuropsiquiatria), passando depois para a psicologia e psicanálise e, por último, na psicopedagogia, sem contar que utiliza meios da Educação Física para a realização de sua prática. Na sequência, procuramos analisar as características, apresentando as faces das diferentes abordagens da psicomotricidade a partir de três grandes grupos: Reeducação Psicomotora, Terapia Psicomotora e Educação Psicomotora. 20 Historicamente a psicomotricidade tratou o ser humano de forma fragmentada, baseada nos princípios fundamentais do dualismo cartesiano, que consistem em separar o corpo e a alma. Posteriormente passou-se a considerá-lo em sua totalidade, isto é, o corpo começa a ser visto como uma unidade que expressa sentimentos e emoções que movem suas ações. Levin (1995) coloca que a prática psicomotora tem seu início com Edouard Guilmain, em 1935. Este médico inicia um novo método que chama de Reeducação Psicomotora, consistindo na aplicação de baterias de testes psicomotores para a avaliação do perfil da criança. Estabelece- se, então, um exame psicomotor padrão e um programa de sessões de acordo com as características dos distúrbios motores que o indivíduo apresenta, orientando as modalidades de intervenção do terapeuta. A vertente denominada Reeducação Psicomotora destina-se às crianças que apresentam déficit em seu funcionamento motor. Essa abordagem tem por finalidade ensinar a criança a reaprender como se executam ou se desenvolvem determinadas funções. Para isso, avalia-se o perfil psicomotor da criança, utilizando métodos que consistem na aplicação de baterias de testes psicomotores. Após o diagnóstico, a criança é submetida a um programa de sessões que tem como objetivo suprir as dificuldades aparentes (NEGRINE, 2002). Essa abordagem tem como base estudos da neuropsiquiatria infantil. Dessa forma, é muito voltada ao aspecto motor e entende o ser humano como um corpo instrumental, isto é, uma máquina de músculos, que, se não estiverem funcionando, devem ser reparados (LEVIN, 1995). Le Camus, ao analisar os estudos de Guilman (1935), explica que a sessão de reeducação psicomotora destina-se a três propósitos principais: reeducar a atividade tônica (com exercícios de atitude, de equilíbrio e de mímica); melhorar a atividade de relação (com os exercícios de dissociação e de coordenação motora com apoio lúdico); desenvolver o controle motor (com exercícios de inibição para os instáveis e de desinibição para os emotivos). Aucouturier (1986), em conjunto com outros estudiosos do tema, começou a sentir a necessidade da evolução de seus ensinamentos e de suas práticas. O grupo estava preocupadoem trabalhar com uma abordagem mais relacional, mais voltada à globalidade da criança. A respeito disso, Aucouturier ressalta ao referir que devemos respeitar o tempo da criança, sua maneira totalmente original de ser no mundo, de viver, de descobrir, de conhecê-lo, valorizando sua totalidade, a unidade de funcionamento da atividade motora, da afetividade e dos processos cognitivos. A principal mudança na evolução da reeducação psicomotora está na compreensão do corpo como uma unidade psicossomática e cujo movimento possui significado. Com isso a postura do reeducador frente à criança toma outra direção: ele passa a entendê-la como um ser 21 de expressividade psicomotora. Outro aspecto importante que é citado nesta nova fase da reeducação psicomotora é que a formação do reeducador é composta por uma trilogia efetuada simultaneamente: a formação pessoal, a formação teórica e a formação prática, ambas completando e enriquecendo umas às outras, reforça Aucouturier (1986). A evolução que a reeducação psicomotora passou a servir como primeiro passo de uma trajetória que a psicomotricidade ainda percorre, isto é, o desenvolvimento de uma abordagem cada vez mais preocupada com o ser humano em sua totalidade, inserido em um contexto sociocultural. A vertente chamada de Terapia Psicomotora é destinada às crianças “normais” ou portadoras de deficiências físicas, que apresentam dificuldades de comunicação, de expressão corporal e de vivência simbólica (NEGRINE, 1998). Por intermédio da avaliação, diagnóstico e tratamento, essa abordagem possibilita, por meio da relação terapêutica, a compreensão das patologias psicomotoras e suas consequências relacionais, afetivas e cognitivas, tendo sempre como referência o desenvolvimento psicodinâmico da motricidade da criança. A terapia psicomotora utiliza várias contribuições da teoria psicanalítica; exemplos disso são os inúmeros conceitos que são utilizados: inconsciente, transferência, imagem corporal, etc. Os psicomotricistas, agora preocupados com a vida emotiva de seus pacientes, passam a citar vários autores da psicanálise, como S. Freud, M. Klein, D. Winnicott, W. Reich, P. Schilder, J. Lacan, M. Manoni, F. Dolto e Samí Alí. Com isso, surgem novas perspectivas clínicas – teóricas no campo psicomotor (LEVIN, 1995). Uma característica importante que estes mesmos autores explicam é que a terapia psicomotora só pode ser realizada em ambiente apropriado, ou seja, clínica especializada em terapia, hospital psiquiátrico, grupo de ajuda psicopedagógica ou centro médico pedagógico. A sessão de terapia psicomotora se desenvolve de forma individualizada. A relação, que o terapeuta estabelece com a criança, é de sintonia, de escuta, empatia. E o seu corpo é o depósito das emoções da criança, o tempo da sessão é de acordo com a disponibilidade da criança (AUCOUTURIER, 1986). Na forma de pensar de Negrine (2002), o trabalho terapêutico, a partir da perspectiva lúdica, requer muita disponibilidade corporal do psicomotricista com a criança portadora de qualquer deficiência, pois ele, por meio dos estímulos e intervenções que faz constantemente, tem a possibilidade de criar atitudes comportamentais na criança. Esse nível de intervenção do psicomotricista é que diferencia a psicomotricidade terapêutica da educativa. 22 FIGURA 6 FONTE: arquivos pedagógicos. Nessa abordagem cabe ao terapeuta uma constante adaptação à evolução da criança, um domínio na trilogia da formação, uma forte capacidade de escuta e o mais importante – não impor às crianças os seus desejos e sim ajudá-las na evolução e na criação de seus próprios desejos. A vertente denominada Educação Psicomotora tem por finalidade promover, por meio de uma ação pedagógica, o desenvolvimento de todas as potencialidades da criança, objetivando o equilíbrio biopsicossocial (NEGRINE, 1986). Le Boulch (2001) explica que a Educação Psicomotora é formadora de uma base indispensável a toda criança, pois tem como objetivo assegurar o desenvolvimento funcional, levando em conta as possibilidades da criança, possibilitando, também, por intermédio das relações interpessoais, a expansão e o equilíbrio de sua afetividade. Historicamente, a Psicocinética de Jean Le Boulch, teve por objetivo sensibilizar os docentes do primeiro grau quanto à importância da Educação Psicomotora na base da educação elementar formal da criança, visto que a educação do corpo era um pouco desprezada na época. Foi um movimento da educação psicomotriz que se iniciou na França e perdura ainda hoje. Esse método zela pela intencionalidade da ação motora, prima pela autonomia motriz e respeita a evolução do esquema corporal da criança, pois o ser infantil, dotado de percepções e sensibilidade, deve ser estimulado pelo educador a buscar sua função de interiorização, mediante o ato de brincar com seu corpo, com os objetos e com o que o meio lhe oferece. Cria, assim, seu espaço de identificação, economia funcional e aprende a gerir sua ação para uma vida saudável, longa e prazerosa. 23 FIGURA 7 FONTE: arquivo pedagógico Para Falkenbach (2002), a finalidade da prática da Educação Psicomotora é: 1º) promover um meio lúdico-educativo para a criança expressar-se por intermédio do jogo e do exercício, devendo possibilitar às crianças a exploração corporal diversa do espaço, dos objetos e dos materiais; 2º) facilitar a comunicação das crianças por intermédio da expressividade motriz; 3º) potencializar as atividades grupais e favorecer a liberação das emoções e conflitos por intermédio da vivência simbólica. A Educação Psicomotora atualmente se divide em dois eixos: a Psicomotricidade Funcional e a Psicomotricidade Relacional. Negrine define o aspecto que diferencia as duas práticas, elucidando-nos que, fundamentalmente, a passagem da psicomotricidade funcional à relacional é a utilização do jogo (brincar da criança) como “elemento pedagógico” Falkenbach (2002). FIGURA 8 FONTE: Arquivo pedagógico (PINTO, 2002). 24 4 PSICOMOTRICIDADE TERAPÊUTICA A psicomotricidade terapêutica, ou funcional, compreende o desenvolvimento psicomotriz a partir de bases teóricas de neuroanatomia funcional, tendo como base concepções sobre a motricidade que acreditam que o processo de desenvolvimento humano é decorrente dos processos de maturação, define Negrine (2002). As capacidades e habilidades motrizes seguiriam um padrão evolutivo igual em todas as pessoas e poderiam ser avaliadas por baterias de testes mediante exercícios padronizados para as diferentes idades. Variáveis como sexo, fatores culturais, experiências vivenciadas, não eram levadas em consideração. Na avaliação do perfil psicomotor da criança algumas variáveis eram analisadas, como por exemplo, equilíbrio estático e dinâmico, coordenação apendicular, coordenação visomanual (movimentos finos e delicados), sincinesias, paratonias, lateralidade e orientação espacial (NEGRINE, 2002). Esse mesmo autor explica que a psicomotricidade funcional se sustenta em diagnósticos do perfil psicomotriz e na prescrição de exercícios para sanar possíveis descompassos do desenvolvimento motriz. A estratégia pedagógica baseia-se na repetição de exercícios funcionais, que são estereótipos criados e classificados constituindo as famílias de exercícios: exercícios de equilíbrio, estáticos e dinâmicos, exercícios de coordenação, exercícios de flexibilidade, e exercícios de agilidade e destreza. Dentro desse eixo da psicomotricidade, Langlade (1974 apud NEGRINE, 2002) afirma que a educação psicomotriz é uma ação psicológicae pedagógica que utiliza os meios da Educação Física com a finalidade de normalizar ou melhorar o comportamento da criança. Após a análise dos problemas encontrados, a psicomotricidade terapêutica tem a finalidade de educar, sistematicamente, as diferentes condutas motoras, permitindo assim uma maior integração escolar e social. Em suas primeiras obras sobre a psicomotricidade terapêutica ou funcional, Aucouturier e Lapierre (1986), colocam que a organização espaço gráfica, necessária para a aquisição da leitura e da escrita, necessita da prévia organização do espaço de modo geral e 25 inicialmente corporal, com isso determinam como objeto de sua prática, crianças com algum grau de dificuldade de aprendizagem (disléxicos, disgráficos, agitados), traçando o perfil psicomotor da criança e depois apresentando tabelas de exercícios com o objetivo de sanar os problemas. O desenvolvimento da sessão de psicomotricidade terapêutica ou funcional é estruturado de forma que o aluno imite os modelos de exercícios pré-programados, que são propostos pelo professor, é uma prática sem intencionalidade, ou seja, na qual a criança não tem escolha, todas ao mesmo tempo devem realizar os exercícios que são propostos. O professor utiliza-se de métodos diretivos, tornando seu aluno dependente de suas ações, não dando espaço para que a criança realize atividades que permitam explorar o mundo simbólico, impedindo a exteriorização de sua expressividade motriz. Em relação aos métodos diretivos, Negrine (2002) chama a atenção para o fato de que esses estão relacionados a estratégias pedagógicas voltadas à correção. O gesto motriz que não é realizado conforme a solicitação do professor é considerado errado. Desse modo, criam-se inibições e resistências de exteriorização corporal, e, devido a isso, a avaliação se torna uma ação puramente quantitativa, só valorizando a correta execução dos exercícios propostos. A relação - que o psicomotricista terapêutico tem com a criança - é uma relação de comando, intervindo no corpo de forma mecânica e o contato corporal entre eles, ou com outras crianças, só ocorre se estiver determinado no exercício proposto. Esse eixo da psicomotricidade é seguido por muitos professores de Educação Física, mas o desenvolvimento dessa prática se assemelha muito a forma tradicional de uma aula de ginástica. FIGURA 9 - FATORES PSICOMOTORES QUE ORIENTAM TESTAGENS, PLANEJAMENTO E PRÁTICA DE UMA SESSÃO DE PSICOMOTRICIDADE TERAPÊUTICA FONTE: arquivo pedagógico (PINTO, 2002) 26 Os fatores psicomotores são propriedades funcionais que formam subsistemas do Sistema Psicomotor Humano relacionado diretamente ao Sistema Nervoso, ou seja, os fatores abaixo descritos recebem comando do Sistema Nervoso Central, basicamente do tronco cerebral, cerebelo, mesencéfalo e diencéfalo, que constituem a organização psicomotora de base. Para compreender essas funções, é necessário conhecer um pouco da anatomia cerebral. O cérebro humano possui quatro áreas, conhecidas como: lóbulo frontal, lóbulo parietal, lóbulo temporal e lóbulo occipital. O lóbulo frontal é assim chamado por localizar-se na parte frontal do crânio. Ele parece ser particularmente importante por ser responsável pelos movimentos voluntários e também por ser o lóbulo mais significante para o estudo da personalidade e inteligência. O lóbulo parietal está localizado na parte posterior do lóbulo frontal, ele possui uma área denominada somatossensória, responsável pela percepção de estímulos sensoriais, que ocorrem pela epiderme ou órgãos internos. O lóbulo temporal possui uma área especial chamada córtex auditivo, como o próprio nome já diz, essa área está intimamente ligada à audição. Na parte de trás da cabeça, mais precisamente na região da nuca, localiza-se o lóbulo occipital. Nele encontra-se o córtex visual, que recebe todas as informações captadas pelos olhos, melhor dizendo, sua especialidade é a visão. O hipotálamo controla da temperatura corporal, funcionando como um "termostato". A hipófise e o hipotálamo são estruturas intimamente relacionadas, morfológica e funcionalmente, que controlam todo o funcionamento do organismo, direta ou indiretamente, atuando sobre diversas glândulas como a tireoide, adrenais e gônadas. Finalmente o sistema límbico, que é a unidade responsável pelas emoções, os sentimentos e os comportaentos motivados, constituem-se de células que formam uma massa cinzenta denominada de lobo límbico. Esse sistema é necessário à sobrevivência de todos os mamíferos, interferindo, positiva ou negativamente, no funcionamento visceral e na regulação metabólica de todo o organismo. A organização de base do cérebro integra a tonicidade, equilíbrio e parte da lateralização (componentes de grande passado filogenético) à atenção, postura e filtragem dos dados de entrada (inptus) sensoriais, constituindo a primeira unidade de Luria3 (base do cérebro) (6, 9 e 10). Luria dividiu as funções psicomotoras cerebrais em três unidades: a primeira comanda a atenção, o sentir, perceber e captar sensações, ligado diretamente ao sentido de 3 Alexander Luria foi um grande cientista. Estudioso da neurologia da linguagem, do pensamento e da aprendizagem humana, discípulo e parceiro de Lev. S. Vygotsky. 27 autopreservação; a segunda unidade Luriana comanda a noção de corpo (somatognosia) e a estruturação espaço-temporal, processando, analisando e realizando associações (região occipital – visão, lobo temporal – audição e lobo parietal – sensitivo-motora, percepções, memória) (3,4 e 5, 7) (FIGURA 10) 4. A terceira unidade de Luria se encontra no lobo frontal e pré-frontal (regulação) e controla o ato mental e motor, planifica, programa e executa as praxias finas e globais (coordenação fina e ampla) (1 e 2). FIGURA 10 Na região 8 e 9, da figura 10, localiza-se o sistema límbico, hipotálamo, hipófise e hipocampo. Na figura 11 e 12 observamos os lobos frontal (terceira unidade de Luria – responsável pela planificação e execução do ato motor e mental), os lobos parietais, temporais e occipital (2ª unidade luriana – responsáveis pelo processamento, análise e associação das informações que o corpo capta) e o tronco cerebral, cerebelo, sistema límbico que se encontram abaixo do lobo occipital (1ª unidade luriana que comanda a percepção, sente e capta as informações do meio). 4 FONTE: Diament e Cypel (1996) 28 FIGURA 11 (FACE) 3ª UNIDADE DE LURIA 2ª UNIDADE DE LURIA (Frontal) (Parietal) (NUCA) 1ª UNIDADE DE LURIA (Base-tronco cerebral) FONTE: Diament e Cypel (1996) FIGURA 12 FONTE: Diament e Cypel (1996). 29 Obs.: A figura acima mostra o sistema límbico, responsável pelo controle das emoções, dos sentimentos e comportamentos motivados; o tronco cerebral que comanda as funções vitais como respiração, regulação cardíaca entre outros, sendo formado pelo bulbo medular, ponte e mesencéfalo. Na figura 13 temos a localização dos principais órgãos que compõem o cérebro. FIGURA 13 2ª UNIDADE DE LURIA (NUCA) 3ª UNIDADE DE LURIA 1ª UNIDADE DE LURIA (FACE) Associando os conhecimentos adquiridos em Ajuriaguerra às explicações de Luria (1986) sobre o funcionamento cerebral dos fatores psicomotrizes, podemos dizer que a psicomotricidadepressupõe o sentir (1ª Unidade de Luria), o pensar (2ª Unidade Luriana) e o realizar no ato motor (3ª Unidade de Luria). 30 FIGURA 14 PENSAR 2ª UNIDADE DE LURIA 3ª UNIDADE DE LURIA REALIZAR NO ATO MOTOR 1ª UNIDADE DE LURIA SENTIR FONTE: Diament e Cypel (1996) A seguir se descreve os fatores psicomotores propriamente ditos: Tonicidade: função do tronco cerebral, primeira unidade de Luria. A tonicidade, que indica o tono muscular, tem um papel fundamental no desenvolvimento motor, é ela que garante a atitude, a postura, à mímica, as emoções - de onde emergem todas as atividades motoras humanas. 31 FIGURA 15 FONTE:<http://www.thinkstockphotos.com> Acesso em: 16/05/2012. Equilibração: função do cerebelo na organização postural auxiliado pelo sistema vestibular; segurança e insegurança gravitacional. O equilíbrio reúne um conjunto de aptidões estáticas (sem movimento) e dinâmicas (com movimento), abrangendo o controle postural e o desenvolvimento das aquisições de locomoção. O equilíbrio estático caracteriza-se pelo tipo de equilíbrio alcançado em determinada posição, ou de apresentar a capacidade de manter certa postura sobre uma base. O equilíbrio dinâmico é aquele adquirido com o corpo em movimento, determinando sucessivas alterações da base de sustentação. 32 FIGURAS 16 FONTE:http://3.bp.blogspot.com/_VvgJqDzoFYA/TS2w3QBeTZI/AAAAAAAAK7Y/KyCAoU8GrYo/s1600/ cama-elastica.jpg Acesso em: 16/05/2012 Lateralização: integração da linha média do corpo, assimetria funcional e especialização hemisférica, segunda unidade luriana. A lateralidade traduz-se pelo estabelecimento da dominância lateral da mão, olho e pé, do mesmo lado do corpo. A lateralidade corporal se refere ao espaço interno do indivíduo, capacitando-o a utilizar um lado do corpo com maior desembaraço. O que geralmente acontece é a confusão da lateralidade com a noção de direita e esquerda, esta está envolvida com o esquema corporal. A criança pode ter a lateralidade adquirida (chamada de dominância hemisférica), mas não saber qual é o seu lado direito e esquerdo, ou vice-versa. No entanto, todos os fatores estão intimamente ligados, e quando a lateralidade não está bem definida, é comum ocorrerem problemas na orientação espacial, dificuldade na discriminação e na diferenciação entre os lados do corpo e incapacidade de seguir a direção gráfica. A lateralidade manual surge no fim do primeiro ano de vida, mas só se estabelece fisicamente por volta dos 4-5 anos. 33 FIGURA 17 FONTE: Arquivo pedagógico (PINTO, 2002). Noção de corpo (somatognosia): esquema corporal e imagem de corpo, intimamente relacionado ao lobo parietal (percepção sensitivo-motora). A formação do "eu", isto é, da personalidade, compreende o desenvolvimento da noção ou esquema corporal, por meio do qual a criança toma consciência de seu corpo e das possibilidades de expressar-se por seu intermédio. Ajuriaguerra (1980) relata que a evolução da criança é sinônima de conscientização e conhecimento cada vez mais profundo do seu corpo, e por meio dele que essa elabora todas as experiências vitais e organiza toda a sua personalidade. A noção do corpo, em psicomotricidade, não avalia a sua forma ou a sua realização motora, procura outra linha da análise que se centra mais no estudo da sua representação psicológica e linguística e nas suas relações inseparáveis com o potencial de alfabetização. Esse fator resume dialeticamente a totalidade do potencial de aprendizagem, não só por envolver um processo perceptivo polissensorial complexo, como também por integrar e reter a síntese das atitudes afetivas vividas e experimentadas. 34 FIGURA 18 FOTO: arquivo pedagógico (PINTO, 2002). Estruturação Espaço-Temporal: integração simultânea e sequencial das percepções occipitais (visuais), temporais (compreensão visual e audição) construindo a estruturação do tempo e espaço em relação ao corpo. A estruturação espaço-temporal decorre como organização funcional da lateralidade e da noção corporal, uma vez que é necessário desenvolver a conscientização espacial interna do corpo antes de projetar o referencial somatognósico no espaço exterior (Fonseca, 2004). FIGURA 19 FONTE: arquivo pedagógico (PINTO, 2002). Esse fator emerge da motricidade, da relação com os objetivos localizados no espaço, da posição relativa que ocupa o corpo, enfim das múltiplas relações integradas da tonicidade, do equilíbrio, da lateralidade e do esquema corporal. A estruturação espacial leva a tomada de 35 consciência pela criança, da situação de seu próprio corpo em um determinado meio ambiente, permitindo-lhe conscientizar-se do lugar e da orientação no espaço que pode ter em relação aos outros e aos objetos. Praxia Global (coordenação motora ampla): função do lobo frontal e pré-frontal (córtex motor e pré-motor), terceira unidade luriana que comanda a organização, planificação e regulação da ação motora e mental. Praxia tem por definição a capacidade de realizar a movimentação voluntária preestabelecida, como forma de alcançar um objetivo. A praxia global está relacionada com a realização e a automação dos movimentos globais complexos, que se desenrolam em um determinado tempo e que exigem a atividade conjunta de vários grupos musculares. FIGURA 20 FONTE: Disponível em: < http://www.thinkstockphotos.com >. Acesso em: 16/05/2012. Praxia fina (coordenação motora fina): micromotricidade, a mão faz a inteligência e a inteligência faz a mão, terceira unidade de Luria. A praxia fina compreende todas as tarefas motoras finas, onde associa a função de coordenação dos movimentos dos olhos durante a fixação da atenção, e durante a fixação da atenção e manipulação de objetos que exigem 36 controle visual, além de abranger as funções de programação, regulação e verificação das atividades preensivas e manipulativas, mais finas e complexas. Crianças que têm transtornos na coordenação dinâmica manual geralmente têm problemas visomotores, apresentando inúmeras dificuldades de desenhar, recortar, escrever, ou seja, em todos os movimentos que exijam precisão na coordenação olho/mão. FIGURA 21 FONTE: arquivo pedagógico (PINTO, 2002). 37 5 PSICOMOTRICIDADE RELACIONAL A psicomotricidade relacional é uma abordagem psicopedagógica, que se dá pela via corporal, englobando uma série de estratégias de intervenções e de ações pedagógicas que servem como meio de ajuda à evolução dos processos de desenvolvimento e de aprendizagem da criança. Ela compreende que o desenvolvimento humano é decorrente da inter-relação entre fatores internos, que correspondem aos processos biológicos, e fatores externos que dizem respeito ao processo de aprendizagem que se origina nos aspectos histórico-culturais (NEGRINE, 2002) 5. Esse mesmo autor explica que a psicomotricidade relacional utiliza-se da ação do brincar como elemento motivador, para provocar a exteriorização corporal da criança, pois entende que a ação de brincar impulsiona processos de desenvolvimento e de aprendizagem. Essas estratégias de intervenções pedagógicas criam, também, condições favoráveis para a construção de um vocabulário psicomotor amplo e diversificadoe servem como meio de melhora das relações da criança com o adulto, com os iguais, com os objetos e consigo mesma. A utilização de métodos não diretivos permite que a criança manifeste todo seu interesse, atitudes e valores que retratam as emoções e os sentimentos de cada momento vivido. Esses métodos também permitem que o psicomotricista faça interpretações significativas das ações que a criança experimenta quando se exterioriza, seja por meio da mímica, dos gestos ou das produções plásticas. Para isso, é necessário que tenha uma atenção maior, pois deve observar e identificar as crianças que mais necessitam de seu auxílio (NEGRINE, 2002). A psicomotricidade relacional está alicerçada em três aspectos, que determinam suas finalidades. O primeiro diz respeito à experimentação corporal múltipla e variada, no qual o psicomotricista deve permitir facilitar e provocar a criança à experimentação de diversos movimentos com o próprio corpo, com objetos ou com disfarces. O segundo aspecto é o estímulo à vivência simbólica, isto é, permitir que a criança realize atividades representativas. Com a realização destas ações corporais (movimentos, gestos, mímicas) a criança constrói o 5 Prof. Dr. Aírton Negrine da Silva, gaúcho, professor de diversas Universidades no Rio Grande do Sul e escritor de mais de uma dezena de livros sobre o tema psicomotricidade, é o maior responsável pela introdução da Psicomotricidade Relacional no Brasil. 38 conhecimento das coisas e do mundo, amplia seu vocabulário psicomotor, aciona mecanismos de pensamento representativo. Esse, por sua vez, aciona a fala egocêntrica, exercitando a comunicação oral. O terceiro aspecto se refere à comunicação como elemento de intervenção pedagógica, de socialização e de exteriorização da criança. Isso quer dizer que a comunicação expressa de diferentes formas - verbal, plástica, pictórica - serve como instrumental que o psicomotricista utiliza para fazer a criança evoluir. No que diz respeito à relação adulto/criança, é fundamental que o psicomotricista ajude a criança a realizar tudo aquilo que ainda não é capaz de realizar sozinha; é necessário que ele exerça um papel de mediador, seja para provocar a sua exteriorização, seja para dar segurança, seja para determinar limites à criança. Na relação do psicomotricista relacional com a criança, o toque corporal é um forte aliado, pois com ele vínculos afetivos são estabelecidos, dando segurança e ajuda à criança. “O papel do psicomotricista relacional é sempre de ajuda, entretanto ele também interage, sugere, propõe, estimula e escuta a criança” (NEGRINE, 2002, p. 124). Segundo o autor, a sessão de psicomotricidade relacional segue uma rotina que se divide em três momentos: 1º) ritual de entrada; 2º) atividades livres de expressão, construção e comunicação e 3º) ritual de saída, pois todo o ato pedagógico deve ter início, meio e fim. No ritual de entrada, o professor e as crianças sentam-se em círculo, apresentam-se de forma que todos possam falar e ser escutados, estabelecendo as combinações (regras de convivência) referentes àquela sessão. Cabe ao psicomotricista nesse momento provocar as crianças a realizarem diversas experimentações. FIGURA 22 FONTE:< http://portaldoprofessor.mec.gov.br/fichaTecnicaAula.html?aula=4075> Acesso em: 16/05/2012. 39 A segunda parte da sessão é destinada à realização de atividades livres de expressão, construção e comunicação. No início se dá um estímulo às crianças e depois elas passam a brincar com o que quiserem. É importante que o psicomotricista permita a experimentação de diversas atividades e que exija o cumprimento das regras de convivência estabelecidas no ritual de entrada. FIGURA 23 FONTE: arquivo pedagógico (PINTO, 2002). O ritual de saída é o momento em que o psicomotricista diz que o jogo acabou. Com isso, as crianças devem interromper as brincadeiras e ajudar a guardar o material que foi utilizado na sessão, pois isso havia sido combinado no ritual de entrada. Após terem guardado todos os materiais, se dá início ao encerramento da sessão. Todos devem sentar novamente em círculo e o psicomotricista deverá provocar a verbalização das crianças ao grande grupo, sobre aquilo que realizaram durante a sessão e sobre o que mais gostaram de fazer, sempre lembrando que todos terão a oportunidade de falar e ser escutados. É importante ressaltar que existem nuances dentro da psicomotricidade relacional, e que autores que tiveram a mesma formação inicial, no decorrer de seus estudos acabam seguindo linhas diferentes, como por exemplo: Aucouturier, Lapierre e Negrine. Aucouturier (1986) determina que, na sessão, o jogo de pulsão (jogo sensório-motor – classificação de Piaget) deve ser potencializado, e a prática da psicomotricidade tem sua função até os oito anos, por outro lado Lapierre entende que o jogo simbólico é que deve ser potencializado, e que a 40 psicomotricidade deve se aplicar às crianças, aos adolescentes e também aos adultos (NEGRINE, 1995). Uma característica importante a respeito da psicomotricidade relacional de Aucouturier (1986), que é seguida por diversos psicomotricistas, é que a organização da sessão segue uma sequência temporal, isto é, a criança deve seguir uma determinada ordem para executar os jogos: momento inicial ou ritual de entrada; jogos de segurança profunda, jogos de prazer sensório-motor; jogos simbólicos; narração de história, atividades de representação e momento final, ou ritual de saída. Outro aspecto importante a ressaltar, que é bem diferente do contexto escolar brasileiro, é que a sessão é realizada somente em ambientes fechados (sala de psicomotricidade) que possuem materiais fixos (escadas, barra de equilíbrio, tatames) e diversos materiais complementares (blocos de espuma, aros, bola grande bichos de pelúcia, cordas, fantasias). Os estudos iniciais de Negrine estiveram voltados à prática da psicomotricidade funcional. Sua formação na Escola de Expressão e Psicomotricidade da Prefeitura de Barcelona seguiam as orientações de Bernard Aucouturier, mas a linha pedagógica que ele segue no momento atual está configurada dentro de uma perspectiva relacional (NEGRINE, 2002). Um aspecto importante a destacar é que a psicomotricidade relacional desenvolvida por Negrine se diferencia das demais práticas, devido a fatores que são bem referenciados por Falkenbach (2002, p. 76): a) o autor se diferencia da maioria dos psicomotricistas pela sua fundamentação teórica, que reconhece as diferentes vertentes da psicomotricidade e os seus principais autores, bem como as limitações e as vantagens das práticas que utilizam; b) oxigena o referencial teórico da psicomotricidade com elementos da antropologia, da psicopedagogia, que contribuem à tradicional visão psicanalista, que ainda é hegemônica e a enriquecem; c) inova com a utilização dos referenciais teóricos de Vygotsky, teórico que contribui para uma mudança na compreensão psicopedagógica do desenvolvimento e aprendizagem infantil, bem como do significado dos jogos para a prática da psicomotricidade; d) estabelece um divisor de águas para a leitura do movimento que faz a criança. Explica que em um ambiente lúdico a criança faz uma trajetória denominada de trajetória lúdica e 41 seu movimento flutua entre: ser um movimento técnico, o que significa fazer exercícios e brincar de faz de conta, isto é, jogar simbolicamente; e) desenvolve e estrutura a organização da prática psicomotriz educativa com grupos de crianças, adequadaspara o ensino regular e os diversos contextos que promovem a movimentação infantil. Esse eixo da psicomotricidade educativa é multifacetado, cabendo ao professor de Educação Física definir qual será sua proposta de trabalho, traçando objetivos e tendo como base concepções sobre o desenvolvimento e aprendizagem infantil. 42 6 EDUCAÇÃO PSICOMOTORA É possível, por meio de uma ação educativa, a partir dos movimentos espontâneos da criança e das atitudes corporais, favorecer a gênese da imagem do corpo, núcleo central da personalidade. A educação psicomotora concerne uma formação de base indispensável a toda criança que seja normal ou com problemas. Responde a uma dupla finalidade: assegurar o desenvolvimento funcional, tendo em conta possibilidades da criança e ajudar sua afetividade a expandir-se e a equilibrar-se pelo intercâmbio com o ambiente humano. Na educação infantil e no ensino fundamental a Psicocinética toma a forma de uma verdadeira educação psicomotora, fundada sobre o conhecimento das leis do desenvolvimento, qualificando a ação educativa global e integradora. A Psicocinética, como método pedagógico, constitui um meio educativo fundamental às primeiras etapas de desenvolvimento do ser humano, aos olhos de seu criador (Jean Le Boulch), bem como uma forma de desenvolvimento da tomada de consciência sobre seu próprio corpo e os ajustamentos posturais necessários durante a aprendizagem nas demais fases evolutivas do ser humano. Na faixa etária que corresponde do zero aos doze anos de idade da criança, a educação psicocinética compreende-se como uma legítima educação psicomotora. Toda ação educativa pressupõe tomada de posições quanto à sua finalidade, assim esse método tem por objetivo favorecer o desenvolvimento integral do ser e formar um indivíduo capaz de situar-se e atuar em um mundo em constante transformação, por meio de (Foto C): Melhor conhecimento e compreensão de si mesmo; Melhor ajuste de sua conduta; Verdadeira autonomia e acesso às responsabilidades ao longo da vida social (LE BOULCH, 1983). 43 FIGURA 24 FONTE:< http://nucleoasdepaus.blogspot.com.br/2011/09/oficina-de-perna-de-pau-faca-sua.html> Acesso em: 16/05/2012 Com a finalidade de vencer as dificuldades de aceitação da Educação Física na base da escolaridade infantil francesa, Le Boulch implantou o movimento humano no aprendizado das aquisições instrumentais e atividades de expressão, querendo assim provar a relevância da atividade corporal para o suprimento de qualquer dificuldade que exista na aprendizagem da leitura, escrita e das ciências operacionais. Ao longo de seus estudos, percebeu três grandes causas para os problemas na aquisição da leitura e escrita: os déficits da função simbólica, os atrasos e os defeitos de linguagem e os problemas essencialmente psicomotores. Todos esses problemas resultavam de debilidades na criança provenientes de “queima de estágios” ou desvios de etapas do desenvolvimento psicomotor, quando não havia no diagnóstico alguma disfunção neurológica comprometedora das funções ditas “normais” ou padrão para um indivíduo saudável. Dentro da questão das aquisições instrumentais, encontramos a escrita como um tipo de linguagem, sendo essencialmente um modo de expressão e comunicação por signos ou códigos gráficos e a leitura, que é a verbalização desses símbolos gráficos. Portanto, conforme 44 Le Boulch (1983), fundamentalmente existem dois sistemas simbólicos concordes: um gráfico e outro sonoro. Os dois necessitam da dimensão afetiva e da função simbólica corporal, associado à atuação das funções psicomotoras. Por meio dessas funções, a compreensão dos signos e a decodificação gráfica adquirem significado. FIGURA 25 FONTE: arquivo pedagógico (PINTO, 2002). Cabe ao professor conhecer as etapas do desenvolvimento psicomotor da criança, características das faixas etárias, necessidades e interesses, para melhor planejar a ação docente. Por isso, é de fundamental importância o professor desenvolver atividades sabendo a que servem, e não aleatoriamente, arrolando-as como necessárias ao domínio do esquema corporal, como se essa expressão significasse apenas uma coisa. O desenvolvimento psicomotor, tanto de crianças normais quanto de crianças portadoras de distúrbios, requer o auxílio constante do professor, pela estimulação em sala de aula e do encaminhamento, quando se fizer necessário. O professor pode ajudar e muito, saudável em todos os níveis, na estimulação do desenvolvimento cognitivo e para o desenvolvimento de aptidões e habilidades, na formação de atitudes por meio de uma relação afetiva e estável (que crie uma atmosfera de segurança e bem-estar para a criança) e, sobretudo, respeitando e aceitando a criança do jeito que ela é. 45 A educação psicomotora na idade escolar deve ser antes de tudo, uma experiência ativa de confrontação com o meio. A ajuda educativa proveniente dos pais e do meio escolar tem a finalidade não de ensinar à criança comportamentos motores, mas sim de permitir-lhe exercer sua função de ajustamento, individualmente ou com outras crianças. Propriedades psicomotoras desenvolvidas nas sessões de Psicomotricidade Educativa ou Psicocinética: 6.1 ESPAÇO TEMPORAL Até os dois anos e meio, o espaço da criança é um espaço vivido, dentro do qual ela se ajusta desenvolvendo seus movimentos coordenados em função de um objetivo a ser atingido. Entre os três e os seis anos, a criança chega à representação dos elementos do espaço, descobrindo formas e dimensões. No final do período pré-escolar, a evolução da relação corpo-espaço resulta em uma organização egocêntrica do universo. A criança descobriu sua dominância, verbalizou-a e chega assim a um corpo orientado, que lhe servirá de padrão para situar os objetos colocados no espaço circundante. A orientação dos objetos faz-se, então, em função da posição atual do corpo da criança. Essa estabilização possibilita a interiorização, que é um trampolim indispensável, sem o qual a estruturação do espaço não pode efetuar-se. Atividades de orientação espaço temporal: andar devagar até o fim da sala; andar depressa, voltando ao ponto de partida; andar devagar e depois correr uma mesma distância demarcada na quadra. Fazer os alunos perceberem o tempo despendido em uma e na outra forma; bater bola e pular corda. Correr, subir em coisas, bater palmas, com ritmo, dentro de um espaço de tempo, em situações diversas em contato com o meio, com os outros, com os objetos, consigo mesmo. 46 6.2 PERCEPÇÃO CORPORAL Consciência do próprio corpo, de suas partes, com movimentos corporais, das posturas e das atitudes. Habilidade de evocar e localizar as partes do corpo. Exemplo: localizar o ombro do coleguinha. Não é simplesmente uma percepção, uma representação mental do nosso corpo, mas uma integração de vários gestalts6, todos em contínua modificação. Forma o esquema corporal, além da noção do próprio corpo, a integração das noções de relação com o exterior em suas duas expressões de espaço e tempo, e a conexão com outras pessoas, pelo contato corporal, da evolução do gesto e da linguagem. É a comunicação consigo mesmo e com o meio. Uma boa formação corporal pressupõe boa evolução da motricidade, das percepções espaciais e temporais, bem como da afetividade. A construção do esquema corporal (imagem, uso e controle do seu próprio corpo) se realiza normalmente de uma forma global
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