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Leandro Marinho_Narrativas Visuais sobre junho de 2013

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Narrativas visuais sobre junho de 2013: as disputas pela representação das manifestações
Leandro Marinho
INTRODUÇÃO
O texto que aqui segue tem como propósito apresentar a minha proposta de tese de doutorado no curso de Ciências Sociais do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. O tema definido para a pesquisa serão os acontecimentos de junho de 2013 no Brasil. A partir da análise de imagens fotográficas produzidas durante este contexto pretendo sugerir como foram estabelecidas narrativas visuais que, em disputa pela representação dos eventos, influenciaram a maneira como as manifestações e os atos de protesto foram percebidos pelos próprios manifestantes, pelos representantes políticos e pela opinião pública. Cabe situar deste modo o leitor no universo da pesquisa.
SOBRE O QUE SE FALA?
Bandeiras, cartazes, máscaras. Balas de borracha, gás lacrimogêneo, vinagre, violência. Alta repercussão midiática. Doze milhões de pessoas nas ruas. Mais de 350 cidades envolvidas em mais de 700 protestos. Seis mortos, centenas de feridos e mais de 150 manifestantes presos. A gigantesca onda de manifestações que tomou o Brasil em junho de 2013 e deu início a um ciclo de protestos que, com diferentes orientações ideológicas e objetivos políticos e com maior ou menor adesão da população, parece não estar perto de se encerrar num futuro próximo, marcou profundamente a história do país.[1: Segundo o Estado de S. Paulo, em 30/06/2013: <https://ultimosegundo.ig.com.br/brasil/2013-06-30/onda-de-protestos-atingiu-pelo-menos-353-municipios-no-pais.html>. Acessado em 16/11 /2018.]
Inicialmente motivadas pelos aumentos nas tarifas dos meios de transporte público, as manifestações tomaram proporções inimagináveis tanto para seus agentes mobilizadores iniciais quanto para as autoridades governamentais e passaram a abrigar uma massa de atores tão heterogênea e fragmentada quanto suas demandas. Às reivindicações do MPL (Movimento Passe Livre) - protagonista até o momento de sua saída de cena, quando enfim conquistada a revogação do aumento das passagens nos redutos com maior visibilidade, São Paulo e Rio de Janeiro - somaram-se pautas que punham em debate questões que iam desde os gastos públicos em decorrência da realização da Copa das Confederações, da Copa do Mundo e das Olimpíadas, até problemas de cunho mais estrutural e histórico da sociedade brasileira, como as desigualdades e violências vivenciadas por mulheres, negros e LGBTQ, passando por uma agenda já clássica de exigências mais abrangentes por melhorias nos campos da educação, saúde e segurança pública. Grupos que bradavam contra a corrupção nas instituições políticas marcharam lado a lado com coletivos anarquistas. Representantes de movimentos feministas dividiram as ruas com jovens estudantes secundaristas. Militantes do movimento negro compartilharam palavras de ordem com indivíduos que pela primeira vez participavam de um ato de protesto político.
Em contrapartida, bandeiras partidárias e de outros movimentos sociais consolidados no cenário político brasileiro, como o MST, foram prontamente rechaçadas, embora houvesse representantes de organizações como estas sempre acompanhando os protestos. Havia verdadeira ira de índole ético-política contra os dirigentes e representantes políticos em seus diversos níveis. O perfil predominante dos manifestantes, de acordo com as pesquisas realizadas durante as manifestações pelo Ibope (IBOPE, Pesquisa manifestantes, 20/06/2013) e pelo O Estado de S. Paulo (O Estado de S. Paulo, Cad. Esp. Focas, 14/12/2013, p. H2), indicava que muitos ali estavam se envolvendo pela primeira vez com atos de protesto e que majoritariamente advinham das camadas médias da sociedade, sendo grande parte portadora de diploma universitário. Os mais pobres e moradores às periferias estavam presentes nas manifestações, mas constituíam minoria, bem como a maior parte de suas demandas mais urgentes, a despeito de várias das reivindicações dizerem respeito diretamente a estes indivíduos.
Na mesma medida em que exprimiam uma insatisfação generalizada com o Estado e suas instituições, a articulação e aglutinação de reivindicações locais, pontuais e específicas a pautas de caráter mais estrutural e abrangente dificultavam a apreensão do que estava em curso. Diante de terreno tão movediço e cenário tão complexo, como asseverar qualquer tipo de diagnóstico sobre o que queriam os manifestantes? Trata-se de indagação indócil mesmo hoje. Compreender a dinâmica dos eventos que se sucederam ao longo do famigerado sexto mês de 2013, ápice de um ano que deflagraria o início da grande turbulência política brasileira na qual ainda nos encontramos, não tem sido tarefa fácil aos analistas. A complexidade da gama de acontecimentos, narrativas e imagens, todas elas sob permanente disputa, estimulou reflexões as mais variadas na busca por sentidos, significados e causas da mobilização mais intensa da primeira geração brasileira concebida e formada integralmente sob os auspícios da democracia. Esquematicamente, o conjunto de interpretações sobre os referidos eventos, que já é significativo e foi em grande parte produzido no calor dos episódios, a despeito de sua proximidade temporal, pode ser dividido em quatro eixos analíticos que se distinguem entre si pelo peso que conferem a diferentes aspectos acerca do fenômeno. Apesar de suas especificidades, todas dialogam entre si. Acredito que valha a pena tê-las em consideração para melhor compreender aonde se quer chegar com esta apresentação de proposta de tese. Assim, a seguir estão resumidas em linhas bastante gerais as interpretações as quais se faz referência. Esta brevíssima exposição tem por objetivo não apenas realizar um simples exercício de revisão das análises encontradas em livros, artigos acadêmicos publicados em periódicos científicos e análises jornalísticas veiculadas em diferentes meios de comunicação de largo alcance. Trata-se também e, sobretudo, de apontar elementos fundamentais bem como lacunas que possivelmente podem ser preenchidas por meio do estudo proposto.
A primeira interpretação credita a arrebentação de mobilização social que se verificou em junho de 2013 à ascensão da chamada “nova classe média” no país. A lógica deste raciocínio associa a melhora nos padrões de vida e consumo daqueles que teriam ascendido da classe D à classe C – o que se imputa ao crescimento econômico e às políticas distributivistas asseguradas pelos governos petistas, sobretudo, os governos Lula – a demandas por mais direitos, mormente, naquilo que se refere à qualidade dos serviços públicos básicos, como educação, saúde, segurança e transporte. Em meio ao fervor das ruas, esta perspectiva foi acionada por muitos analistas de diferentes áreas, além de jornalistas. Apenas para ficar em alguns nomes, podemos citar os sociólogos Ruy Braga (2013) e Bernardo Sorj (2014), a antropóloga e cientista política Maria Lucia Montes (2014), o cientista político André Singer (2013), o economista Angel Ubide (2013) e o jornalista e escritor Juan Arias (2013), correspondente internacional do jornal espanhol El País. Interessante ainda a respeito dessa percepção é notar como, em dado momento, esta foi exatamente a resposta oferecida por lideranças do Partido dos Trabalhadores ao serem questionadas sobre o que estaria acontecendo no país. Após desistir de rotular as manifestações como “obra da direita”, as lideranças petistas buscaram capitalizar os protestos para seus próprios governos. A racionalidade deste discurso é evidente: as pessoas só estão na rua porque “nós” tornamos isto possível, pois fomos “nós” quem oferecemos maior democracia ao Brasil. É possível que haja algumas verdades nesta afirmação, mas o que importa de fato é como esta leitura é fundamental para a pesquisa que se propõe.
O PT e o seu modo de governar também estiveram no centro dos diagnósticos de outra linha interpretativa. Esta, por seu turno, embora bastante similar à primeira, radicaliza a sua percepçãosobre a administração dos governos de Lula e Dilma. Segundo esta ótica, o “modelo petista” de governo, baseado em políticas distributivistas e num “capitalismo de Estado” que estimula sobremaneira o consumo (o mesmo que teria proporcionado a ascensão social de muitos brasileiros e, por tabela, criado as condições propícias para a inflação de novas demandas), estaria esgotado. A tentativa de gerir os anseios populares coadunados às exigências do grande capital teria chegado ao seu limite e resultado em uma tensão insustentável, com insatisfações por todos os lados. Este tipo de viés explicativo esteve presente, com frequência, mesmo antes da eclosão dos protestos, nas colunas assinadas pelo filósofo Vladimir Safatle no jornal Folha de S. Paulo, mas também figurou nas leituras de outros intelectuais, como Mauro Iasi (2013) e Idelber Avelar (2017).
Uma terceira via elucidativa para junho de 2013 sugere que as manifestações foram o paroxismo de uma crise do modelo urbano vigente nas grandes cidades brasileiras há muitas décadas. Chama-se atenção, sobretudo, para a ausência de participação e diálogo com a sociedade civil na formulação do planejamento das cidades e para a orientação mercadológica que o caracteriza, lógica apontada como fomentadora da gentrificação, da privação do direito à cidade, do grave déficit habitacional, da insegurança pública e, é claro, da precariedade da mobilidade urbana. Ou seja, tratar-se-ia de um planejamento urbano e de uma concepção de infraestrutura das cidades que, em suma, é antissocial - nas palavras de Avritzer (2013). Partindo desta premissa, Ermínia Maricato (2013, p. 19) foi taxativa ao dizer que para quem acompanha a realidade das cidades brasileiras não havia estranhamento em relação às manifestações, pois que não havia como “dissociar as principais razões, objetivas e subjetivas desses protestos, da condição das cidades”. Marcelo Pomar (2013, p. 15), por sua vez, seguindo parcialmente esta trilha, salienta a necessidade de se ter em conta, para além do conjunto de condições objetivas, o conjunto de condições subjetivas que criaram a “combustão social” do qual fomos testemunhas. Para Pomar e seus parceiros de autoria do livro “Vinte Centavos: a luta contra o aumento” (ibidem) – Elena Judensnaider, Luciana Lima e Pablo Ortellado – seria preciso valorizar as jornadas de protestos de 2013, principalmente, como um resultado, ainda que em grande medida inesperado, da ação organizada do MPL, que ao longo de uma década de lutas teria demonstrado grande evolução na defesa de sua agenda.
Enfim, o quarto agrupamento de interpretações, cujas leituras centraram seus argumentos na existência de uma “crise de representação”, o que não seria uma especificidade do Brasil, mas uma tendência mundial. De acordo com esta visão sobre os protestos, haveria uma profunda ausência de identificação entre representados e representantes que se refletiria com maior intensidade na descrença ante as instituições e partidos políticos. Este diagnóstico tem sido recorrente desde as últimas décadas do século XX e se tornou lugar comum nas análises sobre as democracias modernas – principalmente as ocidentais -, sendo acionado como a resposta mais imediata toda vez que a ordem vigente dos sistemas políticos torna-se alvo de manifestações massivas de descontentamento. Sintomaticamente, foi a tese mais explorada pelo senso comum, juntamente àquela que pregava o esgotamento do “modo petista de governar”. No entanto, autores como Sakamoto (2013) e Gohn (2015) chamaram atenção para uma questão fundamental sobre as manifestações: o conflito entre uma geração gestada e desenvolvida na democracia, fortemente influenciada pelo uso dos meios digitais, e um sistema político organizado com base em concepções políticas significativamente desatualizadas.
	Há, portanto, diferentes prismas de análise sobre as manifestações de junho de 2013. Todos eles se complementam, a despeito de disputarem entre si os sentidos dos eventos. Mas sua valia para a investigação que se apresenta reside menos na capacidade elucidativa que cada um possui e mais na possibilidade de nos auxiliar a identificar as questões e os elementos que conformam o fenômeno. Como assinala Bourdieu (2001), a relação estabelecida entre teoria, método, análise e o contexto no qual o objeto está inserido são fundamentais ao desenvolvimento de uma pesquisa e à própria construção do objeto. Em outras palavras, cada uma dessas interpretações oferece pistas e ferramentas que subsidiam o exame das imagens produzidas no contexto dos protestos. Adotando este procedimento não se visa enquadrar as imagens de acordo com as perspectivas já existentes. Longe disso, trata-se de construir um horizonte de análise e estruturar as bases, que devem estar sob permanente vigilância e abertas a quaisquer exigências de adequações metodológicas.
POR QUE AS IMAGENS?
Que lugar ocupam as imagens em nosso tempo? Muito antes da consolidação da globalização e da internet, revolucionárias na difusão de imagens, Guy Debord (1997) já afirmava que, numa sociedade cada vez mais sobrecarregada de estímulos visuais, a espetacularização do mundo moderno seria uma marcha inexorável na qual as relações sociais entre as pessoas seriam mediadas por imagens. Seguindo a trilha deste argumento, por exemplo, Mirzoeff (2003) afirma que assim como o romance se destacou como a principal forma de expressão do século XIX, nosso tempo estaria marcado pelo grande protagonismo das imagens. Deste ponto de vista, então, seria deveras sintomático, como alguns autores afirmam (Mitchell, 2009; Jay, 2004), que o debate fundamental e das ciências humanas contemporâneas esteja organizado em torno das imagens, constituindo o que Mitchell (2009) denominou de “virada pictórica” ou “pictorial turn” - seguindo a expressão utilizada por Rorty em sua antologia (1967), que identificou na preocupação inadiável da filosofia do século XX com as palavras uma “virada linguística”.
Assim, nossa cultura, a cultura de nosso tempo, ocidental e moderna, seria uma “cultura visual” e por mais que as imagens desde muito nos acompanhem, hoje elas demonstrariam sua força desde especulações filosóficas até as produções de meios de comunicação de massa (Mitchell, 2009). Hipervalorizadas e fetichizadas, elas são investidas pelos espectadores e por aqueles que a produzem de um enorme poder em nossa sociedade: elas provam e comprovam, demonstram, fazem ver aquilo sobre o que se fala trazendo maior sensação de realidade e de verdade, sensibilizam, despertam reações, provocam reflexões. Tanto as imagens fotográficas quanto as imagens em movimento são capazes de capturar momentos da vida social e assim funcionarem como testemunho de algo que aconteceu ou que foi (Barthes, 1984), algo de que inicialmente podemos duvidar, mas que parece comprovado quando as visualizamos (Sontag, 2004, p. 16). Deste modo, torna-se completamente legítimo que no centro de nossas preocupações devam estar questionamentos acerca das condições de possibilidade de uma cultura visual (de que maneira imagens são produzidas, circulam e são consumidas), como as mais diversas imagens interferem nas relações sociais e no comportamento humano, quais são as relações existentes entre imagem e o discurso, entre imagem e poder, etc.
É preciso ter cautela, não obstante, para não reduzir as imagens à condição de mero produto da cultura e das relações sociais. Não há dúvidas de que as imagens sejam construções sociais e culturais, apreendidas, produzidas e reproduzidas em meio às inúmeras relações de poder que estruturam a vida social. Mas esta é apenas uma dimensão das imagens. Há nas imagens uma outra dimensão que possui a capacidade de sobrepujar a cultura. As imagens e as experiências visuais não podem ser interpretadas somente a partir de seus significados sociais ou de sua funcionalidade no mundo. As imagens são irredutíveis à cultura. Elas escapam, transcendem aquilo que pode ser explicado pelo discursivo, apesar de sua relação com este, e é por isso que é extremamentedifícil cunhar uma definição sobre as mesmas, mas é também daí que parte importante de seu poder advém. As imagens não são apenas mediadores culturais. Elas também são, ou melhor, podem ser mediadores culturais. É possível interpretá-las, tomá-las como a representação de algo, mas não creio que seja possível domá-las e determinar o que elas são e significam sem a possibilidade da menor resistência. 
Contudo, precisamente porque não se pode estabelecer um sentido fixo, prévio e imutável sobre elas, que as imagens se tornam um objeto privilegiado para pensar a política. Assim como a política é engendrada nas relações sociais de tensão e distensão entre os indivíduos, os grupos, entre o Estado e a sociedade, as imagens estão permanentemente sob disputa e tem o seu sentido afirmado no conflito, por mais que a sua suposta transparência seja afirmada pelas interpretações em confronto que se almejam dominantes. O possível triunfo de determinada interpretação sobre outra(s) nunca é perpétuo e incontestável. O caráter fugidio da imagem desautoriza qualquer pretensão a uma significação última e livre de toda discussão, forjando a imagem como algo que está sempre por ser significada, não obstante tal significação não a defina e tampouco a imacule de novas tentativas de atribuição de significado.
Levando em consideração estas questões, o trabalho proposto tem por objetivo identificar como se deram as disputas pela “verdade” das manifestações, o que de maneira nenhuma pode ser confundido com a pretensão de estabelecer uma verdade que defina o que foram exatamente estas manifestações. Trata-se de tentativa de compreender e indicar as maneiras pelas quais as imagens podem exercer papel fundamental na política e nas relações e disputas que lhes são inerentes. Dentre registros fotográficos e audiovisuais, profissionais e amadores, muitas imagens sobre os protestos foram produzidas e reproduzidas nas mais diversas plataformas (jornais, telejornais, sites de notícias, redes sociais), ativando uma intensa circulação e consumo de representações imagéticas sobre as manifestações. Por conseguinte, pensar as imagens no contexto das manifestações implica pensar o papel dos meios de comunicação e das redes sociais, pensar a dimensão estética da política – e, consequentemente, a dimensão política da estética – e, por fim, pensar as formas pelas quais são disputadas as formas de figuração da sociedade e dos processos políticos.
	Neste sentido, analisar imagens requer atenção redobrada e cuidados metodológicos fundamentais. Como adverte Peixoto (1998, p. 217), em texto voltado predominantemente ao uso do audiovisual nas Ciências Sociais, mas que certamente nos auxilia a pensar estratégias para o exame das mais variadas formas imagéticas, tomar as imagens como um objeto privilegiado para a pesquisa social exige de nós que as encaremos em sua profundidade e polissemia e não apenas como uma reles ilustração que vem a arrematar um sentido imposto de antemão. Desta forma, é preciso estar atento ao que elas representam e ao que elas estimulam nos espectadores. 
METODOLOGIA
	 Para cumprir com o programa proposto, a presente pesquisa tomará como fonte de dados primordial as imagens fotográficas veiculadas pelos jornais de maior circulação nos estados do Rio de Janeiro e de São Paulo e pelos coletivos de mídia independente presentes nestas duas regiões, além de intervenções fotográficas específicas produzidas por artistas também situados neste eixo. A escolha por esses dois estados se justifica na verdade pelo peso de suas capitais, que sem dúvida abrigaram o maior contingente de manifestantes e, consequentemente, as manifestações mais intensas do período analisado. Ademais, como se sabe, as cidades de Rio de Janeiro e São Paulo são bastante privilegiadas pelos holofotes midiáticos e abrigam os maiores conglomerados empresariais da área da comunicação.
	O ponto de partida, portanto, para a análise sugerida será uma rigorosa seleção das imagens a serem investigadas. Este movimento se faz importante por dois motivos. Primeiro porque seria simplesmente impossível dar conta de toda a produção imagética dos eventos de junho de 2013. Em segundo lugar, porque esta triagem permitirá utilizar as imagens mais representativas e centrais às narrativas que foram acionadas numa disputa de poder para determinar o que de fato aconteceu nas manifestações. Tomando estas imagens como documentos que engendram representações, paradigmas, concepções sobre o fenômeno social abordado e que despertam reações aqueles aos quais se destinam, espera-se identificar quais foram as narrativas visuais em conflito e o que se produziu a partir delas. As imagens então serão tomadas como elementos que são produzidos, circulam, são consumidos e que interpelam e negociam com os espectadores sentidos e sentimentos.
Deste modo, numa outra frente de trabalho, serão realizadas entrevistas semi-estruturadas com os agentes envolvidos na produção e na circulação destas imagens: fotógrafos, jornalistas, editores, midiativistas, etc. Estes agentes serão selecionados a partir das imagens que forem escolhidas durante o desenvolvimento da pesquisa. Valendo-me uma vez mais dos apontamentos de Peixoto (1998), é conveniente lembrar que a própria produção de imagens em si opera a partir de uma seleção estratégica de imagens, filmando ou fotografando determinadas cenas em detrimento de outras, investindo em conservá-las e torná-las fortes ao mesmo tempo em que rejeita outras. Tais procedimentos são fundamentais se o objetivo da pesquisa é identificar e contar uma “história”, ou “histórias”, como é o caso deste estudo. Assim, a entrevista com os atores diretamente envolvidos no processo de difusão de imagens nos meios de comunicação escolhidos pode nos revelar informações preciosas sobre a lógica subjacente de seus respectivos trabalhos, tanto ponto de vista técnico, quanto do ponto de vista social, sendo importante instrumento na construção gradual do próprio objeto (Kaufman, 2013).
A análise das imagens pode nos ajudar a entender de que forma foram construídas narrativas imagéticas ou visuais sobre as manifestações na disputa pelas representações dos acontecimentos. Especificamente, pode nos ajudar a compreender qual o papel das imagens nos processos que se desenvolveram ao longo de 2013, qual a sua relação com a política, como foram estabelecidas conexões com os discursos que buscaram interpretar os fatos. Para tanto, as entrevistas terão papel fundamental, pois as imagens possuem a sua própria política, isto é, possuem características que revelam a intenção subjacente de seus autores. Entrevistá-los, por conseguinte, será fundamental para o entendimento dos processos envolvidos na produção, circulação e consumo de imagens. Espera-se que a utilização e a combinação de duas metodologias distintas ofereçam possibilidades complementares de compreensão e construção do objeto, de maneira que se possa entender com o maior rigor possível o fenômeno sobre o qual se propõe investigação.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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AVRITZER, Leonardo. O que as manifestações no Brasil nos dizem? In: Carta Capital, 18-06-2013. Disponível em: <https://www.cartacapital.com.br/sociedade/o-que-as-manifestacoes-no-brasil-nos-dizem-1313.html>. Acessado em 15/11/2018.
BARTHES, Roland. A câmara clara: nota sobre fotografia. Rio de Janeiro: nova Fronteira, 1984.
BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. Trad. Fernando Tomaz. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2001.
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IASI, Mauro. A rebelião, a cidade e a consciência. In: Cidades Rebeldes.São Paulo: Boitempo, 2013.
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