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Subjetividade e Relações 
Comportamentais
Emmanuel Zagury Tourinho
INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! 14/8/2015
14/8/2015 INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões!
Copyright © 2009 by Emmanuel Zagury Tourinho
A elaboração e a publicação deste trabalho foram apoiadas pelo Conselho 
Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, CNPq (Processos 
395743/2004-0, 470802/2004-9 e 304116/2007-6).
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) 
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Tourinho, Emmanuel Zagury
Subjetividade e relações comportamentais/Emmanuel Zagury Tourinho. 
1. ed. São Paulo: Paradigma, 2009.
Bibliografia.
ISBN 978-85-62550-00-3
1. Comportamento - Análise 2. Comportamento humano 3. Emoções 
4. Pensamentos 5. Psicologia 6. Relações interpessoais 7. Sentimentos 
8. Subjetividade I. Título.
09-03765 CDD-150
índice para catálogo sistemático:
1. Comportamento: Análise: Psicologia 150
Coordenação editorial Roberto Alves Banaco e Roberta Kovac 
Preparação Roberto Alves Banaco
Projeto gráfico, diagramação e ilustrações Silvia Amstalden 
Revisão Beatriz de Freitas Moreira
edição - 2009 
Paradigma Núcleo de Análise do Comportamento 
Rua Vanderlei, 611 
Perdizes São Paulo/SP 
Tel. 11 3864 9732
INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! 14/8/2015
14/8/2015 INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões!
Subjetividade e Relações 
Comportamentais
Emmanuel Zagury Tourinho
p a ra d ig m a
IÚCLFO 1)1 ANALISE DO COMPORTAMENTO
nni*
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14/8/2015 INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões!
À Simone, com muito amor.
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14/8/2015 INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões!
INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! 14/8/2015
14/8/2015 INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões!
Ou se tem chuva e não se tem sol, 
ou se tem sol e não se tem chuva!
Ou se calça a luva e não se põe o anel, 
ou se põe o anel e não se calça a luva!
Quem sobe nos ares não fica no chão, 
quem fica no chão não sobe nos ares.
É uma grande pena que não se possa 
estar ao mesmo tempo em dois lugares!
Ou guardo o dinheiro e não compro o doce, 
ou compro o doce e gasto o dinheiro.
Ou isto ou aquilo: ou isto ou aquito... 
e vivo escolhendo o dia inteiro!
Não sei se brinco, não sei se estudo, 
se saio correndo ou fico tranquilo.
Mas não consegui entender ainda 
qual é melhor: se é isto ou aquilo.
(Cecília Meireles, Ou is to ou a q u ilo )
INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! 14/8/2015
14/8/2015 INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões!
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14/8/2015 INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões!
Sumário
Prefácio 11
Apresentação 17
Considerações Iniciais acerca da
Subjetividade à Luz de um Enfoque Comportamental 21
Capítulo 1 - Relações Interpessoais e o
Florescimento das Dicotomias Psicológicas Clássicas 29
A Interdependência Humana em uma Sociedade Hierárquica 32
Condições de Interdependência em uma Sociedade de Mercado 38
A Emergência do Indivíduo e o Acobertamento das 
Relações de Interdependência 47
Dimensões do Indivíduo e as Dicotomias Psicológicas Clássicas 63
Capítulo 2 - Dimensões da Abordagem Analítico- 
Comportamental para o Problema da Subjetividade 95
A Noção de Eventos Privados 100
Limites da Noção de Eventos Privados 111
"Eventos Privados” como Resposta Verbal 119
Relações Comportamentais e as Dicotomias Psicológicas Clássicas 136
Capítulo 3 - Subjetividade, Eventos
Privados e Relações Comportamentais 151
A Individualização 152
A Autonomia 162
O Autocontrole 174
Fugindo à Lógica das Dicotomias Psicológicas Clássicas:
Complexidade, Acessibilidade e Relevância de
Relações Comportamentais 183
Considerações Finais 189
Referências 197
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14/8/2015 INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões!
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Prefácio
E preciso Ler muita coragem para assumir, em uma empreitada aca­
dêmica e profissional, um tema que seja controverso. A Psicologia é 
uma das áreas nas quais esse tipo dc tema é abundante. Os temas 
da Psicologia, costumeiramcntc, apresentam para o estudioso mui­
tas armadilhas que, sc não atentam ente estudadas e desmontadas, 
podem ser fatais para aquele que se lança em sua solução.
Este é especialmente o caso da Subjetividade. Um tema de ta­
manha complexidade e importância que, apesar de ter sido aborda­
do com diligência por grandes cientistas e filósofos da História da 
Humanidade, justifica ainda hoje o seu aprofundamento e estudo.
Tendo sido descrita como, mais do que um mosaico conceitua], 
um a rede de níveis interpretativos interligados, a Subjetividade 
engloba outros conceitos tão importantes para o Ser Hum ano tais 
quais: o autoconhecimento, o autocontrole, a autonomia, as em o­
ções, as relações sociais. Enfim, o tema remete ao papel de todo e 
cada Ser Humano no mundo humano - o que aumenta ainda mais 
sua complexidade.
Não menos arriscada e exigente é a em preitada de abordar a 
Subjetividade sob o enfoque do Behaviorismo Radical. Abordar te ­
mas complexos por esse enfoque exige, além dc coragem, empenho 
intelectual, cuidado acadêmico e, mais do que tudo, capacidade de 
síntese c de comunicação. Essa filosofia é tão encantadora quanto 
desprovida de charme. Pelo contrário, é uma filosofia que costuma 
ser vista como rasa, reducionista dos temas do Homem, além dc 
ladra de seu livre-arbítrio. E encantadora por ser, na aparência, 
simples. E am edrontadora por tocar d iretam ente e sem piedade 
em feridas escondidas do Hom em , revelando a sua submissão às 
Leis da Natureza.
Tam bém não é qualquer cientista que a abraça. E necessário 
ter sido especialmcnte formado para enfrentar, inspirado por ela, o
PREFÁCIO II
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14/8/2015 INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões!
desconhecimento. O risco de ser derrotado na empreitada é enor­
me, em parte, porque a filosofia behaviorista radical c a estratégia 
científica por ela preconizada para o aumento do conhecimento são 
exigentes. Além disso, filosofia e ciência são fortemente defendidas 
por implacáveis guardiões, que não poupam aqueles que se lançam 
à batalha do conhecimento utilizando-se delas: se não demonstrar 
destreza em seu manejo, o cientista pode lançar um trabalho que 
será desacreditado por sua comunidade. Por esta razão, tais guar­
diões esmeram-se na formação daqueles que poderão aventurar-se 
na empreitada do conhecimento.
Em m anucl Z. Tourinho foi talhado dessa maneira. Com sólida 
formação em Análise do Com portam ento e com um estudo apro­
fundado sobre o Behaviorismo Radical de Skinner, Emmanuel foi 
acompanhado de perto por vários pesquisadores expoentes dessa 
abordagem psicológica, tanto enquanto orientadores quanto como 
colegas de trabalho. Mesmo assim, pode-se dizer que ele se arriscou 
muito neste trabalho... Conseguiu juntar nele um tema polêmico e 
uma filosofia exigente para destrinchá-lo.
Mas não foi um risco desvairado. O percurso de Em m anuel 
na bu sca da elucidação do tema Subjetividade sob o enfoque do 
Behaviorismo Radical iniciou-se concom itante ao início de sua 
carreira enquanto autor. Desde as primeiras publicações em 1987 
(Tourinho, 1987 a e b), até o reconhecimento internacional de seu 
trabalho (por exemplo, em suas publicações de 2003, 2004 c 2006 
encontradas nas referências deste prefácio), Emmanuel perseguiu 
o estudo desse tema, fiel e incansavelmente até produzir esta obra, 
que revela seu pensamento atual.
Solidamente calcado em muitos de seus estudos desenvolvidos 
ao longo dc sua relativamentecurta carreira, Emmanuel acaba por 
coroar esse percurso com uma tese defendida para obter seu título 
de Professor Titular em uma das mais respeitáveis universidades 
brasileiras: a Universidade federal do Pará.
Destrinchando uma literatura vasta e expoente, Emmanuel vai en ­
trelaçando em seu texto conceitos, métodos de conhecimento, pontos 
de vista, dados históricos, experimentos, teorias, e criando com isso 
um quadro nítido c lógico sobre a problemática por ele estudada.
12 SU8JETIVIDADE E RELAÇÕES COMPORTAMENTAIS
INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! 14/8/2015
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Skinner em Ciência e Comportamento Hum ano (1953) cita que 
“Newton explicava suas importantes descobertas dizendo que estava 
de pé sobre os ombros de gigantes, fazendo referência à construção 
da Ciência que tem por base importantes avanços permitidos por 
pesquisadores antecedentes a ele”. Esta citação pode ser invocada 
para descrever este livro. Suas referencias denotam uma seleção 
cuidadosa e extremam ente rigorosa de obras e, dentro delas, ar­
gumentos, que, encadeados de maneira arguta, permitiram ter um 
campo no qual a construção do novo conhecimento criado pelo au- 
tor pareça ser absolutamente natural e ao mesmo tempo original. 
C oerentem ente com o teor do trabalho aqui exposto, reconhece o 
quanto de social houve em sua elaboração.
C om base nesse quadro, ele avança a co nce i tuação da 
Subjetividade e, sem medo de enfrentar possíveis resistências (tal­
vez pela segurança obtida nas bases de sua argumentação), propõe 
neste livro a superação das dicotomias psicológicas clássicas.
O livro tem um a estru tura confortável para que o leitor pos­
sa apreender os novos avanços conceituais que propõe. Inicia- 
se com algumas considerações que localizam a problemática da 
Subjetividade no campo do enfoque com portam ental, o que dá 
uma direção bastante marcada para o olhar que será desenvolvido 
nas páginas seguintes. Segue retomando cm seu primeiro capítulo 
um tanto de história que identifica as origens c vertentes das dis­
cussões implicadas na tem ática abordada. A partir desse ponto, 
passa a exercer a análise que permeia toda a proposta, explorando 
a noção de que o C onhec im ento é com portam ento hum ano na 
acepção mais behaviorista sobre o comportamento: a relação fun ­
cional observada entre as ações do H om em com as translormações 
do am biente que o circunda. Nesse primeiro capítulo, Emmanuel 
localiza, baseado em algumas análises jã desenvolvidas por Norbert. 
Elias, as variáveis que levaram toda um a cultura a lazer emergir 
o conceito de Indivíduo como ele é conhecido nos dias de hoje. 
O capítulo termina explicitando o quanto esse modo de conheci­
m ento chega a determ inar as Dicotomias Psicológicas Clássicas, 
e o insipiente acobertamento que esse conccito produziu sobre as 
relações de interdependência.
PREFÁCIO 13
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O segundo capítulo dcbruça-se sobre a abordagem analítico-com- 
portamental da Subjetividade. Coerentemente com essa abordagem, 
o texto refere-se agora a temas que também passaram por uma traba­
lhosa c extenuante investigação conceituai e empírica, constituintes 
do tema mais amplo: os eventos privados e o comportamento verbal. 
Esse capítulo encerra-se com uma nova visão das dicotomias psicoló­
gicas clássicas, redimensionando-as, agora, em relações possíveis na 
construção do conhecimento a partir da ótica bchaviorista radical.
Por fim, no terceiro capítulo, Emmanucl enLrelaça os conceitos 
de Individualização, Autocontrole e Autonomia, conforme definidos 
pela abordagem analítico-comportamental, fazendo uma proposta 
surpreendente e elaborada para o entendim ento da Subjetividade, 
Em suas Considerações Finais, o autor aponta caminhos para a con­
tinuidade de estudos que levem em consideração a interdependência 
dos Homens, dado que, apesar dos esforços, o tema da Subjetividade 
ainda não foi aqui esgotado.
Nesse sentido a obra lança mão de propostas de conceituação 
sobre Comportamento Verbal, além das novíssimas proposLas con­
ceituais de Metacontingências e Contingências Entrelaçadas para a 
interpretação de comportamentos complexos. Ao todo, esta obra volta 
a propor uma visão mais completa do que a visão de “Indivíduo” pro­
porciona para o entendimento da “criação” do Humano no Homem, 
a visão dc que este Homem é um ser biológico c social.
Roberto Alves Banaco
Professor "l itular da cadeira de Análise do Comportamento
Faculdade dc Psicologia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
14 SUBJETIVIDADE E RELAÇÕES COM PORTA MENTAIS
INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! 14/8/2015
14/8/2015 INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões!
Referências
Tourinho, E. Z. (1987). Sobre o surgimento do behaviorism o radical de 
Skinner. Psicologia, / 3(3), 1-11.
lburinho, E. Z. (1987). Teoria e pesquisa empírica cm psicologia: e lem en­
tos para uma reflexão sobre as obras de Skinner e Eeontiev. Cadernos 
do Centro de Filosofia e Ciências Humanas da Ufpa, 14(1), 143 -160.
'Iourinho, E. Z.; N eno, S. (2003). Effectiveness as truth criterion in beha­
vior analysis. Behavior and Philosophy; 31 (1), 63-81.
Tourinho, E. Z. (2004). Behaviorism, interbehaviorism and the boundaries 
of a science of behavior. European journal o f Behavior Analysis, 5(1), 
15-27.
Tourinho, E. Z. (2006). Private stimuli, covert responses and private events: 
Conceptual remarks. The Behavior Analyst, 29(1), 13-31.
PREFÁCIO 15
INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! 14/8/2015
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Apresentação
Emoções e pensamento são tratados em manuais de Psicologia (e.g., 
Hulfman, Vernoy & Vernoy, 2003) como alguns dos processos psi­
cológicos básicos (ao lado de aprendizagem, cognição, memória, 
percepção e outros), uma matéria que requer um tratamento e s ­
pecífico de qualquer sistema explicativo abrangente na Psicologia. 
Como o conceito de emoções, o conceito de sentimentos é também 
empregado com frequência na abordagem de fenômenos considera­
dos afetivos. Ainda que muitas vezes sejam usados como sinônimos, 
sentimentos e emoções são em alguns sistemas diferenciados com 
base na existência (para os primeiros) de um componente linguístico 
na afetividade. Emoções, sentimentos e pensamentos constituem 
o foco do presente trabalho. Eles serão abordados como instâncias 
privilegiadas do que tem sido denominado de subjetividade. A aná­
lise oferecida pode se estender a outros fenômenos ou conceitos 
correlatos, como cognição, sensação etc., embora não sejam exami­
nadas particularidades desses outros fenômenos ou dos usos desses 
outros conceitos. Discutindo pensamentos, emoções e sentimentos, 
acreditamos ser possível oferecer um tratamento (comportamcntal) 
abrangente para o tema da subjetividade, objetivo deste trabalho.
Homens e mulheres de todas as culturas emocionam-se c refletem 
sobre o mundo à sua volta. Algumas emoções (e.g., medo, tristeza) 
são, inclusive, consideradas parte de nossa herança filogenética (cf. 
Ekman, 1993; Millenson, 1967/1975; Russell, 1991). Com o con­
ceito de subjetividade, porém, referiremos o modo específico como 
emoções, sentimentos c pensamenLos são experimentados na cultura 
ocidental moderna, um modo que tem sido referido como “privado” 
(cf. Elias, 1987/1994) ou “privatizado” (cf. Figueiredo & Santi, 1997). 
E a configuração (discutida brevemente ao longo deste trabalho) que 
sentimentos, emoções e pensamentos adquirem na cultura ocidental 
moderna que dá origem aos conceitos de privado, subjetivo, interno e
APRESENTAÇÃO 17
INDEXBOOKS GROUPS: perpetuando impressões! 14/8/2015
14/8/2015 INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões!
mental. E c essa mesma problemática que está na base da fundação 
da Psicologia como disciplina independente, primeiro um campo re­
flexivo, depois uma ciência e uma profissão dc ajuda.
A subjetividade assim entendida será examinada ao longo do tra­
balho, a partir dc duas referências. No Capítulo 1, são discutidos 
aspectos histórico-culturais da experiência moderna de sentim en­
tos e pensamentos, enfatizando-se as condições sociais que estão 
na origem do que denominaremos aqui de dicotomias psicológicas 
clássicas (público-privado, objetivo-subjetivo, interno-externo, físi- 
co-mental). Nos Capítulos 2 e 3, o trabalho focali/a a elaboração 
de uma interpretação para emoções, sentimentos e pensamentos, 
à luz dos princípios do sistema explicativo denominado Análise do 
Comportamento, que tem como referência principal a obra filosófica 
e científica de B. E Sldnncr.
O exame de aspectos históricos da configuração que sentimentos 
e pensamentos vieram a adquirir na cultura ocidental moderna não 
tem a pretensão de oferecer uma história do processo dc individuali­
zação e de subjetivação no Ocidente. Muitas informações e análises 
que seriam indispensáveis para contar essa história estão ausentes 
do presente trabalho, simplesmente porque fogem a suas p re ten­
sões. Os aspectos históricos considerados são apenas aqueles que 
precisam ser postos em relevo para dem arcar alguns problemas 
que estão na origem dos usos modernos dos conceitos privado, in ­
terno, mental e subjetivo. Apenas com uma compreensão mais clara 
desses problemas é possível formular uma abordagem comportamen- 
tal consistente para sentimentos e pensamentos.
O trabalho pretende oferecer um tratamento analítico-compor- 
tamental abrangente para a subjetividade, em que emoções, senti­
mentos e pensamento são concebidos essencialmente como relações 
comportamenlais. Essa elaboração conflita com noções e valores, 
próprios de uma cultura individualista, que encontram expressão 
nas dicotomias psicológicas clássicas. A perspectiva interpretatíva 
relacionai depende, por outro lado, de uma apropriação das infor­
mações que emergem de uma análise histórica daquelas dicotomias. 
Em suma, o trabalho desenvolve a tese de que os conceitos de priva­
do, subjetivo, interno e mental refletem a dificuldade cm reconhecer
18 SUBJETIVIDADE E RELAÇÕES COM PORTAM ENTA IS
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dimensões da interdependência entre indivíduos na definição dos 
fenômenos psicológicos, o que pode ser superado com uma inter­
pretação de sentimentos, emoções e pensam entos como relações 
comportamentais, desde que ponderados os modos como variáveis 
culturais dão uma conformação particular a esses fenômenos.
APRESENTAÇÃO 19
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Considerações Iniciais acerca 
da Subjetividade à Luz de um 
Enfoque Comportamental
Tema dc alguns dos trabalhos mais notáveis dc Skinner (c.g., 1945, 
1953/1965, 1963/1969, 1974/1993, 1968/2003), os eventos privados 
(conccito pelo qual a subjetividade é tratada no sistema skinneriano) 
receberam pouca atenção da comunidade dc analistas do compor­
tamento até pelo menos a década dc 1990. Alguma atenção mais 
sistemática passou a ser dada ao assunto apenas quando analistas 
do comportamento com atuação clínica afirmaram a necessidade de 
resgatar, nesse campo da prática psicológica, os princípios analítico- 
comportamentais c assinalaram que, na terapia verbal face a face, 
o assunto eventos privados é recorrente e demanda um tratamento 
mais avançado do que aquele delineado nos escritos de Skinner (cf. 
Anderson, Ilawkins, Freeman & Scotti, 2000; Anderson, Ilawkins 
& Scotti, 1997; Banaco, 1999; Dougher, 1993a, 1993b, 1994, 2000; 
Dougher & Hackbert, 2000; Friman, S. C. Ilayes & Wilson, 1998; 
Moore, 2000; Wilson & S. C. Hayes, 2000).
Skinner desenvolve dois argumentos principais ao tratar de even­
tos privados. Em um a direção, sustenta que o que é sentido não 
explica o com portam ento publicam ente observável, do que con­
clui (e.g., Skinner, 1953/1965) que uma ciência do com portam en­
to prescinde da referência a sentimentos e emoções para lidar de 
modos efetivos com o comportamento humano. Em outra direção, 
discute os processos verbais envolvidos na aquisição de repertórios 
autodescritivos dc sentimentos, emoções c pensamentos e sustenta 
a tese (c.g., Skinner, 1945) de que, por dependerem dc contingên­
cias sociais, esses repertórios são sempre imprecisos (novamente, 
uma razão para não considcrá-los em sua ciência). Esse segundo 
argumento constitui o ponto de partida para análises alternativas 
(c.g., Dougher & Hackbert, 2000; Friman & cols., 1998; Tourinho, 
1999b, 2006) sobre o lugar dos eventos privados em uma ciência 
do comportamento.
CONSIDERAÇÕES INICIAIS 21
INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! 14/8/2015
14/8/2015 INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões!
Q uando se consideram as autodescriçõcs de sentimentos, em o­
ções e pensamentos à luz de uma conccpção funcional de lingua­
gem, como aquelas formuladas por Skinner (1957/1992) e por 
Wittgenstein (1953/1988), tem~sc que as autodescriçõcs são, elas 
mesmas, parte do fenômeno da subjetividade. E com a linguagem 
que parcelas do que pode ser chamado de um ambiente interno 
(cf. Tourinho, 1999b) tornam-se diferenciadas, adquirem funções 
em relações comportamentais, ainda que dentro de limites e sob 
condições específicas (cf. Skinner, 1945, 1974/1993; Tourinho, 
1994a, 1994b). De outro lado, as autodescriçõcs podem adquirir, 
elas mesmas, 1 unções cm relações comportamentais diversas. A 
luz de análises mais recentes sobre eventos privados e sobre com­
portam ento verbal (e.g., DcG randpre , Bíckel & Higgins, 1992; 
S. C. Hayes, Barnes-Holmes & Roche, 2001), isso levará a uma 
rediscussão (e.g., Friman & cols., 1998) da ideia de que eventos 
privados não são relevantes em uma análise funcional dos comporta­
mentos publicam ente observáveis. Mais importante, os “eventos 
privados” serão menos enfatizados como eventos discretos de ina­
cessibilidade restrita e mais realçados como conceito que remete 
a relações complexas dos indivíduos com o mundo.
Alguns trabalhos sobre eventos privados, anteriores ao debate 
inaugurado pelos clínicos, já haviam posto cm discussão o status 
causal de eventos privados, mas a partir da noção de causação inter­
na do comportamento (e.g., Flora 8c Kestner, 1995; Overskeid, 1994; 
Stemmer, 1995; Zuriff, 1979). Não foram, portanto, eficientes para 
promover uma discussão da subjetividade sob um enfoque de rela­
ções comportamentais, ainda que alguns problemas que levantaram 
tenham ficado sem uma apreciação devida na literatura analítico- 
comportamental. Quando analistas clínicos do comportamento no­
vamente trouxeram o tema à discussão, o fizeram de um modo que 
enfatizou dimensões relacionais verbais dos fenômenos.
Um grande mérito dos trabalhos mais recentes sobre eventos pri­
vados consiste, assim, na sua capacidade para conformar o exame 
do assunto à lógica relacional que sustenta mais fundamentalmente 
o sistema explicativo analítieo-comportamental como um sistema 
psicológico; a ideia de que os fenômenos que constituem o objc-
22 SUBJETIVIDADE E RELAÇÕES COMPORTAMENTAIS
INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! 14/8/2015
14/8/2015 INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões!
to de estudos da Psicologia definem-se como relações dos homens 
e mulheres (ou dos organismos1) com o mundo. No lugar, agora, 
de olharpara sentimentos, emoções c pensam entos como even­
tos discretos (sejam cies públicos ou privados), torna-se necessário 
examinar como relações complexas (operantes e respondentes - cf. 
Darwich & Tourinho, 2005) são estabelecidas c entrelaçadas, de tal 
modo que alguns eventos inacessíveis à observação pública direta 
delas tomam parte.
Com a explicitação de aspectos das relações verbais (e.g., a pos­
sibilidade de formação de classes de estímulos equivalentes) que 
conduzem a um novo exame da questão da subjetividade, a análise 
do comportamento alargou a perspectiva inaugurada por Skinner. A 
abordagem permanece, todavia, ainda no plano dos processos (nesse 
caso, verbais) básicos, à luz dos quais fenômenos comportamentais 
merecem ser analisados. Um analista do comportamento pode ar­
gumentar que, para além disso, a análise possível da subjetividade 
dirá respeito à história ambiental de cada um, à ontogênese, na qual 
se materializam as relações que vêm a definir a identidade de cada 
homem ou mulher. No presente trabalho, no entanto, propomos 
algo diverso. Argumentamos que uma abordagem analítico-compor- 
tamental da subjetividade pode avançar a partir de uma consideração 
de contingências culturais que vêm a definir o fenômeno.
Os componentes verbais das mais complexas relações comporta- 
mentaís referidas como sentimentos, emoções e pensamentos são 
produtos de uma cultura que promove de modo mais abrangente 
padrões de relacionamento com o mundo físico e social, que definem
1 Neste trabalho, não ignoramos que o projeto skínneriano tinha como objeto 
o comportamento dos organismos (humanos e infra-humanos). Entendemos, 
porém, que seu interesse principal era o comportamento humano (cf. Andery, 
1990) e que é na espécie humana, apenas, que se encontram os fenômenos mais 
complexos relacionados à subjetividade (ver Capítulo 2, adiante). As análises 
aqui desenvolvidas são pautadas pelo interesse específico no comportamento 
humano e por isso deixará de ser assinalado (exceto em casos particulares) quan­
do as argumentações desenvolvidas se aplicarem ao comportamento de outros 
organismos.
CONSIDERAÇÕES INICIAIS 23
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a subjetividade e só existem quando essas contingências culturais 
estão em operação. Isto é, o problema da subjetividade (aquele reser­
vado à Psicologia — cf. Figueiredo, 1991, 1992; Figueiredo & Santi, 
1997) só passa a existir à luz de certas contingências culturais. O 
que tratamos como subjetividade são certas relações comportamen- 
tais cujas características distintivas prccísam ser especificadas, e um 
caminho para isso consiste em examinar as contingências histórico- 
culturais que as engendram.
O ponto de vista defendido neste trabalho, portanto, é o de que 
uma compreensão mais abrangente da subjetividade na análise do 
comportamento requer uma apreciação de contingências que produ­
zem sentimentos, emoções c pensamentos nas culturais ocidentais 
modernas e uma especificação dos tipos de relações que definem 
esses fenômenos. A questão da inacessibilidade à observação públi­
ca dc certos estímulos e respostas {a base para a noção de eventos 
privados) não se perde com essa análise, mas nela encontra um con­
texto analítico mais amplo.
Diversos percursos investigativos poderiam ser seguidos para 
prover uma apreciação da subjetividade nos termos mencionados. 
Optamos aqui por examinar um conjunto dc informações históri­
cas, delas derivando uma interpretação para sentimentos, emoções 
e pensamentos enquanto fenômenos relacionais2. As categorias ana­
líticas empregadas para esse fim serviram também para confrontar 
a perspectiva relacional da análise do comportamento com práticas 
ou discursos que parecem ignorar, ou pelo menos deslocar para um 
segundo plano, essa dimensão dos fenômenos psicológicos.
Hm sua formulação tradicional nas Psicologias, pensamentos, 
emoções e sentimentos são discutidos como ocorrências privadas, 
subjetivas, internas ou mentais, ocorrências do ou no indivíduo. A tese
2 Sobre a opção de olhar para a história para compreender conceitos psicológicos, 
Skinner (J 931/1961) fez algo parecido, ao se voltar para o conceito de reflexo. A 
decisão de recorrer a certas informações históricas neste trabalho não significa 
que a análise a ser apresentada é uma análise histórica, como a skinneriana, mas 
lem a mesma pretensão de lançar luz sobre problemas ainda insuficientemente 
formulados na Psicologia e na Análise do Comportamento.
24 SUBJETIVIDADE E RELAÇÕES COMPORTAMENTAIS
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a scr desenvolvida inicia-se com uma afirmação de que a perspectiva 
individualista c subjetivista que esses conceitos veiculam é produto 
dc contingências culturais que funcionam para obscurecer as rela­
ções (cada vez mais complcxas) de interdepcndcncia entre homens c 
mulheres. Prossegue com a argumentação de que a rcfcrência skin- 
ncriana à inacessibilidade de certos estímulos e respostas constitui 
um rccurso insuficiente para explicar o conjunto de problemas que 
encontra expressão nas dicotomias público-privado, objetivo-subjeti- 
vo, externo-interno, físico-mental, requerendo uma formulação mais 
abrangente das relações comportamentais que definem sentimentos, 
emoções e pensamentos. Knccrra com a proposição de que, à luz de 
um exame histórico das dicotomias psicológicas clássicas, é possível 
analisar de modos originais as noções de singularidade, autonomia c 
autocontrole c com isso favorcccr uma interpretação analítico-com- 
portamental mais abrangente e consistcntc da subjetividade.
CONSIDERAÇOES INICIAIS 25
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CAPÍTULO 1
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I! INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! 14/8/2015
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Relações Interpessoais e o 
Florescimento das Dicotomias 
Psicológicas Clássicas
Organismos humanos são capazes de interagir uns com os outros de 
modos complexos, impondo à realidade configurações sofisticadas, 
com graus variados de diferenciação e que afetam de maneiras im­
portantes sua vida cotidiana. Transcendem, assim, as determinações 
de sua história filogenética em larga medida e de modos únicos. Suas 
realizações nas artes, nas técnicas e nas ciências atestam sua capa­
cidade diferenciada e constituem alguns dos produtos mais salientes 
dos processos de criação e transformação da realidade em que vi­
vem. O caráter social de tais produções dificilmente será negado por 
alguém que se debruce sobre o processo histórico que está na sua 
origem. Todavia, a interdependência entre os homens e mulheres 
de uma sociedade (mais ou menos complexa) constitui um fato que 
nem sempre sc reflete nas crenças ou sistemas explicativos que essa 
mesma sociedade vem a construir sobre suas conquistas, ou sobre as 
capacidades humanas. E quando as condições de interdependência 
tornam-se menos evidentes, ou menos reconhecidas, estão criadas as 
condições para uma concepção de homem como ser autônomo, cujas 
ocorrências ou faculdades pessoais constituem o núcleo dc sua exis­
tência e de suas realizações. Os fatos da interdependência entre os 
membros de uma cultura e do seu obscurecimento em muitos modos 
de representar a vida nas sociedades modernas têm sido examinados 
nas humanidades sob várias óticas (c.g., Durkheim, 1893/1995). No 
presente trabalho, serão considerados principalmente à luz das aná­
lises sociológicasdc Elias (e.g., 1939/1990b, 1987/1994).
O conccíto de indivíduo e a noção de autonomia em que está 
fundamentado, na contramão das evidências empíricas de interde­
pendência, refletem uma autoimagem do homem moderno como 
capaz de realizar-se à parte das relações com outros homens. São as 
virtudes e faculdades do ou no homem particular que começam a ser 
vistas como a base de suas realizações, quer materiais, espirituais,
CAPÍTULO 1 29
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cognitivas, ou de qualquer outra ordem. Um exemplo clássico desse 
individualismo, que terá ampla repercussão no pensamento moder­
no, inclusive na fundação na disciplina psicológica, é encontrado no 
racionalismo cartesiano, de acordo com o qual a possibilidade de 
o homem chegar a juízos seguros acerca da realidade à sua volta é 
resultante não dc processos dc interlocução, do diálogo e do embate 
de ideias com outros homens, mas, ao contrario, de um exercício de 
uma faculdade pessoal, o pensamento racional, cujo emprego eficaz 
depende inclusive do desprend im ento cm relação às opiniões 
alheias: “é quase impossível que nossos juízos sejam tão puros ou 
tão sólidos como seriam, se vivêssemos o uso inteiro de nossa razão 
desde o nascimento c se não tivéssemos sido guiados senão por ela” 
(Descartes, 1637/1979, p. 35). Não é dc surpreender, portanto, que 
o próprio pensar seja suficiente, no sistema cartesiano, como prova 
da existência do indivíduo pensante (a res cogitam). Para Descartes 
(1596-1650), nenhuma obra será tão perfeita quanto aquela plane­
jada e executada por um único homem; de acordo com o seu próprio 
julgamento, “não há tanta perfeição nas obras compostas de várias 
peças, e feitas pela mão de diversos mestres, como naquelas em que 
um só trabalhou” (Descartes, p. 34).
No presente capítulo, a problematização da subjetividade humana 
será discutida à luz da emergência e da consolidação de uma cultura 
individualista, na qual a percepção dos laços de interdependência 
entre os homens dá lugar à autoimagem de autonomia do indivíduo. 
Todavia, no lugar de simplesmente questionar essa autoimagem, se­
rão discutidas algumas condições que explicam sua elaboração e 
reprodução em sistemas dc crenças (inclusive teorias psicológicas) 
e práticas sociais das culturas caracteristicamente individualistas. 
Em particular, serão discutidas certas mudanças importantes nas 
sociedades ocidentais com o advento dc uma economia de mercado. 
As transformações no plano das relações interpessoais e dos sistemas 
explicativos produzidos nesse contexto dc mudanças serão relacio­
nadas as dicotomias psicológicas clássicas: público-prívado, interno- 
externo, físico-mental e objetivo-subjetivo. Pretendemos argumentar 
que o florescimento de uma cultura individualista, cujas práticas, 
valores e crenças Lendem a obscurecer as dimensões interpessoais
30 SUBJETIVIDADE E RELAÇÕES COM PORTA MENTA IS
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das realizações humanas, constitui o fundamento daquelas dicoto­
mias. Isso implicará dizer que a caracterização de lenômenos psico­
lógicos como privadas, internos, mentais ou subjetivos representa um 
modo de desqualificar, ou remeter para segundo plano, as dimensões 
interpessoais daquelas realizações. Com o propósito de introduzir 
essa interpretação, serão assinalados alguns aspectos da vida cm so­
ciedade na Europa feudal que, sc não promoviam de modo claro 
uma concepção dc heteronomia ou interdependência dos homens, 
ccrtamcnte não constituíam as condições ncccssárias para a forma­
ção de uma cultura individualista. H unt e Sherman (1993) ilustram 
essas questões ao referirem aspectos da ética paternalista cristã, que 
cxerceu lorte papel na regulação da vida social feudal:
no início do período teudal, a ética paternalista cristã estava profunda­
mente encravada na cultura europeia ocidental. A ganância, a avareza, 
o egoísmo, a ânsia de acumular riquezas, enfim, todas as motivações 
materialistas e individualistas eram severamente condenadas. O ho­
mem ganancioso e individualista cra considerado a própria antítese 
do hom em bom, preocupado com o bem-estar de todos os seus ir­
mãos. O s hom ens prósperos tinham ao seu alcance a possibilidade 
de, com a riqueza c o poder de que dispunham , realizar um grande 
bem ou um grande mal: o pior dos inales consistia em usar a riqueza 
exclusivam ente para a sua autograt.ificação, ou como meio para acu­
mular continuam ente, cm seu próprio proveito, maior quantidade de 
riquezas. Os hom ens ricos honrados eram os que tinham consciência 
de que a sua fortuna e o seu poder constituíam uma dádiva de Deus. 
Assim, sentiam -se moralmente obrigados a agir de modo paternalista, 
administrando seus negócios temporais com a finalidade de promover 
o bem-estar de seus sem elhantes, (pp. 17-18)
Sobre a importância das mudanças econômicas para que os laços 
feudais se dissolvessem e a noção de autonomia emergisse, Duby 
(1990) assinala:
As marcas evidentes das conquistas de uma autonom ia pessoal se 
multiplicam no decorrer do século XII, isto c, no m om ento cm que 
se acelera a distensão da econom ia, em que o crescim ento agrícola
CAPÍTULO 1 31
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chega ao ponto, reanimando estradas, m ercados, aldeias, de trans- 
portar pouco a pouco para a cidadc todos os sistem as de controle c 
os fermentos de vitalidade, em que a moeda com eça a desem penhar 
no mais cotidiano da vida um papel capital, em que por toda parte se 
difunde o uso da palavra ganhar ... Tal movim ento, a mobilização das 
iniciativas e das riquezas, suscitou a valorizaçao progressiva da pessoa, 
(pp. 505-506)
Ao longo das próximas seções, alguns aspectos das mudanças do 
modo de vida feudal para uma socicdadc dc mcrcado serão breve­
m ente discutidos, enfatizando-sc o que representam do ponLo de 
vista das relações interpessoais e dos modos como os homens pas­
sam a representar suas relações com o mundo físico c social. Essas 
informações são importantes para a análise desenvolvida neste tra­
balho tanto quanto possibilitam compreender o que está na origem 
da noção de que sentimentos e pensamentos são ocorrências do ou 
no indivíduo. Com isso, pretende-sc argumentar que a ideia de que 
sentimentos e pensamentos são fenômenos mentais, internos, .subje­
tivos ou privados decorrc não de um compromisso com uma doutrina 
psicológica particular, mas da exposição a contingências sociais es­
pecíficas, que podem inclusivc cxplicar certos limites das soluções 
que se pretendem criticas de uma visão individualista de homem. 
A análise de contingências histórico-sociais (algumas delas, pelo 
menos) é inspirada nos trabalhos de Figueiredo (e.g., 1991, 1992; 
Figueiredo & Santi, 1997) sobre a história da Psicologia, embora se 
desenvolva segundo categorias próprias (com ênfase nas conexões 
dessas contingências com uma economia de mercado, e nos concei­
tos rcsuhanles sob a forma de dicotomias psicológicas).
A Interdependência Humana 
em uma Sociedade Hierárquica
Homens e mulheres nascem c se desenvolvem como membros de 
grupos sociais específicos, no interior dos quais encontram um modo 
de vida e participam, também, da construção dc suas condições dc 
sobrevivência c reprodução. Assim, ainda que as crianças revelem, ao
32 SUBJETIVIDADE E RELAÇÕES COMPORTAMENTAIS
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nascer, ccrtas competências para interagir com aspectos importantes 
de seu mundo (cf. Moura & Ribas, 2004; Oliva, 2004; Tourinho & 
Carvalho Neto, 2004),
c apenas na socicdade que a criança pequena, comsuas funções 
m entais m aleáveis e relativam ente indiferenciadas, se transforma 
num ser mais com plexo. Som ente na relação com outros seres hu­
manos é que a criatura impulsiva e desamparada que vem ao mundo 
se transforma na pessoa psicologicam ente desenvolvida que tem o 
caráter de um indivíduo c m erece o nom e de ser hum ano adulto. 
(Elias, 1987/1994 , p. 27)
Reconhecido o caráter sociocultural do desenvolvimento humano, 
é importante destacar algumas condições sob as quais homens e mu­
lheres sc desenvolvem cm sociedades agrárias e hierárquicas como 
a sociedade feudal. Em primeiro lugar, é necessário observar que as 
funções das classes (clero, senhores e servos) que definem a estru­
tura dessa sociedade são vistas como complementares, em particu­
lar no sistema dc crenças (o catolicismo) que constitui a principal 
fonte de legitimação dessas relações: uns rezam, outros protegem, 
outros produzem. Inexístindo um poder (ccntral) impessoal que atue 
na regulação dessas relações, as obrigações são acompanhadas de 
solidariedadcs coletivas nos códigos e costumcs de cada feudo. Ou 
seja, é no plano das relações imediatas dos homens uns com os ou­
tros que são construídas as condições concretas de sobrevivência da 
sociedade como um todo.
Na Idade M édia, como em muitas sociedades em que o Estado é fra­
co ou sim bólico, a vida dc cada particular depende de solidariedadcs 
coletivas ou de lideranças que desem penham um papel dc protetor. 
N inguém tem nada de seu - nem m esm o o próprio corpo — que não 
esteja am eaçado ocasionalm ente e cuja sobrevivência não seja asse­
gurada pelo vínculo de dependência. (Ariès, 1991, p. 17)
E claro que a existência de laços dc solidariedade em uma sociedade 
hierárquica não implica o acesso indistinto às condições materiais dc 
sobrevivência, mas significa que as relações de poder, à luz da ética 
cristã e da autoridade da Igreja, encontravam certos limites.
CAPÍTULO 1 33
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Os hom ens que ocupam posições de poder e detêm a riqueza assem e- 
lham -se ao pai ou ao protetor da família. Tinham obrigações paterna­
listas para com os hom ens com uns, isto é, os pobres ou, prosseguindo 
com a nossa analogia, os filhos. Do homem com um , por sua vez, espe- 
rava-se que aceitasse seu lugar na sociedade e se subm etesse, de bom 
grado, à liderança dos ricos e poderosos, da m esm a maneira que um 
filho aceita a autoridade do pai. (Hunt 8c Sherman, 1993, p. 1 5)
Em segundo lugar, tem grande importância o fato de que nessa 
sociedade a função social de homem ou mulher cncontra-se, salvo 
exceções, predehnida, dc acordo com a sua orígern, portanto não é 
matéria quer de reflexão pessoal, quer de dedicação e conquista ao 
longo da vida.
A identidade social numa sociedade agrária, com o a medieval, em que 
as relações políticas cristalizadas em direitos e deveres, em obrigações 
e lealdades consuetudinárias suportavam o peso de toda a reprodução 
social era totalm ente, ou quase, predefinida pela cultura em função 
de eventos biográficos, com o o nascim ento, a filiação c a idade, inde­
pendentes do próprio indivíduo. (Figueiredo, 1991, p. 20)
Nessas sociedades, como cm sociedades menos complexas ainda 
hoje encontradas (às quais o Estado - se existe formalmente - não 
chega com suas instituições, e a sobrevivência depende fortemente 
de uma atividade produtiva voltada para a subsistência do grupo), a 
função social de cada um, além de não depender de uma conquista 
pessoal, dcfine-sc basicamente pelo interesse coletivo. O que está na 
base desses laços é principalmente o vínculo material entre os m em ­
bros do grupo, o fato de que a sobrevivência material está estritamen­
te vinculada à sobrevivência do grupo de origem; há a impossibilidade 
de produzir a própria sobrevivência à parte dessas relações. Sob tais 
condições, o que regula a vida cotidiana dc homens e mulheres não 
são projetos pessoais de vida, mas demandas e interesses coletivos, 
contingências ligadas à sobrevivência e à reprodução do grupo.
Nas comunidades mais primitivas e unidas, o fator mais importante 
do controle do comportamento individual é a presença constante dos 
outros, o saber-se ligado a eles pela vida inteira e, não menos im-
34 SUBJETIVIDADE E RELAÇÕES COMPORTAMENTAIS
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portanto, o medo direto dos outros. A pessoa não tcrn oportunidade, 
necessidade, nem capacidade de ficar só. Os indivíduos mal sentem 
alguma oportunidade, desejo ou possibilidade de tomar decisões por 
si ou do conceber qualquer pensam ento sem a constante referência 
ao grupo. Isso não significa que os membros desses grupos convivam 
harmoniosamente. É comum ocorrer o inverso. Significa apenas que
- para usar o termo que convencionam os - eles pensam c agem pri­
mordialmente do ponto do vista do "nós’'. A com posição do indivíduo 
adapta-se ao constante convívio com os outros a quem o comporta­
m ento tem que ser ajustado. (Elias, 1987/1994, p. 108)
A distinção indivíduo-socicdade, ou melhor, o conceito de indi­
víduo nem sequer faz sentido nessas sociedades, visto que o espaço 
para cultivar vocações, interesses c mesmo gostos pessoais são mui­
to restritos. Também são poucas e pouco diferenciadas as Iunções 
sociais, de modo que não constituem exatamente um caminho para 
a individualização. O compartilhamento do destino inicia-se com o 
compartilhamento da moradia c dos espaços de deslocamento, dos 
utensílios domésticos e dos instrumentos c rotinas de trabalho, 
dos jogos e das preces, ü isolamento físico é objeto de desconfiança 
e nem sequer pode existir no interior do espaço doméstico. Loucos 
(os homens comuns) ou heróis (eremitas e cavaleiros errantes) são 
aqueles que sc arriscam a andar sozinhos. Rezar, ler, cantar ou lavrar 
a terra são essencialmente atos coletivos, realizados no espaço so­
cialmente compartilhado. Realizar-se materialmente, espiritualmen­
te, cognitivamcnte ou ludicamente, tudo pertence, de um ponto dc 
vista imediato, ao plano das relações interpessoais, de modo incsca- 
pável. Vida privada confundc-se com vida pública, no sentido de que 
o compartilhamento das diversas dimensões da existência varia com 
respeito à amplitude do universo social, porém nunca a ponto de 
confinar o homem à introspccção. Ainda que aos olhos do indivíduo 
moderno essa imagem cause estranheza, c assim que os historiado­
res descrevcm a experiência de vida no mundo feudal. Discutindo a 
“emergência do indivíduo”, Duby (1990) assinala:
Proximidade, promiscuidade, por ve /es multidão - na época feudal, 
o espaço, com efeito, jamais estava previsto, no interior das grandes
CAPÍTULO 1 35
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moradas, para a solidão individual, senão no breve instante do trespas­
se, da grande passagem para o outro mundo ... na sociedade feudal, o 
espaço privado aparece, na realidade, desdobrado, constituído de duas 
áreas distintas: uma fixa, em torno do lar, murada; a outra deslocan- 
do-se no espaço público, não menos coerente, apresentando em seu 
seio as mesmas hierarquias, reunida pelos m esm os procedimentos de 
controle ... E se vida privada significa segredo, esse segredo, necessa­
riamente partilhado por todos os membros da família ampla, era frágil, 
logo descoberto; se vida privada significa independência, também essa 
independência era coletiva, (pp. 503-504)
Outra característica essencial da sociedade feudal, ainda encon­
trada em sociedades mais simples, consiste no fato de que os pro­
cessos reflexivos e de tomada de decisão não apenas são coletivos, 
como muito menos frequentes, pela simples razão de que sãomenos 
necessários, uma vez que há poucas alternativas a serem conside­
radas a cada momento da vida cotidiana. Os homens nessas socie­
dades não precisam se ocupar a cada momento de decidir aonde ir, 
como ir, o que fazer, ou de que modo fazer. Mesmo com respeito ao 
horizonte de uma vida, há muito menos decisões a serem tomadas, 
poucas encruzilhadas, como menciona Elias (1987/1994):
Nas sociedades mais sim ples, há m enos alternativas, m enos oportu­
nidades de escolha, m enos conhecim ento sobre as ligações entre os 
acontecim entos e, portanto, m enos oportunidades passíveis de pare­
cerem “perdidas”, quando vistas em retrospectiva. N as mais sim ples 
de todas, é frequente haver diante das pessoas um único cam inho 
em linha reta desde a infância — um cam inho para as m ulheres e 
outro para os hom ens. Raras são as encruzilhadas; raramente alguém 
é colocado sozinho diante de uma decisão ... V ive-se um dia atrás 
do outro. A pessoa com e, sente fom e, dança, morre. Qualquer visão 
a longo prazo de algo que possa ocorrer cm algum m om ento futuro 
é muito limitada, e o comportamento presciente é incom preensível e 
pouco desenvolvido. Igualmente incompreensível é a possibilidade de 
uma pessoa deixar de fazer algo que sc sinta premida a fazer aqui e 
agora em nome de uma satisfação que talvez lhe venha dentro de uma 
sem ana ou um ano, ou sua possibilidade de fazer o que cham am os
36 SUBJETIVIDADE E RELAÇÕES COM PORTAM ENTA IS
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“trabalhar”. Por que haveria alguém de fazer um esforço muscular não 
referido às exigências urgentes do momento? (p. 110)
Ligados uns aos outros de modos inescapáveis e vivendo uma 
vida cotidiana baseada na realidade imediata, homens e mulheres 
no mundo feudal não estão expostos a condições que favoreçam a 
construção e a dedicação a projetos baseados em uma referência 
pessoal. O “nós'’ vale mais do que o “eu” na definição de cada passo, 
de cada rotina, de cada projeto. Na religião, por exemplo, o isola­
mento 6 coisa para poucos privilegiados. Para o hom em comum, 
chegar a Deus é matéria de participação em cerimônias coletivas e/ 
ou de cumprimento de revcrência ou solidariedade a outros (esse 
ponto será retomado adiante).
Se o segredo não é possível, ele também não é necessário, pelo 
menos não como nas sociedades modernas. Emoções e sentimentos 
podem scr experimentados de modos mais espontâneos. O que essa 
espontaneidade significa ficará mais claro quando observarmos o que 
acontece quando ela não c mais aceitável. As consequências para 
cada um dc os outros saberem o que sente não são tais que justifi­
quem uma preparação para evitar a espontaneidade. E por essa razão 
que crianças e adultos compartilham os momentos da vida cotidiana. 
Apenas com a transformação dessas relações, a criança será retirada 
do convívio com a família e será inventada a infância, com um es­
tágio da vida para o adestramento para a convivência com o mundo 
adulto. “Ate por volta do século XII, a arte medieval desconhece a 
infância, ou não tentava representá-la ... E mais provável que não 
houvesse lugar para a infância nesse mundo” (Ariès, 1981, p. 50)3. A 
reflexão, também, sendo predominantemente oral e coletiva (porque
3 Ariès (1981) afirma também: “Na sociedade feudal, que tomamos como pon­
to de partida, o sentimento da infância não existia - o que não quer dizer que 
as crianças fossem negligenciadas, abandonadas ou desprezadas. O sentimento 
de infância não significa o mesmo que a afeição pelas crianças: corresponde à 
consciência da particularidade infantil, essa particularidade que distingue essen­
cialmente a criança do adulto, mesmo jovem. Por essa razão, assim que a criança 
tinha condições dc viver sem a solicitude constante de sua mãe ou de sua ama, ela 
ingressava na sociedade dos adultos e não se distinguia mais destes” (p. 156).
C APÍTU L01 37
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voltada para assuntos que são dc interesse imediato tambem para os 
outros) desenvolve-se ao conhecimento dos outros.
Contingências sociais dessa ordem não promovem, ao contrário, 
inibem uma concepção individualizada do homem. Não se pode di­
zer que promovam uma percepção das relações de interdependência, 
uma vez que raramente o homem é levado a refletir sobre sua condi­
ção no mundo. Mas certamente não reservam lugar para a noção de 
autonomia. Assim, o homem passa a ver a si mesmo como indivíduo 
apenas quando encontra novas condições para a produção de sua rea­
lização nos diversos domínios da vida, cm cspccíal quando cncontra 
novas condições materiais de vida. Só então urn sentimento de auto­
nomia começa a ser cultivado. Essas condições concretizam-se com 
o advento dc uma cconomia de mcrcado. A conquista da autonomia 
pessoal, uma marca notável da vida moderna, não sc realizaria sem 
essas transformações. E necessário, porém, refletir sobre a natureza 
e o alcancc dessa autonomia. Como se argumentará adiante, há de 
fato uma autonomia conquistada, no sentido dc o indivíduo nas so­
ciedades modernas encontrar-se menos limitado pelas condições de 
vida encontradas ao nascimento, e menos dependente de suas rela­
ções familiares e sociais imediatas. Em contrapartida, os processos 
de interdependência no mundo moderno assumem formas muito 
mais complexas e sofisticadas, impondo muito mais exigências para 
a reali/ação individual. Essas duas dimensões da conquista da auto­
nomia individual (a multiplicação dos hori/ontes de vida e a maior 
complexidade da interdependência) explicam em larga medida as 
concepções de homem que vão se tomando dominantes na cultura, 
inclusive no campo da disciplina psicológica.
Condições de Interdependência 
em uma Sociedade de Mercado
A transição do feudalismo para o capitalismo é descrita por his­
toriadores como um processo desencadeado pelo crescimento da 
produtividade agrícola na Europa Ocidental, que se prolongou por 
vários scculos, c que assum iu características peculiares em dife­
rentes contextos geográficos c sociopolíticos. Para fins da presente
38 SUBJETIVIDADE E RELAÇÕES COMPORTAMENTAIS
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análise, interessará assinalar alguns aspectos do que as mudanças 
desencadeadas pela dissolução dos laços econômicos feudais re­
presentaram do ponto de vista das relações cotidianas de homens e 
mulheres uns com os outros.
Com o desenvolvimento da técnica na produção agrícola e a in­
tensificação da atividade comercial, a partir do século XI4, a produ­
ção até então voltada primariamente para a subsistência começa a 
dirigir-se a um mercado. O interesse na troca, na possibilidade de 
produzir para obter moeda, com a qual são adquiridos os bens para 
a própria sobrevivência (e mais do que isso) traz um impacto consi­
derável sobre a atividade produtiva rural (note-se que até o século X 
a população na Europa Ocidental vivia quase inteiramente em feu­
dos e pequenas aldeias, cl. H unt 8c Sherman, 1993). A definição do 
que produzir, como produzir, que função desempenhar no processo 
produtivo, tudo passa a ser regulado por condições do mercado. Na 
medida em que interessa produzir aquilo que pode representar maio­
res chances de sucesso financeiro nas trocas econômicas, comcça 
a haver espaço para vocações pessoais, preocupação com a efetivi­
dade produtiva dos membros do grupo e uma divisão crescente do 
trabalho. Isto é, avança, no interior dos grupos, a diferenciação das 
funções sociais. Rompidos os compromissos entre senhores e ser­
vos, seja pela introdução do trabalho assalariado em substituição às 
relações de vassalagem, seja pelo abandono de obrigações relativas 
à observância deuma estrutura social hierárquica, abrem-se os ho­
rizontes para a conquista dc uma identidade social nova. O sucesso 
material ou econômico não é mais constrangido pela condição de 
origem, mas dependente de uma conquista pessoal.
Em uma outra esfera, as alternativas para dedicar-se à atividade 
comercial c a outras funções (especialmente financeiras e contá­
beis), assim como à produção de manufaturas, multiplicam os cursos 
de vida possíveis, por meio dos quais o conforto e o reconhecimento
4 A expansão do comércio a partir do século XI deve-se em grande medida às 
cruzadas cristãs, mas, como assinalam Hunt e Sherman (1993), isso não significa 
que a motivação desse movimento tenha sido propriamente religiosa.
C APÍTU L01 39
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social podem ser conquistados. Isto e, multiplicam-se as funções 
sociais que cada um pode desempenhar, e as novas funções não 
mais impõem o atrelamento aos laços familiares de origem. E cla­
ro que muitas dessas novas funções c as riquezas que com elas se 
pode alcançar não estarão acessíveis a qualquer um. Por exemplo, 
as funções contábeis exigirão habilidades matemáticas e de leitura 
que poucos, frequentemente clérigos, dispõem. Ainda assim, c no­
tável que a vida do homem comum deixe de ser tão marcadamente 
definida por uma condição de subsistência e tão decisivamente de­
pendente de sua permanência junto ao grupo de origem’’.
A intensificação do comércio dará origem ainda a uma condi­
ção geográfica de vida com grandes implicações para as relações 
interpessoais. As cidades, inicialmente pequenos centros de trocas, 
tornam-se um continente de homens e mulheres, desconhecidos em 
sua imensa maioria e frequentemente dedicados a projetos de vida 
não compartilhados uns com os outros, ao contrário, muitas vezes 
conflitantes com os interesses uns dos outros. E incomparável com 
a “limitada e pacata vida feudal” a extensão do universo social em 
que está imerso o citadino c as exigências que lhe são impostas para 
uma vida bem-sucedida social e economicamente. Especialmente a 
partir do século XVI, as cidades tornam-se notavelmente populosas. 
Londres, por exemplo, salta de 150 mil habitantes em 1595 para 
cinco milhões ainda no século XIX (Sennett, 1989, p. 70). Viver nas 
cidades é viver em um universo social no qual o comportamento de 
cada um está sujeito a regulações muito mais complexas, e que não
5 Uma passagem de Sennett (1989) ilustra esse ponto, ainda que se referindo 
apenas a Londres e Paris no século XVIII, um momento liem avançado do desen­
volvimento do capitalismo: “Do ponto de vista social, o crescimento do comércio 
criou empregos nos setores financeiro, comercial c burocrático da cidade. Falar 
em 'crescimento da burguesia' em qualquer das duas cidades é, pois, se referir a 
uma classe engajada em atividades de distribuição, e não na produção. Os jovens 
que vinham para a cidade encontravam trabalho nessas profissões mercantis e 
comerciais; na verdade, havia como que uma escassez de mão-de-obra, pois 
havia mais empregos que exigiam trabalhadores alfabetizados do que jovens que. 
sabiam ler” (p. 79).
40 SUBJETIVIDADE E RELAÇÕES COM PORTA MENTA IS
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se pautam mais por códigos de obrigações e solidariedades definidas 
no plano de relações interpessoais específicas.
N o século XV, os locais onde se reuniam as feiras com eçavam a se 
transformar em prósperas cidades com erciais, cujos mercados fun­
cionavam durante todo o ano. A atividade comercial desenvolvida por 
essas cidades era incompatível com as restrições impostas pelos cos­
tumes e tradições feudais. A maior parte das cidades conseguiu, após 
intensas lutas, libertar-se da tutela dos senhores feudais c da Igreja. 
N os centros comerciais realizavam-se operações financeiras: de câm­
bio, de liquidação de dívidas e de crédito. Tornou-se corrente o uso 
das letras de câmbio e de outros instrumentos financeiros modernos. 
Uma nova legislação comercial foi elaborada pelos com erciantes des­
sas cidades. Ao contrário do direito consuetudinário e paternalista que 
vigorava nos feudos, a legislação comercial foi definida por um código 
preciso. Lançaram-se assim as bases da lei de contratos, dos papéis 
negociáveis, das representações comerciais, das vendas em leilão, en ­
fim, de uma série de procedim entos característicos do capitalism o 
moderno. (H unt & Sherman, 1993, pp. 26-27)
Historicamente, a formação dos Estados nacionais, ao final da 
Idade Média, representou uma resposta a demandas crescentes de 
gerenciamento das relações interpessoais, em parte pelo alargamen­
to do universo social de homens que se deslocavam da vida com u­
nitária em seus grupos dc origem, na direção de uma convivência 
com grupos numerosos e desconhecidos. A instituição social do 
Estado, porém, representa a resposta a um conjunto mais amplo 
de problemas do que o alargamento do universo social. A formação 
dos Estados nacionais cumprirá, entre outros, o papel de prover a 
sociedade de uma instituição reguladora das relações interpessoais 
que tem, sobretudo, responsabilidades relacionadas à proteção e à 
garantia de cumprimento dos contratos, agora celebrados em carátcr 
impessoal. São as garantias do Estado, também, que darão suporte 
ao descolamento do in d iv íd u o de seu grupo de origem, em direção à 
conquista de sua (nova) identidade social.
CAPÍTULO 1 41
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Um número cada vez maior de funções relativas à proteção c ao con­
trole do indivíduo, previamente exercidas por pequenos grupos, como 
a tribo, a paróquia, o feudo, a guilda ou o Estado, vai sendo transferido 
para Estados altamente centralizados e cada vez mais urbanizados. A 
medida que essa transferência avança, as pessoas isoladas, uma vez 
adultas, deixam mais e mais para trás os grupos locais próximos, ba­
seados na consanguinidade. A coesão dos grupos rompe-se à medida 
que perdem suas funções protetoras e de controle. E, nas sociedades 
estatais maiores, centralizadas e urbanizadas, o indivíduo tem que 
batalhar muito mais por si. A mobilidade das pessoas, no sentido e s ­
pacial e social, aumenta. Seu envolvimento com a família, o grupo de 
parentesco, a comunidade local e outros grupos dessa natureza, antes 
inescapávcl pela vida inteira, vê-se reduzido. Eles têm m enos n eces­
sidade de adaptar sen com portam ento, metas e ideais à vida de tais 
grupos, ou de se identificar autom aticam ente com eles. D ependem 
m enos deles no tocante à proteção física, ao sustento, ao emprego, 
à proteção de bens herdados ou adquiridos, ou à ajuda, orientação e 
tomada de decisão. Isso acontece, a princípio, cm grupos limitados 
e especiais, mas se estende gradalivamente ao longo dos séculos, a 
setores mais amplos da população, até m esm o nas áreas rurais. E, 
à m edida que os indivíduos deixam para trás os grupos pré-estatais 
estreitam ente aparentados, dentro de sociedades nacionais cada vez 
mais complexas, eles se descobrem diante de um número crescente 
de opções. Mas também têm de decidir muito mais por si. Não ape­
nas podem com o devem ser mais autônom os. Quanto a isso não tem 
opção. (Elias, 1987/1994, p. 102)
Há vários aspectos da abordagem de Elias (1987/1994) que m e­
recem destaque neste ponto da apreciação do problema das rela­
ções interpessoais em sociedades de mercado. O primeiro deles diz 
respeito ao fato de que as relações de dependência entre os indiví­
duos se alteram, não na direção de uma autonomia absoluta, mas 
em direção a urna rede muito mais complexa de interdependência, 
daí a necessidade da instituição do Estado para fazer valer compro­missos mútuos. Isso significará que o indivíduo, na vida cotidiana, 
de um lado, depende menos dos pequenos grupos sociais aos quais
42 SUBJETIVIDADE E RELAÇÕES COMPORTAMENTAIS
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se encontra vinculado ao nascimento, e mais de redes complexas de 
relações com um universo social muito mais amplo. De outro, dada a 
extensão do universo social no qual está imerso c a complexidadc das 
relações com os homens e mulheres que integram esse universo, não 
c principalmcntc dc suas relações imediatas (com vizinhos, colegas 
de trabalho, parentes, amigos eLc.) que depende o atendimento dc 
grande parte de suas necessidades cotidianas (por exemplo, relativas 
a alimentação, locomoção, vestuário etc.) ou mesmo suas aspirações 
mais distantes ou de maiores “dimensões” (por exemplo, conquistar 
um emprego compatível com um trajeto longo de formação, alcançar 
uma situação econômica confortável e estável etc.)- Para atender a 
essas necessidades ou realizar essas aspirações, o indivíduo deverá 
interagir com complexos arranjos sociais e econômicos. O Icitc que 
o alimenta pela manhã estará disponível não por lorça de sua relação 
com familiares que ordenham animais domésticos dos quais também 
cuida, mas como resultado de um complexo sistema dc relações 
econômicas, das quais participam desde um desconhecido operador 
de máquinas que confccciona embalagens de papel e financistas res­
ponsáveis por operações dc crédito a empresas dc laticínios, até ope­
rários de'empresas de conservação de estradas pelas quais transitam 
os caminhões que transportam a produção daquelas empresas, todos 
absolutamente desconhecidos e distantes das relações cotidianas ou 
imediatas dos indivíduos.
Um segundo aspecto a ser considerado é que a coesão encontra­
da em grupos familiares ou dc afinidade, quando a sobrevivência 
de cada um depende direta e imediatamente das relações com os 
demais, ínexiste se o indivíduo descola-se desse grupo em direção à 
realização de projetos pessoais dc vida. Não se trata de abandonar 
um grupo, filiando-se a outro(s), mas de deixar para trás um tipo dc 
interação social mais solidária e espontânea, em direção a relações 
muito mais complexas, nas quais a identidade de interesses é m ui­
to menos presente e em que o comportamento perante os outros 
precisa ser calculado. Nas sociedades mais simples, o que promove 
a cocsão não c um a “vocação'' para a solidariedade, mas o fato de 
que as ameaças externas são constantes e a sobrcvivcncia individual 
dependente das relações com grupos de convivência imediata. Nas
CAPÍTULO 1 43
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socicdadcs mais complexas, nos Estados modernos, especialmente 
nas metrópoles, as condições materiais de sobrevivência tanto de­
pendem menos dessas relações como exigem a dedicação do indiví­
duo a um projeto pessoal de vida. Quanto mais sensível a demandas 
dos outros, quanto menos concentrado em seus objetivos, projetos 
e horizontes de vida, menores as chanccs dc “sucesso" material, 
medido principalmente pelo acúmulo de riquezas (daí seu menor 
envolvimento com a família de origem). Porém, se o indivíduo está 
menos disponível para as dem andas alheias (porque não são ne­
cessariamente, ou na mesma medida, suas também), de outro lado 
ele também dependerá muito mais de si mesmo, no sentido de que 
poderá contar muito menos com o suporte de seu grupo social nas 
tarefas ou projetos cotidianos a que se dedica.
O terceiro ponto a ser destacado é o fato de que, ao se deslocar 
para um universo social de anônimos, a identidade individual deixa 
de ser aquela conferida no interior dos grupos familiares, passan­
do a ser matéria de conquista que, dependendo do contexto, pode 
ser função de uma variedade de fatores, incluindo um a eficiente 
participação em “jogos” sociais, nos quais as “aparências1* tornam-se 
fundamentais (cf. Sennett, 1989). Isso significa que, se o indivíduo 
vê diante de si possibilidades de mobilidade social, também precisa 
responder a exigcncias crcscenLes de comportamento social. Não 
c sem razão que, a partir do século XVI, os códigos de etiqueta, ou 
“códigos de civilidade ’, tornam-se um tipo dc literatura com ampla 
difusão e consumo na Europa Ocidental (cf. Hl ias, 1959/1990b). 
Comportar-se adequadamente diante dos outros torna-se uma ne­
cessidade que para ser cumprida requer um longo aprendizado e dis­
ciplina constante. Desde um banal cumprimento, até as sequências 
de comportamentos alimentares à mesa6, tudo se torna matéria dc 
uma atenção cuidadosa, de comedimento, dc autocontrole.
Por último, em uma sociedade de mercado, multiplicam-se as al­
ternativas de ação a cada momento, assim como se multiplicam os
6 Acompanha esse refinamento o surgimento dos utensílios usados à mesa: a 
taça individual, o prato, os talheres, o guardanapo etc.
4 4 SUBJETIVIDADE E RELAÇÕES COMPORTAMENTAIS
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sistemas de crenças que orientam o homem na vida cotidiana. Não 
apenas os indivíduos podem dedicar-se a funções sociais cada vez 
mais diversificadas, como podem dedicar-se a atividades de lazer 
cada vez mais variadas, interagir com grupos diversos e variar sua 
rotina em inúmeras direções (o que vestir, como trabalhar, que per­
curso fazer etc.). As reformas religiosas, por seu turno, também ins­
tituem a diversidade da cristandade. Para nada na vida há um único 
(ou poucos) caminhos a seguir, muito menos uma única referência 
em que apoiar a ação. Os indivíduos, como consequência, podem 
(e precisam) dccidir. Tomar decisões torna-se uma parte rotineira 
da vida. K os indivíduos devem tomar decisões por si mesmos, pois 
não estão disponíveis contextos de suporte social para as tomadas de 
decisão. Em parte, esse afrouxamento da determinação dos cursos 
de vida e dos comportamentos cotidianos, assim como a experiência 
de decidir como prática rotineira, explicam uma autoimagem de au­
tonomia do homem moderno.
Alguns dos aspectos m encionados até aqui serão retomados 
adiante, na apreciação das dicotomias psicológicas clássicas. Antes 
disso, porém, convém acrescentar algumas observações sobre a di­
versificação das funções sociais nas sociedades de mercado. Elias 
(1987/1994) assinala que o processo de difcrcnciação e multipli­
cação das funções sociais tem uma história mais longa (alguns mi­
lênios) do que a transição do feudalismo para o capitalismo, mas 
também experimentou uma aceleração única nos últimos séculos: 
“O núm ero de atividades especializadas ... elevou-se ao longo dos 
milênios, a princípio lentamente, mas agora em ritmo cada ve/ mais 
acelerado” (Elias, 1987/1994, p. 113).
Com o processo de diferenciação crescente das funções sociais, 
a produção das condiçõcs de sobrevivência dos grupos passou a de­
pender de um número cada vez maior dc atividades ou passos exe­
cutados cada um por apenas alguns indivíduos.
No decorrer do tempo, não apenas multiplicou-se o numero de passos 
entre o primeiro e o último nutria sequência de ações, com o também 
um número crescente de pessoas sc fez necessário para executar esses 
passos. li, no decorrer desse processo, mais e mais pessoas viranvse
CAPÍTULO 1 45
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numa crescente dependência umas das outras, interligadas com o que 
por correntes invisíveis. Cada qual funcionava com o um elo de liga­
ção, um especialista em uma tarefa limitada. Cada qual era urdida cm 
uma Irama de ações em que um número cada vez maior de funções 
especiais, e de pessoas dotadas das capacidades para executá-las, se 
interpunhaentre o primeiro passo em direção a uma meta social e a 
consecução dessa meta. (Elias, 1987/1994, pp. 111-112)
A especialização em uma função particular, cada vez mais dife­
rente de todas as funções desempenhadas pelos outros, torna muito 
mais complexa e menos visível a dependência de cada um em re­
lação a todos os outros. De um ponto de vista imediato, o sucesso 
do indivíduo no exercício de uma função particular (especialmente 
sob a forma de uma contrapartida cm moeda) descola-se do que 
acontece com todos os outros que estão próximos, excrccndo ou­
tras funções. Além disso, a função com alto grau de especialização 
pode ser desempenhada sem o auxílio imediato dos outros. Essa 
especialização accntuada favorece, assim, uma autoimagem de au ­
tonomia. Todavia, paradoxalmente, quanto mais cspecíali/ado, mais 
dependente o indivíduo se tom a dc muitos outros indivíduos, pos­
to que estará menos capacitado para uma parcela muito maior das 
atividades necessárias à produção das condiçõcs necessárias à sua 
sobrevivência. A complexidade dessas novas relações de interdepen­
dência contribui, porém, para torná-las de mais difícil percepção. A 
emergência do indivíduo resulta, assim, não de criações originais de 
homens e mulheres particulares, mas dc uma transformação expres­
siva das relações interpessoais.
Os avanços da individualização, com o na R enascença, por exemplo, 
não foram consequência dc uma súbita mutação de pessoas isoladas, 
ou da concepção fortuita de um número especialm ente elevado de 
pessoas talentosas; foram eventos sociais, consequência de uma desar­
ticulação de velhos grupos ou de uma mudança na posição social do 
artista-artesão, por exemplo. Em suma, foram consequência de uma 
reestruturação específica das relações humanas. (Elias, 1987/1994 , 
pp. 28-29)
46 SUBJETIVIDADE E RELAÇÕES COM PORTA MENTAIS
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A Emergência do Indivíduo e o Acobertamento 
das Relações de Interdependência
Quando dizemos que uma sociedade muda, isso significa que m u ­
dam certas práticas sociais em seu interior, assim como rnudam os 
sistemas de crenças que justificam ou legitimam essas práticas. A 
transição para o capitalismo ilustra de modo singular os dois tipos de 
mudanças. Na presente seção, serão assinaladas algumas mudanças 
nos sistemas de crenças do mundo ocidental que foram cruciais para 
a consolidação de um novo padrão de relacionamento interpessoal e 
para o enraizamento da autoimagem de autonomia. Apenas por uma 
questão de conveniência, os novos sistemas de crenças serão exem­
plificados com referências pontuais à organização sociopolítica e eco­
nômica, às concepções religiosas, ao pensamento filosófico acerca 
do conhecimento humano sobre a realidade e às prescrições para o 
comportamento social. Há diversos outros domínios (por exemplo, 
o das artes) nos quais vão se elaborando noções que tambem refle­
tem uma concepção dc homem como indivíduo. O que acontecc cm 
cada um desses domínios de reflexão influencia e é influenciado pelo 
que ocorre nos demais. E a cultura como um todo que sofre transfor­
mações em uma dada direção, impulsionada de modo f undamental 
pela mudança na base material da vida.
Com a desagregação da organização social e política feudal, rom­
pidos os laços locais dc obrigações de solidariedades que ligavam os 
homens no interior da hierarquia social, ao mesmo tempo em que se 
multiplicavam as funções sociais e interesses pessoais, os conflitos 
encontrariam terreno fértil para progredir, a ponto de comprometer 
a sobrevivência da sociedade como um todo, se no lugar daquelas 
tradições e costumes não se estabelecessem outros mecanismos de 
ajustamento c regulação das relações sociais. O surgimento e a ex­
pansão dos listados nacionais, com suas leis, com o monopólio da 
vioJência física e com o controle da atividade cconômica e da circu­
lação da moeda, cumpririam essa função.
A extensão da intervenção do Estado nas relações interpessoais, 
cm particular nas relações econômicas, tornou-se objeto de disputa 
permanente enLre classes sociais e entre agentes econômicos, cujos
CAPÍTULO I 47
INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! 14/8/2015
14/8/2015 INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões!
interesses conflitantes os mantêm cm também permanente luta (cf. 
Hunt & Sherman, 1993). O liberalismo clássico, pelo menos a partir 
do século XVIII, com o processo de industrialização, tornou-sc o 
pensamento econômico dominante no Ocidente, deixando para trás 
a ética paternalista cristã medieval. iNao era possível ao capitalismo 
estabelecer-se como modo de produção à luz da condenação religio­
sa à busca e acumulação de riquezas. Ao contrário, as motivações 
que impulsionam o homem para o enriquecimento passam a ser vis­
tas como virtudes ncccssárias para o progresso econômico. O poder 
regulador das relações entre os homens, o Estado, não mais a Igreja, 
deve, no lugar de impor sanções à avareza e ao egoísmo, liberar os 
indivíduos para que busquem o sucesso econômico, ocupando-se 
de evitar que esse movimento conduza a uma “guerra de todos os 
homens contra todos os hom ens” (Hobbes, 1651/1979, p. 77). O 
pensamento de Thomas Hobbes ( I 588-1679), ainda no século XVII, 
pode ser considerado fundacional para toda a doutrina liberal.
Em seu Leviatã, Hobbes (1651/1979) argum enta que em seu 
estado natural todo hom em deseja e busca sua satisfação pessoal, 
entrando cm conllilo com outros homens: “se dois homens desejam 
a mesma coisa, ao m esm o tem po que é impossível ela ser go/ada 
por ambos, eles tornam-se inimigos” (p. 74). A competição , a des­
confiança c a glória constituem as três principais causas dos confli­
tos. “A primeira leva os hom ens a atacar os outros tendo em vista 
o lucro; a segunda, a segurança; a terceira, a repu tação’’ (p. 75). 
ü conflito entre motivações e interesses pessoais é reconhecido, 
assim, como uma condição natural da vida humana. Uma vez que 
é da natureza humana buscar a satisfação pessoal, não se justifica 
condenar suas motivações ditas egoístas, sua avare/.a, ou busca de 
riquezas: “Os desejos e outras paixões do hom em não são cm si 
mesmos um pecado” (p. 76) — justamente o oposto do que pregava 
a ética paternalista cristã medieval.
Para que o capitalismo se estabeleça como sistema cconômico 
será necessário apoiar-se em um sistema de crenças que, no lu ­
gar de condenar o acúmulo de riquezas pessoais, considere virtuo­
4 8 SUBJETIVIDADE E RELAÇÕES COM PORTA MENTAIS
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14/8/2015 INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões!
sas aquelas qualidades hum anas antes vistas como pecaminosas. 
O individualismo, no modo como se elabora nos discursos sobre 
o Estado e a economia, cumprirá parcialmente esse papel. Se na 
Idade Média a “ganância, a avareza, o egoísmo, a ânsia dc acumular 
riquezas, enfim, todas as motivações materialistas e individualistas 
eram severamente condenadas” (H unt & Sherman, 1993, p. 17), 
agora se trata de reconhecer sua legitimidade e mesmo sua neces­
sidade para o desenvolvimento econômico. Em 1776, o individua­
lismo liberal assumiu sua forma definitiva em A riqueza das nações 
(A. Smith, 1776/1988), de Adam Smith (1723-1790), para quem as 
motivações egoístas também teriam uma função importante para o 
desenvolvimento do capitalismo e seriam adequadamente reguladas 
pela força oculta de um m ercado livre (a “mão invisível” do m er­
cado). Antes disso, um dos “país da América”, Bcnjamin Frankiin 
(1706-1790), já prescrevia que “tempo é dinheiro”, “crédito é di­
nheiro”, “o dinheiro pode gerar dinheiro” e “o bom pagador é dono 
da bolsa alheia” (Frankiin, 1736, cm Webcr, 1904-1905/2003). Max 
Weber (1 864-1920), em A ética protestante e o espírito do capitalis­
mo (Weber,1904-1905/2003), remete-se aos escritos de Franldin 
como ilustrações puras do espírito do capitalismo;
A peculiaridade dessa filosofia da avareza parece ser o ideal dos ho­
m ens honestos, de crédito reconhecido e, acima dc tudo, a ideia dc 
dever que o indivíduo tem no sentido de aumentar o próprio capital, 
assumido com o um fim em si m esm o. I)e fato, o que nos é aqui pre­
gado nau é apenas um m eio dc fazer a própria vida, mas uma ctica 
peculiar. A infração de suas regras não é tratada como uma tolice, mas 
como um esquecim ento do dever. Essa é a essência do exposto. Não 
sc traia dc rncra astúcia dc negócios, o que seria algo com um , mas de 
um ethos. E essa é a qualidade que nos interessa, (p. 48)
Hobbes não via, como A. Smith (1776/1988), “virtudes” do merca­
do que seriam suficientes para regular a vida econômica na socieda­
de. Para ele, se em seu estado natural os homens, governados apenas 
por suas paixões e sua ra/ão, travarão uma guerra de todos contra
c a p It u l o 1 49
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14/8/2015 INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões!
todos, em que a sobrevivência ou a segurança não estarão garantidas 
para ninguem , uma outra solução para a paz precisa ser encontrada. 
Como única saída, o homem deve renunciar, em favor dc uma fon­
te absoluta de poder comum, o Estado, a seu direito natural sobre 
todas as coisas8. Trata-se, assim, de uma lei da natureza pela qual a 
renúncia à liberdade plena é necessária como a única medida capaz 
de restaurar a paz entre os homens:
Que um homem concorde quando outros também o façam9, e na medida 
em que tal considere necessário para a paz e para a defesa de si mesmo, em 
renunciar a seu direito a todas as coisas, contentando-se, em relação aos 
outros homens, com a mesma liherdade que aos outros homens permite em 
relação a si mesmo. (Hobbes, 1651/1979, p. 79, itálico do original)
Se o individualismo necessário ao desenvolvimento do capitalis­
mo conflíta com as prescrições do cristianismo medieval, uma outra 
referência religiosa será ncccssária como suporte ético para as novas 
relações econômicas (cf. Weber, 1904-1905/2003). Com efeito, a 
multiplicação de perspectivas, típica do renascentismo, encontra 
uma das mais importantes expressões justam ente no campo reli­
gioso, com a Reforma protestante e a Contra-Reforma católica. Em
7 Hobbes (1651/1979) provoca <> interlocutor que tende a reagira sua caracteri­
zação do homem: “Que opinião tem ele de seus compatriotas, ao viajar armado; 
dc seus concidadãos, ao fechar suas portas; e de seus filhos e servidores, quando 
tranca seus cofres?" (p. 76).
8 Desse ponto de vista, há um conflito entre a visão de 1 lobbes (favorável a um 
listado forte e centralizado) e o liberalismo clássico (que embora fundamen­
tado na mesma concepção de homem postula menor intervenção do EsLado 
nas relações económicas). Para A. Smith (1776/1988), as funções dos governos 
estariam circunscritas a proteger o país contra invasões, proteger os cidadãos 
contra injustiças praticadas por outros cidadãos e construir e manter instituições 
públicas (importantes para a sociedade, mas que não seriam construídas por 
indivíduos particulares porque não atenderiam à lógica do lucro) (cf. HunL & 
Sherman, 1993, p. 66).
9 Note-se que, para Hobbes (1651/1979), apenas quando outros também abrem 
mão de seus direitos naturais a renúncia do indivíduo e justificada. Caso contrário, 
“equivaleria a oferecer-se como presa ... e não a dispor-se para a paz” (p. 79).
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ambos os casos, o outro se torna acessório, ainda t|ue subsistam as 
cerimônias e práticas coletivas, no que há de mais fundamental para 
a asccsc espiritual, visto que é no indivíduo que se realizam as con­
dições de salvação. Ainda no final da Idade Média,
no m esm o m om ento, enquanto a vida penetra o rosto das estátuas- 
colunas, toma corpo, entre os sábios que meditam sobre o texto da 
Kscritura, a ideia perturbadora dc que a salvação não c alcançada 
apenas pela participação cm ritos, numa passividade submissa, mas se 
“ganha" por uma transformação de si m esmo. E um convite à intros­
pecção, à exploração da própria consciência, pois que a falta já não 
parece residir no ato, mas na intenção, pois se considera que ela se 
refugia na intim idade da alma. Para o interior do ser, em um espaço 
privado que não tem mais nada de comunitário, transportam-se os 
procedim entos de regulação moral. Lava-se a mácula pela contrição, 
pelo desejo sobretudo de se renovar. (Duby, 1990, pp. 506-507)
Na Idade Média, já se encontrava um padrão de com portam en­
to religioso baseado no isolamento, no retiro, na busca interior da 
afirmação da lé. lodavia, esse não era o comportamento esperado 
do hom em com um que, ao contrário, deveria evitar o isolamento 
(visto que afastado dos outros homens tornava-mc mais vulnerável 
às tentações do mal) e voltar-se para as cerimônias e rituais públicos, 
nos quais suas práticas religiosas estavam à vista de todos. Mesmo a 
confissão, a princípio um ato “excepcional e público” (Duby, 1990, 
p. 524), só se instituiu como uma obrigação sob a forma de um ato 
“discreto, periódico e obrigatório’' (Duby, p. 525) no IV Concílio de 
Latrão, em 1215. O padrão de comportamento baseado no isola­
mento e na introspecção referido acima estava reservado ao clero e, 
mesmo nesse grupo, àqueles poucos que já haviam alcançado um 
estágio superior de afirmação da fé.
O anacoretismo, assim como inúmeros cuidados no interior dos 
mosteiros para limitar a comunicação ou o contato dos religiosos 
uns com os outros, representava a tentativa do homem de Deus para 
alcançar aquele estágio superior de devoção. A Regra de São Bento 
(480-547) estabelecia o grau superior de perfeição a ser buscado 
pelo crente em Deus:
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Q uem se afasta do mundo transforma sua vida num jogo de azar. Pude 
ganhar ou perder tudo. Acabaram-se os meios-termos da vida comum. 
Será D eus ou o Diabo; antes da contem plação, a tentação. O exem ­
plo evangélico desses retiros é, com efeito, fornecido pelo episódio 
da Tentação no deserto ... Bento, em sua Regra, define as condições 
que os eremitas devem preencher: “Os que já não têm na vida regular 
um fervor de noviço e que, por um exercício prolongado no mosteiro, 
aprenderam a lutar contra o D em ônio c se fizeram aguerridos graças 
ao apoio de seus irmãos. Então, bem exercitados, passam do batalhão 
fraternal ao com bate singular do deserto. Sólidos agora sem o apoio 
de outros, bastam -se a si m esm os para com balcr, com a ajuda de 
D eus, unicam ente com sua mão c seu braço, os vícios da carne e dos 
pensam entos”. (Dalarun, 1990, p. 27)
Ao mesmo tempo em que a Regra definia aquela perfeição acessível 
apenas pelo respeito à 'obrigação do silcncio, cxperiência de retiro” 
(Duby, 1990, p. 508), também insistia no despreparo do homem co­
mum para aquela provação: “Nosso Senhor Jesus Cristo advertiu seus 
discípulos que ainda não têm a confirmação do Espírito Santo nem o 
treinamento do combatc espiritual dizendo: ‘Quanto a vós, permane­
cei na cidadc até receberdes a virtude do alto ” (Chartres, em Dalarun,
1990, p. 28). Ainda: “O ditado popular resume rudemente essas belas 
palavras: 'Para eremita jovem, diabo velho’” (Dalarun, 1990, p. 28),
O que cra reservado, no mundo medieval, àquela parcela do clcro 
disposta a cumprir o estágio mais elevado dc perfeição espiritual, 
penetra, com a Reforma protestante e a Contra-Heforma católica, no 
cotidiano do homem comum. Se, antes, chegar a Deus era matéria 
de uma dimensão da existência na qual havia sempreo outro, seja 
por meio de práticas com os outros (a participação nas cerimônias), 
para os outros (a caridade) ou pelos outros (as rezas nos mosteiros, 
como as boas ações dos monarcas alcançavam graças para o povo 
- cf. Duby, 1990), agora, encontra-se Deus no próprio íntimo - e 
apenas se houver a necessária disciplina para desligar-se do mundo 
físico e social externo.
As novas formas de religião que se estabelecem nos séculos XVI c 
XVII ... desenvolvem uma devoção interior — sem excluir, muito pelo
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contrário, outras formas coletivas de. vida paroquial —, o exame de 
consciência, sob a forma católica da confissão ou a puritana do diário 
íntimo. Entre os laicos, a oração cada vez mais assum e a forma da 
meditação solitária num oratório privado ou sim plesm ente num canto 
do quarto, num móvel adaptado para esse fim, o genuflexório. (Ariès,
1991, p. 10)
Weber (1904-1905/2003) observou tanto que o protestantismo 
tornou o ascetismo medieval uma atividade terrena, quanto a função 
que isso teve para instituir uma cultura propícia ao desenvolvimento 
do capitalismo moderno. A disciplina, a moderação no consumo e 
a valorização do trabalho constituíam a base da acumulação capita­
lista: “Um dos elementos fundamentais do espírito do capitalismo 
moderno, e não só dele, mas de toda a cultura moderna, é a conduta 
racional baseada na ideia de vocação, nascida ... do espírito do as­
cetismo cristão” (Weber, p. 134). Hunt e Sherman (1993) também 
assinalam que, para a doutrina do protestantismo, “radicalmente 
diferente das doutrinas medievais, a melhor forma dc o indivíduo 
satisfazer a Deus era exercer com zelo sua missão na terra. A dili­
gência e a dedicação ao trabalho passaram a ser consideradas como 
grandes virtudes” (p. 49). Para a ética protestante, esse novo pa­
drão de comportamento, que possibilitava a acumulação individual 
de riquezas, não apenas estava justificado aos olhos de Deus como 
realizava Seu desejo. Bastava ao indivíduo encontrar dentro de si a 
motivação divina: “O princípio básico do protestantismo, o funda­
mento das concepções religiosas que viriam a santificar as práticas 
econômicas da elasse média, cra a doutrina dc que os homens sc 
justificam não mais pelas obras e sim pela fé” (Hunt & Sherman, p. 
48). Nesse caso, no lugar de prestar contas perante a Igreja católica 
e suas restrições éticas (e no lugar de comprar cartas de indulgên­
cia), bastaria ao homem comum certificar-se de que a fé era o motor 
das práticas que possibilitavam a acumulação.
Todo hom em devia escutar o que lhe di/ia o coração para saber se 
seus atos eram motivados por intenções puras c pela fc cm Deus. O 
hom em era o juiz de si próprio. A confiança que essa doutrina indivi­
dualista depositava na consciência pessoal de cada indivíduo desper-
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tou profundo interesse na nova classe média dos artesãos e pequenos 
negociantes. (H unl & Sherman, 1993, p. 49)
Assim, o individualismo que floresceu no seio do protestantismo 
tanto libertou a emergente burguesia das obrigações com a institui­
ção da Igreja católica, tornando direta a relação dc cada um com 
Deus, como promoveu a justificação ética para suas práticas eco­
nômicas: *'o protestantismo ... converteu em virtudes as motivações 
interesseiras c egoístas, estigmatizadas pela Igreja medieval" (Hunt 
& Sherman, 1993, p. 48).
É importante salientar que a penetração da doutrina protestante 
no mundo capitalista moderno é tão expressiva que alcança m es­
mo aqueles (a elasse trabalhadora) que teriam motivação política 
para combatê-la. O trabalho como valor supremo, contrariando as 
Escrituras, de acordo com as quais foi imposto como castigo ao ho­
mem pccador, avança sobre as relações econômicas de modo absolu­
to. A esse respeito, Paul Lafargue, um militante comunista, publicou, 
em 1880, um panfleto intitulado O direito à preguiça (Lafargue, 
1880/1999)10, no qual faz uma crítica contundente a essa Lradição:
Uma estranha loucura apossa-se das classes operárias das nações onde 
impera a civilização capitalista. Esta loucura tem como consequência 
as misérias individuais e sociais que, há dois séculos, torturam a triste 
humanidade. Kssa loucura é o amor pelo trabalho, a paixão moribunda 
pelo trabalho, levada até o esgotam ento das forças vitais do indivíduo 
e sua prole. Em vez de reagir contra essa aberração mental, os padres, 
econom istas, moralistas sacrossantiHcaram o trabalho. Pessoas cegas 
e limitadas quiseram ser mais sábias que seu próprio Deus; pessoas 
Iracas e desprezíveis quiseram reabilitar aquilo que seu próprio D eus 
havia amaldiçoado. Eu, que não sou cristão, ecónom o ou moralista, 
no lugar do juízo que proferiram invoco o juízo do Deus delas; no lu­
gar das pregações de sua moral religiosa, econôm ica, livre-pensadora,
10 Segundo Chaui (1999), "O direito à preguiça teve um sucesso setn preceden­
tes, comparável apenas ao Manifesto comunista, tendo sido traduzido para o russo 
antes mesmo deste último" {p. 16).
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invoco as terríveis consequências do trabalho na sociedade capitalista. 
(Lafargue, 1880/1999, pp. 63-64)
ü s filantropos proclamavam benfeitores da humanidade aqueles que, 
enriquecendo-se sem nada fazer, davam trabalho aos pobres; era m e­
lhor sem ear a peste e envenenar as fontes do que erigir uma fábrica 
no m eio dc uma população rústica. Introduza-se aí o trabalho nas 
fábricas e adeus alegria, saúde, liberdade: adeus a tudo aquilo que faz 
a vida bela e digna de ser vivida. (Lafargue, p. 77)
Reagindo ao avanço do protestantismo, igualmente na Contra- 
Reforma da Igreja católica serão encontrados os sinais do indivi­
dualismo nascente, especialmente sob a forma de doutrinas de acor­
do com as quais também o homem comum deve buscar Deus no seu 
íntimo. Embora a Contra-Reforma da Igreja católica tenha reiterado 
vários dos dogmas em que se apoiava desde o período feudal, o isola­
mento, a introspecção e a oração silenciosa avançaram no cotidiano 
de homens e mulheres como o caminho para a afirmação de sua fé. 
Dalarun (1990) assinala que “o ideal eremítico, nunca extinto, revigo­
rou-se no limiar do ano 1000’' (p. 25). Bem mais tarde, a clausura, o 
autoflagelo e a exposição do corpo a condições físicas adversas, como 
forma dc adestrar a alma para o desligamento do mundo material, 
tornam-se cada vez mais difundidos entre as ordens religiosas e entre 
os homens comuns. Apesar do fato de subsistirem (tanto no catoli­
cismo como no protestantismo — cf. Lcbrun, 1991) c cxpandircm-sc, 
as práticas coletivas agora parecem cumprir uma outra função. INão 
são mais suficientes para alcançar a salvação, como na Idade Média, 
quando chegar a Deus dependia dc práticas que não podiam pres­
cindir do outro. Diferente disso, chega-se a Deus (também) pelo que 
ocorre no íntimo, na alma; a participação nas cerimônias e demais 
rotinas coletivas da paróquia parece estar mais associada a dimensões 
sociais dos vínculos com a Igreja. O forte controle social exercido 
pela Igreja católica na Idade Média não dará lugar a uma liberação 
das obrigações dos fiéis para com a instituição da Igreja (inclusive por 
isso, a confissão torna-se obrigatória no século XIII). Mas a difusão 
da devoção interior, favorecida também pela popularização da leitura, 
definitivamente muda os modos como os indivíduos católicos passam
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14/8/2015 INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões!a compreender as possibilidades dc realização no plano espiritual11. 
E a própria Inquisição terá de rever sua postura diante das heresias 
relacionadas às formas de devoção e submissão à igreja, no que con­
siste em aspecto importante da Conlra-Relorma religiosa.
O enfraquecimento político da Igreja católica, assim como o de­
senvolvimento inicial da astronomia, especialmente com o trabalho 
de Galileu Galílei (1564-1642), que conferia um caráter científico a 
cursos de investigação que há muito já colocava sob suspeita a dou­
trina religiosa sobre o cosmo, de inspiração aristotélica (cf. Koyré, 
1986), desembocaram, a partir da Renascença, na restauração do de­
bate filosófico laico sobre os temas humanos, Uma expressão inicial 
dessa mudança é encontrada no ceticismo do século XVI, de acordo 
com o qual, em face da falência dos sistemas de pensamento medie­
vais, era nccessário reconhecer a impossibilidade dc o homem chegar 
a verdades definitivas acerca da realidade (ainda que, para alguns, o 
homem cético devesse se conlormar com a autoridade religiosa).
Embora nessa época o individualismo epistcmológico ainda não 
estivesse estabelecido, já ali temas individualistas invadiam o pen ­
sam ento filosófico. Michel de Montaigne (1533-1592), um típico 
espírito da Renascença e representante mais destacado do ceticismo 
do século XVI, provê em seus Ensaios (Montaige, 1588/2000) pas­
sagens muito ilustrativas da ideia de dissociação c inevitável conflito 
entre os interesses de indivíduos particulares. Sob o título O lucro 
de um é prejuízo do outro, afirma:
O ateniense Dêm ades condenou um hom em de sua cidade que tinha 
por ofício vender as coisas necessárias para os enterros, sob a alegação 
de que exigia um lucro excessivo e esse lucro não lhe podia vir sem 
a morte de muitas pessoas. Tal julgamento parece estar mal pronun­
ciado, na medida cm que não se obtém benefício algum a não ser com 
'prejuízo dc outrem, e que dessa maneira seria preciso condenar toda 
espécie de ganho.
11 Ver, a propósito, a discussão que Figueiredo (1992) oferece da vida e das 
concepções religiosas de Santa Teresa de Ávila (1515-1 5B2).
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( ) mercador só faz bem seus negócios por causa da devassidão dos 
jovens; o lavrador, pela carestia dos cercais; o arquiteto, pela ruína 
das casas; os oficiais de justiça, pelos processos c contendas dos ho­
mens; m esm o as honras e atividades dos ministros da religião provem 
de nossa morte e de nossos vícios. N enhum m édico se alegra com 
a saúde m esm o de seus amigos, diz o antigo côm ico grego, nem o 
soldado com a paz de sua cidade; e assim sucessivam ente. E o que é 
pior: cada um sonde dentro de si m esm o, e descobrirá que a maioria 
de nossos desejos íntim os nascem e se alim entam às expensas de 
outrem, (pp. 159-160)
E na reação ao ceticismo, porém, que no pensam ento filosófico 
o indivíduo torna-se sujeito do conhecimento. No século XVII, tan­
to o empirismo de Bacon (1561-1626) quanto o racionalismo de 
Descartes (1596-1650) ocupar-sc-ão da tarefa de estabelecer o cami­
nho (científico) para um conhecimento seguro e verdadeiro, ao mes­
mo tempo em que útil para submeter a realidade às ncccssidades e 
aos interesses humanos (no que sc articulam com as transformações 
econômicas dc seu tempo). Seja recorrendo à experiência sensível 
sistemática e disciplinada (na versão empirista), ou ao uso metódico 
e regrado da razão (na vertente racionalista), o pensamento filosófico 
do século XVII trará para o plano do homem singular as condições 
para sua realização no domínio cognitivo da vida. O conhecimento 
seguro ou verdadeiro não será mais uma matéria de revelação divina, 
como na filosofia cristã medieval, mas também não será recolocado 
no domínio das relações dos homens e mulheres uns com os outros. 
O homem que é autônomo para chegar a Deus ou satisfazer suas 
necessidades materiais é também aulossuficientemente dotado das 
faculdades ou condições necessárias para chcgar à verdade. Ü deba­
te filosófico estará centrado na natureza dessas condições pessoais, 
mas não no questionamento da autonomia individual.
A imagem do indivíduo com o ser inteiram ente livre, independente, 
uma personalidade “fechada” que é “por dentro" inteiram ente autos- 
suficiente e separada de todos os demais, tem por trás de si uma longa 
tradição no desenvolvim ento das sociedades europeias. N a filosofia 
clássica, essa figura entra em cena com o sujeito epistem ológico. N este
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papel, como homo -philosophicus, o indivíduo obtém o conhecim ento 
do mundo “externo” de uma forma inteiramente autônoma. iNão pre­
cisa aprender, receber seus conhecim entos de outros. ... A questão 
para os filósofos consiste meramente em saber se [o indivíduo] obtém 
esses conhecim entos de conexões causais aqui e agora, na base da 
sua experiência — se, em outras palavras, essas conexões são uma 
propriedade de fatos observáveis “fora dele’7 - ou se são alguma coisa 
radicada na natureza da razão humana e acrescentada “de dentro’’ do 
ser humano ao que nele entra vindo de “fora” através dos órgãos dos 
sentidos. (Elias, 1939/1990b, p. 237)
O individualismo epistemológico do século XVII será retomado na 
seção seguinte, ao discutirmos a dicotomia objetivo-subjetivo. Ele 
representa a incidência, no plano filosófico, de uma concepção de 
homem que no século XVII já se encontrava enraizada nas práticas 
e nos valores do mundo ocidcntal, sintetizada no conceito de indi­
víduo. Assim, o conceito de sujeito é a contrapartida epistemológica 
do conceito de indivíduo. Se falar cm indivíduo significa pensar o 
hom em à parte de suas relações com outros homens, subm eten ­
do as últimas a seus interesses pessoais, falar em sujeito significará 
pensar o homem à parle dos outros na sua tentativa de represen­
tar a realidade e à parte da realidade ela mesma, o homem capaz 
de distanciar-se intelectualmente da realidade e submetê-la a suas 
faculdades cognoscitivas e a seus interesses práticos. Assim, onde 
for possível questionar a autossuficiência do indivíduo, será possível 
também questionar a autonomia do sujeito, daí Figueiredo (1991) 
referir-se à “emergência e ruína do indivíduo” e à “emergência c ruí­
na do sujeito”.
Com o último aspecto a ser considerado nesta seção, serão abor­
dados os modos como os homens, a partir da Renascença, passam 
a se ocupar do comportamento social, a refletir e elaborar códigos 
de conduta cada vez mais refinados, a serem observados quando na 
presença dos outros.
Em todas as sociedades o comportamento social é objeto de a ten­
ção e prescrições. E variável, porém, a extensão com que esse tipo 
de comportamento é regulado, assim como o tipo de exigência que
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passa a atender. Na Idade Média, grande parte do comportamento 
social obedecia a prescrições de ordem religiosa. Essas prescrições, 
porem, frequentem ente se ocupavam mais de dimensões éLicas c 
morais das relações interpessoais. No cotidiano da vida doméstica, 
costumes muito simples prevaleciam. Provérbios curtos e simples, 
impessoais e transmitidos oralmente, informavam sobre o compor­
tamento requerido, por exemplo, à mesa, principal circunstância de 
convívio social12. As prescrições desse período são menos numerosas 
c marcadas pela “simplicidade ou ingenuidade” (Elias, 1939/1990b, 
p. 76). Muitas vezes descrevem o padrão de comportamento da no­
breza, ainda assim um padrão no qual “são menos restringidos os 
impulsosou inclinações" (Elias, p. 77), exemplo do que acontece em 
“sociedades cm que as emoções são manifestadas mais violenta c di­
retamente" (Elias, p. 76). Constituem exemplos dessas prescrições:
Algumas pessoas mordem o pão e, em seguida, grosseiramente, mer- 
gulham -no na travessa. Pessoas refinadas rejeitam essas maneiras 
rudes ...
Muitas pessoas roem urn osso e, depois, recolocam-no na travessa — e 
isto é uma falta grave ...
O hom em que limpa, pigarreando, a garganta quando com e e o que 
se assoa na toalha da mesa são ambos mal-educados, isto te garanto. 
(Klias, 1939/1990b, p. 77)
O processo de m udança desses hábitos é abordado por Elias 
(1939/1990b) como o processo civilizador, um processo de refina­
mento gradual dos costumes e comportamentos sociais em direção a 
um maior controle sobre as inclinações ou impulsos pessoais. Ainda 
que se trate de um processo que vem dc longa data, “as proibições da 
sociedade medieval, mesmo nas cortes feudais, ainda não impõem
12 Sobre o convívio à mesa na Idade Média, Llias (1939/1990b) assinala que 
“comer e beber nessa época ocupavam uma posição rnuito mais central na vida 
social do que hoje, quando propiciavam — com frequcncia, embora nem sempre
- o meio e a introdução às' conversas e ao convívio” (p. 74).
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quaisquer grandes restrições ao jogo de emoções. Comparando com 
eras posteriores, o controle social é suave” (Elias, p. 1 15). Ainda 
sobre a Idade Media:
as pessoas que comiam juntas na maneira costumeira na Idade Média, 
pegando a carnc com os dedos na mesma travessa, bebendo o vinho 
no m esm o cálice, tomando a sopa na mesma sopeira ou prato fundo 
... essas pessoas tinham entre si relações diferentes das que hoje vive­
mos ... Suas em oções eram condicionadas a formas de relações c con­
duta que, em comparação com os atuais padrões de condicionamento, 
parecem -nos embaraçosas ou pelo menos sem atrativos. O que faltava 
nesse mundo courtois, ou no mínimo não havia sido desenvolvido no 
m esm o grau, era a parede invisível das em oções que parece hoje se 
erguer entre um corpo humano e outro, repelindo c separando. (Elias, 
1939/1990b, p. 82)
Constitui evidência de m udanças acentuadas nesse domínío da 
vida cotidiana no Ocidente uma nova modalidade de literatura, que 
a partir do século XVI se difunde intensamente: os tratados de civili­
dade. Segundo Elias {1939/1990b), a obra inaugural dessa literaLura 
foi um tratado de civilidade (De Civilitate M orum Puerilium) publi­
cado por Erasmo dc Roterdã (1469-1536) cm 1 5 3 0 '\ Seguiram-sc 
a esse texto inúmeros outros tratados de civilidade que atestam a 
centralidade que o problema do comportamento social foi adquirin­
do para a vida cotidiana c a direção das mudanças nos hábitos. Os 
tratados constituem obras individuais, trazem prescrições cada vez 
mais numerosas, descrevem a criação dos utensílios para a indivi­
dualização do comportamento à mesa, revelam o cuidado cada vez 
maior com o controle das emoções e a ocultação das funções corpo­
rais. Constituem precursores dos modernos manuais de etiqueta e 
possibilitam a reconstituição do longo processo de refinamento de
13 Ainda de acordo com Elias (1939/1990b), o Tratado de Erasmo foi mais po­
pular do que seu Elogio à loucura. O Tratado “teve imediatamente uma imensa 
circulação, passando por sucessivas edições. Ainda durante a vida de Erasmo ... 
teve mais de 30 reedições. No conjunto, houve mais de 130 edições” (p. 68).
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hábitos tão simples como assoar o nariz ou usar o garfo. A referên­
cia original para esses hábitos era o com portam ento na corte, onde 
os códigos de conduta tinham funções específicas, frequentem ente 
relacionadas à observância de uma ordem hierárquica.
Com o advento de uma nova classe social, a burguesia, que detém 
poder econômico, mas não o siatus social da nobreza ou o poder polí­
tico desta e do clcro, os hábitos da corte não apenas começam a scr 
reproduzidos pela classe burguesa, como daí se estendem a outros 
estratos sociais e passam em todas as classes por aquele processo 
de refinam ento14. Segundo Elias (1939/1990b), “a burguesia é7 por 
assim dizer, acortesada’ e, a aristocracia, aburguesada’, ou, para ser 
mais preciso, a burguesia é influenciada pelo com portam ento da 
corte e vice-versa” (p. 118). O refinam ento revelado nos tratados de 
civilidade alcança o próprio discurso sobre os hábitos e costum es. 
Não apenas as funções corporais devem scr controladas quando em 
frente aos outros, como tam bém falar sobre isso precisa ser evitado, 
para evitar embaraço ou constrangim ento.
A adoção de utensílios e o ritual de cuidados com as funções 
corporais tendem a sugerir ao hom em do século XX que um refina­
m ento nos hábitos foi motivado por questões dc higiene, ou uma 
preocupação com a saúde (individual ou pública). Embora algumas 
prescrições se prestem a esse tipo de interpretação, um exame aten­
to de qualquer m anual contem porâneo de etiqueta revelará uma 
diversidade de prescrições que não apenas não encontram suporte 
nesse tipo de apelo como, m uito frequentem ente, conflitam com
14 “Há um círculo na corte mais ou menos limitado que inicialmente cria os 
modelos apenas para atender às necessidades de sua própria situação social e 
em conformidade com a condição psicológica correspondente à mesma. Mas 
é evidente que a estrutura e o desenvolvimento da sociedade francesa como 
um todo fazem com que estratos cada vez mais amplos se mostrem desejosos, 
e mesmo sequiosos, de adotar os modelos desenvolvidos em uma classe mais 
alta: eles se difundem, também com grande lentidão, por toda a sociedade, e 
certamente não sem passarem nesse processo por algumas modificações” (Elias, 
1939.'1990b, p. 116).
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recom endações mais saudáveis1-. Já no scculo XVII, tratados de ci­
vilidade recomcndavam reter gases intestinais ou suportar alimentos 
excessivamente quentes colocados na boca inadvertidam ente, libe­
rando os indivíduos das prescrições apenas em casos cxccpcionais 
ou quando estivessem sós (cf. Elias, 1939/1990b). Prescrições como 
não se servir da melhor parte de um prato, ou não mencionar as par­
tes do corpo justificam-se nào por qualquer noção de higiene, mas 
pela exigência dc um controle cada ve/ maior sobre as em oções e 
uma restrição cada vez maior à espontaneidade da ação: “a m udan­
ça do com portam ento à mesa é parte dc um a transform ação m uito 
extensa por que passam os sentim entos e atitudes hum anas” (Elias, 
1939/1990b, p. 124).
Elias (1939/1990b, 1994) desenvolve uma interpretação do pro­
cesso de m udança civilizadora de acordo com a qual a complexi- 
ficação da vida social em sociedades em que o Estado assum e a 
m ediação dos conflitos e a função de proteção é acom panhada de 
exigências cada vez m aiores na direção da observação do próprio 
com portam ento e controle da im pulsividade. O refinam ento dos 
hábitos tem , assim, mais a lunção de coordenação dos com porta­
m entos dos indivíduos uns pelos outros. O autocontrole torna-se 
cada vez mais um requisito para m ovimentar-se (e realizar-se) na 
complexa rede de relações que define essas sociedades mais “civi­
lizadas”. A extensão das prescrições para o com portam ento social 
corresponde à extensão com que os com portam entos de cada um 
precisam tornar-se previsíveis para os demais, isto é, acom panham 
o grau de exigência dc coordenação do com portam ento do indivíduo 
pelo comportamcnLo dos outros. Para o indivíduo submetido a tais
15 Elias (1939/1 990b) também comenta esse aspecto: “[O espectador do século 
XX] acha, talvt.'/., que a eliminação do hábito de ‘comer com as maos’, a adoção 
do garfo, as louças e talheres individuais, e todos os demais rituais de seu pró­
prio padrão podem ser explicados por 'razões higiênicas’. Isto porque é esta a 
maneira corno ele mesmo explica, de modo geral, esses costumes. Mas o fato 6 
que, em data tão recente como a segunda metade do século XVill, praticamente 
nada desse tipo condicionava o maior controle que as pessoas impunham a si 
mesmas” (p. 122).
62 SUBJETIVIDADE E RELAÇÕES COM PORTA MENTA 15
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m ecanism os de controle social, porém , os códigos dc conduta po­
dem ser assimilados sim plesm ente como descrições de padrões de 
com portam ento que funcionam para promover sua adaptação c su ­
cesso social. Podem, inclusive, parecer o que lhe confere autonom ia 
perante os outros, ainda que por vezes sejam vistos como aquilo que 
contraria sua “natureza" íntima.
Dimensões do Indivíduo e as 
Dicotomias Psicológicas Clássicas
As seções anteriores sumarixam algumas inform ações relevantes 
para um a com preensão da em ergência c da centralidade da noção 
de indivíduo , como autoímagcm do homem no O cidente moderno. 
A medida que essa autoimagem vai se estabelecendo, torna-se mais 
provável que certos fenômenos hum anos sejam vistos como ocorrên­
cias pessoais ou internas, ou explicados peia referência a ocorrências 
desse tipo. Paulatinam ente torna-se mais difícil com preender certas 
dim ensões da vida do homem como relações com o mundo, com a 
natureza e com outros homens. E apenas à luz dessas transformações 
que se instituem as categorias dc privado, subjetivo, interno e mental 
na análise dos fenômenos humanos, dando origem à disciplina psico­
lógica (inicialmente, uma disciplina reflexiva sobre essas questões).
Nos parágrafos seguintes, as dicotom ias psicológicas clássicas 
(piíblico-privado, objetivo-subjetivo, interno-externo, lísico-mental) 
serão abordadas de uma ótica particular, que tem por objetivo desta­
car como funcionam para deslocar a análise dos problemas humanos 
de um a dim ensão relacional para dim ensões pessoais, individuais, 
isto é, como funcionam para reproduzir concepções e valores dc uma 
cultura individualista. É importante esclarecer que ao fazer esse exa­
me crítico não sc está ignorando que ocorrências pessoais são cons­
titutivas dos fenômenos de que a Psicologia se ocupa, mas apenas se 
estará questionando a suficiência da referência a ocorrências do ou 
no hom em na abordagem daqueles fenôm enos, ou a sua assim ila­
ção como objeto de estudo. Para além disso, a análise com plem enta 
as observações anteriores enquanto referência do caráter histórico- 
cultural da experiência m oderna dc individualidade.
CAPÍTULO 1 63
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O público e o privado
A existência de uma esfera da vida à parte do universo social no 
qual o hom em produz cotid ianam ente sua sobrevivência constitui 
uma invenção datada no m undo ocidental. Mais especificam ente, a 
separação nítida en tre vida pública e vida privada institui-sc com 
a dissolução do modo dc vida feudal e o advento de uma sociedade 
dc m ercado. Duby (1990) faz referência ao “advento do indivíduo” 
ao abordar temas como a solidão e o anacorctism o na Baixa Idade 
Média. Com o já assinalado neste capítulo, até bastante tardiam ente 
na Idade Média as condições para o isolamento pessoal eram muito 
lim itadas e o desejo de esta r só visto com desconfiança (quando 
m anifestado pelo hom em com um , era um sinal de loucura, que jus- 
tificava inclusive despojar o homem de seus pertences - cf. Duby).
O isolam ento físico encontrava dois tipos de “barreira . De um 
lado, a exposição da vida individual, representada pelo com parti­
lham ento de todo espaço dom éstico c pela im posição da presença 
do(s) outro(s). Na moradia, ou nos espaços de trabalho, lazer e reza, 
a arquitetura prevê sem pre o deslocam ento em grupos. Apenas no 
final da Idade M édia a casa sofre processo acelerado de transforma­
ção, com a separação e especialização dos côm odos e a criação de 
espaços de com unicação (corrcdor, hall etc.) (cf. Ariès, 1991). De 
outro lado, as práticas c os valores sociais, que condicionavam a 
satisfação pessoal e mesmo o reconhecim ento social a condições dc 
compartilhamento da vida cotidiana com o círculo social imediato. O 
isolamento não é possível, mas tam bém não faz sentido no contexto 
de vida do homem comum no m undo feudal.
A separação possível entre privado e público na sociedade feudal 
correspondia à distinção entre o espaço físico e social das grandes 
famílias unidas pela terra (no que o privado era simplesmente um pú­
blico mais restrito) e o espaço físico e social para além desse universo 
(d . Duby, 1990). “E se vida privada significava segredo, esse segredo, 
necessariam ente partilhado por todos os membros da família ampla, 
era frágil, logo descoberto; se vida privada significa independência, 
também essa independência era coletiva” (Duby, 1990, p. 504).
Os rituais ou práticas religiosas, como já assinalado, também não 
previam, pelo m enos para o hom em com um (e m esm o para novi­
64 SUBJETIVIDADE E RELAÇÕES COM PORTA MENTA IS
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ços), o isolamento. Eram necessariam ente realizados com os outros, 
abertam ente. O lazer era praticado na forma de jogos dos quais par­
ticipavam hom ens e m ulheres, adultos e crianças. As leituras eram 
coletivas e os próprios autores escreviam esperando que seus textos 
lossem ouvidos, não lidos silenciosamente;
Até boa parte da Idade Media, os escritores supunham que seus lei­
tores iriam escutar, cm vez de simplesmente ver o texto, tal como eles 
pronunciavam em voz alta as palavras à medida que as compunham. 
Uma vez que, em termos comparativos, poucas pessoas sabiam ler, 
as leituras públicas eram comuns e os textos medievais repetida­
mente apelavam à audiência para que “prestasse ouvidos à história”. 
(Manguei, 1997, pp. 63-64)16
Segundo Ariès (1991), no final da Idade Média o hom em encon­
trava-se “enquadrado em solidariedades coletivas, feudais e com u­
nitárias” (p. 7), “há confusão entre privado e público” (p. 7), o que 
significa que “muitos atos da vida cotidiana ... se realizam c ainda por 
muito tempo se realizarão em público” (p. 7). Três fatos, porém, alte­
ram substancialm ente essa realidade. Primeiro, a formação e a ação 
dos Estados nacionais, interferindo nos processos sociais, assumindo 
funções antes desem penhadas pelos grupos ou com unidades locais. 
Segundo, o desenvolvimento da alfabetização e a difusão da leitura 
silenciosa, ainda que “o uso mais difundido da leitura silenciosa não 
[tenha elim inadol a leitura em voz alta, que durante m uito tempo 
havia sido a única forma de ler” (Ariès, p. lü). Terceiro, as novas 
formas de religião introduzidas pela Reforma e pela Contra-Reforma. 
O que todos esses fatos promovem é um afrouxamento dos vínculos 
com os grupos sociais (familiares, comunitários, religiosos) aos quais 
hom ens e m ulheres estavam mais fortem ente ligados. No lugar dc
16 Segundo Manguei (1997), ‘as palavras escritas, desde os tempos das primei­
ras tabuletas sumérias, destinavam-se a ser pronunciadas etn voz. alta, uma vez 
que os signos traziam implícito, como se fosse sua alma, um som particular” (p. 
61). Também de acordo com Manguei, “ainda que se possam encontrar exem­
plos anteriores de leitura silenciosa, foi somente no século X que esse modo de 
ler se tornou usual no Ocidente” (p. 61).
CAPÍTULO1 65
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convivência e com partilham ento da vida cotidiana, das aspirações, 
dos medos e dos projetos, com aqueles grupos, dos quais havia pou­
cas chances de fuga, cada um encontrará agora as condições para a 
constituição de seus projetos pessoais, inéditas até então.
Se é verdade que o contrato social requerido para a instituição 
do Estado, como assinalado por Hobbes (1651/1979) implica n e ­
cessariam ente restrição à liberdade individual, c tam bém verdade 
que esse debate só se instaura porque a liberdade individual cons­
titui agora um valor e um a referência para m uitas práticas sociais. 
Tambcm é verdade que a instituição do Estado funciona para, ainda 
que dentro dc lim ites, liberar cada um para dedicar-sc aos seus 
projetos pessoais de vida. O indivíduo não experim enta mais nas 
suas relações im ediatas e cotidianas a responsabilidade por solucio­
nar os conflitos ou criar as condições para a sobrevivência de um 
grupo mais amplo (e sua própria sobrevivência, ligada à daqueles). 
Dcslocando-se entre estranhos, pode ocupar-sc dc seus objetivos 
pessoais e aguardar que o Leviatã faça por todos o que antes to­
dos deviam fazer por si m esm os17. Para usar a expressão de Elias 
(1987/1994), a institu ição do Estado é essencial para que o nós 
deixe de ser a referência a partir da qual cada um organiza sua vida 
cotidiana. Ainda hoje podem os contrastar essas duas experiências 
sociais, observando como se estru turam as relações econôm icas, 
políticas, afetivas, religiosas etc. nas grandes metrópoles e como isso 
se dá em grupos sociais em que prevalece a vida simples e aos quais 
o Estado não estendeu suas m ãos18.
1 7 Kssa condição dá origem a uma surpreendente (para quem sc acostumou a 
uma vida comunitária, ou a resquícios disso) indiferença ante o sofrimento ou 
as dificuldades alheias. A solidariedade, quando evocada, o é como exceção, em 
face de situações dramáticas (não diante de problemas “menores”, para os quais 
se pensa poder ainda aguardar pelo socorro do listado).
18 Há também exemplos (inúmeros, no Brasil e alhures) de sociedades mais 
complexas, em que a vida individual se organiza a partir de condições próprias de 
uma economia de mercado e nas quais o Estado não chegou com suas institui­
ções. Nesses casos, homens e mulheres encontram-se mais próximos da barbárie 
do que da vida civilizada (de um lado) ou comunitária (de outro).
66 SUBJETIVIDADE E RELAÇÕES C0MP0RTAMENTA1S
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Com o processo de individualização, a vida pessoal organi/a-se a 
partir de interesses, projetos, necessidades de hom ens e m ulheres 
particulares, não necessariam ente partilhados pelos que estão à sua 
volta. O segredo torna-se não apenas um a possibilidade, dadas as 
novas condições sociais e físicas que não mais constrangem o in­
divíduo à exposição perm anente aos outros; torna-se tam bém uma 
necessidade, inclusive por força dos conflitos com os interesses dos 
outros. A vida privada passa a scr aquela esfera da vida cotidiana na 
qual um padrão espontâneo de ação subsiste, a intim idade é aco­
lhida, sentim entos e pensam entos encontram lugar. O território da 
vida pública passa a ser um espaço de representação de papéis, de 
cum prim ento de regras, de com edim ento, de hábitos refinados e 
de com portam entos refletidos - o que no século XVIII tornará o 
teatro um a instituição educativa im portante (cf. Sennett, 1989)19. 
Com o apontado por Ariès (1991), a fronteira entre vida pública e 
vida privada não tem sido fixa ao longo dos anos. Pode-se dizer que 
nem é a m esm a para diferentes subculturas, ou para um mesmo 
indivíduo ao longo de sua vida. Por vezes, o espaço privado resume- 
se ao núcleo familiar, outras vezes não ultrapassa o laço conjugal, 
muitas outras vezes significa o indivíduo fechado cm si mesmo.
Figueiredo e Santí (1997) referem-se a “subjetividade privatizada” 
ao com entar esse modo (“privado” ou “interiorizado") pelo qual emo­
ções, sentim entos, pensam entos, crenças etc. passam a ser vividos 
com a separação entre vida pública e vida privada. Figueiredo e Santi 
m encionam que esse modo “privatizado” de lidar com as emoções 
torna-se tão usual que nos parece natural; passa a ser difícil imaginar 
o que seria, por exemplo, um sentim ento de felicidade experim en­
tado de outra maneira.
19 Sennett (1989) observa tambem que no século XVIII as máscaras são abo­
lidas nas representações teatrais, em parte porque deixam de ser necessárias, 
na medida em que os indivíduos (todos eles, em alguma medida, e os atores e 
atrizes, de modo especial) estão mais bem adestrados para o autocontrole e a 
representação, garantindo a expressão apenas de emoções próprias das persona­
gens e ocultando emoções e inclinações pessoais.
C APÍTU L01 67
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Q uando dizemos que até certo m om ento da história do mundo 
ocidental civilizado não se encontrava propriam ente um mundo pri­
vado, estam os afirmando que, para os homens que viveram antes das 
transform ações aqui citadas, pensam entos, sentim entos, emoções 
não faziam parte de sua experiência de vida enquanto ocorrências 
privadas. No entanto, esses fenômenos eram, como continuam sen­
do, relações com o m undo, incluindo outros hom ens e m ulheres. 
Em um contexto de não dífercncíação entre público e privado o que 
ocorre pessoalmente a alguém não mcrccc a atenção que desfruta em 
um modo de vida “privatizado”. O pensar, o refletir sobre o m undo 
à sua volta, sobre os problem as do dia-a-dia, a pessoa amada, tudo 
acontece de forma pública, em voz alta, no diálogo com outros. Basta 
comparar o que acontece em subculturas ainda hoje encontradas, cm 
que a vida simples prevalece, as funções sociais são pouco dileren- 
ciadas e o convívio comunitário dá suporte para as relações cotidia­
nas. N esses grupos, o homem, ao deitar a cabeça nó travesseiro para 
dormir, não procede privadamente ao exame de como despendeu seu 
dia, como enfrentou problemas, ou como poderia tê-lo feito. M uito 
menos planeja privadamente seu próximo dia (planejar a vida a longo 
prazo - por exemplo, o que será sua ocupação d e / anos adiante - 
chega a scr uma ideia fora dc lugar nesse contexto). Analogamente, 
as em oções e os sentim entos são experim entados abertam ente nas 
relações com os outros. Ficar feliz é agir de modo feliz no convívio 
com os outros. Quando essas relações com os outros vão se alterando 
é que os substantivos vão se Lornando nossos conceitos-chave para 
abordar a vida subjetiva. No lugar do '‘p en sa r’ {verbo transitivo dire­
to e indireto), entra o “pensam ento", algo supostam ente contido no 
sujeito que pensa. No lugar do aborrecer (idem), o aborrecim ento, 
do am edrontar (idem), o medo, e assim por d ian te20. E já que estão
20 F, ssa substituição de verbos por substantivos constitui um dos exemplos do 
que (Ryle, 1949/1984) denomina de erro de categoria, isto é, “representar os 
fatos da vida mental como se pertencessem a um tipo ou categoria lógica (ou 
a um conjunto de tipos ou categorias) quando na verdade pertencem a outra” 
(Ryle, p. 16).
68 SUBJETIVIDADE E RELAÇÕES COMPORTAMENTAIS
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contidos nesse mundo privado de cada um, é observando o que se 
passa no indivíduo que se encontrará o que é definidor do fenômeno. 
Note-se, porem, que o que m uda csscncialm cntc com a separação 
entre vida pública e vida privada, com o fato dc homens e mulheres 
buscarem "esconder" uns dos outros o que pensam e o que sentem, 
não éque sentim entos, pensam entos etc. deixam de pertencer ao 
domínio dc suas relações com o mundo c com outros homens e m u­
lheres, mas o modo (autocontrolado, como ensina Elias, 1939/1990b) 
como isso passa a acontecer.
A separação entre uma esfera da vida privada e uma esfera dc vida 
pública significa, então, uma transformação em duas direções: de um 
lado, a separação entre o interesse pessoal e o interesse coletivo; de 
outro, um novo padrão dc rclacionamcnto interpessoal marcado pela 
representação, pelo autocontrole, pelo com edim ento. Ariès (1991) 
interpreta esses dois aspectos como uma oposição entre "o homem 
dc Estado c o particular” (p. 19), podem os dizer, entre o indivíduo 
e o cidadão; e uma diferenciação entre sociabilidade anônima e uma 
sociabilidade restrita, uma espontaneidade indiferenciada no trato 
social versus a espontaneidade resguardada para o espaço doméstico. 
Em qualquer circunstância, a construção do mundo privado corres­
ponde ã instituição de m udanças não no interior de indivíduos, mas 
no plano dc suas relações com outros homens e mulheres.
O objetivo e o subjetivo
A dicotomia objetivo-subjetivo elabora-se na reflexão sobre a possi­
bilidade dc o hom em conhcccr ou representar a realidade dc modo 
seguro. No século XVI í, essa preocupação constitui uma reação ao 
ceticism o e um a tentativa de restaurar um fundam ento filosófico 
para o conhecim ento verdadeiro. O empirismo de Bacon e o racio­
nal ismo de Descartes assumirão como tareia tanto explicitar por que 
sistem as de crença anteriores fracassaram, m ostrando-se frágeis e 
dubitáveis, assim como cstabclcccr as condições sob as quais um co­
nhecim ento seguro, absolutam ente verdadeiro, pode ser alcançado. 
Tanto no em pirism o como no racionalism o essas condições dizem 
respeito a faculdades do indivíduo particular, não a processos sociais 
de construção do conhecim ento. E a razão (racionalismo), enquanto
CAPÍTULO 1 69
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faculdade da alma, ou a experiência sensível articulada (empirismo) 
que conduz ao conhecim ento verdadeiro. No Discurso de Descartes 
(1637/1979), encontramos;
notei certas leis que Deus estabeleceu de tal modo na natureza, e das 
quais imprimiu tais noções em nossas almas que, depois de refletir 
bastante sobre elas, não poderíamos duvidar que não fossem exata­
mente observadas em tudo o que existe ou se faz no mundo. (p. 51)
Já na versão de Bacon (1620/1979), quando o intelecto se move 
sem o suporte da experiência sensível cuidadosa, o erro é inevitável.
Na verdade, os sentidos, por si mesmos, são algo déhii e enganador, 
nem mesmo os instrumentos destinados a ampliá-los e aguçá-los são 
de grande valia. E toda verdadeira interpretação da natureza se cum­
pre com instâncias e experimentos oportunos e adequados, onde os 
sentidos julgam somente o experimento e o experimento julga a natu­
reza e a própria coisa. (p. 26, Af. L)
A melhor demonstração é de longe a experiência, desde que se atenha 
rigorosamente ao experimento. Sc procuramos aplicá-la a outros fatos 
tidos por semelhantes, a não ser que se proceda de forma corrcta e 
metódica, c falaciosa, (pp. 38-39, Af. EXX)
... quando a experiência proceder de acordo com leis seguras e de 
forma gradual e constante, poder-se-á esperar algo melhor da ciência.
(p. 66, Af C)
A elevação de uma capacidade hum ana a tribunal da verdade con­
trasta com a visão medieval acerca da prerrogativa da autoridade 
eclesiástica para estabelecer o que vale com o explicação aceitável 
da realidade, sem pre um a Revelação Divina àqueles que estão no 
topo da hierarquia religiosa. Desse ponto de vista, a m odernidade 
representa uma conquista importante. A regra cartesiana de “jamais 
acolher alguma coisa com o verdadeira que eu não conhecesse evi­
den tem en te como tal” (D escartes, 1637/1979, p. 37), isto é, “de 
nada incluir em m eus juízos que não se apresentasse tão clara e tão 
distintam ente a m eu espírito, que eu não tivesse nenhum a ocasião 
de pô-lo em dúvida” (p. 37) constitui uma expressão máxima dessa
70 SUBJETIVIDADE E RELAÇÕES COMPORTAMENTAIS
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m udança. No entanto, a reivindicação do racionalismo e do em pi­
rismo do século XVII não se faz sem o reconhecim ento das lim ita­
ções hum anas a serem vencidas antes que o indivíduo possa buscar 
o conhecim ento seguro. No pensam ento cartesiano, esse problema 
aparece com a nccessidadc de tomar a dúvida como método, tendo 
o cuidado de afastar do intelecto tudo que antes foi admitido como 
verdadeiro sem passar pelo rigoroso inquérito da razão21.
Em Bacon (1620/1979), a desconfiança sobre as capacidadcs hu­
manas encontra expressão na Doutrina dos ídolos ou falsas noções: “o 
intelecto hum ano não é luz pura, pois recebe influência da vontade 
e dos afetos, donde se poder gerar a ciência que sc quer” (p. 25, Af. 
XLIX). Esses obstáculos ao processo de construção de representações 
seguras da realidade abrangem tanto dimensões pessoais, do indiví­
duo singular (os ídolos da caverna, relativos à história pessoal dc cada 
um), como aspectos da natureza hum ana (os ídolos da triho, relativos 
a distorções da percepção e à tendência a formular leis gerais com 
base em uma cxpcriência prccária), as condiçõcs dc interloeução (os 
ídolos do foro, relativos à imprecisão da correspondência entre lingua­
gem e realidade22) e dimensões sociais/culturais (os ídolos do teatro, 
relativos a sistemas de crença dom inantes em uma cultura).
Tanto para D escartes como para Bacon conhecer depende de 
obediência ao m étodo (novamente o tema do autocontrole), o cum ­
prim ento de um conjunto de preceitos que se inicia, em ambos os 
casos, com uma espécie de purificação do intelecto, seja pela dúvida, 
seja pelo afastam ento dos ídolos ou falsas noções.
21 Diferente dos célicos, porém, Descartes (1637/1979) toma a dúvida como 
um método para chegar a verdades, não como um fim em si mesma: “N3o que 
imitasse, para tanto, os céticos, que duvidam apenas por duvidar e afetam ser 
sempre irresolutos; pois, ao contrário, todo o meu intuito tendia tão-somente a 
me certificar e remover a terra movediça e a areia, para encontrar a rocha ou 
a argila” (p. 44).
22 Diz Bacon (1620/1979): “Os ídolos que se impõem ao intelecto através das 
palavras são de duas espécies. Ou são nomes de coisas que não existem ... ou são 
nomes dc coisas que existem, mas confusos e mal determinados e abstraídos das 
coisas de forma temerária e inadequada” (p. 29, Af. ÍJÍ).
CAPÍTULO 1 71
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14/8/2015 INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões!
No tocante a todas as opiniões que até então acolhera cm meu cré­
dito, o melhor a fazer seria dispor-me, de uma vez para sempre, a re­
tirar-lhes essa confiança, a fim de substituí-las em seguida por outras 
melhores, ou então pelas mesmas, depois de tê-las ajustado ao nível 
da razão. E acreditei firmemente que, por este meio, lograria conduzir 
minha via muito melhor do que se a edificasse apenas sobre velhos 
fundamentos, e me apoiasse tão-somente sobre princípios dc que me 
deixara persuadir cm minha juventude, sem ter jamais examinado se 
eram verdadeiros. (Descartes, 1637/1979, p. 35)
Já falamos de todas as espécies dc ídolos e de seus aparatos. Por de­
cisão solene e inquebrantável todos devem ser abandonados e abju­
rados. O intelecto deve ser liberado e expurgado de todos eles, de tal 
modo que o acesso ao reino do homem, que repousa sobre as ciências, 
possa parcccr-se ao acesso ao reino dos céus, ao qual não se permite 
entrar senão sob afigura de criança. (Bacon, 1620/1979, pp. 37-38, Af. 
LXVIII, itálico acrescentado)
O que sc passa com o sujeito do conhccimcntoé, assim, duplamen­
te problematizado. I)e um lado, são faculdades ou capacidades indi­
viduais e subjetivas que conduzem a enunciados verdadeiros, acima 
da dúvida. Dc outro, c ncccssário, antes dc fazer uso dessas faculda­
des, eliminar aquelas condições pessoais e subjetivas que constituem 
obstáculo à representação precisa da realidade. Ambos os temas, c 
importante notar, frequentarão os livros dc Psicologia cientílica a par­
tir do final do século XIX. Os processos cognitivos ou de representação 
e as inclinações/distorções/hábitos pessoais não deixarão de ser temas 
clássicos para diferentes escolas do pensamento psicológico.
O cartcsianismo, ao postular que a razão é uma faculdade da alma , 
tornará central para a reflexão epistemológica o dualismo m etafísi­
co, que a partir de Locke (1632-1704) assum e a forma da distin­
ção corpo-m cntc, com am pla repercussão na Psicologia. Todavia, o 
que importa ressaltar neste ponto é outro aspecto do racionalismo 
de Descartes, compartilhado com Bacon: a noção dc que o conheci­
mento verdadeiro é aquele que representa uma realidade independen- 
Le do sujeito que conhece. Com isso, há uma terceira dimensão da 
problematização do que se passa com o indivíduo do conhccimcnto:
72 SUBJETIVIDADE E RELAÇÕES COMPORTA MENTA IS
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a noção de um afastamento entre sujeito e objeto do conhecimerUo. 
A partir dessa elaboração, a verdade torna-sc atributo de enunciados 
que representam apenas propriedades da realidade, nada contendo 
de qualidades do próprio sujeito que se dedica a conhecê-la. Na aná­
lise de Bacon (1620/1979), isso opõe as “antecipações da m ente” 
(descrições da realidade pautadas mais pelos ídolos que ocupam o 
intelecto hum ano e menos por uma observação cuidadosa e sistemá­
tica) à “interpretação da natureza” (enunciados baseados na observa­
ção e experimentação planejadas, e limitados pelos fatos acumulados 
desse modo). Coincide com essa abordagem a distinção estabclccida 
por Galilei (1623/1987) entre qualidades primárias (propriedades dos 
fenômenos) c qualidades secundárias (sensações do sujeito)2'5.
Com a observação do método, garante-se que os enunciados sobre 
a realidade constituam apenas interpretações da natureza , retratem 
apenas qualidades primárias dos fenômenos. Na análise de Descartes, 
quando isso ocorre, o carátcr de clareza e distinção das ideias é tal 
que o intelecto não poderá deixar dc reconhecê-las como verdadei­
ras. O m étodo, desse ponto de vista, é o controle das inclinações, 
preferências, paixões pessoais, a fim de garantir que esses não inva­
dam as representações do mundo, com prom etendo sua validade. Por 
isso falar dc m étodo é falar de autocontrole.
O conhecim ento verdadeiro é objetivo no sentido dc que retrata 
apenas o objeto do conhecim ento, não o sujeito. E o mundo subje-
23 Galtleu exemplifica esta diferenciação assinalando que o calor não constitui 
uma propriedade do fogo (qualidade primária), mas uma sensação do indivíduo 
(qualidade secundária): “havendo já relatado como muitas sensações, que são 
reputadas qualidades ínsitas dos sujeitos externos, não possuem outra existência 
a não ser em nós, não sendo outra coisa senão nome fora de nós; afirmo que [fui 1 
levado a acreditar que o calor seja um fenômeno deste tipo, e que aquelas maté­
rias que produzem e fazem perceber o calor em nós, matérias que nós chamamos 
com o nome geral de fogo, sejam uma multidão de pequeníssimos corpos, com 
determinadas figuras, movimentadas com velocidade enorme. ... Mas que exista, 
além de figura, número, movimento, penetração e junção, outra qualidade no 
fogo, e que esta qualidade seja o calor, eu não acredito; considero que o calor seja 
uma característica tão nossa que, deixado de lado o corpo animado e sensitivo, o 
calor Lorna-se simplesmente um vocábulo (Galilei, 1623/1987, p. 121).
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livo torna-se o m undo do sujeito que conhece, que possibilita sua 
apreensão da realidade c que precisa ser controlado para assim pro­
ceder movido apenas pelas faculdades apropriadas. Má, portanto, 
nessas lorm ulações não apenas um individualismo, conduzindo ao 
que Elias (1987/1994) designa uma concepção de homo philosophi- 
cus na reflexão epislem ológica24, mas um subjetivismo baseado na 
noção de afastam ento entre o scr que conhece e o m undo cognoscí- 
vel. C om preender essa gênese da problematização da subjetividade 
é essencial para discutir o status que pode ser conferido aos en u n ­
ciados m odernos sobre as faculdades subjetivas.
A concepção de um homo philosophicus no século XVII é com ­
patível com tudo o que foi assinalado acima, acerca da emergência 
da noção de indivíduo e das condições sociais em que isso se deu. 
Há um a questão, porém , que precisa ser equacionada na análise 
que vincula a emergência do conceito do sujeito como conLrapartida 
epistcmológica do conceito de indivíduo: o fato de que o cartesianis- 
mo reedita em ampla medida o pensam ento platônico, portanto uma 
concepção de sujeito formulada já na Antiguidade.
Platão (428 a .C .-347 a.C .) inaugurou a filosofia como gênero li­
terário (cf. Colli, 1988), ocupando-se da problem ática do conheci­
m ento já em uma perspectiva que poderia ser in terpretada como 
individualista. Em um trabalho anterior (Tourinho, 1994b), foram 
assinaladas no pensam ento platônico categorias centrais do que viria 
a caracterizar o pensam ento filosófico do século XVII:
24 Há outras passagens clássicas do individualismo cartesiano, nas quais a cren­
ça na maior elicácia da ação individual são destacadas: "vê-se que os edifícios 
empreendidos e concluídos por um só arquiteto costumam ser mais belos e 
melhor ordenados do que aqueles que muitos procuram reiormar, fazendo uso 
de velhas paredes construídas para outros fins ... assim pensei que as ciências 
dos livTOS, ao rnenos aquelas cujas razões sao apenas prováveis c que não apre­
sentam quaisquer demonstrações, pois se compuseram e avolumaram pouco a 
pouco com opiniões de mui diversas pessoas, não se acham, de modo algum, 
tão próximas da verdade quanto os simples raciocínios que um homem dc bom 
senso pode eletuar naturalmente com respeito às coisas que se lhe apresentam’' 
(Descartes, 1637/1979, pp. 34'35).
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Platão faz uma distinção entre o mundo sensível e o mundo inteligí­
vel. O mundo das sensações é o mundo das aparências, onde tudo 
flui c onde não se encontra a essência dos fenômenos. Limitados a 
suas experiências sensíveis, os homens podem apenas alcançar opi­
niões, instáveis, variadas e contraditórias. Dc outro lado, o mundo 
inteligível é o mundo da razão, da alma, através da qual se pode che­
gar às “ideias”, sinônimo dc verdade c de apreensão da essência das 
coisas. Ao contrário das opiniões, as ideias sc afirmam como eternas 
e universais. Tem-se, aqui, tanto a afirmação categórica da distinção 
entre aparência e essência, quanto a atribuição do conhecimento da 
realidade a algo interior e íntimo, diverso das experiências sensíveis, 
isto c, à alma. (pp. 17-18)
Há dois conjuntos de inform ações a serem levados em conta na 
apreciação da antecipação platônica de concepções modernas do su­
jeito capaz de conhecer a realidade. Em primeiro lugar, as condições 
sociais sob as quais Platão escreve, cm certos aspectos comparáveis 
ao clima social da Renascença. Em segundo lugar, o fato de que 
o platonism o não dom inou a cu ltura ocidental ao longo de toda a 
Idade Média.
Com respeito ao contexto social dc elaboração do platonismo, é 
suficienteregistrar que a razão grega, na sua origem, realiza-sc ape­
nas no campo da interloeução, do diálogo, do confronto de ideias e 
argumentos. Ela floresce no espaço público, como dim ensão essen­
cial da vida política nas cidades-Estado.
c no plano político que a Razão, na Grécia, primeiramente sc expri­
miu, constituiu-se e formou-se. A experiência social pôde tornar-sc 
entre os gregos o objclo dc uma reflexão positiva, porque se prestava, 
na cidade, a um debate público de argumentos. ...
A razão grega é a que de maneira positiva, refletida, metódica, permite 
agir sobre os homens, não transformar a natureza. Dentro de seus limi­
tes com suas inovações, é filha da cidade. (Vernant, 1989, pp. 94-95)
Na época em que Platão escreveu, a dialética já dava lugar à re­
tórica. E nquanto a dialética constitu ía a forma original da raciona­
lidade grega, em que o debate oral estabelecia a sustentabilidade
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de uma proposição, que não tinha perm anência fora dcssc em bate 
argum entativo (cf. Colli, 1988), na rctórica, juizes externos ao em ­
bate estabeleciam a validade de discursos, que adquiriam autonomia 
em relação ao contexto de confrontação de ideias — um a condição 
essencial para a filosofia tornar-se um gênero literário, inicialm ente, 
com Platão, um gênero literário que tentava recuperar a essência da 
dialética, recorrendo à estru tura de diálogos (ainda que fosse uma 
imitação precária, posto que se tratava de diálogos pensados por um 
único indivíduo)25.
Platão escreve em um m om ento da dem ocracia grega, quando a 
retórica assumia, sobretudo, a forma de uma preocupação estilística 
e persuasiva, em debates cujos oradores orientavam-se mais por in­
teresses particulares do que por um compromisso com a justiça ou 
a verdade26. A condenação de Sócrates comprovava, para Platão, a
25 Colli (1988) observa que "Platão inventou o diálogo como literatura, como 
tipo particular de dialética escrita, de retórica escrita, que, num quadro narrativo, 
apresenta a um público indiferenciado os conteúdos dc discussões imaginárias. A 
esse novo gênero literário, o próprio Platão chama pelo novo nome de 'filosofia'. 
Depois de Platão, esta forma de escrita permaneceria como algo adquirido, e ain­
da que o gênero literário do diálogo se transforme no gênero do tratado, mesmo 
assim continuará a chamar-se ‘filosofia’ à exposição escrita de temas abstratos e 
racionais eventualmente estendidos, após a confluência com a retórica, a con­
teúdos morais e políticos” (p. 92). Paradoxalmente, porém, Platão não acreditava 
que as coisas importantes pudessem ser escritas, ou que aquilo que um homem 
escreve contivesse o que havia de mais importante em seu pensamento: “Platão 
nega à escrita, em linhas gerais, a possibilidade de exprimir um pensamento 
sério, e diz literalmente; ‘Nenhum homem de siso ousará confiar seus pensamen­
tos filosóficos aos discursos e além do mais a discursos imóveis, como é o caso 
dos escritos com letras’. Ainda mais solenemente, reafirma um pouco adiante, 
recorrendo a uma citação homérica: 'Justamente por isso toda pessoa séria evita 
escrever coisas sérias para não expô-las à malevolência e à incompreensão dos 
homens ... ” (p. 94).
26 Para Platão, "a democracia direta favorece ... a demagogia, isto é, a arte de 
incensar a opinião pública por meio do talento oratório; também favorece a ti­
rania, pois há o perigo de que um homem seduza e canalize a opinião pública 
em seu proveito para, em seguida, subjugá-la. A critica platônica à democracia 
origina-se, fundamentalmente, de sua ‘reflexão sobre a linguagem’. Para Platão, a
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impossibilidade de chcgar-se a juízos seguros sob aquelas condições. 
A verdade deveria pairar em outra dimensão das realizações possíveis 
do pensam ento hum ano.
Em suma, o individualismo encontrado no platonism o se explica 
por um clima social no qual os processos de interlocução existentes 
foram desqualificados como cam inho para a elaboração de enuncia­
dos seguros. Por outro lado, a razão de Platão não orientou o pensa­
m ento no m undo medieval porque ali novam ente os hom ens foram 
submetidos à autoridade de uma instituição que se arrogava o direito 
de legislar sobre a validade de qualquer reivindicação a conhecim en­
to. O platonismo, ou versões dele, ressurgem (na Renascença) ape­
nas quando aquelas condições dc submissão intelectual se alteram, 
dando novamente lugar ao homem comum para refletir sobre o m un­
do à sua volta e julgar o que tem valor como descrição desse mundo. 
No m om ento em que isso acontece, novam ente, não há espaços 
políticos de debate público genuíno. Cada um, agora, deve encontrar 
a verdade em si mesmo, ou com suas próprias faculdades.
A filosofia que se segue à inauguração do lundacionalism o m o­
derno, com D escartes e Bacon, não acom panha a crença ingênua na 
experiência purificada, ou na suficiência de uma intuição racionai. 
Mas certas categorias analíticas formuladas no século XVI1 repercu­
tirão am plam ente no pensam ento filosófico posterior. Os empíris- 
tas (especialm ente H um e - 171 1-1776) insistirão na noção de que 
toda ideia tem um a origem na experiência sensível, cujo produto é 
processado por um a m ente que dela produz cópias e as associa de 
modos que nos levam aos enunciados científicos. Kant (1724-1804) 
adm itirá a im possibilidade de a m ente representar a realidade dc 
modos independentes da experiência hum ana, mas isso para ele sig­
nifica que as condições de objetividade do conhecim ento residem no
linguagem é eivada de armadilhas, sortilégios e perigos. A multidão, maravilhada 
pela palavra de um orador, pode, em consequência, votar cegamente contra o 
interesse público. É por isso que os sofistas, que ensinam a arte de seduzir e de 
persuadir por meio das palavras, constituem um alvo permanente, para Platão” 
(Piettre, 1989, p. 23).
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próprio homem, em suas capacidades subjetivas universais e a priori, 
com as quais é afetado sensorialm ente pelo inundo e que conferem 
inteligibilidade aos objetos de sua experiência:
que a legislação suprema da natureza deve estar em nós mesmos, isto 
é, em nosso entendimento, c que não devemos buscar as leis gerais 
da natureza na própria natureza por meio da experiência, mas, ao 
contrário, devemos derivar a natureza, em sua regularidade universal, 
unicamente das condições dc possibilidade da experiência inerentes à 
nossa sensibilidade e ao nosso entendimento. ... O entendim ento não 
cria m m leis (a priori) a partir da natureza; mas as prescreve à mesma. 
(Kant, 1783/1980, p. 53)
Há m uitos refinam entos nos sistem as m encionados nesta seção 
e muitos desdobram entos de suas proposições sobre a natureza e o 
alcance do conhecim ento hum ano, ambos não discutidos em razão 
dos objetivos deste trabalho. Também m erece registro o fato de que 
em muitos outros sistemas do pensam ento m oderno a dimensão in­
terpessoal dos processos de construção c validação de enunciados 
sobre a realidade física e social são revalorizados. O individualismo 
epistem ológico será objeto de m uitas diferentes críticas, especial­
m ente ao longo do século XX, em diferentes vertentes do pensa­
m ento filosófico e político (cf. Bernstein, 1983), o que, porém, não 
repercutiu na Psicologia sob a forma de um abandono amplo das 
categorias de análise formuladas no pcnsamenLo do século XVII.
Por últim o, assim como a dicotom ia público-privado expressa 
principalm ente o que se passa no plano das relações interpessoais,a dicotom ia objetivo-subjetivo sintetiza os modos como o hom em 
passa a ver sua relação com a realidade enquanto objeto dc conhe­
cimento: uma relação baseada nas funções ou papéis de qualidades 
ou faculdades pessoais e que requer distanciam ento e autocontrole 
para que a real i/ação nesse domínio seja possível. O pensar, o re­
fletir e o julgar, fenômenos psicológicos abordados centralm ente na 
definição do mundo subjetivo nesse contcxto, constituem faculdades 
csscnciais do sujeito singular.
78 SUBJETIVIDADE E RELAÇÕES COMPORTAMENTAIS
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O físico e o mental
A ideia de que o hom em é constitu ído por um a substância física, 
corpórea, e outra imaterial, transcendental ou mental, não se origina 
com o pensam ento religioso cristão, embora tenha se propagado na 
cultura ocidental com a difusão de ideias religiosas a esse respeito 
ao longo da Idade Média.
O dualism o não c um dado originário do pensam ento mais antigo 
[judaico-cristãoj que, pelo contrário, tende a afirmar a unidade do real 
e do hom em em particular. Ele é fruto de formas mais elaboradas de 
conhecim ento, desenvolvidas sobretudo no âmbito da filosofia grega e 
penetrado posteriormente na teologia. (M assimi, 1986, p. 10)
M assim i (1986) argum enta que o monismo antropológico dos 
primeiros Padres da Igreja deu lugar ao dualismo a partir de uma 
assimilação das categorias filosóficas do pensam ento platônico na 
doutrina religiosa. Segundo Massimi,
as ideias de preem inência da alma c de sua autonomia do corpo, da 
imortalidade da alma e da identificação entre alma e vida, estão rela­
cionadas, nas suas origens, à investigação filosófica c à necessidade 
de fundamentar a objetividade do conhecim ento humano de seu ins­
trumento principal, a razão. E portanto no alvo da filosofia grega, e 
sobretudo do platonism o, que nasce a categoria de alma, enquanto 
substância, e a raiz do dualismo. De fato, o dualismo é um efeito ine­
vitável do surgir de uma nova forma de pensamento analítico e autor- 
reflexivo. E uma criação epistem ológiea, antes de ser uma afirmação 
ontológica. Todo o problema, a nosso ver, está na m edida cm que 
procura-se transformar uma dim ensão epistem ológiea em realidade 
ontológica, (p. 22)
Retomando as colocações anteriores accrca do contexto em que 
Platão desenvolve sua doutrina sobre a razão com o faculdade dc 
um a alma que preexiste ao nascim ento do hom em , é im portante 
observar que há um a motivação essencial para essa suposição: a 
desqualificação dos processos de interlocução com o meios pelos 
quais o hom em pode chegar a cnunciados verdadeiros. Se d im en­
sões interpessoais da existência hum ana não estão qualificadas para
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conduzir cada um a juízos seguros, tais juízos ou não são possíveis 
(a posição do cético), ou vêm dc outra fonte. N a filosofia cristã m e­
dieval, essa outra fonte era Deus, que de acordo com Sua vontade e 
decisão dava ao homem a chance de contem plar ideias verdadeiras. 
Km Platão, porém , essa outra fonte estava encerrada no próprio 
hom em que busca o conhecim ento.
Voltando-se ao homem singular como fonte do conhecim ento se­
guro, podem os alternativam ente atribuir à sua estru tura e funções 
corporais as capacidades cognoscitivas. No entanto, essa não será 
a opção platônica, visto que o dado disponível sobre o que o corpo 
informa sobre o mundo sugere que as percepções hum anas são res­
ponsáveis por grande parte dc nossos equívocos ao buscar represen­
tar a realidade; propiciam-nos, no máximo, opiniões. Há, portanto, 
em Platão, uma desqualificação tam bém do corpo. P iettre (1989) 
explica esse aspecto da doutrina platônica:
As ideias ou essências são percebidas unicamente pela inteligência, 
dispensando o recurso à experiência sensível, isto é, ao testemunho 
dos sentidos. Por outro lado, as opiniões, múltiplas e contraditórias, 
devem sua imprecisão e mobilidade ao testemunho dos sentidos sobre 
os quais elas se apoiam, (pp. 24-25)
Portanto, os sentidos constituem obstáculos ao conhecimento da ver­
dadeira realidade, Kles retêm a alma no estágio das opiniões parciais 
e precárias, fazendo com que se tome por verdadeiro o que nada mais 
ó do que a aparência fragmentária e fugitiva da verdadeira realidade.
(p. 25)
O que caracteriza principalmente as realidades inteligíveis ou as ideias 
é sua estabilidade, sua eternidade: seu ser. E o que caracteriza princi­
palmente as realidades sensíveis é sua mobilidade, seu aparecimento 
e desaparecimento, seu nascimento e sua morte, enfim, sua condição 
de vir a ser. (p. 26)
Segundo Ribes (2004), tam bém em A ristóteles encontram os o 
dualismo corpo-alma, porém não como substâncias independentes. 
Nessa visão, a religião cristã forjou o dualismo de substâncias, que 
alcançou sua formulação definitiva com Descartes.
80 SUBJETIVIDADE E RELAÇÕES COMPORTAMENTAIS
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Em contraposição ao argumento dc Arislóleles, de acordo com o qual 
a aima não cra um corpo, mas algo do corpo, a alma tornou-se uma 
substância separada. Na concepção aristotélica, a alma nào existia 
sem um corpo, mas a alma não cra cm si mesma um corpo. Ela sem ­
pre existia em um tipo particular de corpo. Na tradição judaico-cristã, 
a alma tornou-se uma entidade separada de qualquer corpo. A alma 
lornou-se o sujeito, no lugar de um predicado, e a ela foram atribuídas 
funções similares àquelas dos corpos: de ser uma substância, mover- 
se por si m esm a e ser afetada por outros corpos. Santo Agostinho e 
Santo Anselm o foram decisivos na formulação tínal de uma teoria da 
alma, que a convertia em uma entidade que governa e sofre, ao m es­
mo tempo, as ações de um universo restrito dc corpos: os corpos hu­
manos. Em seu Discurso do método .... de 1637, Descartes forneceu os 
argumentos racionais que formalizaram a divisão do hom em em duas 
substâncias, a alma (razão) e a matéria (o corpo). Essa divisão separou 
as ações humanas de seus raciocínios. O comportam ento tornou-se 
puramente a ação mecânica e a alma tornou-se uma m ente cognitiva. 
(Ribes, 2004, p. 56)
Se no aristotelismo a independência de duas substâncias, corpo e 
alma, não está assim formulada, o mesmo não pode ser dito do plato­
nismo, que claram ente postulava a preeminência da alma. E, de fato, 
Platão constituiu a principal referência filosófica para a doutrina de 
Santo Agostinho, na qual sc encontra a versão religiosa do dualismo 
de substâncias (cf. Jaeger, 1989).
Chega-se, assim, a um aspecto fundam ental do dualism o m eta­
físico. Ele está assentado não em um com prom isso inicial com a 
transcendência, mas em uma desqualificação dos processos inter- 
subjetivos (sociais) e sensoriais (individuais) como fonte segura de 
conhecim ento . Isto 6, uma vez que os processos dc interlocução 
podem promover a aceitação dc ideias falsas, e uma vez que n e ­
nhum a referência ao corpo hum ano será suficiente para explicar a 
identificação (ou reconhecimento, para Platão) de ideias verdadeiras, 
ao contrário, conduzem a opiniões provisórias e conflitantes, então 
torna-se logicam ente necessário supor a existência de um a dim en­
são hum ana, individual, não corpórea, imaterial, como a morada do
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pensam ento racional, com o qual se chega às ideias verdadeiras. O 
dualismo é, assim, uma consequência inevitável do individualismo 
associado à desqualificação do corpo.
O outro aspecto fundam ental dessa com prccnsão do dualism o é 
que a oposiçãocorpo-m ente tira dc evidência o passo anterior de 
desqualificar o plano das relações interpessoais como domínio das 
capacidades hum anas cognoscitivas. Com isso, pode-se pensar que 
o debate reside em saber se há apenas uma ou duas naturezas hum a­
nas. Sc o hom em é só corpo, ou corpo e alma, ou corpo c m ente. Se 
podem os explicar suas realizações referindo apenas o que se passa 
em seu corpo, ou sc precisam os supor a existência de uma m ente. 
Do ponto de vista da análise aqui desenvolvida, o essencial vem 
antes: se podem os ou não explicar as realizações hum anas como 
realizações dos hom ens nas relações uns com os outros; ou o que 
nos leva a abordar essas realizações não mais como realizações so­
ciais, mas como realizações pessoais/individuais. Se consideram os 
que se trata de realizações pessoais, o dualismo será praticam ente 
inevitável. Soluções reducionistas organicistas, como discursos que 
apoiados nas neurociências invocam para o cérebro as capacidades 
cognoscitivas, perm anecem no campo do individualismo, regulados 
por um desconhecim ento do que se passa no plano interpessoal 
como essencial para a definição dos fenômenos psicológicos. Aliás, 
se estiverem corretos, uma Psicologia deixa de ser neccssária.
Em favor da tese de que a categoria do mental está antes apoia­
da na desqualificação da interlocução e do corpo, convém observar 
que a definição do m undo mental é invariavelmente negativa. Isto e, 
quando se indaga sobre a m ente, o que sc obtem como resposta são 
rcfcrências ao que a m ente faz, suas capacidades. Por exemplo, “a 
m ente é a instância responsável pela cognição". Q uando sc insiste 
em saber o que é essa instância responsável pela cognição, o que se 
obtém ó um a descrição do que ela não é. Locke (1690/1978) pode 
aqui servir de exemplo sobre como tergiversar sobre o tema.
N ão me ocuparei agora com o exame íísico da mente; nem me inquie­
tarei em examinar no que consiste sua essência; nem por quais movi­
m entos de nossos espíritos, ou alterações de nossos corpos, chegamos
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a ter alguma sensação mediante nossos órgãos, ou quaisquer ideias 
em nossos entendimentos; c, se, cm sua formação, algumas daquelas 
ideias, ou todas, dependem ou não da matéria, {p. 140)
Talvez esse modo de apresentar o conceito de m ente revele uma 
distinção im portante em relação a Platão. A desqualificação do espa­
ço de interlocução se dá menos pelo reconhecim ento desse espaço 
e atribuição a ele dos vícios dos julgam entos hum anos, e mais pela 
dificuldade cm identificar as dim ensões intersubjetivas do pensa­
mento humano, possivelmente porque as relações nesse domínio são 
dem asiadam ente complexas para serem discernidas íacilm cntc, ou 
mesm o conccitualm ente formuladas com as categorias disponíveis 
inicialmente. Afinal, no mundo contem porâneo, não são em assem ­
bleias públicas que as reivindicações a conhecim ento e à verdade 
são confrontadas c deliberadas. Os processos por meio dos quais 
com unidades amplas participam da construção dc um enunciado e 
a eles conferem um valor de verdade envolvem muito mais etapas, 
atores e m ecanism os dc aferição das qualidades dos enunciados. 
Será mais fácil supor, sob essas condiçõcs, que os julgam entos sob 
os quais podemos apoiar nossa relação com o m undo em segurança 
(e com certeza) são obras dc m entes individuais.
O interno e o externo
A postulação dc uma noção dc interioridade também pode ser en ten­
dida à luz das variáveis culturais examinadas neste capítulo. Todavia, 
aqui com eçam os com um paradoxo: se é possível considerar ccrtas 
ocorrências hum anas como in ternas, é logicam ente difícil operar 
com a dicotom ia interno-externo, pois o que seriam dim ensões do 
indivíduo externas a ele? Ainda que concordem os que o pensar é 
interno, o que é externo? O andar, por exemplo?
As análises de Hlías (1939/1990b, 1987/1994) mais uma vez po­
dem lançar luz sobre a questão de modos muito im portantes. Elias 
(1939/1990b) argum enta que com o processo civilizador a concep­
ção de hom em que se torna dom inante é a do homo clausus, o ho­
m em fcchado em si mesmo:
CAPÍTULO 1 83
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A concepção de indivíduo como homo clausus, um pequeno mundo 
em si mesmo que, em última análise, existe inteiramente indepen­
dente do grande mundo externo, determina a imagem do homem em 
geral. Todo outro ser humano é igualmente visto como “homo clausus". 
Seu núcleo, seu ser, seu verdadeiro eu aparecem igualmente como 
algo nele que está separado por uma parede invisível dc tudo o que é 
externo, incluindo todos os demais seres humanos.
A natureza dessa parede em si, porém, quase nunca é examinada c 
nunca é devidamente explicada. Será o corpo o vaso que contém fe­
chado em si o ser verdadeiro? Será a pele a fronteira entre o '“interno” 
e o “externo”? O que, no homem, é a cápsula e o que é o conteúdo? A 
experiência do “interno” e do “externo” parecem tão autoevidentes que 
essas questões raramente são colocadas; aparentemente não reque­
rem exame ulterior. O indivíduo se satisfaz com a metáfora espacial de 
"interno” e “externo”, mas não faz nenhuma tentativa seria dc localizar 
o “interior” no espaço. (Elias, 1939/1990b, p. 238)
O que perm ite a Elias (1939/1990b) conferir alguma inteligibili­
dade à autoimagem do homo clausus e à experiência de interioridade 
são suas incursões na história dos costum es e na literatura da civi­
lidade. A partir dessas fontes, Klias cham a a atenção para o fato de 
que o padrão de com portam ento que passa a ser exigido nas relações 
interpessoais em sociedades complexas é tal que requer um treino 
de observação do próprio com portam ento e a vigilância perm anen­
te sobre os “impulsos em ocionais”. Em outras palavras, a civilidade 
requer autocontrole; a im pulsividade funciona contra o indivíduo. 
Em todas as sociedades, o controle da impulsividade é requerido, 
mas em sociedades mais simples o limite é dado externamente, são 
os outros que im pedem que o homem vá além do que é socialmente 
tolerável. Nas sociedades mais complexas, o controle deve ser exer­
cido pelo próprio indivíduo. A coação externa funciona para treinar 
o indivíduo a observar a si m esm o e a agir de modos contidos.
A transformação de compulsão externa interpessoal em compulsão in­
terna individual, que agora continua a aumentar, leva a uma situação 
em que muitos impulsos afetivos não podem ser mais vivenciados tão
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espontaneamente como antes. Os autocontroles individuais autôno­
mos criados dessa maneira na vida social, tais como o “pensamento 
racional'’ c a “consciência moral ”, nesse momento se interpõem mais 
severamente do que nunca entre os impulsos espontâneos e emocio­
nais, por um lado, e os músculos do esqueleto, por outro, impedindo 
mais eficazmente os primeiros de comandar os segundos (isto é, dc 
pô-los em ação) sem a permissão desses mecanismos de controle. 
(Filias, 1939/1990b, pp. 245-246)
As práticas de autocontrole socialm ente produzidas voltam-se, 
portanto, às reações emocionais, que representariam padrões mais 
espontâneos de ação. São essas práticas que garantirão um padrão 
representacional de com portam ento social, o cum prim ento de p a ­
péis, ou o com portam ento esperado e previsto pela sociedade e do 
qual a sociedade depende para evitar que os conflitos se resolvam 
pela imposição da vontade particular de alguns. Elias (1939/1990b) 
avança um pouco na interpretação das razões pelas quais essa expe­
riênciade autocontrole favorece uma noção de interioridade:
Chegamos assim um pouco mais perto do centro da estrutura da per­
sonalidade individual subjacente à experiência de si mesmo do homo 
clausus. Se perguntamos ... o que realmente deu origem a esse con­
ceito de indivíduo como encapsulado “dentro” de si mesmo, separado 
de tudo o que existe fora dele, e o que a cápsula e o encapsulado 
realmente significam em termos humanos, podemos agora ver a di­
reção em que deve ser procurada a resposta. O controle mais firme, 
mais geral e uniforme das emoções, característico dessa mudança ci- 
vilizadora, juntamente com o aumento de compulsões internas que 
mais implacavelmente do que antes impedem que todos os impulsos 
espontâneos se manifestem direta e motoramente em ação, sem a 
intervenção de mecanismos de controle - são o que é experimentado 
como a cápsula, a parede invisível que separa o “‘mundo interno” do 
indivíduo do “mundo externo ”, ou, em diferentes versões, o sujeito de 
cognição de seu objeto, o “ego” do outro, o “indivíduo” da “sociedade”.
O que está encapsulado são os impulsos instintivos e emocionais, 
aos quais é negado acesso direto ao aparelho motor. Eles surgem na 
autopercepção como o que é ocultado de todos os demais, e, não
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raro, com o o verdadeiro ser, o núcleo da individualidade. A expressão 
“o hom em interior” é uma metáfora conveniente, mas que induz em 
erro. (Elias, 1939/1990b, pp. 246-247)
A noção de interioridade seria, assim, produzida quando o indiví­
duo experim enta um a espécie de “contenção” das em oções, im pe­
dindo que se m anifestem por seu aparelho motor. Podemos, porém, 
formular isso de outro modo: o indivíduo aprende (a) a não respon­
der em ocionalm ente em certas condições sociais ou a responder de 
modos concorrentes ou incompatíveis com uma resposta emocional 
com alguma probabilidade de ser em itida (por exemplo, aprende a 
sorrir e dizer “Sim, senhor” quando um superior diz que sua opinião 
está errada, no lugar de dizer-lhe impropérios) e/ou aprende (b) a 
responder em ocionalm ente com reduzida participação do aparelho 
m otor (por exemplo, aprende a m anifestar sua satisfação com um 
sorriso discreto, ou seu m edo de um inseto saindo vagarosamente 
do am biente). Como para isso o indivíduo precisa observar o próprio 
corpo, aprender quando respostas motoras são evocadas como parte 
de uma em oção, e adestrar-se para evitar ou reduzir esse com po­
nente motor, parece-lhe apropriada a metáfora de algo contido em 
si mesmo (como se esse “eu '1 fosse apenas um receptáculo - a peie, 
talvez, como limite - e não incluísse tudo nele contido). Trata-se, 
porém , de uma metáfora, e disso é bom não esquecer. Afinal, é o 
indivíduo como um todo que “sente felicidade”, “fica apavorado”, c 
não uma parte sua que possa abrigar outros conteúdos.
Há boa razão para dizer que o cérebro humano se localiza dentro do 
crânio e o coração dentro da caixa torácica. N estes casos, podem os 
distinguir claram ente o con tin en te do conteúdo, o que se locali/a 
dentro de paredes e o que fica fora, e em que consistem as paredes 
divisórias. M as se as m esm as figuras de retórica forem aplicadas a 
estruturas de personalidade, cias se tornam impróprias. A relação 
entre controle de instintos e im pulsos instintivos, para m encionar 
apenas um exemplo, não é uma relação espacial. O primeiro não tem 
a forma de um vaso que contenha o segundo. I I á escolas de pensa­
m ento que consideram os m ecanism os de controle, a consciência 
o li razão, com o mais im portantes, e h á outras que atribuem maior
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importância aos im pulsos instintivos ou em ocionais. M as se não e s ­
tamos dispostos a discutir sobre valores, se limitamos nossos esfor­
ços à investigação do que existe, descobrim os que não há aspecto 
estrutural no hom em que justifique chamar uma coisa de núcleo do 
hom em , e outra de casca. Rigorosamente falando, todo com plexo de 
tensões, tais com o sentim entos e pensam entos, ou com portam ento 
espontâneo e controlado, consiste de atividades humanas. Se em vez 
dos habituais conceitos-subslancia , com o “sen tim en tos” e “razão”, 
usarmos con ceitos de atividade, fica mais fácil com preender que, 
embora a im agem de “externo” e “interno”, de casca de um recep ­
táculo contendo algo dentro, seja aplicável a aspectos físicos do ser 
humano, ela não pode ser aplicada à estrutura da personalidade, ao 
ser humano vivo com o um todo. N este nível, nada há que lembre um 
continente - nada que possa justificar metáforas como a que fala do 
“interno” de um ser humano. A intuição da existência de uma parede, 
de alguma coisa “dentro” do hom em separando-o do m undo “exter- 
no”, por mais genuína que possa ser com o intuição, não corresponde 
a nenhum a coisa no hom em que tenha o caráter dc uma real parede.
{Elias, 1939/1990b, p. 247)
A análise de Elias (1939/1990b), ao m esm o tem po em que con- 
fere inteligibilidade à noção do homo clausus, sugere as co n tin ­
gências sociais que explicam por que alguém estará inclinado a 
adm itir que suas em oções e sentim entos são ocorrências internas, 
c a m esm a análise que revela a inadequação da m etáfora enquanto 
descrição de fatos (psicológicos) reais. E as vinculações dessa m e­
táfora com a noção de indivíduo instituída ao longo da Renascença 
são tam bém assinaladas:
a modificação nos estilos de vida social impôs uma crescente restri- 
ção aos sentim entos, uma necessidade maior de observar e pensar 
antes dc agir, tanto com respeito aos objetos físicos quanto em relação 
aos seres humanos. Isso deu mais valor c ênfase à consciência de si 
rnesmo com o um indivíduo desligado de iodas as outras pessoas e 
coisas. O desprendim ento no ato de observar os outros e se observar 
consolidou-se numa atitude perm anente e, assim cristalizado, gerou 
no observador uma ideia de si com o um ser desprendido, desliga-
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do, que existia independentem ente dc todos os dem ais. Esse ato de 
desprendimento ao observar c pensar condensou-se na ideia de um des­
prendim ento universal do indivíduo; e a função da experiência, do 
pensar c observar, passível de ser percebida de um nível superior dc au­
toconsciência como uma função da totalidade do ser humano, apresen­
tou-se pela primeira vez, sob a forma reificada, como um com ponente 
do ser humano sem elhante ao coração, ao estôm ago ou ao cérebro, 
uma espécie de substância insubstancial no ser humano, enquanto o 
ato de pensar se condensou na ideia de uma “inteligência”, uma “razão” 
ou, no linguajar antiquado, um 'espírito”. (Elias, 1987/1994, p. 91)
A ideia de indivíduos decidindo, agindo, e "existindo” com absoluta 
independência um do outro é um produto artificial do hom em , ca ­
racterístico dc um dado estágio do desenvolvim ento de sua autoper- 
cepção. D ep en d e parcialm ente de uma confusão de ideais e fatos 
e, até certo ponto, da materialização de m ecanism os de autocontro­
le individuais — da separação dos im pulsos em ocionais individuais 
frente ao aparelho motor, do controle direto sobre os m ovim entos 
corporais e as ações.
Esta autopcrcepção em termos do próprio isolamento, da parede invi­
sível que separa o ser “interior” de todas as pessoas e coisas 'externas", 
tem para grande número de pessoas na era moderna a mesma força 
imediata que a convicção de que o Sol girava em torno dc uma Terra 
situada no centro do cosmos possuía na idade Media. Tal como antes a 
visão geocêntrica do universofísico, a imagem egocêntrica do universo 
social certamente poderá ser vencida por uma visão mais realista, em ­
bora em ocionalm ente m enos atraente. (Elias, 1939/1990b, p. 248)
A abordagem de Elias (1939/1990b) possibilita tam bém com ­
preender por que certas vertentes da Psicologia com o profissão de 
ajuda se ocuparão dos efeitos somáticos desse novo padrão de rela­
cionamento interpessoal em seus aspectos “psicológicos” de evitação 
de ativação do aparelho motor. As “Psicologias Corporais” cncontram 
lugar na cultura como resposta a essa dimensão dos problemas psi­
cológicos, o que parece confirm ar ao leigo que sua problem ática 
psicológica é de fato relativa a um mundo interno e, como tal, relati-
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va à sua individualidade ou singularidade2 . Em uma direção oposta, 
Elias sugere que a noção de homo clausus seja substituída por uma 
concepção de hom em como parte perm anente de redes de interde­
pendência com outros homens e mulheres.
A imagem do hom em com o “personalidade fechada” é substituída 
aqui pela de “personalidade aberta”, que possui um maior ou menor 
grau (mas nunca absoluto ou total) de autonom ia face a de outras 
pessoas e que, na realidade, durante toda a vida é fundam entalm en­
te orientada para outras pessoas e dependente delas. A rede de inter- 
dependências entre os seres hum anos é o que os liga. Elas formam 
o nexo do que é aqui chamado configuração, ou seja, uma estrutura 
de pessoas m utuam ente orientadas e dependentes. Uma vez que as 
pessoas são mais ou m enos d ependentes entre si, in icialm ente por 
ação da natureza e m ais tarde através da aprendizagem social, da 
educação , sociali7.ação e n ecessid ad es recíprocas socia lm en te g e ­
radas, elas existem , poderíam os nos arriscar a dizer, apenas com o 
pluralidades, apenas com o configurações. Este o motivo por que ... 
não é particularm ente frutífero con ceb er os hom ens à im agem do 
hom em individual. M uito m ais apropriado será conjeturar a im a­
gem de num erosas pessoas interdependentes formando configura­
ções (isto é, grupos ou sociedades de tipos diferentes) entre si. Vista 
deste ponlo de vista básico, desaparece a cisão na visão tradicional 
do hom em . O conceito de configuração foi introduzido exatam ente 
porque expressa mais clara e inequivocam ente o que cham am os de 
“socied ad e” que os atuais instrum entos conceituais da Sociologia, 
não sendo nem uma abstração de atributos de indivíduos que exis­
tem sem sociedade, nem um “sistem a” ou “totalidade” para além 
dos indivíduos, mas a rede de interdependências por eles formada. 
(Elias, 193971990b, p. 249)
27 A relação da noção tlc interioridade com o controle da impulsividade pro­
vavelmente explica por que tendemos a reservar a categoria de “interno” para 
sentimentos e emoções, enquanto mais provavelmente referimos o pensamento 
ou a reflexão como “mentais”.
C A P ÍTU L01 89
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A noção de interno, assim, la/, tão pouco sentido enquanto ca te­
goria analítica para a abordagem dos fenôm enos psicológicos quan­
to as categorias de “privado”, “subjetivo” ou "m ental”. Uma ciência 
do com portam ento que busque prover um enfoque relacional para 
aqueles fenôm enos terá como desafio elaborar a crítica dessas re ­
ferências. Todavia, as inform ações aqui discutidas m ostram clara­
m ente que a caracterização de emoções, sentimentos e pensam entos 
como privados, internos, subjetivos ou m entais não decorre de um 
desconhecim ento, de uma preferência, ou de um compromisso ideo­
lógico, mas de complexas determ inações sociais, históricas e cu ltu ­
rais. E necessário olhar com atençao para essas determ inações, se o 
objetivo for identificar com maior clareza o que podem ser caminhos 
consistentes para a interpretação c investigação dos problemas reser­
vados por essa mesma cultura a uma disciplina psicológica.
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CAPÍTULO 2
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Dimensões da Abordagem 
Analítico-Comportamental para 
o Problema da Subjetividade
A análise desenvolvida no C apítulo 1 indica que há boas razões 
histórico-sociais para pensarmos que sentim entos, em oções e pen- 
samenLos são ocorrências do ou no indivíduo. Há tam bém fatores 
relativos à constituição hum ana que favorcccm aquela visão. Como 
todo fenôm eno hum ano é sem pre um fenôm eno que envolve o or­
ganismo hum ano, há sempre a possibilidade de nos referirmos a d i­
mensões orgânicas como evidência da interioridade dos sentim entos 
c pensam entos. Uma vez tendo aprendido a observar o próprio corpo 
de modos particulares28, qualquer um será capaz de relatar a certeza 
de interioridade de seus sentim entos. Se, alem disso, não puder ver 
com clareza como se liga aos outros hom ens e m ulheres como parte 
dessa experiência, estarão dadas as condições fundam entais para 
que a noção de interioridade seja bastante persuasiva.
Ao contrapor ao individualismo e ao subjelivismo modernos uma 
interpretação com portam ental para a subjetividade, assinalando o 
caráter relacionai de pensam entos e sentim entos hum anos, este tra- 
balho seguirá um percurso dividido em duas etapas. N este capítulo, 
serão discutidas algumas dim ensões de uma interpretação com por­
tam ental para aqueles fenômenos e seus possíveis desdobram entos 
na análise das dicotomias psicológicas clássicas. No Capítulo 3, se­
rão exam inadas as possíveis articulações dessa interpretação com
28 A observação rotineira do próprio corpo não emergiu como prática apenas no 
mundo ocidental moderno. Nas culturas orientais, práticas semelhantes foram 
desenvolvidas, embora com certas variações e outras funções na vida cotidiana. 
A primeira visLa, nas culturas orientais a observação do próprio corpo e mesmo 
exercícios de autocontrole são praticados visando a uma espécie de equilíbrio 
corporal que se relaciona a uma concepção de transcendência; em outros con­
textos, são um requisito para a reprodução da hierarquia social. Hm qualquer dos 
casos, trata-se de uma experiência bem diversa daquela descrita no Capítulo 1.
CAPÍTULO 2 95
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uma análise dos temas ressaltados no Capítulo 1 como centrais no 
processo de construção da noção de indivíduo (singularidade, auto- 
nomia e autocontrole do indivíduo).
Algumas palavras iniciais acerca da perspectiva comportamental de 
abordagem para os tem as da Psicologia sao necessárias, com o fim 
de dem arcar o universo filosófico e conceituai com o qual trabalha­
remos. A Psicologia C om portam ental foi inaugurada com o m ani­
festo de W atson (191 3/1994) no início do século XX, um a iniciativa 
que buscava conferir à disciplina o mesmo estatuto de cientificida- 
de então desfrutado pelas ciências naturais. A proposta de W atson 
assentava-sc especialm ente na postulação do comportamento como 
objeto de estudos e a observação e a experimentação como métodos. 
Desde então, diferentes versões dessa abordagem foram formuladas, 
vários sistem as explicativosforam desenvolvidos, definidos com o 
behavioristas basicam ente porque elegem o com portam ento como 
objeto. A diversidade e m esm o o conflito entre fundam entos (filo­
sóficos e metodológicos) e proposições encontradas nesses diferen- 
Les sistem as torna necessário explicitar adicionalm ente a referência 
teórico-m etodológica com a qual se está trabalhando, quando se 
pretende falar acerca do ponto de vista com portam ental com respei­
to a algum conjunto de problem as examinados pela Psicologia.
N o p resen te trabalho, a análise do comportamento constitu í a 
referência básica para a d iscussão da p roblem ática da subjetivi­
dade. Em bora em sua origem fortem ente inspirada pelo trabalho 
de W atson, a análise do com portam ento constitu i urna abordagem 
mais identificada com o programa de pesquisas e a produção in­
telectual dc B. F. Skinner (1904-1990) c seus colaboradores. Será 
com os instrum entos conceituais c o conhecim ento empírico acu ­
m ulados pelos analistas do com portam ento que as questões rela­
tivas à subjetividade serão predom inantem ente discutidas neste e 
no próximo capítulo.
Ao referir a análise do com portam ento, estam os considerando o 
sistem a amplo de conhecim ento e de práticas profissionais desen­
volvidos a partir da obra de Skinner e seguidores. Isso inclui o que
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tem sido designado como behaviorisnio radical — ou contextualista29 
(a vertente reflexiva e filosófica da análise do com portam ento), a 
análise experimental do comportamento (a investigação científica de 
processos comporLamentaís básicos), a análise do coynportamento 
aplicada (a investigação aplicada dos princípios com portam cntais) 
e as práticas profissionais de analistas do comportamento. O sistema 
analítico-com portam ental é, assim, entendido como esse conjunto 
de produções, que são interdependentes. Pode, tam bém , ser pensa­
do como conjuntos de produções que variam, aproximando-se mais 
ou menos de um a daquelas direções. Esse modo de caracterização 
tem prevalecido, nos últim os anos, na explicitação da natureza e 
alcance da análise do com portam ento (cf. Hawkins & Anderson, 
2002; M oore & Cooper, 2003; Tourinho, 2003)JÜ. N a síntese de 
Hawkins e Anderson (2002),
podem os .. . identificar pelo m enos quatro papéis que um analista do 
comportamento pode desempenhar: analista conceituai do comporta­
mento, analista básico do comportamento, analista aplicado do com ­
portamento e praticante analítico-comportamental. Qualquer analista 
do comportamento pode sc engajar em qualquer um (ou mais) desses 
papéis em diferentes momentos e poucos analistas do comportamento 
se engajam em todos. Talvez mais importante do que isso, ... cada um 
desses quatro papéis é uma parte extremamente valiosa da análise do 
comportamento e cada um m erece respeito total e igual. (p. 119)
29 Skinner (e.g., 1963/1969) refere-se ao componente filosófico de seu sistema 
explicativo como hehaviorismo radical. O termo é considerado inadequado por 
alguns autores (e.g., Drasb, 1988; S. C. Hayes 8c L. J. Hayes, 1992). A alter- 
nativa mais frequentemente referida na literatura analítico-comportamental é 
“behaviorisnio contextualista" (cf. S. C. Hayes & L. J. Hayes), sugerido por ra­
zões de coerência epistemológica. No entanto, prevalece ainda entre os analistas 
do comportamento a designação “behavíorismo radical”.
30 Esse tipo de caracterização da análise do comportamento reflete de modo 
amplo a tentativa em edificar-se como resposta ao conjunto variado de problemas 
reservados pela cultura à disciplina psicológica (cf. Tourinho, 2003).
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O compor lamento dos organismos é assumido como objeto de es­
tudos da análise do com portam ento. No entanto, desde a primeira 
incursão skinneriana no conceito dc reflexo (Skinner, 1931/1961), 
por com portam ento entende-se a relação do organismo com mundo 
à sua volta.
A análise do comportam ento pretende ocupar o lugar da Psicologia 
porque entende que fenôm enos psicológicos são fenôm enos compor- 
tam entais. O conceito de comportam ento, porem, é empregado por 
analistas do com portam ento para abordar relações. Ele não designa 
o que um organismo faz, mas uma relação entre um organismo e o 
m undo à sua volta. Por essa razão, às vezes prefere-se falar de rela­
ções comportam entais. Assim , a proposta é a de interpretar os fenô­
m enos psicológicos com o fenôm enos relacionais, em outras palavras, 
fenôm enos que dizem respeito às relações dos organismos com o seu 
ambiente físico e social (especialm ente o ambiente social, no caso do 
comportamento humano). (Tourínho, 2003, p. 37)3'
Relações comportamentais constituem , portanto, o objeto de es­
tudos da análise do com portam ento. Os term os dessas relações 
(respostas e estímulos) definem-se m utuam ente, não existem inde­
penden tem ente . Em um Lrecho dc sua discussão sobre o caráter 
contextualista da concepção analítico-com portam ental dos fenôm e­
nos psicológicos, Morris (1988) assinala esse ponto afirmando que, 
“na visão analítico-com portam ental, o am biente com portam ental 
(psicológico) desenvolve-se em interação m útua, recíproca, com o 
organismo com portam ental (psicológico)’' (p. 302).
E im portante, tam bém , registrar que m uito do que será aqui de­
senvolvido usufrui da interlocução com outra escola do pensam ento 
com portam ental na Psicologia, o interbehaviorismo, sustentado es­
pecialm ente na obra de J. R. Kantor (1888-1984). Essa interlocução
31 Essa perspectiva relacional implicará conferir menor importância à topografia 
comportamental, no que a análise do comportamento distancia-se do fisicalisnio 
encontrado em outras vertentes da Psicologia Comportamental (cf. L. D. Smith, 
1989).
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é possível em razão do fato de que a análise do com portam ento e 
interbchaviorism o com partilham m uitos pontos de vista (filosófi­
cos e teóricos) sobre as feições que a Psicologia deve assum ir como 
ciência do comportamento. Uma expressiva literatura tem assinalado 
a com patibilidade e mesmo a possível com plem entaridade entre os 
dois sistemas (e.g., Fuller, 1973; Marr, 1984; Moore, 1987; Morris, 
1984; M orris, Higgins & IJickel, 1982; Tourinho, 2004)í2, em bo­
ra ainda sejam restritas as iniciativas na direção de uma integração 
maior da produção nos dois domínios-” . O trabalho de Kantor c es­
pecialm ente im portante para dirigir a atenção do analista do com ­
portam ento para as implicações de um a com preensão do responder 
do organismo como o responder do organismo como um todoi4, para 
as implicações da distinção entre objeto estímulo c função de estí­
mulo, topografia de resposta e função de resposta. As contribuições 
de Kantor são tam bém notáveis na discussão de temas relacionados 
à subjetividade, em particular sua rejeição da dicotomia interno-ex- 
terno e sua abordagem da observabilidade enquanto dimensão inter­
pessoal dos fenôm enos psicológicos (cf. Iburinho, 2004).
Por último, cum pre ressaltar que se Skinner constitui a principal 
referência para o exame que se segue sobre a tem ática da subjeti­
vidade, não se pode dizer que as proposições aqui contidas são, em 
sua totalidade, skinnerianas. Elas são em grande m edida fundam en­
32 Morris (1984), por exemplo, assinala que "a psicologia intercomportamental e 
bastante explícita e sofisticada acerca de supostos metateóricos. Estes precisam 
ser integrados com as contribuições empíricas e conceituais do behaviorismo ra­dical, para aumentar a aceitabilidade de uma ciência natural do comportamento' 
(p. 202). Há, de outro lado, notáveis divergências entre os dois sistemas (cf. f,. 
J. Hayes, 1994; Kantor, 1970; Morris, 1984).
33 No período de 1945 a 1947, Skinner foi docente do Departamento de 
Psicologia na Indiana University, a convite de Kantor. Os frutos da convivência 
dos dois ainda estão por ser adequadamente apreciados (cf. Fuller, 1973).
34 Sobre esse aspecto, L. J. Hayes (1994), discutindo as contribuições de 
Kantor, ressalta: “Não são os olhos que veem, os ouvidos que ouvem, as pernas 
que caminham, ou o cérebro que pensa — é o organismo como um Lodo que se 
engaja nesses atos” (p. 151).
CAPÍTULO 2 99
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tadas ou inspiradas nos escritos de Skinner e de outros analistas do 
com portam ento (assim como de intcrbchavioristas), mas pretendem 
introduzir uma perspectiva original de análise a esse corpo dc co­
nhecim ento, compatível com princípios analítico-com portam entais. 
Trata-se, assim, de um a abordagem diferente de outros estudos que 
se ocuparam essencialm ente de reconstru ir o pensam ento skin- 
ncriano (e.g., M oore, 1981), ou de nele identificar certos lim ites 
(e.g., Tourinho, 1995). Tam bém deve ser notado que o tema pode 
ser tratado a partir de uma variedade dc aspectos, alguns deles de­
senvolvidos em estudos anteriores (Tourinho, 1994a, 1994b, 1995, 
1997a, 1997b, 1997c, 1999a, 1999b, 2004, 2006; Tourinho, Teixeira 
& M aciel, 2000). Na presente discussão, serão focalizadas apenas 
algumas dim ensões da abordagem analítico-com poriam ental para a 
subjetividade (eventualm ente articulando colocações pontuais de 
trabalhos anteriores), que possibilitam retom ar o problem a das d i­
cotomias psicológicas clássicas e a elas contrapor um a perspectiva 
relaciona] de análise.
A Noção de Eventos Privados
A abordagem que Skinner provê para a temática da subjetividade se­
gue dois cursos, a princípio com plem entares, mas que em um senti­
do particular, a ser discutido adiante, tornam -se conflitantes: de um 
lado, o reconhecim ento de que há uma particularidade a ser levada 
cm conta quando se d iscutem esses fenôm enos: o caráter privado 
de certos estím ulos e certas respostas, o que os torna inacessíveis 
a uma observação pública direta; de outro lado, um a discussão das 
implicações do caráter funcional do com portam ento verbal para a 
análise da linguagem da experiência privada. Esses dois temas serão 
discutidos a seguir, buscando-se caracterizar o alcance das proposi­
ções skinnerianas.
S k inner (e.g., 1945, 1953 /1965 , 1963 /1969 , 1938/1991, 
1974/1993) enfatiza em sua discussão sobre os “termos psicológicos’' 
o equívoco da suposição de existência de um m undo mental. Grande 
parte de sua argum entação ocupa-se da rejeição dessa categoria, 
considerando-se que (a) inexistem evidencias desse m undo e (b) a
KX) SUeJ£TIVH)AD£ E RELAÇÕES COMPORTAMCNTAIS
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postulação de sua existência não aum enta a capacidade de previsão 
e controle do fenômeno comportamental; ao contrário, desvia a aten­
ção do pesquisador das variáveis relevantes. A oposição sistemática 
ao conceito de m ente tem possibilitado uma visão de acordo com a 
qual behaviorismo e m entalism o constituem em essência projetos 
concorrentes na Psicologia do século XX (cf. Uttal, 2000), o que 
constitui um a caracterização parcialm ente correta (considerando-se 
a diversidade de behaviorismos e as críticas de algumas dessas ver­
tentes ao mentalismo). Todavia, em Skinner, o antim entalismo cons­
titui apenas um aspecto de uma proposição mais ampla de recusar 
explicações do com portam ento do organismo que apelam a ocorrên­
cias do próprio organismo. Para além do mentalismo, encontra-se em 
Skinner uma crítica a toda sorte de explicação internalista, aí incluí­
das as explicações que apelam à (neuro)fisiologia do com portam ento 
(cf. Tourinho, 1999a). Km O comportamento dos organismos, Skinner 
(1938/1991) já afirmava:
Eu já m encionei (no Capítulo Um) a visão primitiva e ainda não to ­
talmente vencida de que os fenôm enos do comportamento são essen ­
cialm ente caóticos, mas que eles podem ser reduzidos a um tipo de 
ordem através da demonstração de que eles dependem de um sistema 
determ inante fundam entalm ente interno. Essa é a visão que muito 
naturalmente apresenta a si mesma como uma alternativa materialista 
às concepções psíquicas ou mentalistas do comportamento. O tipo de 
hom únculo neural que e postulado com o a força controladora carrega 
urna inequívoca sem elhança com o hom únculo espiritual ou mental 
dos velhos sistem as, e suas funções da mesma forma introduzem um 
tipo de ordem hipotética ao mundo desordenado. (Skinner, p. 418)
Em textos posteriores (e.g., Skinner, 1953/1965, 1990 - cf. 
Tourinho, 1999a), reaparece o tem a das causas neurais ou fisioló­
gicas como explicações que tam bém interditam o projeto de uma 
ciência do com portam ento^. O antim entalism o, portanto, não sin-
35 Trata-se, nesse caso, de um tipo de crítica antecipado e largamente desenvol­
vido por Kantor (1922, 1923, 1947) desde a década de 1920.
CAPÍTULO 2 101
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tctiza in teiram ente (ou corretam ente) o tipo de causalidade a que 
Skinner se opõe36.
Em bora dotados de um a m esm a natureza física, certos eventos 
que são constitutivos do objeto da Psicologia, estím ulos c respos­
tas, diferenciam -se por um a inacessibilidade à observação pública 
direta; são, então, designados de eventos privados: “um evento priva­
do pode distinguir-se por sua acessibilidade limitada, mas até onde 
sabemos não por qualquer estrutura ou natureza especial’’ (Skinner, 
1953/1965, p. 257). A categoria de eventos privados inclui, assim, 
estím ulos gerados pelo próprio corpo do indivíduo, que o afetam 
de m odos únicos, e respostas em itidas “em escala tão reduzida’’ 
(Skinner, 1953/1965, p. 263) que não podem ser observadas pelos 
outros. Em princípio, essa proposição significará que o que d ife­
rencia o pensar*7 é o lato de se tratar de um a resposta encoberta, 
e o que diferencia um sentim ento de felicidade é o fato de que o 
indivíduo pode estar respondendo a um a estim ulação privada. Esse, 
porém, é apenas um ponto de partida do que pode vir a scr uma ex­
plicação com portamental ampla para a problemática de sentimentos 
e pensam entos.
Em um trabalho recente (Tourinho, 2006), observamos que a base 
dessa inobservabilidade de certos estímulos e respostas, isto é, o que 
torna certos estímulos e certas respostas inobserváveis, não chega a 
m erecer um a apreciação detalhada na obra de Skinner. D entre os 
dem ais analistas do com portam ento, isso leva a um debate incon- 
cluso sobre o assunto. Em linhas gerais, a questão que se coloca 
é: podem os tratar como estím ulos privados quaisquer eventos (e.g.,
36 A este respeito, ver a extensa análise de Carvalho Neto (2001) acerca do 
antimentalismo no pensamento skinneriano,
37 Skinner preferirá sempre falar do '‘pensar” (thinking) como resposta, no lugar 
de falar de “pensamento” (thought) como conteúdo ou posse individual, 'lermos 
equivalentes serão usados para outros fenômenos (sonhar no lugar de sonhos, 
lembrar no lugar de memória, alucinar no lugar de alucinação etc.). Sobre o caso 
específico do pensar, Andery e Sério (2003) proveem uma análise mais detalha­
da. Uma interpretação para o sonhar baseada em Skinner é apresentada por F. 
M. Silva (2000).
102 SUBJETIVIDADE E RELAÇÕES COM PORTA MENTA IS
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acontecim entos passados) com função dc estímulos, inacessíveis à 
observação pública direta, e como respostas encobertas quaisquer 
respostas (e.g., votar sccrctam cnte) igualm ente inacessíveis à ob­
servação pública direta? Se respondem os afirm ativam ente, deixa­
mos de explicitar por que a cultura considera o pensar uma resposta 
qualitativam ente diferente do andar, ou do votar secretam ente, que 
não pode ser observado porque há uma barreira física. Deixamos de 
responder por que o individuo em nossa cultura considera “sentir fe­
licidade” (responder ao estímulo privado constitutivo da “felicidade”) 
algo pessoal, único e especialm ente im portante, mas não considera 
o relatar seu dia anterior como um fenôm eno com as m esmas pro­
priedades. E im portante lembrar que Skinner introduz o conceito de 
eventos privados em um texto (Skinner, 1945) dedicado a discutir 
os “termos psicológicos”. Trabalhar com uma interpretação genérica 
para o conceito de “eventos privados” não parece a m elhor solução 
sim plesm ente porque com isso continuaríam os devendo uma expli­
cação à especificidade dos fenôm enos considerados “subjetivos”.
Se respondem os negativam ente à interpretação genérica para o 
conceito de eventos privados, precisam os ainda esclarecer o que 
confere a respostas e estím ulos um tip o específico de inobserva- 
bilídade. Esse tipo de especificação é possível a partir de algumas 
proposições de Skinner e de Kantor.
Com respeito aos estím ulos privados, a análise de Skinner (e.g., 
1974/1993) inicia-se com o reconhecim ento de que existe um tipo 
de introspecção, um a espécie dc observação pelo indivíduo do que 
acontece com sua “interioridade”. No entanto, o que é observado é 
sim plesm ente o próprio corpo, não um mundo imaterial qualquer. 
Esse argumento, por um lado, afasta novamente o dualismo mente- 
corpo; por outro, conduz a uma identificação problem ática do m un­
do privado com um mundo interno:
Uma pequena parte do universo está contida dentro [sic] da pele de 
cada um de nós. Não há nenhuma razão para que ela tenha um status 
físico especial cm virtude de se situar nesses limites e nós eventual­
mente teremos uma explicação completa dela [fornecida] pela anato- 
mia e pela fisiologia. (Skinner, 1974/1993, p. 24)
CAPÍTULO 2 103
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Sem entrar na discussão da inconsistência encontrada na defini­
ção do privado como interno, já abordada em outros trabalhos (e.g., 
Tourinho, 1997a)^8, o importante a salientar é que o mundo privado diz 
respeito à estimulação gerada pelo próprio corpo. Skinner (1974/1993) 
explicita esse ponto de vista destacando que chamamos de privados 
aqueles estímulos gerados pelo próprio corpo e que não podem afetar 
outras pessoas do mesmo modo como afetam o próprio indivíduo. Ou 
seja, estímulos privados corresponderiam a estímulos interoceptivos e 
proprioceptivos. Estímulos exteroceptivos (e.g., visuais) gerados pelo 
próprio corpo não cairiam na mesma categoria, uma vez que podem 
afetar os outros do mesmo modo como afetam o próprio indivíduo. A 
título de exemplo, considcrcm-sc duas condições que podem contro­
lar uma resposta (auto)descritiva de sentir-se envergonhado, ambas 
provocadas pela alteração na circulação sanguínea na face: a alteração 
da tem peratura da face c a alteração na cor da face. Ambos podem 
constituir estímulos (se adquirirem essa íunção) gerados pelo corpo 
do indivíduo, o aquecim ento da face um estím ulo interoceptivo, a 
ruborização um estímulo exteroceptivo. O que Skinner salienta e que 
aquela alteração corporal poderá afetar outros sob a forma de esti­
mulação exteroceptiva, mas nunca como estim ulação interoceptiva. 
Qualquer um poderá emitir a resposta verbal “vergonha” sob controle 
da ruborização da face do indivíduo (estímulo exteroceptivo gerado 
pelo corpo do indivíduo “envergonhado ”), mas apenas o próprio indi­
víduo poderá emitir a mesma resposta sob controle da estimulação na 
tem peratura (estímulo interoceptivo)í9. A lorma de contato constitui, 
portanto, uma característica essencial da estimulação privada que se 
articula com a problem ática dos sentim entos, embora esse contato
38 Observe-se apenas que a caracterização é inconsistente não apenas porque 
respostas não podem ser internas ou externas ao organismo, mas também porque 
alguns estímulos gerados pelo próprio corpo (e.g., a estimulação interoceptiva 
gerada por um corte na pele) não estão exatamente "dentro” do indivíduo.
39 Em várias ocasiões Skinner (e.g., 1945) menciona que a invasão por instrumen­
tos não resolve este problema, pois neste caso os outros responderão sob controle 
das medidas dos instrumentos (estímulos exteroceptivos) enquanto o indivíduo 
poderá permanecer respondendo sob controle de estímulos interoceptivos.
104 SUBJETIVIDADE E RELAÇÕES COMPORTAMENTAIS
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diferenciado do indivíduo não signifique um acesso ou conhecim ento 
privilegiado (cf. Tourinho & cols., 2000).
Passando para a análise das respostas encobertas, temos um tipo 
de inobservabilidade gerada não por barreiras físicas (como quando 
alguém vota sccretam cntc, ou digita um a senha bancária cm um 
aparato especial), mas por propriedades formais e/ou relacionais das 
respostas (Tourinho, 2006).
Skinner (1953/1965) refere uma “escala reduzida” das respostas 
encobertas, sem especificar que propriedades estão presentes em es­
cala reduzida nessas respostas. Também faz refcrcncia (cf. Skinner, 
1957/1992) a um a “ordem decrescente de energia” ao discutir o 
responder verbal encoberto, uma ideia que é muito interessante, na 
m edida em que sugere variações maiores das respostas verbais do 
que sim plesm ente abertas e encobertas (adiante, esse aspecto será 
discutido). Um aspecto tam bém m uito im portante da abordagem 
dc Skinner é que ela atribui a contingências sociais a forma aber­
ta ou encoberta das respostas (cf. Skinner, 1953/1965, 1974/1993, 
1968/2003). Isto é, aprendemos qualquer repertório sempre na forma 
aberta e respondem os abertam ente ou encobertam ente dependendo 
das contingências sociais a que somos expostos. Assim, não há res­
postas naturalm ente, nem definitivamente, abertas ou encobertas.
Tourinho (2006) articula as proposições dc Skinner à abordagem 
de Kantor (cf. Kantor & N. W. Smith, 1975), de acordo com a qual 
todo responder, sendo o responder do organismo como um todo, 
envolve a participação de todos os sistem as orgânicos. Seguindo a 
argum entação de Kantor, a observabilidade dc um a resposta varia 
como função tanto do grau dc participação do aparelho motor na sua 
em issão (propriedade formal ou estru tural da resposta), quanto da 
familiaridade entre observador e observado (cf. L. J. Hayes, 1994; 
Kantor & N. W. Sm ith, 1975; Observer, 1973, 1981 )40. Rcgistre-se
40 L. J. Hayes (1994) afirma que, dc acordo com Kantor, as respostas são mais 
ou menos sutis e “a sutileza não ó uma característica formal do evento cm ques­
tão. Isto é, a sutileza não é uma propriedade de um evento particular, à parte dc 
uma história insuficiente do observador com respeito ao mesmo. Quanto maior
CAPÍTULO 2 105
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já aqui que a restrição na ativação do aparelho motor, m encionada 
por Kantor na análise do caráter “inaparente” de certas respostas, e 
a mesma referida por Elias (e.g., 1939/1990b) na discussão do au to­
controle, Esse aspecto será discutido no capítulo seguinte.
A com panhando Donahoe e Palmer (1994), pode-se dizer que a 
observabilidade varia tam bém como função dos instrum entos do 
observador41, sendo possível falarem um continuum de observabili­
dade. Tourinho (2006) acrescenta a essas fontes de variabilidade o 
treino de observação do observador. Q uanto mais adestrado para ob­
servar o responder dos organismos e, em especial, as relações entre 
esse responder e contingências ambientais, mais capacitado se está 
para identificar respostas que, aos olhos dos outros, ou na relação 
com os outros, são encobertas.
De acordo com a presente análise, não apenas propriedades for­
mais (e.g., Skinner, ] 953/1965), nem somente dimensões relacionais 
(Donahoe & Palmer, 1994) definem a observabilidade de respostas. 
A proposição de Donahoe e Palmer, no sentido de operar com a 
noção de um continuum de observabilidade, é aqui adotada, porém 
admitindo-se que os intervalos desse continuum variam como (unção 
de propriedades formais e relacionais das respostas.
A noção de um continuum de observabilidade de respostas, embora 
não discutida por Skinner, é inteiram ente compatível com sua argu­
mentação acerca de uma “ordem descendente de energia” (Skinner, 
1957/1992, p. 438) na análise da variação do com portam ento verbal. 
Como assinalado por Tourinho (2006), é tam bém compatível com
a história de interação de uma pessoa com eventos sutis, mais óbvios eles se 
tornam, pois, falando psicologicamente, os eventos observados são nada mais do 
que os loci de tunções de resposta para os observadores" (p. 160).
41 Segundo Donahoe e Palmer ( í 994), “a observabilidade de uma resposta não 
é determinada por sua intensidade ou magnitude, mas pelas características ou 
instrumentos do observador ... Devemos evitar a tentação de pensar no com­
portamento encoberto como um tipo de comportamento, com propriedades 
essencialmente diferentes do comportamento aberto. Em vez disso, lodo com­
portamento localiza-se em um continuum de observabilidade’’ (p. 275).
106 SUBJETIVIDADE E RELAÇÕES COM PORTA MENTAIS
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certas proposições de Watson (1930/1970) acerca do pensar, quando 
este refere estágios de ativação da m usculatura vocal. Essa observabi- 
lidadc variável, como assinalado por Skinner (1953/1965, 1974/1993, 
1968/2003) é dependente de contingências sociais.
Em bora m encione que ccrtas respostas são em itidas de forma 
encoberta devido a um controle de estím ulos fraco, ou por conve­
niência, Skinner (1957/1992) salienta que a “evitação da punição’’ 
(p. 436) contingente à forma aberta da resposta constitu i uma ra­
zão mais im portante para a emissão encoberta de respostas verbais. 
Esse aspecto é especialm ente im portante porque aqui podem os 
com eçar a fa /er uma segunda ligação com a problem ática do auto­
controle. Esse tema será retomado apenas no próximo capítulo, mas 
é im portante registrar desde já que o modo como a sociedade opera 
para promover respostas encobertas inclui (de modo preponderan­
te) a disposição desse tipo de contingência (a punição contingente 
à forma aberta da resposta). Se examinarmos as circunstâncias em 
que isso ocorre, veremos que o indivíduo responder de forma aberta 
produz não apenas consequências para si mesmo (o próprio estím u­
lo auditivo gerado pela resposta verbal vocal constitui um poderoso 
reforço para a resposta)42, como tam bém uma estim ulação auditiva 
para os outros, que pode ter diferentes funções. Q uando essa esti­
m ulação tem um a função aversiva para o outro, será mais provável 
que seja punida. Em outras palavras, pode haver no responder aber­
to um conflito entre as consequências para o próprio indivíduo e as 
consequências para o grupo.
Passando para a questão das relações entre linguagem c privaci­
dade, desde a prim eira proposição do conceito de eventos privados 
Skinner (1945) estende sua analise na direção de examinar os pro­
cessos verbais possivelm ente envolvidos quando alguém fala de si 
mesmo, sob controle de estím ulos privados. Sua análise em muito 
se aproxima da abordagem oferecida por W íttgenstein (1953/1988)
42 Nessa abordagem, estamos sempre considerando o comportamento verbal 
vocal, por suas implicações para a análise do pensar.
CAPÍTULO 2 107
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accrca da impossibilidade de um a linguagem privada43. O ponto de 
partida consiste em indagar como é possível que um indivíduo res­
ponda verbalm ente sob controle de um estímulo ao qual só cie pró­
prio tem acesso, quando esse responder depende, para ser adquirido 
e mantido, dc contingências dispostas por uma sociedade.
A análise funcional desenvolvida por Skinner (1957/1992) para 
o com portam ento verbal, já delineada em 1945 (Skinner, 1945), 
postula que o responder verbal é parte de um a relação operante 
da qual tam bém participam consequências m ediadas socialm ente 
(com um aspecto diferenciador de outros com portam entos sociais 
de hum anos e infra-hum anos, nos quais tam bém podem os encon- 
trar uma m ediação social: a reciprocidade de papéis entre falantes 
e ouvintes)44. Assim, um indivíduo aprende a dizer “m açã” diante 
de uma fruta quando uma com unidade verbal reforça diferencial- 
m ente essa resposta na presença daquele estímulo. Nesse caso, te ­
mos um operante verbal do tipo tato, no qual “uma resposta de uma 
dada forma é evocada (ou pelo menos fortalecida) por um objeto ou 
evento particular, ou por uma propriedade de um objeto ou evento 
particular” (Skinner, 1957/1992, pp. 81-82). Outros operantes ver­
bais descritos por Skinner não serão aqui discutidos em razão dos 
objetivos específicos deste trabalho. Mas é im portante ressaltar que, 
diante de conceitos, psicológicos ou de outra ordem, o que a análise
43 Vários trabalhos assinalam as similaridades (e, em alguns casos, também 
diferenças) entre as abordagens de Skinner e de Wittgenstein para a linguagem 
(e.g., Bloor, 1987; Costall, 1980; Day, 1969; Lampreia, 1992; Tourinho, 1994b; 
Waller, 1977).
44 C Jatania (I99H) esclarece a peculiaridade da mediação social no compor­
tamento verbal: “as contingências sociais tornam-se recíprocas muito cedo: a 
criança aprende tanto a perguntar quanto a responder e a dí/.er ‘obrigado’ assim 
como 'de nada’. Assim, ern alguns aspectos, todas as culturas verbais são socieda­
des de relorço mútuo” (p. 262). Adiante, Catania acrescenta: “O comportamento 
verbal envolve tanto o comportamento do ouvinte, que é modelado pelos seus 
eleitos sobre o comportamento do laiante, quanto o comportamento do lalante, 
que é modelado pelos seus eleitos sobre o ouvinte. Tais reciprocidades definem 
o comportamenLo verbal" (p. 262).
108 SUBJETIVIDADE E RELAÇÕES COMPORTAMENTAIS
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skinneriana recom enda é que não sejam tratados como rótulos de 
coisas ou essências, mas como de falo sc apresentam , isto é, como 
respostas verbais. Enquanto respostas verbais, devem ser analisados 
identificando-se as contingências (sociais) das quais são função. No 
lugar dc especular acerca de uma ontologia da vida m ental, portan­
to, a análise de Skinner recom enda indagar sobre as contingências 
das quais nossos conceitos, como respostas verbais, são função (cf. 
Leigland, 2003; Moore, 2001).
Uma concepção funcional da linguagem c encontrada tam bém 
cm W ittgenstein (1953/1988), para quem a linguagem constitui uma 
forma de ação hum ana no m undo, baseada em convenções social­
m ente definidas. Com o tal, suas relações com a realidade não são 
de representação; ao contrário, a linguagem define a realidade, no 
sentido de que quando participamos de certos jogos de linguagem ”, 
quando usamos certos conceitos de modos eficientes em certos con­
textos, estam os configurando uma parcela da realidade a um tipo 
particular de experiênciacom ela, estamos tornando-a diferenciada 
de modos específicos, que não nos aproximam ou distanciam de ne­
nhum a essência, mas nos perm item interagir dc modos que atendem 
a certas necessidades. Lampreia (1992) sintetiza esse ponto de vista 
assinalando que WiLtgenstein
procurou combater a visão tradicional segundo a qual as palavras 
representam, ou substituem, uma referencia e as sentenças descre­
vem um estado de coisas. Mas isto não significa que ele negue que 
as palavras possam ser usadas para representar uma referência e 
que as sentenças possam ser usadas para descrever um estado de 
coisas. O que está em questão é o que determina a representação e 
a descrição. Para Wittgenstein, não é a referência, mas todos os pres­
supostos envolvidos na prática de usar palavras e sentenças. A “re­
presentação" já se dá em um contexto que é linguístico e que envolve 
uma “mitologia”’ e as crenças dc determinada cultura. E são essa 
mitologia e essas crenças que, em última análise, determinam o sig­
nificado das representações. Ou seja, não é a realidade que sc impõe 
à linguagem, mas, ao contrário, c a linguagem que se impõe à rea­
lidade c determina a forma como ela será representada. Diferentes
CAPÍTULO 2 109
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m itologias c crenças irão levar a diferentes representações da reali­
dade, logo irão constituir d iferentes realidades, (p. 281)
Voltando à análise de Skinner, a com unidade verbal é que dispõe 
contingências que podem prom over a instalação de respostas au- 
todcscritivas dc emoções. Segundo Skinner (1945), nesses casos, 
a com unidade baseia sua ação reforçadora em estím ulos públicos 
correlacionados com os estímulos privados. Para o indivíduo, porém, 
a resposta pode vir a ficar sob controle dos estímulos privados, ainda 
que disso resulte uma “im precisão” das respostas autodescritivas. 
Tanto a suposição skinneriana de que a com unidade verbal “infere” 
o que acontece no m undo privado, quanto sua insistência no caráter 
“impreciso” (las respostas autodescritivas de sentim entos e emoções 
constituem aspectos polêmicos da análise skinneriana, discuLido em 
outros trabalhos (c.g., Bloor, 1987; Tourinho, 1994a, 1994b). Como 
o próprio Skinner (1945) assinala, as contingências sociais conti­
nuam operando na m anutenção dc nosso repertório verbal, isto é, 
nossas autodcscrições perm anecem sob controle de contingências 
socialm ente dispostas (incluindo o controle de estím ulos cm que 
o reforçam ento diferencial está baseado) m esm o após adquirirmos 
esse repertório. “O indivíduo adquire a linguagem da sociedade, mas 
a ação reforçadora da com unidade verbal continua a desem penhar 
um papel im portante na m anutenção das relações específicas entre 
respostas e estím ulos, que são essenciais ao funcionam ento apro­
priado do com portam ento verbal" (Skinner, p, 272). Sc aprendem os 
a atribuir “sono”, “alegria” ou “angústia” sob controle de certas res­
postas abertas, dos outros e de nós mesmos, nossas autodescríções 
desse tipo continuarão sob controle de contingências baseadas nes­
ses eventos públicos, caso contrário, deixam de ser funcionais nas 
interações com os outros.
Uma apreciação mais recente de como podemos eonsistentem ente 
interpretar os conceitos m entais à luz da teoria skinneriana do com ­
portam ento verbal e das contribuições da filosofia de W ittgenstein é 
olerecida por Kibes (2004):
Os conceitos m entais são aprendidos com o palavras c expressões 
usadas e aplicadas corretamente em circunstâncias e situações espe-
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cíficas. O aprendizado de descrições ou identificação de estados m en­
tais e intenções na primeira pessoa acontece do m esm o modo que o 
aprendizado da identificação desses estados em segundas e terceiras 
pessoas: usando c aplicando o conceito corretamente. Aprendem os 
a reconhecer a circunstância na qual um conceito tem significado 
ajustando-nos aos critérios, com portam entais e situacionais, sob os 
quais o conceito c usado apropriadamente. O conceito é aprendido 
falando e com portando-se de uma maneira particular, não por meio 
de um processo elaborado de discrim inação de propriedades físicas 
ostensivas, internas ou externas, de si m esm o ou de outros, e con s­
truindo com base nisso a identificação, nomeação, ou descrição do es­
tado mental ou intenção (ou tateando estím ulos privados sob controle 
da com unidade verbal). Os conceitos mentais estão profundamente 
ligados à linguagem, (pp. 65-66)
Limites da Noção de Eventos Privados
Na presente seção, pretende-se desenvolver a ideia de que a distin­
ção público-privado, central para a elaboração skinneriana acerca 
dos “term os psicológicos”, pode funcionar para reproduzir a lógica 
dualista que está na origem da definição do objeto da Psicologia 
(cf. Ribes, 1982; Tourinho, 1995), ou, de modo diverso, pode fun­
cionar para conferir inteligibilidade para aspectos im portantes da 
experiência de interioridade e sugerir caminhos para uma abordagem 
científica (não dualista) da experiência subjetiva cm geral. Em outras 
palavras, as ideias dc contato diferenciado do indivíduo com certos 
estím ulos e de restrição na observabilidade de certos estím ulos e 
certas respostas podem ser preservadas como recursos im portantes 
para uma coniprccnsão científica de sentim entos c pensam entos, 
sem necessariam ente conduzir-nos a um a visão dualista dos fenô­
menos humanos.
Já foi assinalado acima que a ideia skinneriana dc imprecisão das 
respostas verbais autodescritívas de emoções é problem ática porque 
parte da noção de um a (im)possível (ou supostam ente desejável) 
correspondência en tre linguagem e subjetividade. Apesar disso, é 
importante salientar que um aspecto distintivo da análise dc Skinner
CAPÍTULO 2 111
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consiste em cham ar a atenção para o fato dc que nossas respos­
tas verbais45, sob certos arranjos de contingências (por exemplo, 
quando incluem contingências que promovem auto-observação e 
autocontrole), podem ficar 'parcialmente sob controlc de estím ulos 
gerados pelo próprio corpo (em particular, estím ulos interocepti- 
vos e proprioceptivos)46. Ao longo de sua obra, Skinner assinalou 
que isso acontecia tendo por base uma correlação en tre estím u­
los públicos (aos quais a com unidade verbal tem acesso) e estímulos 
privados (aos quais apenas o próprio indivíduo tem acesso direto). 
Mais recentem ente, foi dem onstrado em piricam ente que condições 
anatomofisiológicas podem adquirir função de estím ulo discrimi- 
nativo (interoceptivo) enquan to m em bros de classes de estím u­
los equivalentes das quais participam tam bém estím ulos públicos 
(cf. D eG randpre, Bickel & Higgins, 1992)47. Do ponto de vista da 
análise que vimos desenvolvendo, esse aspecto do tratam ento que 
Skinner provê para a relação entre privacidade e linguagem 6 bastan­
te relevante quando considerado à parte do discurso da imprecisão. 
Isto é, não se trata de afirmar que a descrição de uma angústia, por 
exemplo, é mais ou menos precisa, correspondendo mais ou menos 
precisam ente a uma condição anatomofisiológica particular, mas 
dc destacar que a resposta verbal “estou angustiado” pode ficar sob 
controle de estímulos privados equivalentes ou correlacionados com 
estím ulos públicos (sejam eles quais forem, e sejam eles variáveis
45 Sobre outras possíveis funções de estímulos privados (eliciadora, reforçadora, 
ou discriminativa para respostas não-verbais), ver Tourinho (2006).
46 Para uma apreciação crítica do alcance dessa possibilidade, verlòurinho 
(2006).
47 Observe-se que a afirmação da equivalência entre estímulos públicos e priva­
dos está aqui circunscrita às condições sob as quais a análise do comportamento 
tem investigado a equivalência de estímulos (cf. DeGrandpre, Bickel & Higgins, 
1992). Em particular, deve ser notado que, embora equivalentes, estímulos pú­
blicos podem adquirir funções discriminativas para respostas verbais à parte 
de qualquer relação com estímulos privados, ao passo que estímulos privados 
defendem das relações (correlações ou relações de equivalência) para adquirir 
as mesmas lunções (cl. Tourinho, 2006).
112 SUBJETIVIDADE E RELAÇÕES COM PORTA MENTAIS
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ou não dentro de um certo arranjo — cf. Tourinho, 2006). Moore 
(2001) observa como esse com ponente da explicação skinneriana a 
diferencia de outras perspectivas interpretativas:
a análise do comportamento concorda com a análise conceituai e com 
Wittgenstein que o comportamento verbal não pode originar-se sob 
controle de estímulos privados. De fato, admitir isso seria uma marca 
do dualismo. No entanto, a análise do comportamento argumenta que 
o comportamento verbal pode originar-se sob controle de circuns­
tâncias públicas e o controle pode então transferir-se para estímulos 
privados, de modo que em instâncias específicas o comportamento 
verbal em questão pode vir a ser ocasionado por estímulos privados. 
Mas a distinção entre público e privado na análise do comportamento 
é na realidade não uma distinção ontológica entre físico e mental. No 
lugar disso, é uma distinção de acesso, (p. 177, itálico do original)
E necessário, porém , ir além da colocação de Moore (2001), sa­
lientando as implicações das condições sob as quais a “transferência” 
do controle de estímulos (de eventos públicos para eventos privados) 
acontece. Em segundo lugar, é necessário definir o exato lugar da no­
ção de privado, a partir do reconhecim ento de que respostas verbais 
podem ficar parcialm ente sob controle de estímulos privados.
Tendo em vista o funcionam ento da linguagem, isto é, a depen­
dência do com portam ento verbal relativa a contingências sociais, o 
controle de respostas verbais por estím ulos privados não se descola 
das contingências baseadas em estím ulos públicos (isto é, não passa 
a independer destes) apenas porque ocasionalm ente a resposta é 
em itida sob controle de estímulos privados relacionados. A transfe­
rência de controle de estím ulos a que Moore (2001) se refere não 
é absoluta, muito m enos definitiva. O controle eventual de respos­
tas verbais por estím ulos privados só é possível porque o repertório 
verbal é mantido por reforço interm itente, este sempre baseado em 
estím ulos públicos. Disso resulta que nossos conceitos de emoções 
e sentim entos não descrevem e não podem descrever ocorrências 
essencialm ente privadas. O lhando de outro modo, significa que os 
conceitos de que dispomos descrevem eventos ou fenôm enos sem ­
pre dotados de dim ensões públicas.
CAPÍTULO 2 113
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A análise de Skinner, porem , m ostra-nos que tam bém pode ser 
um equívoco tom ar os conceitos em ocionais como descritivos ape­
nas de conjuntos de classes de eventos públicos4*. Isto é, quando 
um indivíduo diz que está angustiado, não apenas está descrevendo 
conjuntos amplos de ação, ou a probabilidade de agir publicam ente 
de m odos específicos em fren te a certos estím ulos. Ele pode e s­
tar tateando um a condição corporal associada àquelas ocorrências. 
Km outras palavras, Skinner está atento a aspectos da experiência 
de sentim entos e emoções no m undo moderno que a diferenciam de 
outros contextos socioculturaís. Se é verdade que em culturas não 
individualistas os conceitos em ocionais são “em pregados” sem ­
pre sob controle de conjuntos de eventos todos públicos, tam bém 
c verdade que cm um a cu ltu ra que prom ove p erm an en tem en te 
a auto-observação e o autocontro le esses conceitos existem sob a 
forma de respostas verbais parcialm ente sob controle de estím ulos 
gerados pelo próprio corpo (e que, quando afetam os outros, a es­
tim ulação é de outro tipo).
Passando para as respostas encobertas, sendo originalm ente 
função de contingências baseadas na forma aberta, deve-se notar 
que são sem pre instâncias de respostas adquiridas e m antidas sob 
controle de contingências públicas. Isto e, quando um indivíduo 
pensa49 (ou em ite encobertam ente a resposta verbal) “o dia hoje 
está chuvoso", esse pensar constitui uma instância de uma resposta
48 A abordagem skinneriana diferencia-se, por exemplo, do behaviorismo molar 
de Rachlin (cf. Baum. 1994) e do behaviorismo linguístico de Ryle (cf. Ryle, 
1949/1984), para os quais os conceitos emocionais não descrevem ocorrências 
discretas, mas constituem rótulos para conjuntos de diferentes classes de com­
portamentos (cf. Holth, 2001).
49 Os conceitos de "pensar’ e de “pensamento” constituem respostas verbais sob 
controle de eventos ou fenômenos muito diversos (e.g., como em “Eles pensam 
que nos enganam”, “José está pensando em escrever um livro", “Pensando bem, é 
melhor aguardar a chuva passar”, “Pense bem antes de tomar uma decisão" etc.). 
lòdavia, a discussão que vem sendo apresentada focaliza apenas o pensar enquan­
to resposta verbal encoberta (como em I.. J. Hayes, 1994), em razão do interesse 
particular desse fenômeno para a discussão da subjetividade/privacidade.
114 SUBJETIVIDADE E RELAÇÕES COMPORTAMENTAIS
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verbal adquirida c m antida sob controle de um reforçam ento dife­
rencial provido pela com unidade verbal quando a resposta é emitida 
na forma aberta. Assim, um a resposta encoberta tem sem pre e ne­
cessariam ente dim ensões públicas, independentem ente do quanto 
varie em term os daquelas propriedades (formais e relacionais) dis­
cutidas na seção anterior, que a tornam mais ou menos facilm ente 
identificável por terceiros.
Com as observações anteriores, pode-se argum entar que a noção 
de privado é relevante para salientar certas propriedades do con­
trole de estím ulos cm respostas verbais descritivas de em oções c 
sentim entos e certas propriedades de algumas respostas (em geral, 
aquelas que qualificamos como “cognitivas” ou “m entais”“50) em uma 
sociedade individualista. Por outro lado, isso é diferente de postular 
que faz sentido categori/ar os eventos que são relevantes para uma 
análise psicológica, ou com portam ental, como públicos ou privados. 
Quando fazemos isso, podemos dizer que introduzimos uma dicoto­
mia que, embora não expresse um dualismo metafísico (cf. Skinner, 
1945), reproduz a lógica dualista sobre a qual a Psicologia foi funda­
da. Conforme assinalado no Capítulo 1, a distinção público-privado, 
pensada no plano das relações dos hom ens e m ulheres uns com 
os outros, dos modos como passam a se organizar politicam ente (o 
conflito indivíduo/Estado) c a s e relacionar socialm ente (a d istin ­
ção sociabilidade anônima/sociabilidade restrita), significa não uma 
problem atização (ou cisão) do indivíduo/sujeito, mas um modo de 
enfocar dim ensões das relações interpessoais. Ao transportá-la para 
o domínio psicológico de análise, tendem os a tomá-las como igual­
m ente apropriadas enquanto expressão de dim ensões dos termos 
que constituem as unidades de análise de nosso objeto de estudo
50 Como apontado antes, exatamente por força de contingências que estão na 
origem desses conceitos, tendemos a chamar de internos os sentimentos e emo­
ções e de mentais as atividades intelectuais. Menos frequentemente chamamos 
de internas as atividadescognitivas, e menos ainda tendemos a chamar de men­
tais os sentimentos e emoções.
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(no casoT dimensões dos estímulos e das respostas)51 e com isso pas­
samos a operar com a mesma lógica dualista subjacente ao cartesia- 
nismo (cf. Ribes, 1982).
Uma primeira razão para rejeitar a dicotomia público-privado con­
siste no fato de que com portam entos (enquanto relações) não são 
fenômenos públicos ou privados, mas fenômenos de maior com ple­
xidade dos quais podem participar estím ulos públicos e respostas 
encobertas. Para além disso, estím ulos e respostas não são eventos 
que podem ser categorizados como públicos ou privados. São even­
tos que variam ao longo de um continuum de observabilidade, e 
por força não apenas de suas propriedades formais, mas tam bém do 
contexto interpessoal em que acontecem . Ou seja, observabilidade 
ou inobservabilidade não constituem propriedades absolutas de es­
tím ulos e respostas; são poios de um continuum ao longo do qual 
variam certos eventos em contextos de relações.
Na seção anterior d iscutiu-se mais claram ente a noção de um 
continuum de observabilidade de respostas, mas não se especificou 
em que m edida o mesmo raciocínio poderia ser empregado na dis­
cussão de estím ulos. A lógica, no entanto, é a mesma. EsLímulos 
não são sim plesm ente eventos, mas eventos com certas funções no 
contexto de relações com portam entais. No caso específico dos con­
ceitos psicológicos^2, argum entou-se anteriorm ente que nossas res­
postas verbais autodescritivas de emoções são emitidas sob controle 
de eventos públicos apenas, ou sob controle de eventos públicos e 
privados. Assim, também no caso dessas relações com portam entais
51 Ou seja, há uma diferença substancial entre o que significam os conceitos 
de público e de privado na Sociologia e na Psicologia, um tema ainda por ser 
analisado de modo aprofundado.
52 A presente análise de estímulos privados Lem enlocado apenas as circunstân­
cias nas quais condições do próprio indivíduo adquirem Funções discriminativas 
para respostas verbais em razão de que são essas as circunstâncias que importam 
para uma análise dos conceitos psicológicos. Como afirma Skinner (1945), "o 
único problema que uma ciência do comportamento pode resolver em conexão 
com o subjetivismo é no campo verbal. Como podemos explicar o comportamen­
to de faiar sobre eventos rnentais?” (p. 294).
116 SUBJETIVIDADE E RELAÇÕES COMPORTAMENTAIS
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verbais, não há simplesmente um evento controlando a resposta, mas 
arranjos de eventos. Esses arranjos podem variar quanto à observa- 
bilidadc, dependendo do grau de participação de eventos públicos e 
eventos privados. Isso permitiria falar tam bém em um continuum de 
observabilidade dos arranjos de estím ulos que controlam respostas 
autodcscritivas de emoções e sentim entos. E claro que esse raciocí­
nio pode ser questionado, salientando-se que há estímulos privados 
específicos, mas nesse caso não se trata do arranjo dc eventos que 
controla qualquer resposta autodescritiva de emoções e sentimentos, 
isto é, estarem os referindo um evento qualquer à parte das relações 
que constituem nosso objeto de análise.
Em suma, se a noção de privado ou (in)observabilidade é relevan­
te para uma com preensão ampla da problemática de sentim entos e 
em oções no m undo moderno, a categorização de estím ulos e res­
postas como sim plesm ente públicos ou privados é desnecessária e 
introduz uma lógica que pode com prom eter a com preensão desses 
fenôm enos. O pensar (como o imaginar, o sonhar ctc.) c uma rela­
ção do hom em com o mundo, que não cabe no rótulo de público ou 
privado. Mesmo o pensar enquanto resposta (termo daquela relação) 
não pode ser estritam ente privado (sernpre terá dimensões públicas). 
Alegrar-se, entristecer-se, angustiar-se etc. também não são eventos 
discretos que possam ser definidos como públicos ou privados, mas 
relações com portam entais.
A favor de Skinner, nesse debate, deve contar o fato de que sua 
abordagem inicial para a questão da privacidade representou um 
passo adiante na construção de um a reíerência com portam cntal 
para o tratam ento do assunto, afastando o dualismo metafísico da 
Psicologia m entalista e o fisicalismo dos behavioristas metodológicos 
(cf. Skinner, 1945; Tourinho, 1995). Os termos iniciais dc sua ela­
boração sobre eventos privados, porém, não sofreram grandes altera­
ções em trabalhos posteriores. Alem disso, sua rejeição da categoria 
de m ental serve apenas para afastar o dualismo metafísico, mas não 
funciona para institu ir um a perspectiva totalm ente consistente de 
análise. Sua afirm ação de que “a m inha dor de dentes é tão físi­
ca quanto a m inha m áquina de escrever, em bora não seja pública” 
(Skinner, 1945, p. 294) pode funcionar como uma armadilha se for
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interpretada em sentido estrito. Dor de dentes não é o tipo de fenô­
meno que se defina por propriedades físicas, portanto assinalar que 
há propriedades físicas aí envolvidas serve apenas para que não seja 
LraLado como fenômeno imaterial, mas não para indicar como pode 
ser consistentem ente tratado.
Uma segunda razao para afirmar que a dicotomia público-privado 
traz problem as para uma análise com portam ental de sentim entos e 
emoções consiste no fato de que o conceito de privado form ulado 
genericam ente como a propriedade distintiva dc ccrtas instâncias 
dc sentim entos e pensam entos leva a um a diversidade de defini­
ções não coincidentes. Essa variedade de definições para eventos 
privados é notória e pode ser aqui ilustrada. Baum (1994) sustenta 
que “eventos privados são eventos que nunca podem ser relatados 
por mais de um a pessoa, não im portando quan tas outras pessoas 
estejam presentes” (p. 30). De acordo com essa definição, eventos 
privados são eventos que não podem ser tateados por outros, no 
que o aspecto verbal torna-se central para a definição. A nderson 
e cols. (1997) afirmam que eventos privados são “respostas priva­
das e os efeitos de estím ulo dessas respostas na pessoa que está 
respondendo” (p. 158). De acordo com esse ponto de vista, o res­
ponder encoberto é que é central para a definição dc eventos pri­
vados. Anderson e cols. (1997) acrescentam haver “quatro classes” 
(p. 161)^ de eventos privados: “emoções (afeto, sentim entos), p en ­
sam entos, percepções (visuais ou outras imagens) e estim ulação in- 
teroceptiva e proprioceptiva” (p. 1 61). As emoções, admitidas como 
uma classe de eventos privados, são adiante definidas como “um a 
resposta ou um conjunto de respostas ... Essas respostas podem 
incluir com portam entos respondentes ... e podem incluir com porta­
m entos operantes” (p. 161). M oore (2000) oferece outra definição: 
alguns fenôm enos privados são condições sentidas do corpo (e.g., 
por exemplo, dores, sentim entos e em oções), enquanto outros são 
formas encobertas de com portam ento (o pensar, resolver problem a,
53 0 título da seção do artigo cm que essa expressão aparece é “Tipos de Eventos 
Privados” (cf. Anderson & cols., 1997, p. 161).
118 SUBJETIVIDADE E RELAÇÕES COMPORTAMENTAIS
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lem brar e im aginar)” (p. 48). N a elaboração dc M oore, os eventos 
privados são condições corporais que adquiriram funções de estí­
mulo e respostas encobertas. Todas essas definições são de algum 
modo consistentes com as proposições de Skinner, mas isso também 
significa que “eventos privados”é um a resposta verbal em itida por 
analistas do com portam ento sob o controle de conjuntos variados 
dc eventos. Trata-se, portanto, ela mesma, de um a resposta verbal, 
para usar o term o de Skinner, “im precisa”.
A seção seguinte discutc essa noção de “evento privado” como res- 
posta verbal, buscando delinear uma abordagem de caráter analítico- 
com portam ental para os problemas da subjetividade. A partir desse 
ponto, deve ser notado que o conceito de 'privacidade será empregado 
na referência a fenôm enos com diferentes graus de complexidade, 
dos quais participam eventos com diferentes graus de observabilida- 
de, não eventos estritam ente privados.
"Eventos Privados" como Resposta Verbal
Esta seção está parcialm ente baseada em uma análise desenvolvida 
em Tourinho (2006), a ela acrescentando alguns desdobram entos e 
refinamentos, na direção de enfatizar o enfoque relacional da análise 
do com portam ento e suas concxões com o campo da privacidade. 
A proposição central daquele trabalho é a de que quando analistas 
do com portam ento falam de eventos privados (como nas definições 
apresentadas na seção anterior) estão se voltando para (ou estão sob 
controle de) conjuntos diferentes de problemas, ou aspectos não ne­
cessariam ente coincidentes de um mesmo conjunto de problemas. A 
análise foi bastante motivada por uma proposição de Friman e cols. 
(1998), de acordo com a qual há circunstâncias em que as respostas 
verbais autodescritivas de emoções f uncionam não apenas como ta- 
tos, mas tam bém adquirem funções de determ inantes do com porta­
m ento público, o que contrariaria uma alegação skinneriana de que 
esses fenômenos não estão dotados de funções causais.
Uma das dificuldades encontradas nesse debate sobre o possível 
status causal de sen tim en tos e em oções, que conflita à prim eira 
vista com um enfoque que tom a o com portam ento com o relação
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do organism o como um todo com eventos externos a ele, reside 
no fato de que sentim entos e em oções são eles m esm os respostas 
verbais em itidas sob controle de fenôm enos diversos. Em geral, 
quando Skinner (e.g., 1963/1969, 1989, 1974/1993) alega que sen­
tim entos não causam respostas públicas sua referência é ao que ‘ e 
sen tido” ou “in trospectivam ente observado”, isto é, as condições 
anatomofisiológicas que em um dado m om ento são o resultado da 
história genética e am biental do indivíduo. Essas condições de fato 
não causam o responder público (embora possam controlar discri­
m inativam ente — nos lim ites d iscutidos acim a — respostas auto- 
descritivas e, em algumas circunstâncias, possam funcionar como 
operações estabelecedoras, isto é, condições que alteram m om en­
taneam ente a sensibilidade do organismo a certas contingências de 
reforçam ento). Todavia, quando Friman e cols. (1998) argum entam 
que é necessário analisar de modo diferente as emoções, estao par­
tindo da noção de que as autodescrições são elas m esm as parte do 
fenôm eno discutido como em ocional e assinalando que um a vez 
que essas autodescrições participam de outras relações e entram no 
controle de com portam entos futuros dos indivíduos, não é possível 
sim plesm ente dizer que não possuem um slalus causal. Um Lrecho 
de Friman e cols. (1998) ilustra o ponto de afastam ento em relação 
à análise de Skinner.
Uma pessoa com transtorno de pânico não evita simplesmente lo­
cais públicos; ele ou ela evita todo um conjunto dc comportamen­
tos privados associados com aqueles lugares. A alegação de Skinner 
de que a emoção e o comportamento aberto são controlados pelos 
mesmos eventos está, portanto, incorreta, ou pelo menos incompleta. 
Um entendimento mais completo requer uma análise das comple­
xas contingências verbais que estão envolvidas na disposição humana 
para categorizar eventos arbitrários (e.g., um coração agitado) como 
emoções negativas e responder de modo correspondente (“Estou em 
pânico, tenho que sair”). Uma análise das contingências diretas po­
deria revelar a base para a esquiva de uma pessoa de lugares públicos, 
mas não explica prontamente a esquiva de seus pensamentos e senti­
mentos sobre esses lugares, (p. 149)
120 SUBJETIVIDADE E RELAÇÕES COMPORTAMENTAIS
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O modelo proposto por Tourinho (2006) para a análise dc problemas 
desse tipo, e correlatos, parte do suposto de que, enquanto fenôme­
nos psicológicos ou comportamcntais, sentimentos e emoções podem 
ser abordados apenas como relações. Condições anatomofisiológicas, 
ainda que participem de fenômenos comportamentais (afinal, trata-se 
de comportamento dc organismos), não definem esses fenômenos (cf. 
Tourinho & cols., 2000) e em certas circunstâncias analíticas podem 
inclusive ser ignoradas (cf. Reese, 1996a, 1996b). Portanto, ao inda­
gar se o responder (público ou privado) pode ou não ser determinado 
por emoções e sentim entos, o que podemos estar examinando é (a) 
que relações definem uma emoção ou sentim ento específico e (b) 
como essas relações variam com respeito ao grau de complexidade e 
se entrelaçam com outras relações comportamcntais.
Um sentim ento específico, por exemplo, a inveja, enquanto rela­
ção com portam ental pode envolver um responder com os seguintes 
com ponentes: a) controle discriminativo pela presença de outro in­
divíduo (o “invejado”), notícias sobre o invejado, objetos do inve­
jado etc.; b) classes dc respostas verbais (por exemplo, descrever 
negativam ente o invejado, ou criticar suas qualidades, fazer intrigas 
envolvendo o nom e do invejado etc.) e não-verbais (por exemplo, 
tentativas dc imitar o invejado, de eliminar atributos ou propriedades 
do invejado); c) sensibilidade a aspectos do am biente físico e social 
do invejado e, ao m esm o tempo, a descrições negativas do invejado 
por outros, enquan to estím ulos reforçadores. O utras relações com 
o mesmo ou diferentes graus de complexidade podem constitu ir a 
inveja para um segundo indivíduo. Por exemplo, pode incluir uma 
autodcscrição do tipo “Eu sou m elhor do que fulano”, sob contro­
le daquela relação154. Pode tam bém incluir a m esma autodescrição
54 Paradoxalmente, um indivíduo que exiba o padrão descrito será considerado 
invejoso pelos outros, mas sua inveja dificilmente incluirá a autodescrição “Eu in­
vejo fulano”. Em conLrapartida, quando um indivíduo afirma “Eu invejo fulano", 
essa resposta ‘'funciona” nas relações interpessoais como sinal de respeito ou ad­
miração pelo outro, não como evidência de inveja enquanto o fenômeno descrito 
acima. Isso acontece, para usar uma expressão de Wittgenstein (1953/1988), 
como resultado da gramática da palavra “inveja”, que serve a diferentes usos. No
CAPÍTULO 2 121
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parcialm cntc sob controle de um a condição corporal associada. A 
presença do invejado pode adquirir funções eliciadoras em relações 
respondentes-5 etc.
O grau variável de complexidade dos fenômenos comportamentais, 
especialm ente hum anos, pode ser examinado tendo-se como refe­
rência as relações que os definem e os entrelaçam entos dessas rela­
ções. Em Tourinho (2006) propõe-se que o modo causal de seleção 
por consequências, formulado por Skinner (e.g., 1981, 1990) provê 
uma referência produtiva para a análise do problema, De acordo com 
Skinner, o com portam ento hum ano é o produto conjunto de contin­
gências filogenéticas, ontogenéticas e culturais. Um fenômeno com- 
portam ental humano, na análise desenvolvida em Tourinho (2006), 
pode incluir relações produzidas em um ou mais desses níveis e isso 
poderia ser tomadocomo um a referência da complexidade do fenô­
meno. Para explicitar esse ponto de vista, Tourinho recupera a abor­
dagem de Donahoe e Palmer (1994), segundo a qual “a complexidade 
é o resultado cumulativo de processos seletivos repetidos” (p. 22).
As ciências históricas explicam a complexidade como resultado do 
processo em trcs etapas, de variação , seleção e retenção ... Ciclos re­
petidos desse processo em três etapas são suficientes para produzir a 
complexidade organizada no mundo biológico e — sustentamos — tam­
bém no mundo eomportamentul. {Donahoe & Palmer, 1994, p. 18)
Na noção dc complexidade sugerida por Tourinho (2006), tanto a 
repetição dos processos seletivos como o nível em que se dão (filo- 
gênese, ontogênese e cultura) constituem referências im portantes. 
Tourinho sugere um conúnuum de com plexidade dos fenôm enos 
com portam entais hum anos baseado nesse modelo. De acordo com
exemplo citado, estamos focalizando apenas um uso particular do conceito. Em 
temos comportamentais, isso significa que "invejar" (como o “pensar”, ilustrado 
anteriormente) constitui uma topografia de resposta verbal que pode participar 
de relações comportamentais diversas.
55 Em Darwich e Tourinho (2005), explica-se como relações respondentes e 
operantes podem entrelaçar-se em fenômenos emocionais.
122 SUBJETIVIDADE E RELAÇÕES COMPORTAMENTAIS
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essa proposta, um fenômeno será tão ou mais complexo do que outro 
dependendo de incluir relações resultantes de um ou mais níveis de 
determinação. A noção de complexidade está aqui associada a uma 
ideia de inclusividade. Fenômenos mais complexos são aqueles que 
incluem relações produzidas por um nível adicional dc determ ina­
ção. Uma representação gráfica possível dessa ideia é apresentada 
na Figura 1, a seguir. Observe-se que (a) fenôm enos em um nível 
superior de complexidade incluem relações dos níveis anteriores e 
(b) o continuum não tem apenas três segmentos, correspondentes 
aos três níveis de variação e seleção, mas sugere que m esm o nos 
limites de um m esm o nível os fenôm enos podem variar em com ple­
xidade (dependendo das relações envolvidas e do entrelaçam ento 
dessas relações).
Cultura
Figura 1: Complexidade dc fenômenos comportamentais à luz do modo causai de 
seleção por conseqüências.
Um continuum assim definido poderia ser útil na análise da priva­
cidade e teria as seguintes feições:
Proponho que a complexidade dos fenômenos comportamentais hu­
manos relacionados à privacidade pode ser tratada como função de 
processos seletivos repetidos, envolvendo a participação de variáveis 
filogenéticas, ontogenéticas e culturais. Proponho que um continuum
CAPÍTULO 2 123
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dc complexidade pode ser derivado dessa perspectiva. Em uma extre- 
midade desse continuum , os fenômenos comportamentais estariam 
limitados a relações filogcnéticas, o que incluí respostas sob o contro­
le de eventos que adquiriram função de estímulo na história filogené- 
tica do homem. K claro que esse é um zero ideal do continuum , uma 
vez que nenhuma relação real pode ser interpretada como resultante 
apenas da filogênese. Mas algumas respostas humanas, como o sugar 
o seio, ou o mover-se em direção à voz da mãe, pelo bebê, estão clara­
mente mais próximas dessa extremidade do continuum .
Na outra extremidade do con tinuum , temos fenômenos compor­
tamentais constituídos por relações (entrelaçadas), resultantes de 
variáveis filogenéticas, ontogenéticas e culturais. A maior complexi­
dade resulta aqui não apenas de processos seletivos repetidos, mas 
também dos tipos de variáveis envolvidas no controle, especialmente 
a participação de contingências verbais que tornam possíveis novas 
relações (entrelaçadas). Esse é o caso, por exemplo, quando a raiva 
de alguém se define não apenas por respostas reflexas de glândulas 
e músculos lisos, mas também por um conjunto de relações que in­
cluem uma alta taxa de respostas agressivas cm direção a um agente 
controlador (cf. Skinner, 1953/1965, p. 362), respostas de auto-ob- 
servação, respostas autodescritivas e outras respostas controladas por 
autodescrições, todas presumivelmente estabelecidas por contingên­
cias operantes anteriores. Nesse caso, um termo de uma relação (um 
estímulo ou uma resposta) pode adquirir uma função de estímulo 
para outras respostas. A resposta de agressividade de uma pessoa 
pode ser um estímulo discriminativo para respostas autodescritivas, 
que por seu turno podem controlar discriminativamente outras res­
postas em direção ao agente controlador ou a estímulos relacionados.
( Ibnrinho, 2006, pp. 24-25)
Em bora possamos dizer que em oções e sentim entos têm uma 
base hlogenética, a história am biental dc um indivíduo produzirá 
um conjunto de relações entrelaçadas que vão m uito além daquela 
determ inação. Q uando essa história inclui contingências culturais, 
um grau m uito maior de com plexidade é introduzido em razão do 
íato de que a linguagem dá origem a funções de estím ulo derivadas
124 SUGJETMDADE E RELAÇÕES COMPORTAMENTAIS
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(S. C. Ilayes, Barnes-Holm es & Roche, 2001), isto é, com a lingua­
gem introduzim os muitas novas relações como constitutivas dc um 
fenôm eno. Um indivíduo que se com porta de determ inados mo­
dos em certos contextos e sensível (ou não) a certas consequências 
pode ser considerado por outros “depressivo”, ou não, independen­
tem ente dc se autodescrever desse modo. lodavia, quando aprende 
a dizer-se um indivíduo depressivo, dependendo das contingências 
culturais a que tiver sido exposto, pode estar aprendendo mais do 
que isso. Pode aprender, tam bém , que sujeitos deprim idos são um 
fracasso social, têm dificuldades para cum prir funções profissionais, 
não são bem -sucedidos afetivam ente ctc. Essas descrições entram 
no controle de um a ampla gania de outros com portam entos e m ui­
tas mais relações (e m uito mais complexas) passam a ser constitu­
tivas de sua depressão.
Um raciocínio sem elhante pode ser desenvolvido para qualquer 
emoção ou sentim ento, incluindo aqueles para os quais identifica­
mos mais claram ente um com ponente filogenético. O que cham a­
mos dc medo, por exemplo, inclui conjuntos m uito variados (em 
extensão e complexidade) de relações com portam cntais. (Em ouLras 
palavras, o “m edo”, como “eventos privados” e como todos os con­
ceitos em ocionais, pode ser en tendido como uma resposta verbal 
em itida em um a dada cultura sob controle de conjuntos variados de 
fenômenos, por isso afirmações genéricas sobre o medo podem sern- 
pre ser questionadas à luz de instâncias às quais não se aplicam). 
Dizemos que crianças têm m edo de ficar sozinhas, que C ebolinha 
tem m edo dc M ônica e que jornalistas têm medo de políticos (ou 
que políticos têm m edo de jornalistas, dependendo do caso). Em 
cada situação, estam os diante de um lenôm eno com determ ina­
do grau de com plexidade. A noção de inclusividade é im portante 
para assinalar que fenôm enos mais complexos diferem tanto quanto 
incluem relações adicionais. O m edo mais complexo, no qual se 
identificam relações produzidas por um nível cultural de determ i­
nação, não se lim ita a isso; inclui relações produzidas nos níveis 
filogenético e ontogenético de determ inação (o que tem im plica­
ções im portantes para a identificação do alcance da intervenção 
verbal ou não-verbal em Psicologia). Q uestões dessa ordem esLão
CAPÍTULO 2 125
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mais extensamente discutidas em Tourinho (2006). Nos parágrafos 
seguintes, são sugeridos alguns desdobram entos dessa abordagem, 
não contem plados naquele trabalho.
As relações entre linguagem e sentimentos
Em uma discussão do tem a da subjetividade à luz do modo causai 
de seleção por consequências, Andery (1997) assinala que “sem o 
terceiro nível de seleção por consequências é impossível, por assim 
dizer, discutir-se a construção da subjetividade” (p. 206). Essa afir­
mação deriva do que toi discutido acima acerca da necessidade de 
exposição do indivíduo às práticas de uma com unidade verbal para 
que seu m undo “interno” seja construído (na verdade, para que seu 
próprio corpo adquira certas funções para suas respostas verbais). 
Assim, os conceitos emocionais não descrevem algo que existe an ­
tes e independentem ente do com portam ento verbal; ao contrário, 
com a aquisição do com portam ento verbal 6 que as em oções, e n ­
quanto fenôm enos experim entados pelo indivíduo na relação con­
sigo mesmo, isto é, as em oções enquanto fenôm enos que incluem 
o responder verbal sob controle do próprio corpo, passam a existir. 
Essa é a subjetividade de que falamos quando nos referim os aos 
conceitos psicológicos.
Uma objeção pode ser levantada à proposição da dependência da 
subjetividade em relação à linguagem, assinalando-se que nossos 
conceitos emocionais, como apontado antes, são usados mesmo em 
circunstâncias em que o fenôm eno emocional apresenta um grau 
inferior de complexidade, em particular, em circunstâncias nas quais 
não há um com ponente verbal. Q ue isso acontece pode ser verifica­
do quando atribuímos sentimentos e emoções a crianças pré-verbais. 
Por exemplo, vemos um a criança ser afastada dos país c chorar e 
atribuímos tristeza a ela. Esse fato pode servir ao argumento de que 
o sentim ento existe independentem ente da linguagem. M esm o de 
animais infra-hum anos poderia ser dito que ficam alegres, tristes, 
aborrecidos, saudosos etc.
Todavia, somos nós, seres verbais, que atribuímos tristeza à crian­
ça pré-verbal ou a animais infra-hum anos. Para a própria criança, 
o “estar triste’' enquanto resposta verbal não existe como parte de
126 SUBJETIVIDADE E RELAÇÕES COMPORTAMENTA!S
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sua tristeza. Assim, diante da indagação acerca da possibilidade de 
hum anos pré-verbais (ou jnlra-hum anos) “possuírem ” subjetividade, 
não é possível responder apenas afirmativamente ou negativamente. 
D epende do que estiver sendo indagado. Se a questão é saber se 
podem os encontrar em pré-verbais aquelas relações mais simples, 
produtos da filogênese e da ontogênese, constitutivas de em oções 
e sentim entos, a resposta é afirmativa56. Se a questão for saber se 
há identidade en tre essas relações e as relações que definem sen­
tim entos e pensam entos para indívíduos verbais de sociedades que 
promovem autoobservação e autocontrole, a resposta obviam ente é 
negativa. Q uanto às consequências de se comparar os dois graus de 
complexidade desses fenômenos, dependerá dos objetivos analíticos 
do pesquisador.
Em suma, o com ponente verbal, quando existe, não simplesmente 
descreve a emoção, ele é parte da emoção. Essa emoção que inclui 
relações verbais produzidas pelo terceiro nível de determ inação do 
com portam ento só existe para hum anos verbais e, mais do que isso, 
para hum anos verbais expostos a determ inadas contingências cu l­
turais. A cultura que produziu a noção dc subjetividade é a mesma 
que promove essas autodescrições e, por isso também, justifica-se a 
com preensão de que o conceito de subjetividade está ligado a esse 
grau mais avançado de complexidade de emoções e sentim entos.
A variabilidade de emoções e sentimentos entre culturas
Pesquisas transculturais têm dem onstrado que certos sentim entos 
variam como função de contextos culturais. Em outra direção, há 
trabalhos postulando que certas emoções são universais, produtos da 
seleção filogenética. Ambas as posições serão ilustradas a seguir, sem 
m enção às diversas e sofisticadas teorias encontradas na literatura
56 Como assinalado antes, a noção de um continuum baseado no modo causal 
de seleção por consequências não significa que se trata de um continuum com 
apenas três segmentos. Por exemplo, mesmo um sentimento limitado por rela­
ções ontogenéticas e filogenéticas pode ter diferentes graus de complexidade, no 
sentido de que pode envolver mais ou menos relações, entrelaçadas ou não.
CAPÍTULO 2 127
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de Psicologia das emoções (cm razão dos objetivos específicos deste 
trabalho), mas sugerindo-se que podem scr com preendidas à lu/, do 
continuum de complexidade apresentado anteriorm ente.
Segundo M esquita e W alker (2003), a ideia de determ inação fi- 
logenética dos sentim entos e em oções tem prevalecido, inclusive 
em grande parte dos estudos transculturais, enquanto “os aspectos 
socioculturais das em oções tem sido am plam ente ignorados, pelo 
menos na Psicologia” (p. 778). Q uando os aspectos socioculturais 
são levados em conta, pode-se tanto enfocar os modos específicos 
como sentim entos universais são experimentados em um a dada cul­
tura, quanto buscar identificar sentim entos que são próprios de um 
universo cultural. Exemplo do primeiro tipo de estudo é encontrado 
na seguinte descrição de M esquita c Walker:
modelos culturais da Ásia Oriental ... enfatizam a harmonia relacional 
e favorecem que os indivíduos ocupem seu lugar apropriado. Esses 
modelos culturais desencorajam os indivíduos quanto a ocuparem 
muito espaço na relação, tanto figurativamente quanto literalmente. 
Assim, o comportamento expansivo, tal como a atividade somática 
geral, c um sinal de que o indivíduo está tomando mais do que o seu 
espaço apropriado ... há indicação de que a expressão de felicidade, 
um outro comportamento expansivo, também é raro em culturas que 
atribuem uma ênfase à harmonia nas relações. As expressões de fe­
licidade são vistas como potencialmente disruptivas porque podem 
contrastar dolorosamente com o estado emocional dos outros ..., ou 
porque podem ser vistas como indicando a plausibilidade de um indi­
víduo estar desafiando as obrigações sociais e fugindo de responsabi­
lidades. (p. 786)57
57 Observe-se que aqui ternos um exemplo de como, em um contexto cultural 
diferente daquele encontrado na sociedade ocidental moderna, um tipo de auto- 
-observação e autocontrole emergem com funções distintas (nesse caso, preser­
var a harmonia no interior dos grupos sociais, o que possivelmente se relaciona 
com a questão de respeito à hierarquia mencionada no Capítulo 1 - funções 
que são relevantes nesse conLexLo, independentemente da extensão do universo 
social e do grau de complexidade das relações de interdependência dos membros
128 SUBJETIVIDADE E RELAÇÕES COMPORTA MENTA IS
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Russcll (1991) aborda alguns achados de estudos do segundo tipo, 
que focalizam emoções que são específicas de certos contextos cu ltu­
rais. Russell considera que as evidências colecionadas a esse respeito 
dem andam uma análise mais cuidadosa e especula que as diferentes 
emoções podem ser apenas a “ponta do iceberg” de processos mais 
amplos, envolvendo a diversidade de sistem as de crenças sobre “a 
m ente, o self, a sociedade, a natureza e assim por diante” (p. 445). 
Em seu trabalho, oferece alguns exemplos de conceitos emocionais 
próprios de certas culturas.
Um exemplo da Alemanha é a palavra Schaâenfreude, que significa 
o prazer derivado do desprazer de outro. Uma outra palavra é Angst: 
Waiter Lowrie (1944) traduziu o livrode Kierkegaard Der RegriffAngst 
sob o título de O conceito de pavor, mas afirmou que “o próprio título 
desse livro revela um lacuna séria em nossa língua: nào temos uma 
palavra que traduza adequadamente Angst” (p. ix). Um exemplo da 
língua japonesa é itoshii, que se refere a ansiar pela pessoa amada au- 
sente'’*. Uma outra palavra é ijirashii. que se refere a um sentimento 
associado com a visão de alguém louvável superando um obstáculo.
... Eu ouvi de uma mulher árabe sobre seu deleite ao aprender a 
palavra em inglês Jrustration [frustração], pois sua língua nativa não 
tinha nenhuma palavra para aquele sentimento. (Russell, 1991, p. 
426, itálico do original)
A pesquisa que focaliza um a possível base filogenética das em o­
ções tem resultado na apresentação de listas variadas (em núm e­
ro e em itens) de “em oções básicas”. Em um a de apresentação 
abrangente de sua história de pesquisas nessa área, Ekm an (1993) 
assinala que “expressões [faciais] universais distintivas têm sido
do grupo). Em contraste, no mundo ocidental moderno, a auto-observação e o 
autocontrole emergem com a valorização do indivíduo (não do grupo) e com a 
complexificação das relações de interdependência, cumprindo funções ligadas à 
necessária previsibilidade do comportamento de cada um e à harmonização de 
indivíduos ocupados com uma variedade cada ve/ maior de funções sociais.
58 Provavelmente um conceito sirnilar a “saudade".
CAPÍTULO 2 129
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identificadas para raiva, medo, repulsa, tristeza e alegria Sobre a 
determ inação filogenética dessas em oções, Ekm an afirma que
o que distingue as emoções de outros fenômenos psicológicos é que 
nossa avaliação de um evento atual c influenciada por um passado 
ancestral. Nào c simplesmente a nossa história ontogenética, mas a 
nossa história filogenética que faz com que uma emoção seja mais 
prontamente suscitada em uma circunstância do que em outra, e ain­
da assim a ontogenia tem um efeito enorme, (p. 389)60
Na literatura da análise do com portam ento são também encontra­
das referências a emoções “prim árias” (cf. Banaco, 1999; Millenson, 
1967/1975), definidas em term os de relações com portam entais. 
Millenson menciona três emoções primárias, ansiedade, elação e rai­
va, como resultantes de em parelham entos pavlovianos, com efeitos 
sobre o com portam ento operante. Em uma abordagem sem elhante, 
Banaco propõe um sistema de coordenadas baseado na apresentação 
ou remoção de reforçadores positivos ou negativos. As emoções re­
sultantes poderiam ser então interpretadas como mais ou menos d i­
ferenciadas de acordo com a ação de contingências ontogenéticas.
59 Grande parte da investigação de Ekman baseia-se no estudo de expressões 
faciais. Todavia, Ekman (1993) assinala que é possível haver emoção sem a con­
trapartida da expressão facial, o que é importante para a ideia aqui discutida de 
que sob práticas sociais que promovem o autocontrole as respostas emocionais 
podem ter outra topografia. Diz Ekman: “Há evidência de que as pessoas podem 
não demonstrar mudança na atividade facial visível, embora relatem sentir emo­
ções e manifestem mudanças na atividade do sistema nervoso autonômico ... A 
existência dessas pessoas contradiz a proposta de Tomkins (3963) de que a ati­
vidade facial sempre é parte de uma emoção, mesmo quando seu aparecimento 
é inibido" (p. 388).
60 A ideia de que há emoções básicas, que fazem parte do equipamento genético 
dos homens, parece ser pelo menos tão antiga quanto o século I a.C. Russell 
(1991) revela que em uma enciclopédia chinesa desse tempo (que compilava 
documentos de períodos anteriores) encontra-se: “O que são os sentimentos dos 
homens? Eles são alegria, raiva, tristeza, medo, amor, repulsa e afeição. Esses 
sete sentimentos pertencem aos homens sem que os aprendam” (Chai & Chai, 
1885, em Russell, p. 426).
130 SUBJETIVIDADE E RELAÇÕES COMPORTAMENTAIS
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M esm o quando as emoções são abordadas como produtos filo- 
genéticos, encontra-se um reconhecim ento da determ inação cu ltu ­
ral de certos aspectos que definem como são “experienciadas”. Por 
exemplo, Ekman (1999/2004) sugere que existem emoções básicas, 
distintas umas das outras e resultantes de processos evolutivos, por­
tanto com partilhadas por indivíduos de diferentes culturas. Mas 
tam bém reconhece que ‘ a capacidade de representar a experiência 
emocional em palavras muda em muitos aspectos a experiência em o­
cional” (Ekm an, 1999/2004, p. 8). Com uma posição sem elhante, 
Solomon (2002) assinala que “a questão das emoções básicas deveria 
ser entendida e abordada de maneira a capturar a riqueza e varieda­
de da existência hum ana” (p. 143).
Usando novam ente o modo causal de seleção por consequências 
como recurso conceituai para conferir inteligibilidade ao conjunto 
variado de evidências sobre em oções e sentim entos, podem os su ­
gerir que há emoções (relações) selecionadas filogeneticamente (as 
básicas ou primárias, independentem ente de quantas e quais forem) 
e que estas constituem a base a partir da qual diferentes culturas 
constroem diferentes universos de sentim entos e em oções (novas 
relações). Cada novo sentim ento significa um tipo de diferenciação 
adicional introduzido por uma cultura, com base em variações ou 
dim ensões específicas (e.g., o controle de estím ulos específico, a 
frequência, a m agnitude da resposta etc.) das configurações que as 
emoções básicas podem assumir em diferentes contextos de vida de 
hom ens e m ulheres61. Em um contexto teórico bastante diverso da 
análise do comportamento, Ratner (2000) apresenta uma abordagem 
para a questão da base biológica das em oções que c compatível com 
essa ideia de diferenciação cultural da experiência emocional:
61 Um comentário de Russell (1991) ilustra como maior diversidade de con­
ceitos emocionais representa maior diferenciação de uma classe de fenômenos: 
“algumas línguas não distinguem claramente o que o inglês trata como categorias 
emocionais separadas de um nível básico. Left (1973, p, 301) assinalou que em 
algumas línguas africanas lima mesma palavra abrange o que distinguiríamos 
como raiva e tristeza" (p. 430). Outros exemplos similares são encontrados nesse 
mesmo trabalho.
CAPfTULO 2 131
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A evidência apresentada acima indica que as funções biológicas que 
medeiam os fenômenos psicológicos são integradas com funções cul- 
turais-psicológicas. A integração acontece porque a biologia se adapta 
às atividades culturais. As funções biológicas são o material bruto que 
é moldado pelas atividades culturais. A biologia é indispensável para 
a Psicologia e para a cultura. No entanto, ela não determina seu con­
teúdo específico, (p. 33)
Ratner (2000) constrói uma teoria explicativa de emoções também 
baseada na atividade hum ana. Embora a apresente como uma teoria 
da atividade, há um caráter relacional evidente na sua explicação.
A ênfase em atividades como base das emoções produz a descrição 
e a explicação mais vívidas das emoções porque as conecta à riqueza 
vibranle da vida real. Ela relaciona as emoções às mudanças dinâmicas 
que estão aconlccendo na economia mundial, aos tipos de governo e 
sistemas legais nos quais as pessoas vivem, à maneira como a assis­
tência à saúde é provida, às mudanças nas relações familiares e nos 
sistemas educacionais nos quais as crianças crescem, à arte que c pro­
duzida e à mídia à qual as pessoas são expostas, às inovações e artefatos 
tecnológicos espetaculares e à infraestrutura física cm mudança nas 
cidades. Ignorar a atividade condu/. aignorar muitos aspectos culturais 
específicos das emoções. Conduz também a explicações incompletas 
das características, tormação e função das emoções, (p. .34)
Em sum a, variáveis culturais produzem sen tim entos diversos, 
mas limitados por um aparato produzido filogeneticamentc. Alguns 
sentim entos podem ser mais o produto dessas variáveis culturais e 
outros podem estar mais próximos daquela base filogenética. Desse 
modo, um sentim ento será mais diferenciado entre culturas quanto 
mais se apresentar como relações produzidas por variáveis culturais 
específicas. Em outra direção, algumas em oções, referidas como 
em oções básicas (cf. Ekm an, 1999/2004), serão menos variáveis 
entre culturas, na m edida em que se apresentem apenas (ou pre- 
dom inantem ente) como relações produzidas por variáveis seletivas 
filogenéticas. Dessa perspectiva, sentim entos e emoções variam ao 
longo do mesmo conünuum de complexidade descrito anteriormente,
132 SUBJETIVIDADE E RELAÇÕES COMPORTAMENTAIS
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localizandose cm diierenl.es pontos desse continiium, dependendo 
do quanto dele participam relações produzidas filogcncticam ente, 
ontogeneticam ente ou culturalm cntc.
As diferenças entre emoções e sentimentos
Os conceitos de emoções e sentim entos são frequentem ente usados 
como sinônimos, tanto na linguagem ordinária quanto na literatura 
psicológica. Algumas abordagens científicas, porém, evidenciam um 
interesse em em pregar esses conceitos para difcrenciar certos con­
juntos de fenômenos. A linguagem então aparece como o aspecto ca­
racterístico do que é possível diferenciar e, nesse caso, o continuum 
de causalidade delineado neste estudo pode scr útil para a análise. 
Isto é, nas diferenciaçõcs disponíveis, o conceito de em oção pode 
ser empregado para designar relações com portam entais relacionadas 
à aletividade produzidas por variáveis filogcncticas c ontogenéLieas, 
enquanto sentim entos seriam aquelas relações produzidas por va­
riáveis culturais (a partir das emoções).
Essa alternativa de in terpretação seria consistente com certas 
alegações no cam po da fisiologia, de acordo com as quais emoções 
são “estados corporais” (se considerarm os que estão se referindo a 
respostas fisiológicas em certas em oções) e sentim entos são “sen­
sações conscientes”, cada tipo de fenôm eno “mediado por circuitos 
neuronais d istintos no cérebro” (Iversen, Kupfermann & Kandel, 
2000, p. 982). Seria parcialm ente consistente ainda com a argu­
m entação de Ekm an (1999/2004), dc acordo com a qual, em certo 
sentido, todas as em oções são básicas, mas distintas de “outros fe­
nôm enos afetivos” (embora ainda seja necessário examinar se nesse 
conceito de em oção se incluiriam tam bem com poncntcs ontogené- 
ticos). Também para alguns sistemas explicativos em Psicologia, não 
com portam entais, a distinção parece relevante. Dér (2004) assinala 
que para Wallon
a afetividade é um conceito amplo que, além de envolver um compo­
nente orgânico, corporal, motor e plástico, que c a emoçào, apresenta 
tambem um componente cognitivo, representacional, que são os sen­
timentos e a paixão. O primeiro componente a se diferenciar é a emo­
CAPÍTULO 2 133
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ção, que assume o comando do desenvolvimento logo nos primeiros 
meses de vida; posteriormente, diferenciam-se os sentimentos e, logo 
a seguir, a paixão, (p. 61)
Não está claro que para a análise do com portam ento uma tal di­
ferenciação seja recom endada ou produtiva, sobretudo se conside­
rarmos que o modelo de seleção por consequências possibilita, com 
mais economia conceituai, um a apreciação mais abrangente das d i­
versas configurações (relacionais) que (o que denom inam os na lin­
guagem coloquial como) sentimentos e emoções podem adquirir para 
indivíduos em contato com diferentes sistem as culturais. Assim, a 
referência a esse problema no contexto da presente discussão tem 
apenas a função de m ostrar que quando um a diferenciação entre 
sentimentos e emoções é buscada por outros sistemas explicativos, o 
resultado a que chegam baseia-se em dimensões relacionais dos fenô­
menos, contempladas no modelo interpretativo aqui apresentado.
O status da fisiologia na definição de sentimentos e emoções
Toda relação com portam ental implica uma ação do organismo como 
um todo (embora não se limite a isso, pois dela tam bém participam 
variáveis am bientais), portanto envolvendo todos os seus sistemas 
orgânicos (cf. Kantor, 1922, 1923; Kantor & N. W. Sm ith, 1975). 
Porém, certos com ponentes fisiológicos dc uma resposta podem ser 
ou não especialm ente relevantes para sua definição. Por exemplo, 
eventos fisiológicos podem ser críticos (Kantor diria “mais proem i­
nen tes”) quando o indivíduo saliva, mas não terão o mesmo papel 
para a (definição de uma) resposta de abrir um a porta. Dizer que o 
evento é “crítico” em um caso, mas não no outro, significa que pode 
ter ou não uma função específica no fenôm eno com portam ental sob 
exame, e variar menos (na resposta de salivar) ou mais (na resposta 
de abrir a porta) entre indivíduos.
Um ciência do com portam ento deve evitar visões redueionistas de 
seu objeto, mas precisa explicar o status da base fisiológica do com­
portamento. No caso de emoções e sentimentos, os com ponentes fi­
siológicos serão mais ou menos relevantes (ou “críticos”), dependendo 
do ponto do nosso continuum em que o fenôm eno se localiza.
134 SUBJETIVIDADE E RELAÇÕES COMPORTAMENTAIS
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As emoções básicas, produtos de variáveis seletivas filogenéticas, 
apresentarão um com ponente fisiológico mais sem elhante entre os 
indivíduos e a referência a esse com ponente pode ter alguma re­
levância para a definição da resposta (a resposta pode ser mais ti­
picam ente um a resposta fisiológica). Fenômenos com portam entais 
(inclusive relativos à privacidade) mais complexos, cm contrapartida, 
revelarão uma variabilidade fisiológica muito maior. lViman e cols. 
(1998) abordaram esse ponto na análise da ansiedade e o argumento 
ali desenvolvido (de acordo com o qual a fisiologia da ansiedade é 
a mesma de m uitas outras relações com portam entais)62 aplica-se a 
m uitas outras instâncias de sentim entos. Amor, paixão, felicidade 
e outros sentim entos positivos, por exemplo, podem difercnciar-sc 
com respeito às relações com portam entais envolvidas, mas com par­
tilhar com ponentes fisiológicos específicos6*. A identificação desse 
componenLe será, portanto, de pouca ou nenhum a utilidade para 
uma identificação do sentim ento presenLe em um dado momento.
Resumindo, quanto mais complexo um sentimento, mais variável 
e menos im portante sua fisiologia para uma defiçâo do fenômeno. E 
à medida que a fisiologia se mostra mais variável e menos relevante 
como propriedade definidora de um fenômeno relativo à privacidade, 
é a análise com portam ental, não a fisiológica, que produzirá uma
62 Friman e cols. (1998) exemplificam: “uma definição comum de ansiedade é 
a reatividade fisiológica a eventos com resultados incertos, porém potencialmen­
te aversivos. Atravessar uma rua sem carros e ser subitamente tomado por um 
responder fisiológico de alta intensidade (e.g., batimento cardíaco, respiração, 
transpiração e pressão arterial elevados) é considerado uma instância de ansie­
dade ... Atravessar a mesma rua c quase ser batido por um carro produz a mesma 
fisiologia, mas não constitui uma instância de ansiedade, Isso seria uma instância 
de medo” (p. 138).
63 Saindo um pouco do foco em sentimentos e emoções, é relevante registrar que 
há semelhanças na atividadeneurofisiológica quando são emitidas respostas 
que diferem quanto à presença ou ausência de certos estímulos controladores. 
Por exemplo, o ver e o imaginar parecem ser emitidos com o mesmo tipo de 
atividade neural (cf. Donahoe 8c Palmer, 1994). Com isso, "a interpretação do 
imaginar não parece requerer a postulação de quaisquer processos biocomporta- 
mentais que sejam únicos do imaginar” (Donahoe 8c Palmer, p. 256).
CAPÍTULO 2 135
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com preensão do fenômeno. É tam bém a intervenção comportamen- 
tal, não a intervenção fisiológica, que será requerida para solucionar 
problemas relacionados àquele fenômeno.
Relações Comportamentais e as 
Dicotomias Psicológicas Clássicas
A abordagem para a subjetividade delineada nas seções anteriores, 
na medida em que trata os problem as relacionados a sentim entos e 
pensam entos como problem as no campo das relações do indivíduo 
com contingências de seu m undo físico c social (especialm ente o 
último), conflita com as categorias analíticas encerradas nas dico­
tomias psicológicas clássicas. Na presente seção, serão discutidos 
alguns aspectos desse conflito.
Com o assinalado no Capítulo 1, as dicotomias psicológicas sur­
gem como expressão de uma visão de homem particular (própria do 
individualismo). É nesse terreno que começam as dificuldades para 
conciliar aqueles conceitos com o sistema explicativo analíLico-com- 
portam cntal. Para este últim o, o hom em não é um ser autônom o, 
que por força de suas faculdades ou qualidades c capaz de subm eter 
o m undo a seus interesses. D iferente disso, as compeLências (e.g., 
cognitivas, profissionais, artísticas etc.) do hom em definem-se ape­
nas nas relações com outros hom ens (um a discussão do problem a 
da autonom ia é apresentada no Capítulo 3, adiante). Com respeito 
a isso, há grande proximidade entre o ponto de vista analítico-com- 
portam ental c a abordagem oferecida por Elias (e.g,, 1939/1990b, 
1987/1994). No lugar de indivíduos, a análise do com portam ento 
também vê homens e m ulheres relacionando-se com o m undo físico 
e uns com os outros, c identifica nessas relações a descrição/explica­
ção possível para os ternas de que a Psicologia se ocupa.
Uma análise científica do comportamcnto despoja o homem autô­
nomo e transfere o controle que se tem dito que ele exerce sobre o 
ambiente. O indivíduo pode então ser visto como particularmente vul­
nerável. Ele será a partir de então controlado pelo mundo à sua volta c 
em grande parte por outros homens. (Skinner, 1971/2002, p. 205)
136 SUBJETIVIDADE E RELAÇÕES COMPORTAMENTAIS
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Na análise do comportamento, as relações do homem com o m un­
do são examinadas enquanto relações funcionais, produzidas por va­
riáveis filogenéticas, ontogenéticas e culturais. Variáveis culturais, 
por seu turno, modelam o com portam ento individual, e são selecio­
nadas ao fazerem isso, por seu efeito para o grupo e não para o indi­
víduo particular (esse aspecto tam bém será discutido no Capítulo 3, 
adiante). A partir disso, é necessário olhar para o responder hum ano 
como parte de um sistem a mais complexo do que sim plesm ente 
o que representam enquanto ação do indivíduo. É necessário exa­
m inar sua função no contexto de relações que podem ser mais ou 
menos complexas (em geral, muito complexas - especialm ente mais 
complexas do que é possível investigar experim entalm ente). Mesmo 
quando um indivíduo formula isoladam ente um enunciado sobre 
uma parcela qualquer da realidade, um Robinson Crusoé qualquer, 
que explique a cor de seus sapatos ou o trajeto dos astros, esse fenô­
meno será inteligível apenas à .luz de sua história ambiental. Onde há 
linguagem (e só com ela o Robinson Crusoé pode formular qualquer 
descrição da realidade) há mediação social64, há relações específicas 
com parcelas da realidade que se tornaram diferenciadas para o ho­
mem por força de sua exposição a am bientes sociais sofisticados.
C ertas relações com portam entais verbais são produzidas por am ­
bientes sociais que promovem a auto-observação e um responder 
diferenciado sob controle de condições corporais. Algumas vezes, 
condições corporais que se relacionam de modos especiais com 
sentim entos e emoções (em alguns casos, alterações fisiológicas eli- 
ciadoras de respostas motoras, ou condições estabelecedoras). As 
funções adquiridas pelas condições corporais sob tais contingências 
são únicas, mas tam bém inteligíveis apenas como parte de arranjos 
complexos de contingências. Do mesmo modo que a complexidade
64 Apesar de ter alirrnado, em 1945 (Skinner, 1945), que o que importa para o 
Robinson Crusoé não é se ele concorda com alguém, mas se consegue lidar cio 
modos efetivos com a realidade, Skinner {1971/2002) reconhece que Crusoé 
tem "débitos com a sociedade” {p. 123), pois se tivesse chegado à ilha em que 
viveu isolado ainda bebê, sua hisLória "Leria sido diferente” {p. 124).
CAPÍTULO 2 137
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das relações de interdependência dificulta a percepção das ligações 
com os outros hom ens e m ulheres (cf. Elias, 1987/1994), a com ­
plexidade das contingências que promovem uma diferenciação das 
condições corporais em relações emocionais favorece uma visão da 
emoção como ocorrência do ou no indivíduo. Nos dois casos, a ciên­
cia funciona para contrariar o “conhecim ento '' imediato, em parti­
cular, funciona para contrariar concepções confortáveis e sedutoras 
baseadas no que o leigo é capaz de discriminar acerca de suas rela­
ções com o m undo, mostrando-as como descrições precárias (de um 
ponto de vista da instrum entalidade científica) de fenômenos que só 
sc tornam inteligíveis quando unidades mais amplas e medidas mais 
sofisticadas são empregadas para a análise.
Algumas considerações adicionais podem ser feitas acerca dos 
problemas aqui examinados, considerando cada uma das dicotomias 
psicológicas clássicas.
A dicotomia público-privado
Há uma diferença fundam ental en tre a separação público-priva- 
do na Sociologia (assim como na Economia, na Política etc.) e na 
Psicologia. Na Sociologia, a separação expressa o afastam ento dos 
homens uns dos outros, seja do ponto dc vista do com partilham ento 
de funções e obrigações, seja do ponto de vista da sociabilidade. 
Nesse contexto, porém , o privado nem sem pre está lim itado pelo 
universo individual (pode alcançar o núcleo familiar, ou outras re­
lações) e nunca conduz a um inquérito metafísicof,\ Na Psicologia, 
a separação público-privado não apenas funciona para postular-se 
um isolamento individual, isto c, para elevar o indivíduo particular a 
unidade de análise, como frequentem ente mostra-se associada a um 
subjetivismo, ou dualismo metafísico. Esta observação é im portante 
para que sc entenda que a afirmação da separação público-privado 
em outros contextos analíticos não fundam enta a adoção dessa refe­
rência na Psicologia com as feições assinaladas.
65 Provavelmente por essa ra/ao a distinção público-privado nao conduz, na 
Sociologia, a um debate tão extenso ou frequente quanto na Psicologia.
138 SUBJETIVIDADE E RELAÇÕES COMPORTAMENTAIS
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Skinncr (e.g., 1945) encontra na dicotomia público-privado uma 
saída para evitar o dualismo metafísico, ao mesmo tem po em que 
garante que enquanto ciência do com portam ento a disciplina psico­
lógica continuaria a voltar-se para seus problemas originais (relacio­
nados à subjetividade). Para Skinner, é muito im portante o fato de 
que a distinção público-privadoé um a distinção de fronteiras, não 
de natureza. A (in)observabilidade (pública e direta) passa, assim, a 
ser a dimensão que torna diferenciados os fenômenos relativos à sub­
jetividade, o que justifica que recebam um tratam ento diferenciado.
Em sua discussão do privado como inacessível à observação pú ­
blica, Skinner (e.g., 1945) faz referência a estím ulos e respostas. 
Isto é, são certos estím ulos e certas respostas que por razões d iscu­
tidas anteriorm ente m ostram -se inacessíveis à observação pública 
direta, ao passo que podem assum ir certas funções cm relações 
com portam entais. A partir desse reconhecim ento, porém , vamos 
encontrar em Skinner (e.g., 1974/1993) e em outros analistas do 
com portam ento (e.g., Anderson e cols., 1997) referendas a fenôm e­
nos com portam entais mais complexos, que na realidade se definem 
como relações, e ainda assim são descritos como eventos privados. 
Esse vem a ser um aspecto problem ático dos usos do conceito de 
eventos privados na análise do com portam ento. Se, por um lado, 
é verdade que estím ulos e respostas podem ser inacessíveis à ob­
servação pública direta, por outro, estím ulos e respostas existem 
enquanto tal apenas no contexto de relações, que necessariam ente 
têm dim ensões públicas. Os eventos da subjetividade, sentim entos 
e pensam entos, em particular, enquan to relações com portam entais 
não são p ropriam ente públicos, nem privados. São relações das 
quais podem partic ipar (sob certas condições) eventos inacessí­
veis à observação pública direta, mas das quais tam bém participam 
eventos observáveis. Sendo essa um a conclusão derivada do próprio 
sistem a explicativo da análise do com portam ento, tem os que essa 
abordagem psicológica provê alguns instrum entos conceituais para 
a superação, na Psicologia, da categoria de privado como descritiva 
dc instâncias de seu objeto de estudos, ao mesmo tem po em que 
equacionam o problem a da (in)observabilidade de certos termos das 
relações com portam entais.
CAPÍTULO 2 139
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Tam bcm a partir de Skinner (1945), analistas do com portam en­
to tenderão a classificar termos dc relações com portam entais como 
públicos ou privados. A m esm a ciência, servindo-se da interlocu- 
ção com outros sistemas explicativos, pode postular que não é bem 
assim. Primeiro, a observabilidade dc certos term os das relações 
com portam entais não constitu i sim plesm ente um a propriedade 
intrínseca a esses eventos, mas é uma propriedade dependente da 
relação observador-observado. Segundo, a propriedade de observabi­
lidade de estímulos (considerando-se o que controla autodcscriçõcs 
de emoções e sentim entos) e respostas varia ao longo de um conti- 
nuum , como função de aspectos formais e relacionais.
Pode-se questionar (c.g., Ribes, 1982) se há sentido cm valori­
zar a observabilidade restrita de certos estímulos e certas respostas, 
quando esse tipo de restrição pode ser encontrado na análise de 
lima infinidade de relações com portam entais não conectadas com o 
tem a da subjetividade. É bom lembrar, no entanto, que para a cul­
tura ocidental moderna a inobservabilidade de estímulos e respostas 
constitui um problema dc interesse especial apenas quando conec­
tada com a problemática do autocontrole e é isso que justificará uma 
atenção especial às instâncias de inobservabilidade relacionadas com 
a subjetividade ou privacidade.
A noção de privado assim formulada, é im portante ressaltar, não 
se conecta com as noções de mental, de interno, ou de subjetivo. A 
noção dc privado, não sendo um rótulo para o fenôm eno comporta- 
mental ou psicológico, apenas sinaliza que sob certas conLingências 
a observabilidade de um term o da relação com portam ental poderá 
ser restrita - não naturalm ente ou irrem ediavelm ente restrita, mas 
circunstancialm ente restriLa. As contingências sob as quais isso 
acontece são contingências culturais que precisam ainda ser identi­
ficadas de modos mais precisos. Os estudos históricos e sociológicos 
oferecem uma direção para essa investigação, o proccsso dc ind i­
vidualização no m undo m oderno. Como assinalado anteriorm ente, 
essa observabilidade restrita pode tam bém emergir sob outras con­
tingências culturais, mas talvez dc um modo que não dá origem à 
investigação e à teorização psicológicas.
140 SUBJETIVIDADE E RELAÇÕES COMPORTAMENTAIS
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A dicotomia objetivo-subjetivo
A ideia de separação entre um m undo objetivo e um m undo sub­
jetivo está assentada em uma visão representacional da linguagem, 
duram ente criticada ao longo do século XX, cspccialm cntc a partir 
do trabalho de W ittgenstein (1 953/1 988). A adoção de uma concep­
ção funcional da linguagem, como na análise do com portam ento, 
conduz necessariam entc a uma dissolução desse dualismo, uma vez 
que implica considerar que Lodas as descrições (de pensam entos 
e sentim entos, ou da realidade física que cerca os indivíduos) são 
função da exposição a parcelas do universo, sob controle de certas 
contingências do reforço que tornam essas parcclas mais ou menos 
diferenciadas, ou diferenciadas quanto a uns ou outros aspectos.
Para Skinner, um a vez que todo responder verbal é função de 
contingências dc reforço, enunciados científicos sobre a realidade 
não são mais objetivos do que descrições concorrentes (poéticas, 
literárias, ou jornalísticas), não estão mais próximas de uma essência 
ou propriedade fundam ental da realidade. D ilcrcnciam -sc apenas 
porque são mais eficientes em promover a previsão e o controle dos 
fenôm enos66.
E um erro ... dizer que o mundo descrito pela ciência é, de alguma 
forma, mais próximo “do que realmente existe", mas também é um 
erro dizer que a experiência pessoal do artista, composilor, ou poeta 
está mais próxima “do que realmente existe”. Todo comportamento é 
determinado, direta ou indiretamente, por consequências, e os cnm-
66 É verdade que a iioçâo de método, inaugurada no século XVII. subsiste na 
ciência moderna e implica seguir um conjunto de regias de modo a evitar que 
características pessoais interfiram negativamente na produção de conhecimento. 
Há, porém, duas observações a fazer. Primeiro, as características ‘pessoais” não 
são tão pessoais assim, mas apenas não compartilhadas por todos os membros de 
uma dada comunidade (o que é pessoal é uma história ambiental, não algo con­
tido no sujeito). Segundo, há uma distância entre afirmar que as contingências 
sociais responsáveis pelo fazer científico funcionam para limitar a interferência 
de inclinações pessoais e supor que a descrição científica descreve uma realidade 
independente. Ela descreverá sempre uma realidade enquanto objeto investigado 
sob controle das práticas de uma comunidade verbal.
CAPÍTULO 2 141
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portamentos de ambos, o cientista e o não-cientista, são modelados
pelo que realmente existe, mas dc maneiras diferentes. (Skinner,
1974/1993 , pp. 140-141)
De outro lado, conceitos emocionais não descrevem um m undo 
“subjetivo”, próprio do sujeito, à parte da realidade com partilhada 
por todos. N ovam ente, onde há linguagem, há uma base pública 
para todas as descrições.
Os processos verbais envolvidos nos modos como cm sociedades 
complexas as descrições sobre a realidade (inclusive a realidade “psi­
cológica”) são construídas e validadas são os m esm os encontrados 
em sociedades mais simples, porém as relações entro os indivíduos 
são muito mais complexas devido à extensão (muito maior) do uni­
verso social que participa desses processos e os modos (diferentes 
do debateface a face) como isso acontece. E mais fácil, sob as novas 
condições, considerar que as descrições a que se chega resultam 
do pensam ento ou da reflexão pessoal (desse m undo particular do 
sujeito) e/ou do controle de outros aspectos da vida “subjetiva”, mas 
a postulação de (acuidades pessoais aqui m eram ente substitui o que 
não pode ser especificado por ser muito complexo.
A dicotomia físico-mental
Um passo im portante para a postulação da categoria de m ental con­
siste, como assinalado antes, cm tratar fenômenos relacionais como 
ocorrências individuais. Uma vez instituída essa lógica, o debate 
acerca da natureza (física ou mental) daquelas ocorrências reprodu­
zirá o dualismo. Quando indagamos se podemos atribuir uma natu­
reza física a certo evento, estamos admitindo que se trata de evento 
com respeito ao qual faz sentido indagar acerca de suas dim ensões 
físicas, e com respeito ao qual negar essa dim ensão física significa 
considerá-lo dotado de uma natureza especial. Por essa razão, no 
lugar dc afirmar, como Skinner (1945), que um a dor de dentes tem 
dimensões físicas, será mais produtivo afirmar que dor de dentes não 
é uma ocorrência do ou no indivíduo, mas uma relação do indivíduo 
com o m undo na qual certas condições corporais adquirem uma fun­
ção. A dor, sendo ela própria um responder sob controle de estímulos
142 SUBJETIVIDADE E RELAÇÕES COMPORTAMENTAIS
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(públicos e privados), não é física ou m ental, embora dela participc 
um organismo (portanto, um ser dotado dc dimensões físicas, assim 
como químicas, elétricas etc.).
Assim, a superação do dualismo físico-mental depende menos dc 
uma afirmação da existência de dim ensões físicas nos fenôm enos 
humanos, e mais da afirmação do caráter relacional desses fenôm e­
nos. Essa perspectiva pode usufruir das proposições analítico-com- 
portam entais tanto quanto essas proposições instituem um a lógica 
relacional de análise dos fenômenos humanos. Isso acontece quando 
no lugar de substâncias (como “pensam ento”) analisamos atividades 
hum anas (como o ‘p e n sa r’) e as relacionam os a contingências dc 
reforço, e quando destacamos que, mesmo na ausência de outros, o 
responder verbal é mediado socialm ente, isto é, constitui um fenô­
meno dependente de contingências sociais.
Uma vez abandonado o individualism o, o m entalism o torna-se 
desnecessário. Se a capacidade de hom ens e m ulheres refletirem 
criticam ente acerca do m undo à sua volta, coletarem evidências 
empíricas de relações entre eventos e contrastarem -nas com descri­
ções possíveis da realidade, sistematizarem descrições abrangentes e 
econômicas de classes de fenômenos, se todas as capacidades desse 
tipo forem consideradas capacidades que requerem e se realizam no 
plano das relações uns com os outros, a questão de um a natureza 
mental da capacidade reflexiva deixa de ser colocada.
Para que a lógica relacional seja persuasiva na Psicologia, será 
necessário nela acom odar o reconhecim ento de uma especificidade 
dos fenômenos considerados relacionados à subjetividade. Isso é fei­
to quando se destaca a observabilidade restrita de certos estímulos e 
ccrtas respostas; os primeiros (estímulos), em razão de se tratar de 
condições corporais que adquirem um a função para o responder 
de um indivíduo, que não podem adquirir para o responder de ter­
ceiros; as últim as (respostas), em razão de dim ensões estru turais 
(grau de participação do aparelho motor) e relacionais (história dc 
interação observador-observado, instrum entos e treino de observa­
ção do observador) que as tornam menos evidentes do que respostas 
tipicam ente motoras.
CAPÍTULO 2 143
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Provavelmente será necessário que um combate anterior seja ven­
cido, antes que a lógica relacional seja aceita, no lugar da lógica indi­
vidualista e subjetivista que sustenta a crença em um mundo mental, 
isto é, será necessário vencer, ou superar, a concepção de homem 
dom inante nesta cultura. De certo modo, essa é uma batalha que 
já vem sendo travada e não apenas pela análise do com portam ento. 
Concepções antimentalistas e antirrepresentacionistas da linguagem, 
cm particular a perspectiva funcional de W ittgenstein (1953/1988), 
tiveram ampla repercussão no pensam ento ocidental do século XX, 
com penetração em várias esferas da cultura e das hum anidades. Na 
Sociologia, a concepção anti-individualista de Elias (e.g., 1987/1994) 
alcançou notável reconhecim ento a partir da década de 1970, so­
bretudo na Europa. Na Filosofia, o neopragmatismo de Rorty (e.g., 
1982, 1988, 1993) caminha na mesma direção, enfatizando os pro­
cessos dialógicos como o campo de construção e validação de nossas 
reivindicações a conhecim ento, como o espaço no qual se definem, 
a cada m om ento de nossa história intelectual, os critérios com base 
nos quais tomamos nossas crenças como verdadeiras.
Sc não virmos o conhecer como a posse de unia essência, a ser des­
crita por cientistas ou filósofos, mas antes como um direito, pelos 
padrões correntes, a acreditar, estaremos então no bom caminho 
para ver a conversação como o contexto último em que o conhe­
cimento deve ser compreendido. O nosso foco passa da relação 
entre os seres humanos e os objetos do seu inquérito para a re­
lação entre padrões alternativos de justificação, e daí para as efetivas 
alterações nesses padrões que formam a história intelectual. (Rorty, 
1988, p. 300, itálico do original)
Não por acaso, alguns trabalhos assinalam certas aproximações 
possíveis do pensam ento skinneriano com W ittgenstein (e.g., Bloor, 
1987; Costall, 1980; Day, 1969; Lampreia, 1 992; Tourinho, 1994b; 
Wallcr, 1977) e com Rorty (e.g., Lamal, 1983, 1984; Leigland, 1999; 
Tourinho, 1994b). Q uem sabe em breve serão tam bém algumas re­
ferências acerca de aproximações e interlocuções possíveis entre 
Skinner e Elias.
144 SUBJETIVIDADE E RELAÇÕES COM PORTA MENTA IS
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A dicotomia interno-externo
Interno e externo constituem conceitos que podem ser empregados 
na descrição da localização de objetos ou eventos, tendo-se como 
referência alguma fronteira, a partir da qual se diz que os objetos ou 
eventos estão de um lado (dentro) ou de outro (fora). A gramática 
desses conceitos (para usar novam ente o termo w ittgensteiniano) 
requer, portanto, a indicação das relações espaciais en tre o que é 
contido c o que o contém. Uma bola pode estar dentro de uma cai­
xa, assim como um livro pode estar dentro de uma casa. Q uando se 
diz que pensam entos e sentim entos são eventos internos, há duas 
possibilidades: (a) ignorar o requisito de especificar uma fronteira 
e usar os conceitos de interno e externo com um sentido m etafó­
rico impreciso, ou (b) postular que a pele constitui a fronteira. No 
primeiro caso, abdicam os de prover uma descrição científica para 
sen tim en tos e pensam entos. No segundo, deixamos de consi­
derar sentim entos e pensam entos como eventos do organismo como 
um todo e passamos a trabalhar com a ideia de que pensar c sentir 
são atividades de parte(s) do organismo (ainda por serem especifi­
cadas). As duas posições sustentam a noção de m undo interno, que 
assim invade o discurso do leigo e do cientista.
A opção de ignorar o requisito de especificar uma fronteira para a 
definição da interioridade frequentem ente aparece quando a noção 
de interioridade vem associada ao mentalismo. O m undo m ental é 
que é interno. Nesse caso, há uma impossibilidade lógica notória. Sc 
o mundo mental não está dotado da propriedade de extensão encon­
trada no m undo material, senão pode ser localizado espacialm ente, 
como pode localizar-se dentro ou fora de alguma coisa?
A opção de considerar sentim entos e pensam entos como eventos 
sob a pele significa tratá-los como ocorrências de partes do organis­
mo, o que conduz a um reducionismo organicista. Esse rcducionis- 
mo pode f uncionar para evitar o m entalismo, mas não para instaurar 
um objeto de investigação psicológica. Se o “pensar”, por exemplo, 
for identificado com a atividade do sistema nervoso central, podemos 
considerá-lo um a ocorrência interna ao organismo, 'lòdavia, neste 
caso, trata-se de um tipo de lenôm eno que se confunde com o ob­
jeto das neurociências, não requerendo o exame dc uma disciplina
CAPÍTULO 2 145
INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! 14/8/2015
14/8/2015 INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões!
psicológica. Q uando dizemos que o pensar constitu i um fenôm e­
no psicológico, que requer o exame de uma ciência psicológica, isso 
deve significar que, independentem ente do grau de participação do 
sistema nervoso central na emissão da resposta, o fenôm eno se es­
tende para além disso, tem um a outra dimensão — relacional - , que 
o define como objeto dessa outra ciência.
O que favorece conceber sentim entos c pensam entos como fenô­
m enos internos é não apenas a crença de que qualidades do ou no 
próprio indivíduo possibilitam-no representar o m undo e realizar-sc 
em diversos domínios de sua vida (sua razão, fc, vocação, persona­
lidade, convicção, determ inação etc. impulsionam para o sucesso), 
como tam bém o modo particular como sentim entos e pensam entos 
são vividos.
Com uma abordagem relacional para sentim entos e pensam entos 
deixam de fazer sentido as categorias de interno e externo. O pensar 
não está dentro do hom em , como não estão o andar, o pintar, ou 
o m inistrar um a aula. Em todos os casos, estam os diante de rela­
ções das quais participam respostas do organismo como um todo. 
Do m esm o modo, o alegrar-se, o aborrecer-se ou o am edrontar-se 
não se localizam no inLerior do hom em , mas constituem relações 
nas quais certas condições corporais adquirem um a função. A no­
ção de um m undo interno ou sob a pele, referida até por Skinner 
(e.g., 1953/1965), quando discutida à luz da perspectiva relacional 
analítico-com portam ental se definirá por essa dupla abordagem: o 
reconhecim ento da especificidade de relações nas quais condições 
corporais adquirem certas funções e a afirmação dos limites dentro 
dos quais isso ocorre (cf. M alerbi, 1999; Matos, 1999; M icheletto, 
1999; Tourinho, 1999b).
A ideia de que o caráter encoberto de algumas respostas não sig­
nifica que deixam de ser respostas do organismo como um todo, mas 
podem im plicar um a participação reduzida do aparelho motor na 
sua emissão, está em acordo com a análise desenvolvida por Elias 
(1939/1990b) com respeito ao que sustenta a noção dc interiorida­
de na autoimagem do homo clausus. Para Elias, é o autocontrole, a 
vigilância sobre o próprio corpo para evitar que respostas emocionais 
alcancem o aparelho motor, que dá origem a um a experiência de
146 SUBJETIVIDADE E RELAÇÕES COMPORTAMENTAIS
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interioridade dos sentim entos e emoções. Isto é y o autocontrole de 
que Elias trata diz respeito exatam ente à emissão dc certas respos­
tas (emocionais) com reduzida participação do aparelho motor. No 
Capítulo 3, a seguir, esse tema será desenvolvido.
CAPÍTULO 2 147
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CAPÍTULO 3
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Subjetividade, Eventos Privados e 
Relações Comportamentais
No capítulo anterior, delineamos uma caracterização de fenômenos 
psicológicos, cm particular sentim entos, emoções e pensam entos, 
como relações do hom em com o mundo, que não se tornam inteligí­
veis à luz dos conceitos de privado , su b je tiv o , m en ta l ou in tern o , mas 
apenas a partir da especificação da dependência Funcional entre estí­
mulos e respostas, que pode se materializar em fenômenos com graus 
variados de complexidade e observabilidade. A luz das análises ali 
desenvolvidas, o sistem a explicativo analítico-com portam cntal pode 
ser reconhecido como um sistema que não reproduz o individualismo 
e o subjetivismo que historicam ente fundam entaram a edificação da 
Psicologia como disciplina independente. Aquelas análises, porem, 
embora conLrariem crenças e conceitos psicológicos modernos, não 
explicam suficientem ente algumas questões importantes destacadas 
em trabalhos históricos, como aqueles mencionados no Capítulo 1. 
Em particular, a in d iv id u a liza ç ã o , a a u to n o m ia e o a u to c o n tro le do 
homem que vive nas sociedades modernas, aos quais a problemática 
de sentimentos e pensam entos encontra-se estreitam ente vinculada, 
constituem tem as que precisam ser ainda examinados. O presente 
capítulo ocupa-se desses temas, discutindo como podem ser tratados 
à luz de princípios analítico-com portam entais e como suas conexões 
com a problem ática de sentim entos e pensam entos podem ser pro­
dutiva e coerentem ente interpretadas. O exame dos temas não altera 
a interpretação analítico-com portam ental desenvolvida no Capítulo 
2, mas conferc-lhc um novo cnquadream cnto, que estende o alcancc 
de suas contribuições e favorece, dentre outros, o diálogo com disci­
plinas que se ocupam de problemas afins.
CAPÍTULO 3 151
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A Individualização
O processo de individualização no m undo m oderno pode ser en ­
focado a partir de duas referências. A prim eira consiste no fato 
de que cada hom em ou m ulher vem a ser único(a), singular, 
diferenciado(a) de todos os outros hom ens e m ulheres à sua volta 
em aspectos considerados m uito relevantes. Sob essa ótica, a indivi­
dualidade, ou singularidade do indivíduo, implica o reconhecim ento 
de que mesmo no interior de uma cultura com partilhada por outros 
hom ens e m ulheres cada um m erece atenção por aquilo que lhe é 
pessoal, próprio, inconfundível com os atributos do vizinho ao lado 
(em outras palavras, sua “subjetividade”).
Uma segunda abordagem possível para o processo de individuali­
zação consiste em examinar relações de contingências que definem 
a diferenciação de homens e mulheres uns dos outros na vida coti­
diana, e que ganham im portância especial nas sociedades de m er­
cado. Hom ens e m ulheres sem pre foram diferentes uns dos outros, 
cm muitos aspectos, e isso, em outros contextos culturais, não deu 
origem ao conceito de indivíduo, a conjuntos dc práticas e crenças 
baseadas na autoimagem do homo clmisus, enfim, a uma cultura in­
dividualista c subjetivista. Q uando a diferenciação se tom a m uito 
im portante, o que m uda não é o fato dc que atributos pessoais d i­
ferem, mas o fato dc que relações de contingências im portantes na 
vida cotidiana se transformam. Ksse segundo percurso analítico põe 
então em destaque a peculiaridade do processo dc individualização 
nas sociedades de mercado, buscando identificar contingências que 
explicam a cmcrgcncia da individualidade como categoria do pensa­
m ento moderno.
O primeiro tipo de abordagem para o processo de individualização 
é claram ente desenvolvido na liLeralura analítico-com portam ental. 
Na introdução de seu Sobre o behaviorismo, Skinner (1974/1993)enum era vinte concepções equivocadas acerca das realizações e do 
alcance da análise do com portam ento. Uma dessas concepções vei­
cula a ideia de que a análise do com portam ento “se prcocupa apenas 
com princípios gerais e, portanto, despreza a singularidade do indi­
víduo” (p. 5). Há, nessa eríLiea, uma confusão entre a investigação 
dc rcgularidades dos fenôm enos com portam cntais e a aplicação do
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conhecim ento daí derivado ao exame do com portam ento individual. 
Ela talvez reflita o fato de que o desenvolvim ento da análise expe­
rim ental do com portam ento só foi acom panhado tard iam ente por 
um interesse maior na sua aplicação (especialm ente em contexto 
de terapia verbal face a face), assim como na interpretação de fenô­
m enos complexos, Se é verdade, porém , que o sistem a explicativo 
skinneriano oferece leis gerais do com portam ento, sua aplicação na 
intervenção ante o com portam ento individual parte do reconheci­
m ento do caráter idiossincrático das relações com portam entais que 
resultam da história am biental particular dc cada organismo67.
Iodo organismo hum ano é único, d i/ Skinner, enquanto resultado 
de múltiplas determinações, que, no entanto, não o tornam senhor de 
seu destino como pessoa, do destino dc sua espccie, ou do destino 
de seu grupo.
O indivíduo é no máximo um lócus no qual muitas linhas de desenvol­
vimento se agrupam de um modo único. Sua individualidade é inques­
tionável. Cada célula em seu corpo é um produto genético único, tão 
úníca quanto a marca clássica da individualidade, a impressão digital.
67 Na terapia analítico-cornportamental, esse reconhecimento constitui o ponto 
de partida para a intervenção e repercute sobre todos os aspectos (e.g., técnicos 
e éticos) que a compõem. Segundo Samson e McDonnell (1990), “uma análise 
funcionai pode ser altamente complexa e, como decorrência, específica ao in­
divíduo. E improvável que sejam exatamente as mesmas as intervenções que as 
análises funcionais podem recomendar para dois problemas que pareçam ser 
similares. Quaisquer similaridades entre as intervenções estarão relacionadas 
à similaridade das funções a que os problemas servem. Isso significa que não é 
possível, quando se usa uma abordagem analítica funcional, fazer generalizações 
amplas sobre a intervenção a ser realizada ou sobre o estilo com que deve se 
apresentar” (p. 260). Também discutindo a terapia analítico-cornportamental, 
Neno (2005) assinala que “as fontes de individualização em uma intervenção 
clínica podem ser de três ordens. Uma primeira diz respeito à variabilidade das 
relações comportamentais, ao caráter idiossincrático das relações comportamen­
tais que definem os problemas de cada indivíduo em atendimento. Llm razão 
disso, qualquer modelo de intervenção, para ser eficiente, precisará ser sensível 
àquela variabilidade e prover condições para que seja adequadamente contem­
plada em suas estratégias' (p. 221).
CAPÍTULO 3 153
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E mesmo no interior da cultura mais uniforme, cada história pessoal é 
única. ... Mas o indivíduo permanece meramente um estágio em um 
processo que se iniciou muito antes dele vir a existir e que continuará 
longamente após clc. Ele não tem qualquer responsabilidade última 
por um traço da espécie, ou por uma prática cultural, embora tenha 
sido ele que passou pela mutação ou introduziu a prática que se tornou 
parte da espécie ou da cultura. (Skinner, 1971/2002, p. 209)
O modo causal de seleção por consequências constitui o instru- 
m ento conceituai com o qual é interpretado o caráter idiossincrático 
dos repertórios que resultam da história am biental de um indivíduo. 
De acordo com esse modelo explicativo, cada indivíduo é o produto 
único de um a conjugação de determinações filogenéticas, ontogené- 
ticas e culturais. A singularidade desse indivíduo pode ser formulada 
em termos com portam entais; o que o diferencia de todos os demais 
são seus repertórios, ou uma probabilidade alterada de agir de deter­
minados modos sob controle de certos estímulos. Os processos sele­
tivos produzem, tam bém , um organismo alterado do ponLo de vista 
anatomofisiológico, mas esse constitui um domínio das ciências bio­
lógicas (embora venha a se tornar relevante, em term os discutidos 
adiante). Uma probabilidade de resposta diferenciada, resultante 
dos processos seletivos, define a pessoa ou o self, segundo Skinner 
(1974/1993) (ou várias pessoas/selves, quando repertórios concor­
rentes lorem adquiridos, sob controle contextuai).
Um membro da espécie humana tem identidade no sentido dc que 
é um membro e não outro. Ele começa como um organismo e torna- 
se unia pessoa ou sclf na medida em que adquire um repertório de 
comportamento. Ele pode tornar-se mais de uma pessoa ou self sc 
ele adquire repertórios mais ou menos incompatíveis apropriados a 
diferentes ocasiões, (p. 247)
Aqui, as relações com portam entais não estão sendo enfatizadas, 
mas estão subentendidas nas referências a probabilidades de respos­
ta, ou a repertórios. Em outro m om ento da análise skinneriana, fica 
menos evidente que seu enfoque continua relacional. Sua noção de 
singularidade aproxima-se daquela que prevalece no m undo m oder­
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no quando Skinner estabelece uma distinção entre pessoa e self. Em 
acordo com o modo causai de seleção por consequências, Skinner 
(1989) diferencia os produtos de cada nível de determ inação: “... a 
seleção natural nos dá o organismo, o condicionam ento operante 
nos dá a pessoa e ... a evolução das culturas nos dá o self' (p. 28). O 
self, nesse caso, não corresponde mais ao repertório com portam en- 
tal em si (em bora o que é promovido por contingências culturais 
sejam novas relações com portam entais), mas a um conjunto de con­
dições “internas”. Trata-se de condições internas que, por força da 
exposição do indivíduo a certas práticas culturais, passam a adquirir 
funções (únicas) para o com portam ento individual, tornam -se fun­
cionalm ente diferenciados para o próprio indivíduo (e apenas para 
cie). Mas Skinner contrasta o repertório (produzido pela ontogênesc) 
dos estados produzidos pela cultura.
Uma distinção mais clara pode agora ser feita entre pessoa e self: uma 
pessoa, enquanto um repertório comportamcntal, pode ser observada 
por outros; o self, enquanto um conjunto de estados internos que acom­
panham o comportamento, só é observado através do sentimento ou da 
introspecção. {Skinner, 1989, p. 28, itálico acrescentado)
Temos, assim, um a espécie de concessão à lógica subjetivista que 
orienta a interpretação moderna da individualidade. Não que aquilo 
que é “introspectivam cnte observado” não seja singular, único para 
cada um. Afinal, na abordagem de Skinner é o próprio corpo que é 
introspectivamente observado e este, como produto também singular 
dos processos seletivos, será diferenciado para cada um. Mas tomar 
essa especificidade como referência para a discussão da individua­
lidade recoloca o problem a no plano do que acontece no indivíduo. 
De todo modo, pode ser suficiente lembrar que quando as condições 
corporais assum em funções como resultado da exposição a contin­
gências que promovem auto-observação e autocontrole, o que temos 
são novas relações com portam entais, tam bém definidoras da singu­
laridade do homem-em-relação-com-o-mundo.
Uma m aneira de ir além desse tratam ento consiste em pensar a 
individualização no plano das relações de contingências encontradas
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na vida cotidiana de hom ens e m ulheres que vivem nas complexas 
sociedades de mercado. A análise que se ofercce a seguir tem esse 
objetivo. Ela será desenvolvida tom ando como exemplo um campo 
específico, o das relações econôm icas, podendo ser estendida para 
outras esferas. Esperamos com ela ilustrar o segundo percurso pos­
sível para um tratam ento analítico-com portam ental do processo dc 
individualização.
O argum ento desenvolvido por Skinner (1986/1987a) em O q u e 
há d e errado com a vida co tid ia n a no m u n d o o c id en ta l constitui um 
bom ponto de partida. Skinner afirma que o m undo ocidental foi efi­
ciente em solucionar vários problemas da vida cotidiana e promover 
condições de conforto c segurança bastante avançadas em com pa­
ração com -outras culturas. Mas, ao m esm o tem po, certas práticas 
culturais no O cidente têm funcionado para erodir contingências de 
reforço. Skinner explica que há dois efeiLos do reforço: um efeito 
dc fo r ta lec im en to da resposta (ao qual os analistas do com portam ento 
se voltam em suas investigações operantes) e um efeito de prazer. 
Certas práticas culturais têm sido selecionadas no Ocidente, segun­
do Skinner, pelo efeito de pra/.er do reforço, independentem ente de 
eleiLo lortalecedor de respostas.
A erosão das contingências dc reforço significa que eventos antes 
contingentes a certas classes de respostas deixam de sê-lo. O respon­
der do indivíduo deixa de produzir certas consequências, ou o acesso 
às consequências passa a independer do responder. Com isso, (a) 
a m anutenção daquelas classes passa a depender de outras conse­
quências (em muitos casos, coercitivas), caso em que os indivíduos 
deixam de contatar as consequências que antes m antinham aquele 
responder, ou (b) as classes dc respostas entram em extinção e o in­
divíduo não entra em contato com outros efeitos do comporLamcnto. 
Assim, “quando as consequências fortaleeedoras do com portam ento 
foram sacrificadas pelo bem das consequências de prazer, o co m p o r­
tam en to s im p lesm en te to m o u -se fra co ” (Skinner, 1986/1987a, p. 26, 
itálico do original). Um papel reservado à análise do com portam ento 
aplicada consistiria justam ente cm promover a com preensão e o for­
talecim ento das contingências de reforço.
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Skiruier (1986/1987a) discorre sobre cinco exemplos dc práticas 
culturais que ilustram a erosão das contingências de rei orço. Dois 
dos exemplos dizem respeito à questão do trabalho. No primeiro 
caso, as contingências dc reforço foram erodidas quando a produção 
dirigida para o mercado conduziu à alienação do trabalhador com re­
lação ao produto do seu trabalho68. O comportamento do trabalhador 
industrial, diferente do do artesão, ou do do lavrador que planta para 
a subsistência, não é mantido por suas consequências diretas - o 
produto de seu trabalho, frequen tem ente, o trabalhador não só não 
tem acesso, como nem sequer faz contato com esse produto. No lu­
gar disso, seu com portam ento é mantido por contingências que não 
funcionam exatam ente para fortalcccr o trabalhar^.
No segundo exemplo, a referência é ao comportamento do em pre­
gador, que passa a ter acesso ao produto do trabalho sem trabalhar'0. 
Com isso, o em pregador evita o contato com eventuais consequcn-
68 Não se trata, aqui, de um problema apenas de economias capitalistas, nas 
quais apenas uma classe detém os meios dc produção, mas de qualquer eco­
nomia na qual a produção c voltada para o mercado e, com isso. a divisão do 
trabalho avança e a relação imediata trabalho produto do trabalho c rompida: 
"A alienação tem pouco a ver com cxploraçáo. pois os empresários também são 
alienados das consequências do que fazem, assim como os trabalhadores cm 
Estados socialistas" (Skinner, 198ó/1987a, p. 18).
69 O dinheiro pode funcionar como um reforço generalizado, mas mesmo quan­
do o trabalhador recebe um salário deve-se considerar que: a) o dinheiro "está 
sempre um passo mais longe do tipo de consequência reforçadora à qual a es­
pécie se tornou originalmente suscetível" (Skinner, 1986/l987a, p. 18); e b) 
salários mensais não constituem consequências estritamente contingentes ao 
trabalho. “Os salários pagos pela quantidade de tempo trabalhado, estritamente 
falando, não reíorçam de modo algum o comportamento” (Skinner, p. J9).
70 No mesmo exemplo, Skinner (J986/1987a) faz tambem referência a recursos 
de que o homem comum lança mão para evitar o trabalho, como a invenção 
de instrumentos eletrônicos como controles remotos e outros aparelhos que 
permitem acessar muitos reforços apenas com a resposta de pressionar botões. 
“Considere a extensão com que aparelhos para economizar trabalho nos tornaram 
apertadores de botões. Apertamos botões em elevadores, telelones, painéis, vi­
de ogravadores, máquinas de lavar, fornos, máquinas de escrever e computadores, 
tudo no lugar de ações que pelo menos teriam um pouco de variedade” (p. 20).
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cias aversivas do trabalhar, mas tam bém com outros efeitos fortale­
cedores. Ele pode alcançar conforto e bem -estar únicos, mas como 
resultado de com portam entos que não são aqueles antes fortalecidos 
por esses eventos. E cm face da independência funcional dc res­
postas e estím ulos antes constitutivos de relações de contingências, 
sua vida poderá ser a um mesmo tem po confortável e monótona. A 
variedade de in terações possíveis com o m undo, a experiência de 
operar de diferentes modos sobre o m undo e entrar em contato com 
diferentes consequências, que podem tornar a vida interessante e 
surpreendente , dá lugar a um as poucas respostas em itidas m uito 
frequen tem ente. “Ao vencer a guerra por liberdade e a busca de 
felicidade, o O cidente perdeu sua inclinação para agir” (Skinner, 
1986/1987a, p. 25). Além disso, onde há m enos variabilidade, há 
menores chances dc sobrevivência do grupo. Assim,
o que há de errado com a vida no Ocidente não é que ela tem muitos
reforçadores, mas que os retorçadores não são contingentes aos tipos
de comportamento que sustentam o indivíduo ou promovem a sobre­
vivência da cultura ou da espécie. (Skinner, 1986/1987a, p, 24)
Partindo dessa argum entação de Skinner, podem os abordar a 
questão da individualização salientando um aspecto não discutido 
das novas contingências que passam a operar no plano da realização 
material dos indivíduos: o fato de que as consequências contingen­
tes ao trabalhar passam a ser outras (em geral, o salário) e deixam 
de ser contingentes ao com portam ento de um conjunto de hom ens 
e m ulheres e passam a ser contingentes ao trabalhar individual. A 
moeda introduz (também) essa possibilidade. Um produto industria­
lizado (e.g., uma televisão) não pode funcionar como consequência 
reforçadora para o com portam ento de produzi-lo. No lugar disso, 
o com portam ento do trabalhador que o produz é m antido por um 
salário que, na melhor das hipóteses, tem uma relação indireta com 
os eventos que podem m anter o com portam ento de trabalhar (algu­
mas vezes nem é contingente ao trabalhar). Além disso, ainda que o 
com portam ento de vários trabalhadores seja requerido para produzir 
um bem (como a televisão), as consequências que m antêm o com ­
portam ento de cada um são independentes, não compartilhadas.
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A individualização neste terreno torna-se,assim, uma questão 
de dissociação das consequências que mantem o com portam ento de 
trabalhar de grupos de hom ens e m ulheres. A especialização cres­
cen te de suas funções é acom panhada pelo d istanciam ento cada 
vez maior entre as consequências que m antêm o com portam ento de 
cada um. C onsequências que não apenas se diferenciam daquelas 
que modelaram o trabalhar originalmente, como tam bém tornam o 
trabalhar de um indivíduo cada vez mais independente do trabalhar 
do outro em um sentido particular e crucial, isto é, do ponto de vis­
ta das consequências que o m antêm . Em contraste, em sociedades 
coletivistas, nas quais a produção é dirigida para a subsistência, o 
com portam ento de trabalhar de cada um é mantido por uma con­
sequência que afeta o com portam ento de todos. Q uando a socieda­
de é hierárquica — por exemplo, quando há servos e senhores que 
usufruem do trabalho dos servos em troca de proteção e cessão da 
terra - não há igualdade, mas a independência das consequências 
contingentes ao trabalhar pode ainda inexistir.
No interior de grupos sociais com alto grau de individualização, 
essa dissociação das consequências que mantêm o trabalhar de cada 
um traz várias implicações. As relações de poder tornam -se cada vez 
mais assim étricas, as relações afetivas são reguladas por aspectos 
econômicos (mais do que pelos costum es ou tradições), os contratos 
invadem o espaço privado de modo a ratificar o acesso diferenciado 
de cada um aos bens acumulados etc.
Algo sem elhante aparece cm outros domínios das vidas de indi­
víduos. Considere-se, por exemplo, a m udança da leitura coletiva 
em voz alta para a leitura individual silenciosa. No prim eiro caso, 
uma m esm a cconsequência, o acesso a uma literatura sagrada ou 
profana, a comentários, reflexões etc., é compartilhada por grupos de 
indivíduos contingentem ente a com portam entos diversos (não só o 
com portam ento de ler do letrado, mas também os com portam entos 
de organizar o grupo para a leitura, providenciar o livro, preparar o 
alim ento para as reuniões etc., de outros membros do grupo). No 
segundo caso, o da leitura silenciosa, o acesso às mesmas consequên­
cias (ou melhor, a algumas daquelas consequências) se dá individual­
CAPÍTULO 3 159
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m e n te 1. Além disso, o acesso independe, do ponto de vista imediato, 
do com portam ento do outro. O comportamento do próprio indivíduo 
lhe basta. Por último, como se trata de um com portam ento que não 
precisa afetar o outro, pode ser emitido na forma encoberta.
Essa condição representa um tipo de independência de indiví­
duos, mas apenas do ponto de vista imediato. Além do fato de que 
o indivíduo vive em uma rede complexa de relações, que o tornam 
dependente de muitos outros indivíduos (ainda que não o perceba), 
o conjunto das práticas mantidas por esses grupos repercute, em um 
prazo maior, sobre a sobrevivência do grupo como um todo. A sobre­
vivência do grupo passa a ser a principal consequência com partilha­
da com os outros, mas, nesse caso, uma consequência não contatada 
na vida cotidiana; 110 lugar disso, uma consequência rem ota demais 
para controlar 0 com portam ento atual dos indivíduos. Contingências 
especiais passam, então, a ser requeridas, contingências que podem 
promover o que Skinncr (1968/2003) denom inará de autogerencia- 
m ento ctico (discutido adiante, na seção sobre autocontrole). Nesse 
ponto, o processo de individualização articula-se com a questão da 
privacidade. O nde a sobrevivência do grupo é um evento rem oto, 
a sociedade precisa dispor contingências novas para garantir um 
com portam ento previsível (não impulsivo) de cada um (entra aqui, 
também, o papel do Estado). Com o assinalado no Capítulo 2, a p ri­
vacidade emerge em grande medida como função de práticas sociais 
que promovem auto-observação e autocontrole. As conexões do au­
tocontrole com a individualização tornam essa última tam bém um 
aspecto a ser considerado para a análise da privacidade.
Retornando ã questão econômica, em uma sociedade de mercado 
os bens individualmente acum ulados têm importância crucial para 
definir a posição de cada um na hierarquia social, assim como seu
71 A propósito, voltando ao tema de Skinner, sobre a invenção de dispositivos 
para ter acesso a certas consequências sern ter de emitir os comportamentos 
que originalmente as produziram, e emitindo comportamentos cada vez mais 
repetitivos, temos agora os livros em áudio, que propiciam o acesso aos textos 
contingentemente apenas à resposta de apertar botões.
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status nos diferentes contextos de interação com os outros. A disso^ 
ciação das consequências contingentes ao trabalho de cada um (e 
especialm ente a possibilidade de acesso a essas consequências sem 
o trabalho) funcionará tam bém a favor de construção de riquezas 
pessoais diferenciadas. Esse aspecto corresponde cm grande medida 
ao que significa a individualização nessas sociedades, visto que o 
poder econômico passa a ser a principal referencia para a localização 
de cada um nas redes de relações sociais. E, desse ponto de vista, 
o grau de mediação das relações econôm icas pela moeda constitui 
um bom indicador do grau de individualização em uma sociedade. 
Q uanto mais as relações entre os hom ens e mulheres são mediadas 
pela moeda, maior a individualização encontrada na sociedade; em 
grupos ainda comunitários, essa mediação está menos presente.
O estabelecimento da dicotomia indivíduo-sociedadc, longamente 
discutida por Elias (1987/1994), pode ser examinada por essa ó ti­
ca. Os homens e mulheres falam de sua vida cotidiana como o seu 
“grupo”, a sua “família”, a sua “com unidade" quando seus compor- 
tam entos são cm grande medida m antidos por consequências que 
afetam de um ponto de vista imediato os comportamentos dos outros 
membros do grupo (seja no interior de uma sociedade igualitária ou 
hierárquica). Tenderão a falar de si mesmos como “indivíduos”, e dos 
outros como ‘sociedade”, quando seu com portam ento é mantido por 
consequências que não afetam im ediatam ente o com portam ento dos 
outros (c quando não são im ediatam ente afetados por consequências 
contingentes aos com portam entos dos outros). Uma passagem de 
Elias é ilustrativa do problema:
Desde a Idade Média europeia, o equilíbrio entre a idcnlidadc-cu c 
a identidade-nós passou por notável mudança, que pode ser resumi­
damente caracterizada da seguinte maneira: antes a balança entre as 
jdentidades-nós e eu pendia maciçamente para a primeira. A partir 
do Renascimento, passou a pender cada vez mais para a identidade- 
eu. Mais e mais frequentes se tornaram os casos de pessoas cuja 
identidade-nós enfraqueceu a ponto de elas se afigurarem a si mes­
mas como eus desprovidos do nós. Enquanto, em épocas anteriores, 
as pessoas pertenciam para sempre a determinados grupos, fosse a
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partir do nascimento, fosse desde certo momento de sua vida, de tal 
modo que sua identidade-eu estava permanentemente ligada a sua 
identidade-nós e era amiúde obscurecida por ela, o pêndulo, com o 
correr do tempo, oscilou para o extremo oposto. A identidade-nós das 
pessoas, embora decerto continuasse sempre presente, passou, então, 
muitas vezes a ser obscurecida ou ocultada, em sua consciência, pela 
identidade-eu. (p. 161)
A análise desenvolvida nesta seção pretende sugerir, finalmente, 
que a m udança ilustrada por Elias (1987/1994) pode ser examinada 
à luz das relações de contingências envolvidas narealização de ho- 
mens e m ulheres - por exemplo, no campo econômico, mas também 
em muitos outros, na m esma m edida em que em cada um penetra a 
cultura individualista.
Se cada um se torna um indivíduo não apenas porque seu repertó­
rio é único, mas também (e, talvez, principalm ente) porque em sua 
vida cotidiana despende a maior parte de seu tem po em atividades 
m antidas por consequências que não m antem igualm ente o com ­
portam ento dos outros, então cada um será mais requerido a auto- 
-observar-se e autocontrolar-se na medida necessária para que cada 
outro possa também buscar sua satisfação pessoal.
A Autonomia
Este trabalho tem afirmado em muitos mom entos que a emergência 
de uma condição de autonom ia foi essencial para o processo de in­
dividualização e para a construção da subjetividade moderna. Como 
se acomoda essa proposição em um sistema explicativo que entende 
o homem como produto de sua história am biental r1 Para responder a 
essa questão, comecemos com uma caracterização mais precisa do 
que c a crítica que analistas do com portam ento tecem à noção de 
autonomia, ou, mais especificam ente, à noção de liberdade.
O com portam ento humano, sendo uma interação do homem com 
o mundo, consiste em uma relação de dependência luncional entre 
respostas e estím ulos. Apenas no contexto de relações desse tipo 
uma ação do homem pode ser apropriadam ente designada uma res­
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posta, e aspectos do m undo físico e social são apropriadam ente con­
siderados estímulos. Uma parte ou aspecto do m undo físico e social 
que não tenha função para uma resposta não constitui exatam ente 
um estímulo, assim como uma ação ou movimento do organismo não 
vem a ser uma resposta se não participa de um a relação funcional 
com estímulos. Muitas vezes, falamos de comportamento como sinô­
nimo de respostas e esse é o caso quando discutimos se os com porta­
mentos hum anos são determinados pelo am biente ou não. Portanto, 
se com a indagação sobre a autonom ia estivermos inquirindo sobre 
a possibilidade de um a resposta independer de relações de contin­
gência com estímulos, a análise do com portam ento terá sempre uma 
resposta negativa. Todo responder do organismo é função de (partici­
pa de relações funcionais com) contingências de reforço. A resposta 
é sem pre um term o de uma relação com portam ental. Essa noção 
de modo algum implica passividade do homem, visto que o am bien­
te que afeta seu com portam ento não existe enquanto tal de modo 
independente do responder do organismo, ele é produzido por esse 
responder, isto é, “o com portam ento está continuam ente produzindo 
as condições de sua produção” (Serio, 1997, p. 210). Isso vale m es­
mo para alguém que não se com porta de acordo com os padrões de 
uma subcultura dom inante (isto é, para alguém que age sob controle 
de contingências dispostas por outras subculturas):
Mesmo aqueles que se destacam como revolucionários são quase 
inteiramente produtos convencionais dos sistemas que subvertem. 
Eles falam a língua, usam a lógica e a ciência, observam muitos dos 
princípios cticos e legais e empregam as habilidades práticas e o co­
nhecimento que a sociedade os concedeu. Uma pequena parte de seu 
comportamento pode ser excepcional, talvez dramaticamente excep­
cional, c teremos que procurar razões excepcionais em suas histórias 
idiossincráticas. (Atribuir suas contribuições originais a seu caráter 
taumaturgo como homens autônomos não constitui, é claro, qualquer 
explicação). (Skinner, 1971/2002, p. 124)
Isso significa que a liberdade constitu i um a ficção que merece 
ser abandonada? Em termos. Um a análise com portam ental do pro­
blem a com eça com a indagação: “Sob que condições em itim os a
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resposta verbal ‘liberdade ?’’. Frequentem ente falamos de liberdade 
quando não bá controle baseado em reforçadores negativos (punição 
positiva, ou reforço negativo). Para Skinner, essa é a base da “lite­
ratura da liberdade”, que cum priu um papel im portante na história 
do O cidente, ao motivar os indivíduos para a luta contra o controle 
aversivo do com portam ento.
Algo que podemos chamar de “literatura da liberdade” foi delineada 
para induzir as pessoas a escaparem de ou atacarem aqueles que agem 
para controlá-las aversivamente. O conteúdo dessa literatura é a filo­
sofia da liberdade, mas as filosofias encontram-se entre aquelas cansas 
internas que precisam ser examinadas. (Skinner, 1971/2002, p. 30)
A literatura da liberdade, no entanto, se volta apenas para situa­
ções em que um tipo específico de controle é encontrado, e ignora 
que o controle existe, e frequen tem ente os indivíduos não lutam 
contra ele, em m uitas outras circunstâncias72. Em particular, o con­
trole sob a forma de contingências baseadas no uso dc reforçado- 
res positivos encontra pouca reação e mesmo reconhecim ento. Os 
indivíduos tenderão m enos a se ver como controlados quando são 
positivam ente reforçados por agir de determ inados modos c tende­
rão a reagir m enos a essa lorma dc controle. Isso acontece porque a 
questão da liberdade e do controle é enfatizada no m undo moderno 
a partir de como os indivíduos se sentem. Isto é, respostas verbais do 
tipo “liberdade’ tendem a ser emitidas sob controle de relações ou 
condições corporais a elas associadas, em que o controle aversivo 
inexiste. N a presença do sentim ento de liberdade, supõe-sc ainda 
que o controle em geral está ausente. Dada sua associação com es­
tímulos aversivos, a noção de controle adquire um valor negativo na
72 lim uma passagem, Skinner (1971/2002) afirma que “uma das coisas mais 
notáveis da luta por liberdade do controle intencional é a frequência com que ela 
não existe. Muitas pessoas têm se submetido aos mais óbvios controles religiosos, 
governamentais e econômicos por séculos, lutando por liberdade apenas espo­
radicamente, quando lutam. A literatura da liberdade prestou uma contribuição 
essencial à eliminação de muitas práticas aversivas no governo, na religião, na 
educação, na vida familiar e na produção de bens” (p. 31).
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cultura ocidental, o que dificulta a disseminação do planejamento 
de contingências para a solução de problemas hum anos73.
Há duas situações principais em que analistas do com portam en­
to empregam o conceito de controle: para falar dos objetivos de sua 
ciência (a aíirmação da previsão e do controle como os fins últimos 
da ciência) e para afirmar a dependência funcional do com porta­
mento (ou respostas) cm relação a estímulos (a afirmação de que 
todo com portam ento é controlado pelo ambiente). No primeiro 
caso, já foi sugerido (S. C. Ilayes, 1993) que o melhor é falar de 
“previsão e influência” como objetivos da ciência do com portam en­
to, visto que em lace da multideterminação do com portam ento é 
possível apenas reduzir, mas não eliminar totalmente a variabilida­
de comportamcntal.
No segundo caso, da dependência funcional entre respostas e 
estímulos, pode-se dizer que a noção de controle significa nada mais 
do que sensibilidade. O comportamento humano é controlado pelo 
ambiente no sentido de os homens e mulheres serem sensíveis ao 
m undo que produzem ou com o qual interagem, isto é, não são
73 Skinner (1971/2002) discute longamente esse problema. Segundo ele, a re­
ação ao c o n t r o l e n ã o deveria ser generalizada: " O problema é libertar os homens 
n ã o do controle, mas dc certos tipos de controle e isso pode ser resolvidoapenas 
se nossa análise levar em conta todas as consequências” (Skinner, 1971/2002, 
p. 41). No âmbito das relações interpessoais, não há como ignorar a função que 
o comportamento d e um indivíduo pode ter para o comportamento de outro (ou 
seja, como o comportamento de um pode controlar o comportamento de outro; 
“... muitas práticas sociais essenciais ao bem-estar da espécie envolvem o con­
trole de uma pessoa por outra e ninguém que se preocupe com as realizações 
humanas pode suprimir essas práticas” (p. 41). A reação ao controle funciona, 
enlirn, contra os tndívíduos e as culturas: “Não fosse pela nossa generalização 
desavisada dc que todo controle é errado, lidaríamos com o ambiente social de 
modo tão simples quanto lidamos com o ambiente não-social. Embora a tecnolo­
gia tenha libertado os homens de certos aspectos aversivos do ambiente, ela não 
os libertou do ambiente. Aceitamos o fato de que dependemos do mundo à nossa 
volta e simplesmente alteramos a natureza da dependência. Da mesma maneira, 
para Lornar o ambiente social tão livre quanto possível de estímulos aversivos, 
não precisamos destruir o a m b i e n L e ou escapar dele; precisamos redesenhá-lo” 
(Skinner, 1971/2002, p. 42).
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indiferentes ao mundo à sua volta como um lodo (embora possam 
sê-Jo com respeito a algumas parcelas ou aspectos desse m undo, 
dependendo sempre de sua história ambiental).
O sentido em que o conceito dc autonomia é empregado nos tra­
balhos mencionados até aqui não conflita com essa noção dc sensi­
bilidade aos eventos do mundo com o qual o indivíduo interage. Ao 
contrário, diz-se que é apenas quando o indivíduo passa a interagir 
com um ambiente social diferente, quando fica sob controle das no­
vas contingências de um ambiente social, que poderá experimentar 
alguma autonomia.
Embora a alegação de uma autonomia possa ser vista como compa­
tível com a noção de determinação ambiental, ela não significa exa­
tamente o sentimento de liberdade referido por Skinner. O que está 
em jogo quando se diz que o indivíduo moderno tem certa autono- 
mia é não apenas o fato de experimentar um sentimento de liber­
dade (pela eliminação de certos controles aversivos, o que de fato 
ocorre para algumas culturas ou grupos), mas principalmente o 
fato de que ele é exposto a um ambiente no qual os cursos de ação 
possíveis estão multiplicados e frequentem ente ele tem de tomar 
decisões, ou fazer escolhas. As contingências sociais são tais nessas 
situações que as possíveis consequências de cada alternativa de ação 
não são evidentes, entre outras razões porque se distanciam tempo- 
ralmente da ação (diferente do que acontcce quando a sobrevivência 
do indivíduo vincula-se estreitamente com a sobrevivência do gru­
po, em que consequências imediatas prevalecem c variáveis sociais 
muito frequentemente limitam as chances de escolha). Esse é um 
aspecto insistentemente assinalado por Elias (1987/1994)74.
Quer o indivíduo o recorde ou não, o caminho que ele tem que tri­
lhar nessas sociedades complexas - comparado ao que se abre para o 
indivíduo das sociedades menos complexas - é extraordinariamente 
rico em ramificações e meandros, embora não na mesma medida, é
74 O outro lado desse tipo de autonomia é o talo de que as consequências das 
escolhas pesam sobre o indivíduo particular, o que torna as ocasiões de tomar 
decisões circunstâncias que envolvem riscos pessoais.
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claro, para os indivíduos de diferentes classes sociais. Kle passa por 
um grande número de bifurcações e encruzilhadas em que se tem que 
decidir por esse ou aquele caminho. Quando se olha para trás, é fácil 
deixar-se tomar pela dúvida. Eu não deveria ter escolhido um rumo di­
ferente? Nào terei desprezado todas as oportunidades que tive naquela 
ocasião? Agora que consegui isto, que produzi isto ou aquilo, que me 
tornei um especialista nisto ou naquilo, não terei deixado que se per­
dessem muitos outros dons? E não terei deixado de lado muitas coisas 
que poderia ter feito? É próprio das sociedades que exigem de seus 
membros um grau muito elevado de especialização que grande número 
de alternativas não utilizadas - vidas que o indivíduo não viveu, papéis 
que não desempenhou, experiências que não teve, oportunidades que 
perdeu — sejam deixadas à beira do caminho, (pp. 109-110)
Ainda que sem recorrer ao conceito dc autonomia, há uma li­
teratura na análise do comportamento cjue enloca precisamente o 
problema da escolha entre cursos de ação possíveis c que alarga 
o enfoque olerecído para a questão da determinação ambiental do 
comportamento, abrangendo dimensões que di/em respeito à possi­
bilidade permanente de um indivíduo poder comportar-sc dc modos 
variados. O ponto de partida dessa literatura c a noção de esquemas 
concorrentes, a ideia dc que um organismo pode estar exposto, ao 
mesmo tempo, a diferentes contingências de reforço, responden­
do a um ou outro de vários arranjos dc contingências. Isto é, “um 
esquem a concorrente consiste de dois ou mais esquem as indivi­
duais ou componentes, que estão disponíveis ao organismo ao mes­
mo tem po’' (McDowell, 1989, p. 154). Quando identificamos es­
quemas concorrentes a que um organismo está exposto, podemos 
supor (prever) que responderá a um ou outro esquema dependendo 
de certas propriedades/? das relações respostas-consequências. E
75 “a proporção de respostas em uma dada alternativa ... é igual à proporção 
de reforços obtidos daquela alternativa. Essa relação se mantém se o tempo 
despendido no responder é medido, no lugar da taxa de resposta” (McDowell, 
1989, p. I 54), isto é. a proporção de tempo despendido ein urn responder é igual 
à proporção de reforços obtidos nessa alternativa.
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podemos mesmo influenciar sua cscolha, o que conduz a um reco­
nhecim ento importante sobre de que modos podem ser alteradas 
probabilidades de operantes concorrentes. Souza e Andery (2004) 
introduzem a questão assinalando que
a pesquisa sobre esquemas — isto c, sobre como o arranjo de conse­
quências afeta o comportamento, tem mostrado que diferentes tipos 
de arranjos entre respostas e consequências podem gerar e manter 
padrões altamente regulares de comportamento (Kerster & Skinner, 
1957/1992). Ksse conhecimento é importante, seja para sintetizar 
comportamentos novos - isto é, para planejar e implementar esses 
arranjos, de modo a gerar comportamentos de interesse, seja para en­
tender c alterar padrões ocorrendo em situações naturais. Mas talvez a 
contribuição mais importante seja a noção, lortemente generalizável, 
de que todo comportamento ocorre no contexto de outros comporta­
mentos c que os efeitos das consequências de um comportamento 
são sempre relativos, são função do contexto de reforço (Baum, 1994; 
Herrnstein, 1970; McDowcll, 1989), isto é, o valor reforçador de uma 
mesma consequência varia dependendo de quais são os outros refor- 
çadores disponíveis, (p. 2)
A lei da igualação consiste de uma proposição matemática da rela­
ção entre respostas e reforços em esquemas concorrentes. “De acordo 
com a teoria da igualação, o efeito do reforço contingente só pode ser 
entendido em termos do contexto total de reforço no qual ocorre” 
(McDowell, 1989, pp. 155-156). Essa formulação já incorpora uma 
contribuição de Herrnstein (1970), que assinalou que os organismos 
estão expostos a esquemas concorrentes mesmo quando procedimen­
tos experimentais programam o reforço contingente a uma única clas­
se de respostas. Todo comportamentoenvolveria uma cscolha, mesmo 
quando isso não é óbvio ou planejado, na medida em que sempre há 
outros cursos de ação possíveis. Assim, “as equações [propostas por 
Herrnstein, 1970] estabelecem que o comportamento é determinado 
não apenas pelo reforço contingente (r), mas também por todo outro 
reforço provido pelo ambiente” (McDowcll, 1989, p. 155).
Em face do que estabelece a lei da igualação todo responder de 
um indivíduo c função não apenas do reforço contingente a uma
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ciasse dc respostas, mas também da disponibilidade, na mesma si­
tuação, de outros reforços contingentes a outras classes de respos­
tas. Quando um indivíduo se encontra, por exemplo, cm uma praça, 
pode fazer muitas coisas diferentes e ser reforçado. Pode caminhar, 
conversar com o vendedor de jornais, jogar futebol, comprar um sor­
vete, observar os pássaros, brincar com as crianças, namorar etc. A 
probabilidade de o indivíduo conversar com o jornaleiro dependerá 
não apenas do reforço contingente a essa classe de respostas, mas da 
taxa de reforço contingente a cada outra possibilidade de ação. Uma 
consequência importante da lei da igualação consiste no fato de que 
a probabilidade de emissão dc uma classe de respostas pode ser alte­
rada sem que o esquema correspondente seja alterado, simplesmente 
como resultado de uma alteração na taxa de reforço contingente a 
classes de respostas concorrentes. Por exemplo, a probabilidade dc 
o indivíduo conversar com o jornaleiro poderá ser alterada simples­
mente modificando-se a taxa do reforço contingente a brincar com 
as crianças. Do mesmo modo, uma criança pode chorar menos (um 
responder mantido por atenção social) como resultado de um au ­
mento na taxa de reforço de respostas de brincar. Um adolescente 
pode despender mais tempo apostando em jogos eletrônicos quando 
se altera a taxa de reforço contingente à prática dc esportes. Um pro­
fessor pode dar mais aulas quando se altera o reforço contingente à 
elaboração de artigos. O contexto de esquemas concorrentes define, 
assim, as probabilidades de resposta de um indivíduo. A validade 
da lei da igualação em seus diferentes refinamentos (cf. McDowell,
1989) encontra amplo suporte empírico, com várias espécies. Além 
disso, “a evidencia disponível indica que a teoria da igualação se sus­
tenta nos ambientes humanos naturais tanto quanto no laboratório, e 
que ela tem aplicações terapêuticas uteis” (McDowell, p. 156). Sobre 
as aplicações da teoria. Mijares e M. T. A. Silva (1999) assinalam:
Uma das consequências mais importantes dentro da teoria e da prá­
tica comportamental derivada da lei da igualação e especialmente 
da hipérbole [de Hcrrnstein], é que, para poder predizer como de­
terminado reforçador vai afetar o comporta me n lo, c necessário levar 
cm consideração o contexto no qual esse reforçador é contingente ao
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comportamento, isto é, levar em consideração os outros reformadores 
presentes no meio e contingentes a outras respostas. Por exemplo, a 
lei da igualação oferece um marco referencial que perrnite compreen­
der os “efeitos colaterais” inexplicados do reforço ou da extinção, fre­
quentemente relatados na literatura c às vezes chamados por críticos 
da terapia eomportamental de “substituição de sintoma”. Por exemplo, 
vários autores relataram que a taxa de comportamentos inadequados 
dentro de aula diminui quando comportamentos acadêmicos são re­
forçados; outros informaram que a frequência do comportamento de 
autoestimulação diminui quando outros comportamentos não relacio­
nados são reforçados; igualmente, outros tantos estudos mostram que 
comportamentos adequados diminuem em frequência quando outros 
comportamentos, também adequados, são reforçados (McDowell, 
1988). Segundo a teoria da igualação, esses efeitos colaterais não são 
inexplicáveis, mas são consequências da mudança do contexto refor- 
çador do ambiente. Assim, a teoria prediz que qualquer intervenção 
que acrescente ou remova reforçadores, mudando a quantidade total 
de reforços no ambienle, não apenas mudará o comportamento que é 
objeto de intervenção, mas também os outros comportamentos emiti­
dos nesse ambiente, (p. 47)
A escolha está, portanto, contemplada em uma ciência eomporta- 
mcntal que reconhece como unidade de análise não apenas respos­
tas específicas ou relações de contingência específicas, mas também 
o contexto de possibilidades concorrentes de comportamento dos in­
divíduos. A ideia de que a escolha vem a ser ela mesma determinada 
pela taxa relativa de reforços pode parecer contrariar a ideia de que 
os indivíduos escolhem agir dc um ou outro modo, mas o que está 
sendo afirmado é que esse escolher não existe independentemente 
das consequências de cada escolha. K de um ponto dc vista empíri­
co, a dependência funcional das escolhas está estabelecida.
Partindo-sc, então, do fato de que a análise do comportamento 
reconhece (e tem produzido evidências) que os organismos estão 
perm anentem ente expostos a arranjos concorrentes de contingên­
cias, que sempre há vários cursos de ação possíveis, e que a proba­
bilidade de um indivíduo agir de um ou outro modo é determinada
170 SUBJETIVIDADE E RELAÇÕES COM PORTA MENTAIS
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apenas probabilisticamente, podemos avançar na interpretação das 
particularidades desse fenômeno nas culturas (individualistas) em 
que a noção de autonomia floresceu e tornou-se central.
Um primeiro aspecto a ser considerado é que um mundo baseado 
na exploração e transformação radical do ambiente e no desenvol­
vimento tecnológico cria muito mais alternativas de ação para o 
indivíduo, comparativamente a ambientes culturais menos comple­
xos. A cada momento, há uma variedade muito maior de classes de 
respostas com alguma probabilidade de serem emitidas e há muito 
mais variação topográfica dentro de uma mesma classe de respostas. 
Kxemplo do primeiro caso são as inúmeras profissões que sinteLi/am 
as funções sociais disponíveis em dada sociedade. Como exemplo 
do segundo caso há os diversos modos de alimentar-se, envolvendo 
o uso de utensílios cada vez mais variados, cm contextos tambem 
bastante diversificados. Paradoxalmente, como apontado antes, esse 
é o mesmo ambiente cultural que promove a estereotipia topográ­
fica e o responder repetitivo (considcrc-sc a frequência do “apertar 
botões” nesse ambiente), quando certas práticas culturais são se­
lecionadas com base no efeito de prazer do reforço. De qualquer 
modo, há nas sociedades modernas muito mais situações que desig­
namos de escolha do que nas sociedades mais simples. Isto é, o su­
jeito nessas sociedades mais complexas está mais permanentemente 
exposto a arranjos concorrentes de contingências mais numerosos. 
Em razão disso, escolhe mais — não porque é mais autônomo, mas 
porque o ambiente exige.
Mais fundam ental é outra particularidade dos esquem as con­
correntes em sociedades complexas: o fato dc que muito frequen­
tem en te as consequências para os cursos de ação possíveis são 
muito atrasadas, muitas vezes jamais contatadas pelos indivíduos. 
Um indivíduo que vive em uma sociedade mais simples tende a 
escolher entre pescar ou caçar, conversar ou jogar, beber água ou 
aguardente etc. Além de menos numerosas, as alternativas de ação 
têm em com um o fato de que produzem consequências contatadas 
pelos indivíduos imediatamente, ou no máximo em prazo curto (a 
distância temporal das consequências parece variar com o grau de 
complexidade das sociedades). N as sociedades mais complexas,CAPÍTULO 3 171
INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! 14/8/2015
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como as sociedades de mercado, a distância temporal entre a res- 
posta e a consequência c maior. O indivíduo escolhe hoje pagar ou 
não um plano de previdência, para ter um a aposentadoria melhor 
Lrinta anos depois; escolhe hoje declarar ou não ao fisco o seu ga~ 
nho financeiro, para fugir de uma multa cinco anos depois; esco­
lhe hoje um curso profissionalizante, para dez anos depois talvez 
alcançar uma função social bem rem unerada. Esses são tipos de 
escolha para os quais um adestramento especial será necessário. A 
impulsividade infantil precisará dar lugar à capacidade de ponderar 
consequências atrasadas da ação. A formação para a vida nessas 
sociedades exigirá um novo tipo de educação.
A capacidade de estimar consequências muito atrasadas dos vá­
rios cursos de ação possíveis será tão mais necessária quanto mais 
se realiza um terceiro aspecto peculiar dos esquemas concorren­
tes a que os indivíduos das sociedades modernas estão expostos: 
a maior distância (em magnitude ou valor reforçador) das conse­
quências contingentes a cada curso de ação. No mundo moderno, 
escolher entre x e y significa não apenas ter acesso a um reforço um 
pouco maior ou um pouco menor, um pouco mais frequente, ou 
um pouco menos frequente. Significa muitas ve/es realizar-se ou 
não (materialmente, afetivamente etc.), viver muitos ou poucos anos 
além da aposentadoria, tornar-se uma celebridade ou um anônimo, 
poder manter uma família ou viver na solidão etc. As escolhas nesses 
conLextos contêm a possibilidade de uma mudança muito significati­
va em aspectos importantes da vida a longo prazo; elas não envolvem 
simplesmente o conforto ou a satisfação imediatos do indivíduo.
Uma última observação sobre a autonomia no mundo moderno, 
pensada à luz da noção de esquemas concorrentes; como as conse­
quências de maior magnitude ou maior valor rcíorçador produzidas 
por certas escolhas são frequentem ente muito atrasadas, o com ­
portam ento de escolha dessas alternativas muitas vezes vem a fi­
car sob controle de outras contingências, contingências sociais que 
funcionam para promover a escolha do curso de ação que produz as 
consequências atrasadas. Em um trabalho sobre as relações entre 
assertividade e autocontrole, M arche/ini-Cunha (2004) definiu os 
dois tipos de consequências:
172 SUBJETIVIDADE E RELAÇÕES COMPORTAMENTAIS
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ao longo deste trabalho serão utilizadas as expressões “consequên­
cias sociais específicas” c “consequências reforçadoras em geral”. 
Consequências sociais específicas terão, aqui, o sentido de aprova­
ção ou desaprovação de dado comportamento pelo grupo. Já conse 
quências reforçadoras em geral (ou consequências aversivas em geral) 
poderão ser enlendidas como satisfação de outras necessidades, con­
sequências mediadas socialmente ou não, mas cm sentido diverso 
àquele específico de aprovação/desaprovação, (p. 3)
Ou seja, uma última particularidade da autonomia de que fala 
Elias (1987/1994), ou du comportamento de escolha em sociedades 
complexas, é que a probabilidade de um curso de ação não é neces­
sariamente função da proporção de reforço (atrasado) contingente a 
esse e a outros cursos de ação, mas de uma relação entre magnitude 
c atraso do reforço em esquemas concorrentes nos quais se incluem 
contingências sociais de aprovação/desaprovação não necessaria­
mente conectadas com outros eventos possivelmente reforçadores.
A sociedade, porém, tende a introduzir contingências para in ­
fluenciar as escolhas do indivíduo apenas naquelas circunstâncias 
em que a escolha produz não apenas um a consequência para ele 
mesmo, mas tam bém uma consequência para o grupo. Por exem­
plo, a sociedade dispõe contingências especiais para favorecer a 
prática de esportes, no lugar do consum o de drogas. Nesse caso, 
a sociedade intervém para aum entar a probabilidade do com por­
tam ento que favorece o grupo. Q uando não estão em jogo conse­
quências para o grupo, e quando as consequências que afetam ape­
nas o próprio indivíduo são muito atrasadas, as escolhas podem ser 
função de muitas outras variáveis relacionadas à história ambiental 
do indivíduo, por vezes muito difíceis de aferir, o que fortalece uma 
visão de autonomia.
Por exemplo, mesmo em sociedades complexas, os esquemas con­
correntes envolvem consequências que não são atrasadas, c que não 
representam um conflito indivíduo/grupo. O indivíduo pode escolher 
beber leite ou suco, pegar um elevador ou uma escada rolante, viajar 
ou comprar um carro, jogar damas ou dominó etc. Essas são situa­
ções em que esquemas concorrentes estão operando c que podem
CAPÍTULO 3 173
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ser explicadas recorrendo-se à lei da igualação. Não ilustram, porém, 
toda a problemática da autonomia individual no mundo moderno 6.
Em suma, a autonom ia encontrada nas sociedades modernas 
tanto se explica cm termos da exposição perm anente de indivíduos 
a esquemas concorrentes de reforço, que exigem escolhas, como, 
em alguns casos, a partir de particularidades desses esquemas nes­
sas sociedades, em termos da distância temporal entre respostas e 
consequências e a participação de contingências sociais adicionais 
quando os cursos de ação possíveis envolvem um conflito entre 
consequências para o indivíduo e consequências para o grupo. 
Nesse ponto, a questão da autonomia se articula com o problema 
do autocontrole.
0 Autocontrole
Análises como a desenvolvida por Elias (1939/1990b, 1987/1994) 
apontam para a importância do autocontrole na definição da expe­
riência subjetiva moderna. Elias (1987/1994) salienta que a particu­
laridade do processo de individualização no mundo moderno é que 
ele vem acompanhado de uma exigência crescente de autocontrole.
Aquilo que visto por um aspecto se apresenta como um processo de 
individualização crescente é, visto por outro, um processo de civili­
zação. Pode-se considerar característico de certa fase desse processo 
que se intensifiquem as tensões entre os ditames e proibições sociais, 
internalizados como autocontrole, e os impulsos espontâneos reprimi­
dos. Como dissemos, e esse conflito no indivíduo, essa '‘privatização”
... que desperta no indivíduo a sensação de ser, “internamente”, uma 
coisa totalmente separada, de existir sem relação com outras pessoas, 
relacionando-se apenas “retrospectivamente” com os que estão “fora” 
dele. (Klias, 1987/1994, p. 103)
76 Voltando ao continuum de complexidade dos fenômenos comporfamcnfais, 
podemos dizt:r que essas são situações em um ponto intermediário daquele con­
tinua m.
174 SUBJETIVIDADE E RELAÇÕES COMPORTAMENTAIS
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Na medida em que vão se dissociando as consequências que man­
têm o comportamento de cada um (que cada um vai sendo mais 
diferente de todos os demais porque suas relações com o mundo são 
cada vez mais particularizadas) e na medida em que isso acontece 
em um contexto de relações de dependência interpessoal indiretas 
muito complexas, mais e mais autocontrole vai sendo exigido do in­
divíduo e, desse modo, vai se construindo sua “interioridade” e ele 
vai se vendo como autônomo. Podemos formular o problema do se­
guinte modo: quanto mais idiossincráticas as relações comportamen- 
tais que definem a vida cotidiana dos indivíduos, em contextos de 
contingências concorrentes cada vez mais numerosas e que envol­
vem um conflito de consequências para o indivíduo e para o grupo, 
mais e mais vão sendo exigidos do indivíduo a auto-observaçãoe a 
emissão de comportamentos autocontrolados. Como resultado disso, 
o indivíduo deve observar mais o próprio corpo, fazer mais escolhas 
e responder sob controle de consequências em geral atrasadas, ou 
consequências sociais imediatas específicas do tipo aprovação/desa­
provação. Esse padrão de comportamento envolverá um responder 
reflexivo com participação cada ve/, mais reduzida do aparelho mo­
tor e um responder emocional sem os componentes motores sele­
cionados filogeneticamente. Por “responder reflexivo” entendam-se 
aqueles repertórios de exame, apreciação, elaboração conceituai e 
deliberação sobre aspectos do m undo à sua volta. Por “responder 
emocional”, entendam-se aquelas relações (ou conjunto de relações, 
mais ou menos complexas) que se originam a partir das chamadas 
emoções básicas ou primárias.
No Capítulo 1, assinalamos que para Elias (1939/1990b) a noção 
de interioridade se torna persuasiva na medida em que os “impul­
sos naturais” precisam ser contidos e nisso consiste o autocontrole. 
Tal contenção significa, para Elias, que os “impulsos emocionais” 
não podem atingir o aparelho motor. A metáfora do homo clausus 
seria assim justificada pela experiência que cada um tem de vigiar 
o próprio corpo para conter as emoções “naturais”. Um analista do 
comportamento pode considerar dispensável esse tipo de aborda­
gem, alegando que permanece no campo de uma lógica internalista. 
Todavia, a argumentação de Elias vai justamente na direção oposta,
CAPÍTULO 3 175
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assinalando as redes de intcrdcpcndência cntrc os homens c as di­
mensões dessas redes (complexidade, sob a lorma de extensão das 
redes e existência de muitos elos de mediação da dependência) que 
tom am dilícil aos indivíduos visualizá-las. Toda a análise de Elias 
tem a função de tornar inteligível a autoimagem de autonomia e 
ainda assim apontar seu caráter ilusório. Portanto, estamos diante 
de um autor que opera com uma lógica relacional, não internalista, 
na análise de problemas de interesse central para a Psicologia. Que 
contribuições mais específicas sua análise provê para uma aborda­
gem comportamental desses problemas? Diversas, dentre elas a indi­
cação de algumas variáveis culturais de relevância central no mundo 
moderno, a proposição de que o autocontrole constitui uma chave 
para a discussão dos fenômenos emocionais tal como se configu­
ram nessa cultura e a sugestão de que um aspecto importante dessa 
configuração consiste na forma de emissão de certas respostas: com 
restrita participação do aparelho motor, ou simplesmente a emissão 
de respostas com dimensões motoras concorrentes (e.g., sorrir em 
um momento de desagrado).
Na análise do comportamento, o autocontrole recebe um trata­
mento diverso. Não se trata de “conter emoções", mas de responder 
sob controle de consequências com maior atraso e maior magni­
tude, quando esse responder concorre com outro{s) (impulsivos) 
mantido(s) por consequências imediatas de menor magniLude (cí. 
Hanna 8c Todorov, 2002; Rachlin, 1974, 1991; Skinner, 1974/1993, 
1968/2003). Segundo Rachlin (1991), “retire a questão temporal e 
a questão do autocontrole será também eliminada” (p. 264). Há, no 
entanto, um terreno comum às duas abordagens, que será aqui enfa­
tizado: a relação entre autocontrole e dimensões éticas do processo 
de individualização.
Muito frequentem ente , nas sociedades modernas, o indivíduo 
está exposto a contingências concorrentes que envolvem um confli­
to entre consequências (imediatas) para si mesmo e consequências 
atrasadas (para si mesmo e para os outros) (e.g., cada um pode jogar 
seu lixo no mar quando vai à praia, ou acondicioná-lo em recipien­
tes próprios e transportá-lo para o local de coleta; pode pescar a 
qualquer momento, ou apenas fora do período de reprodução das
176 SUBJETIVIDADE E RELAÇÕES COMPORTAMENTAIS
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espécies; pode respeitar as leis de trânsito, ou dirigir dc acordo com 
sua urgência e conveniência ctc.). Nesses casos, a impulsividade traz 
uma consequência negativa para o grupo como um todo, ainda que 
represente, para o próprio indivíduo, dc um ponto de vista imediato, 
uma consequência positiva. Rachlin (1991) assinala que
o que quer que leve uma pessoa a sacrificar prazeres imediatos para 
seu próprio bem no futuro pode também levar uma pessoa a sacrificar 
bens individuais em prol de bens sociais. A ideia subjacente à analogia 
é que cooperar com outros geralmente resulta cm bens maiores a lon­
go prazo para o indivíduo (embora isso possa não acontecer o tempo 
todo), (p, 284)
Skinner discute o autocontrole a partir de duas óticas. Uma pri­
meira (cf. Skinner, 1953/1965) diz respeito à possibilidade de o 
próprio indivíduo dispor contingências que favoreçam a emissão 
do comportamento autocontrolado77. N este caso, as “técnicas de 
autocontrole” funcionam do mesmo modo que as estratégias para 
controle do comportamento do outro: altera-se o ambiente e, como 
resultado, a probabilidade de certas classes de respostas é alterada 
(e.g., desliga-se a televisão para aum entar a probabilidade do com­
77 Skinner refere-se às situações em que o indivíduo manipula variáveis para 
alterar a probabilidade de outros comportamentos como exemplos do que tem 
sido denominado "resolução de problemas”, “tomada de decisão" e “autocontrole” 
(cl. Nico, 2001). Sobre a diferença entre tomada de decisão e autocontrole, Nico 
aíirma que “o que caracteriza a tomada de decisão é o desconhecimento prévio, 
por parte do sujeito que s e comporta, das consequências a serem produzidas por 
um e outro comportamento. Assim, diferentemente do autocontrole, o comporta­
mento de tomar uma decisão não consiste na aplicação de um conjunto de técni­
cas de modo a tornar mais provável uma resposta antecipadamente identificada. 
O que d e f i n e a tomada de decisão é a emissão de certos comportamentos que 
aumentam a probabilidade de optar por, decidir qual curso de ação será tomado. 
Dessa lorma, um indivíduo torna-se mais capaz de tomar uma decisão quando se 
comporta de modo a produzir conhecimento acerca das contingências envolvidas 
em um e outro comportamento” (p. 16). A discussão apresentada neste trabalho 
sugere, porém, que autocontrole e tomada de decisão confundem-se quando 
se LraLa de esquemas concorrentes que envolvem consequências imediatas e 
atrasadas, p a r a o indivíduo e para o grupo.
CAPÍTULO 3 177
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portamento de ler, coloca-sc pouco dinheiro na carteira para reduzir 
a probabilidade de fazer despesas etc .) 'fi. Uma outra, e talvez princi­
pal, ótica desenvolvida por Skinner diz respeito às circunstâncias nas 
quais a sociedade inlroduz contingências que favoreçam o compor­
tamento autocontrolado e/ou inibam o comportamento impulsivo. 
Neste último caso, estamos no terreno da ética.
A ética é principalmente uma questão de conflito entre consequências 
imediatas c remotas. Como podemos abrir mão de uma recompensa 
de modo a evitar uma punição mais tarde, ou admitir uma punição 
em nome de uma recompensa mais tarder As culturas têm ajudado a 
resolver o problema, provendo consequências imediatas que têm os 
mesmos efeitos que as consequências remotas. Elas envergonham 
seus membros que não conseguem abrir mão das recompensas ime­
diatas, ou se recusam a admitir a punição imediata, e louvam aqueles 
que conseguem. Se comer muito sal e açúcar fosse mais sério, isso 
seria considerado vergonhoso. (Skinner, 1987b, p. 6)
Contingências sociais podem funcionar para promover o res­
ponder autocontrolado, mesmo quando os esquemas concorrentes 
envolvemconsequências apenas para o próprio indivíduo (e.g., a 
sociedade pode dispor contingências que favoreçam práticas espor­
tivas relacionadas a uma vida mais saudável)'9. i\o caso das sanções
78 Diz Skinner ( J 953/1965) que ao manipular as variáveis o indivíduo “controla- 
se precisamente como controlaria o comportamento de qualquer outro, por 
meio da manipulação de variáveis das quais o comportamento é função. Ao fazer 
isso, seu comportamento é um objeto próprio de análise, e finalmente deve ser 
explicado por variáveis que se situam fora do próprio indivíduo” (pp. 228-229).
79 Marchezini-Cunha (2004) e Nico (2001) fornecem boas sistematizações das 
possíveis relações de a u t o c o n L r o l e . Na descrição d e Marchezini-Cunha, "as rela­
ções de autocontrole podem ser didaticamente categorizadas da seguinte manei­
ra: ( I ) situações nas quais o autocontrole c originado somenle do conflito entre as 
consequências diretas do comportamento do indivíduo; (2) situações nas quais o 
conflito entre as consequências do comportamento e acentuado p o r sanções óti­
cas impostas pelo grupo. As situações da categoria (2) podem ser ainda subdividas 
em (a) conjunto de condições sob as quais o grupo impõe sanções éticas como 
torma de lacilitar o autocontrole e assim ‘proteger’o indivíduo das consequências
178 SUBJETIVIDADE E RELAÇÕES COM PORTAM ENTAIS
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éticas80, porém, estamos diante da circunstância específica em que 
o responder impulsivo do indivíduo pode produzir consequências 
aversivas para o grupo. As sanções tornam-se necessárias porque o 
responder autocontrolado do indivíduo, que favoreceria o grupo, não 
chega a ser instalado. As consequências são muito atrasadas e fre­
quentem ente o indivíduo nem sequer faz contato com elas. Assim, 
uma estimulação suplementar, social, entra em ação para evitar a 
impulsividade81. Trata-se, em geral de uma punição contingente ao 
comportamento impulsivo (uma punição cuja magnitude, para ser 
eficaz, varia acompanhando mudanças nas consequências de respos­
tas concorrentes - ou seja, varia acompanhando o contexto de refor-
aversivas de seu comportamento impulsivo e favorecer um comportamento vanta­
joso para o indivíduo; e (b) conjunto de condições sob as quais as sanções éticas 
visam à promoção do autocontrole, evitando assim consequências que seriam 
reforçai Io ras para o indivíduo, mas aversivas para o grupo’’ (p. 29).
80 Uma definição para “sanções éticas” é elaborada por Marchezini-Cunha 
(2004): "... sanções éticas podem ser compreendidas como estímulos aversivos 
dispostos pelo grupo com a função de reduzir a frequência de uma resposta 
impulsiva, como também podem ser interpretadas como regras, alterando a 
função de certos estímulos, colocando assim o comportamento do indivíduo 
sob controle de estímulos que não o controlariam sem a regra. Por exemplo, a 
pena de 2 anos de reclusão por porte ilegal de arma (sanção como consequência 
aversiva) e a regra ‘biscoitos recheados são constituídos de substâncias cance­
rígenas' (regra alterando a função do estímulo, aumentando a probabilidade de 
autocontrole)” (p. 31).
81 Nk:o (2001) assinala que “esta pode ser apontada como uma diferença em 
relação ao primeiro conjunto de condições sob as quais o grupo leva o indivíduo 
a autocontrolar-sc [categoria 2a]. Sob aquelas condições, o indivíduo em algum 
momento entra em contato com as estimulações aversivas diretamente produzi­
das peln seu comportamento - a ressaca por ter bebido, a dor no estômago por 
ter comido muito, a perda de fôlego por ter fumado etc.; no presente caso, as 
estimulações aversivas produzidas pelo seu comportamento, agregadas àquelas 
produzidas por muitos outros homens, no mais das vezes não são experienciadas 
pelo indivíduo que assim se comporta. Portanto, neste segundo easo, é ainda 
rnenos provável que o indivíduo se autocontrole, sendo o planejamento de con­
sequências especiais, na forma de sanções éticas, o único modo possível de 
estabelecer tal comportamento” (p. 77).
CAPÍTULO 3 179
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ços disponíveis). Como resultado, os esquemas concorrentes a que 
o indivíduo se encontra exposto incluem contingências sociais 
que produzem um autocontrole sob a forma de “comportamento de 
esquiva socialmente instalado” (Nico, 2001, p. 85)82.
Ora, o responder do organismo que pode alterar o ambiente físico 
e assim afetar os outros é o responder com (determinada) partici­
pação do aparelho motor*3. Assim, o autocontrole, em circunstân­
cias de conflito ético, mesmo pensado enquanto um responder sob 
controle de consequências atrasadas, ou sanções sociais imediatas, 
envolve uma resposta com restrita participação do aparelho motor, 
ou uma resposta com com ponente motor que é concorrente com 
aquela que seria impulsiva84.
Como já assinalado, o papel da ativação (restrita) do aparato motor 
na definição do carátcr (parcialmente) encoberto de certas respostas 
é abordado por Watson (1930/1970), Skinner (1957/1992) e Kantor 
(Kantor & N. W. Smith, 1975). E também a questão levantada por 
Elias (e.g., I939/1990b) ao discutir o autocontrole nas sociedades 
modernas. Também esses autores chamam a atenção para a impor­
tância de contingências sociais punitivas para a produção dessas res­
postas encobertas. Essas contingências são dispostas socialmente não 
por seu efeito para o indivíduo, mas por seu efeito para o grupo.
Na discussão oferecida por Andery (1997) acerca as práticas cul­
turais que produzem a subjetividade, somos chamados à atenção 
para esse aspecto crucial de uma interpretação analítieo-comporta-
82 Um discussão mais detalhada do uso de estímulos aversivos na promoção do 
autocontrole é encontrada cm Nico (2001).
83 Algumas vezes a ativação do sistema circulatório também afeta o outro, sob a 
forma de uma ruborização do indivíduo. Formas mais avançadas de autocontrole 
(e.g., técnicas refinadas de representação) incluem a evitação dessa resposta 
fisiológica. Ainda que não controladas, respostas fisiológicas são em geral res- 
pondentes condicionados ou incondicionados. Embora possam ter dimensões 
públicas, não produzem consequências aversivas para o grupo.
84 Essas possibilidades tem conexão com uma problemática discutida no âmbito 
clínico como comportamentos assertivos, agressivos e passivos (cK Marche/.ini- 
Cunha, 2004).
180 SUBJETIVIDADE E RELAÇÕES COM PORTA MENTAIS
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mental: práticas culturais produzem repertórios individuais, mas são 
selecionadas por seus efeitos para o grupo85, não para o indivíduo.
as contingências responsáveis pela construção da subjetividade ... são 
... um conjunto de contingências que só permanecem por suas con­
sequências em termos da sobrevivência do grupo praticante. Não se 
pode, portanto, compreender a subjetividade como mero conjunto de 
resultados de interações entre indivíduos, uma vez que estas interações 
são mediadas pela comunidade verbal, uma comunidade que mantem 
um conjunto de práticas por suas consequências para o grupo ... talvez 
a subjetividade aparentemente tão absolutamente individual e singular 
só sobreviva enquanto puder ser também social e diretamente ligada à 
sobrevivência do grupo social. (Ander)', 1997, p. 206)
É à cultura que interessa o autocontrole c c por visar a esse auto­
controle que a cultura promove a discriminação de condições corpo­
rais c a transformação das relações tidas por um responder emocional 
espontâneo. Isso não significa que algo fica contido dentro do sujeito 
autocontrolado (exceto como uma metáfora). Mas significa que sobre 
as relações emocionais primáriasa cultura opera transformando-as 
e produzindo relações com graus cada vez maiores de complexidade 
(por exemplo, do ponto de vista dos entrelaçamentos entre relações 
diversas, verbais e não-verbais, com componentes abertos c enco­
bertos etc.), das quais participam respostas parcialmente encobertas 
não encontradas nas relações que deíinem as emoções primárias 
(o responder emocional referido no início desta seção). Do mesmo 
modo, significa que outras classes de respostas relacionadas à “cog-
85 Algumas vezes, dependendo das relações de poder no interior dos grupos, as 
práticas podem se manter por seus efeitos (proveito) para alguns subgrupos: “Se 
o futuro dos governos, religiões e sistemas capitalistas fosse congruente com o 
futuro da espécie, nosso problema estaria resolvido. Quando se descobrisse que 
um determinado comportamento ameaça a espécie, as instituições o declarariam 
ilegal, pecaminoso, ou dispendioso, respectivamente, e mudariam as contingên­
cias que impõem. Infelizmente, os futuros são diferentes. Armas nucleares são 
construídas para garantir a sobrevivência de governos e religiões, não a sobrevi­
vência da espécie” (Skinner, 1987b, p. 7).
CAPÍTULO 3 181
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nição”, o responder reflexivo mencionado anteriormente, tornam-se 
parcialmente encobertas por força da individualização, exposição do 
indivíduo a esquemas concorrentes cada ve/ mais numerosos, ne­
cessidade de estar permanentemente fazendo escolhas e conflito de 
consequências (imediatas/atrasadas, maior/menor magnitude, para 
o indivíduo/para o grupo etc.).
O padrão autocontrolado de comportamento interessa à cultura 
(no mundo ocidental) por várias razões. O alto grau de complexidade 
das relações entre os indivíduos torna importante para a sobrevivên­
cia do grupo a previsibilidade do comportamento de cada um (uti­
lizando um único de muitos exemplos possíveis, imagine-se como 
ficaria comprometida essa sobrevivência se todos os habiLantes de 
uma grande metrópole dirigissem automóveis impulsivamente). O 
desenvolvimento tecnológico e a especialização das funções multi­
plicam os cursos de ação possíveis (multiplicam os relorços disponí­
veis em cada contexto de ação) tornando impossível para a sociedade 
controlar diretamente, a cada momento, o comportamento individual 
em favor do grupo. A dissociação das consequências que mantêm o 
comportamento de cada um introduz um grau inédito de conflito 
entre consequências para o indivíduo c para o grupo (inexistente em 
sociedades menos complexas).
Pensar as relações que definem emoções, sentimentos e p en ­
samentos sob as variáveis culturais aqui referidas, a partir de suas 
articulações com as questões da autonomia, individualização e auto­
controle, pode ser produtivo porque assim se tem uma referência dos 
tipos de variáveis para as quais olhar ao buscar compreender aquelas 
relações. Uma emoção ou sentimento não constitui simplesmente 
uma estimulação interoceptiva, ou um responder verbal sob contro­
le de uma condição corporal (e, assim, não será suficiente discutir 
como essa autodescrição sc instala, ou sc é precisa ou não). Dc mes­
mo modo, o pensar não é simplesmente um responder encoberto 
(portanto, não será suficiente discutir se adquire ou não funções 
para outros comportamentos). A análise do comportamento poderá 
avançar em sua abordagem de sentimentos, emoções e pensamentos 
na medida cm que considerar as relações concretas, nas vidas dos 
indivíduos de uma cultura, cm que esses fenômenos vêm a existir.
182 SUBJETIVIDADE E RELAÇÕES COMPORTAMENTAIS
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Fugindo à Lógica das Dicotomias 
Psicológicas Clássicas: Complexidade, Acessibilidade 
e Relevância de Relações Comportamentais
Toda a argumentação aqui desenvolvida demanda estados adicionais, 
conceituais e de outros tipos, para que sua possível contribuição 
seja aferida. Nos objetivos estabelecidos, ela organiza conceituai- 
mente um conjunto de problemas, mas de um modo que merece 
ser explorado, refinado. Ela oferece direções para o tratamento de 
alguns problemas importantes, nos limites do sistema explicativo 
analítico-comportamental. Sua capacidade de contribuir para estu­
dos empíricos, básicos e aplicados, precisa ainda ser avaliada, as­
sim como sua possível contribuição para a intervenção do analista 
do comportamento, especialmente o clínico, que é cotidianamentc 
instado a interpretar o comportamento verbal descritivo e emoções, 
sentimentos c pensamentos.
A discussão oferecida para os temas da individualização, auto­
nomia e autocontrole permite pensar em termos de relações com ­
portamentais os fenômenos complexos considerados instâncias de 
sentimentos, emoções e pensamentos, fugindo, assim, da lógica 
dualista que está na origem das dicotomias psicológicas clássicas. 
Ela permite restaurar na análise as complexas relações de interde­
pendência entre homens e mulheres, que ficam obscurecidas com 
aquelas dicotomias. Porém, ela faz isso sem ignorar os problemas 
que estão na origem daquelas dicotomias; ao contrário, procurar 
trazê-los à luz com um enfoque relacional.
Na análise desenvolvida, não se tom am necessários os conceitos 
de interno, mental ou subjetivo. Quando muito podemos empregar 
o conceito de privado, mas não como característica do fenômeno 
psicológico ou comportamental. Com a análise oferecida, podemos 
sugerir que o conceito de privado serve para chamar a atenção para 
a especificidade de um fenômeno que existe enquanto tal sob certas 
contingências culturais. Mas “privado’' é uma propriedade de termos 
daquelas redes de relações, não um a propriedade das relações em 
si mesmas. Sentimentos, emoções e pensamentos, desse ponto de 
vista, não são privados, embora se definam como relações das quais
CAPÍTULO 3 103
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podem participar estímulos c respostas cuja observabilidade, sob 
certas condições, é restrita.
Considcrando-se que o enfoque relacional é que recoloca os pro­
blemas humanos no plano das relações de interdependência entre 
homens e mulheres, a superação das dicotomias clássicas não se 
dá pela afirmação dos poios que atendem a critérios de uma visão 
monista. Não é afirmando que sentimentos, emoções e pensamentos 
são todos eles fenômenos públicos, objetivos, físicos, ou externos 
que se visualizam as dimensões relacionais funcionais desses fenô­
menos. No lugar dessa lógica, podemos indagar quais são as novas 
relações que dão origem à autoimagem do homem autônomo c en ­
clausurado em si mesmo.
Certas características das relações que definem a individualização, 
autonomia e autocontrole na cultura ocidental moderna mostram-se 
relevantes para compreender aquela autoimagem e suas repercus­
sões nos modos como sentimentos, emoções e pensamento são vivi­
dos. Uma compreensão mais avançada dessas características exige 
do analista do comportamento um exame de práticas culturais, o que 
parece fugir aos domínios dc seu objeto de estudos. Skinner (e.g.,
1990) chega a sugerir que esse é um objeto de parte da Antropologia. 
Podemos, no entanto, indagar se é possível evitar essa incursão nas 
práticas culturais sem com isso limitar o alcance dc nossa análise 
desse conjunto particular de fenômenos (e, talvez, de outros). Na 
medida em que essas variáveis definem o próprio fenômeno, a res­
posta é negativa. No próprio Skinner (1953/1965), por outro lado, e 
em outros analistas do comportamento, como nos lembram Andery, 
Micheletto e Sério (2005), encontra-se o reconhecimento de que fe­
nômenos sociais são também objeto da análise do comportamento,
Uma leitura dos volumes dos últimosanos de alguns periódicos 
frequentados por analistas do comportamento {e.g., The Behavior 
Analyst, Behavior anã Philosophy c Behavior and Social Issiies) eviden­
cia, na verdade, um interesse cada vez maior de analistas do compor­
tamento pelas contingências culturais (a proposição do conceito de 
metacontingências constitui um desses exemplos — cf. Glcnn, 1988,
1991) e um esforço para incorporá-las em suas discussões dos fenô­
menos psicológicos ou comportamentais. Ou seja, na prática, analis­
184 SUBJETIVIDADE E RELAÇÕES COMPORTAMENTAIS
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tas do comportamento estão se voltando às práticas culturais como 
parte de seu objeto dc estudo (ainda que a elas não se dirijam com 
os mesmos instrumentos da investigação experimental). O presente 
trabalho, como um esforço na mesma direção, não está propondo um 
tipo novo de. investigação, tuas apenas sc voltando a um problema 
específico: a subjetividade. A complexidade do problema rccomenda 
que o percurso analítico aqui seguido seja tomado como possível di­
reção para investigações futuras (o que também não é muito diferente 
do eslorço de analistas do comportamento para explicar o comporta­
mento humano complexo).
CAPÍTULO 3 185
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Considerações Finais
A inexistência de programas de pesquisa amplos sobre a temática da 
subjetividade na análise do comportamento86, consequência de uma 
dedicação mais sistemática ao assunto apenas nos últimos anos, sig­
nifica que. estamos ainda em uma etapa dc construção conceituai, na 
direção dc estabelecer problemas relevantes, enfoques pertinentes 
e alternativas metodológicas para esses estudos. Em um contexto 
desse tipo, cada passo pode apenas remover algumas inconsistên­
cias e sugerir algumas direções para os próximos passos. Trabalhos 
como os de Anderson e cols. (2000) e Friman e cols. (1998) são 
contribuições desse tipo, orientados principalmente por demandas 
da aplicação clínica da análise do comportamento. Com o presente 
estudo esperamos estar também dando um passo desse tipo adiante, 
partindo de uma interlocução com uma literatura diversificada (não 
apenas analítico-comportamental).
Não laz parte da tradição da análise do comportamenLo buscar 
a interlocução com outros sistemas explicativos psicológicos ou de 
outras áreas8 . Ao contrário disso, alguns analistas do comportamen­
86 Programas de pesquisa sobre o controle do comportamento por autorregras 
existem, são muito relevantes e seus produtos podem contribuir para uma dis­
cussão analítico-comportamental das descrições encobertas de contingências 
(e.g., Simonassi, Tourinho & A, V. Silva, 2001). Mas esses programas não se 
voltam especificamente aos probJemas instituídos pela noção de subjetividade, 
como examinados ao longo deste trabalho.
87 A ieitura dos textos de Skinner mostra que se trata de um autor que buscou 
conhecer pontos de vista muito variados sobre os fenômenos e os problemas 
humanos. Todavia, isso não se reflete em citações de outros auLorcs, ou em um 
encorajamento ao leitor para usufruir de uma literatura diversa. Sobre o compor­
tamento de citar de Skinner, a partir do momento em que seu sisLema explicativo 
começa a tomar feições próprias, ver Anderv, Micheletto e Sério (2002).
CONSIDERAÇÕES FINAIS 189
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to (e.g., o próprio Skinner, 1971/2002) por vezes sugerem que a 
disciplina está sozinha na promoção de uma visão dc homem que 
conflita com aquela produzida pela cultura individualista, subjetivis- 
ta. Todavia, a ideia de que a análise do comportamento se encontra 
em uma posição única, singular na cultura ocidental, na medida em 
que se opõe às doutrinas mentalistas; que está na contracorrente 
das ideias encontradas nos principais sistemas de crenças com re­
percussão no mundo moderno, encontra pouca sustentação quando 
se consideram as obras de autores das mais variadas disciplinas nas 
humanidades, já se mencionou a importância do antimentalismo 
veiculado na filosofia da linguagem de Wittgcnstein (1953/1988), 
no pragmatismo de Rorty (e.g., 1988) e na sociologia dc Elias (e.g., 
1987/1994), todos com notável repercussão no pensamento do sé­
culo XX88. Outros tantos exemplos podem scr encontrados nestas e 
em outras disciplinas.
Elaborações como as de Elias (e.g., 1939/1990b) constituem con­
tribuições relevantes a uma interpretação relacional dos problemas 
psicológicos, do mesmo modo que as argumentações dc Wittgenstein 
(1953/1988) acerca da impossibilidade de uma linguagem privada. 
Essas elaborações informam sobre possíveis percursos de uma inter­
pretação relacional, assim como contribuem para uma compreensão 
mais avançada das práticas e dos valores contra os quais essa inter­
pretação deve ser edificada.
No presente estudo, iniciamos com um exame das condições so­
ciais sob as quais se elaboraram as dicotomias psicológicas clássicas. 
Com essa contextualização fica maís íácil notar que o individualismo 
e o mentalismo que prevalecem na cultura ocidental moderna não 
resultam simplesmente de uma ignorância sobre os fatos descritos 
por uma ciência do comportamento (c por outras ciências que as­
sinalam as relações de in terdependência entre os homens e m u­
lheres), mas de contingências sociais muito complexas que tornam 
muito persuasivas as noções de indivíduo e de mente. Compreender
88 Sobre o enfoque relacional e a noção cie função ern Elias, ver Waizbort 
(1999).
190 SUBJETIVIDADE E RELAÇÕES COMPORTAMENTAIS
INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões! 14/8/2015
14/8/2015 INDEX BOOKS GROUPS: perpetuando impressões!
essas contingências, investigar o que representam do ponto de vista 
da regulação da vida cotidiana de homens e mulheres, c crucial tanto 
para promover um conhecimento avançado das relações comporta- 
mentais que definem sentimentos, emoções e pensamentos, como 
para pensar em intervir no nível cultural, em promover uma nova 
forma de vida, baseada em valores mais ligados à variabilidade corn- 
portamental e ã sobrevivência da espécie89.
A elaboração da noção de eventos privados representou um passo 
importante na construção de uma abordagem para a subjetividade, 
que se revela crítica do dualismo c da noção de autonomia. Com 
cia, a Psicologia enquanto ciência do comportamento pôde começar 
a se voltar para problemas embaraçosos para uma ciência empírica, 
porém centrais para qualquer pretensão de edificar-se como sistema 
psicológico. A referência a estímulos privados e respostas encobertas 
funciona para afirmar que permanecemos no terreno dos fenômenos 
comportamentais quando nos voltamos para sentimentos, emoções 
e pensamentos. iVIas esse c um ponto de partida, não um ponto de 
chegada, como tornam evidentes os debates encontrados na literatu­
ra analítico-comportamental mais recente, sobretudo as proposições 
de analistas do comportamento com atuação clínica.
Alguns analistas do comportamento (e.g., Skinner, 1953/1965) 
argumentam que para objetivos práticos, de controle (ou influência)
89 De certo modo, a discussão aqui desenvolvida pode também scr conecta­
da com o debato sobre metacontingências (cl. Glenn, 1988, 1991; Todorov, 
Martone & Moreira, 2005). Todavia, ao buscar esse tipo de elaboração, será 
necessário notar

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