toda) – Suponhamos que, após o estudo de um papel, cheguemos à conclusão de que a empresa precisará chamar subscrição. A questão é saber quando e em que condições. Como nenhuma empresa chama subscrição sem amenizá-la com desdobramento, que é o que mais nos interessa, o assunto se torna transcendental. Ficamos “cutucando” as pessoas ligadas à empresa para saber detalhes e obter confirmação. AUTOR – Para isso vocês precisam ser bem relacionados. ANALISTA – E somos. Sou sócio de muitos clubes. Comprei um título do Pinheiros só para fazer amizade com um frequentador que é contador- chefe de uma empresa que nos interessava. Ele agora é meu amigo. Estou até namorando a sua filha. Ajuda muito a amizade com pessoas certas. Alguns amigos meus são diretores de fundos de pensão e encarregados das carteiras de ações. No Clube Harmonia quase diariamente eu me encontro com pessoas que estão inside. As informações fluem naturalmente no meio de uma conversa ou de um carteado. Ninguém se compromete. Às vezes recebo uma informação relevante que o informante finge não perceber que deu. Eu sei que ele me usa, mas eu também o uso. É uma recíproca. AUTOR – Você tira proveito dessas informações? ANALISTA – Pessoalmente não, mas os clientes da firma são muito favorecidos. Eu passo as informações aos corretores que as repassam aos clientes. Há três meses fiquei sabendo que o Bradesco estava interessado na Metal Leve. Compramos tudo o que apareceu do papel. Por fim o 190 Bradesco comprou um block-trade e entramos vendendo. Foi uma “cacetada”. Enchemos o baú. AUTOR – Pelo que vejo o seu trabalho é estratégico. ANALISTA – É isso. Temos históricos de todos os papéis da Bolsa. AUTOR – Há mais alguma coisa? ANALISTA – Sim, há. Vivemos farejando pechinchas. Na Bolsa há ações tão largadas quanto mulheres velhas repudiadas pelos maridos. Agora mesmo estamos fazendo uma relação das ações que não se movem há mais de trinta dias. Elas ficaram esquecidas devido as coisas “ligeiramente” anormais, como prejuízos. Os gráficos estão em dia. AUTOR – Pensei que vocês não trabalhassem com gráficos. ANALISTA – De fato, não usamos os gráficos da maneira como outros usam. Acontece que os gráficos são bons para a visualização do comportamento do papel. Veja aqui este gráfico da Cofap. Se você descontar a inflação, não sobra nada. Está visível que o papel foi deixado às traças. Mandaremos comprar a ação quando ela der sinal de vida. Há Especuladores que usam gráficos específicos. Num canto da sala de uma corretora, vejo isolado o João Trombudo, que está entretido no exame de uma “língua” de papel com a altura de um metro. Vejo linhas de gráficos de barras. Os gráficos costumam avançar vagarosamente no sentido horizontal, mas esse cresce na vertical, em lances rapidíssimos, toscamente representado por linhas riscadas sobre papéis colados uns em cima dos outros de forma desordenada. Os preços, pelas “esticadas” frenéticas, só podem ser de prêmios do mercado de opções. E são. Também há ali traçados e anotações a lápis, interpretativos. Noto pontos de suporte e resistência, mas os gaps são muito acentuados e apresentam claros intrigantes. É o que acontece graficamente, por exemplo, quando um preço, depois de cair de 80 para 60, pula para 100 e continua a subir. AUTOR – Hum, isso sim é que é evolução. Alguns meses atrás ninguém pensava em fazer gráficos com prêmios de opções. TROMBUDO – De fato. Este sistema é adaptado dos gráficos comuns, que todavia são quase tão parados quanto uma geladeira. Este aqui é para jovens. De cinco em cinco minutos eu ponho nele uma linha. Sem este gráfico eu não me situo. Como Especulador preciso estar sempre bem aparelhado. O gráfico é meu instrumento de trabalho. 191 AUTOR – Mas eu sempre soube que os gráficos devem ser feitos depois do pregão, quando já estão conhecidos os preços de abertura, o máximo, o mínimo, o médio e o do fechamento, para o analista raciocinar com frieza. TROMBUDO (com ar de superioridade) – Não, não. Os prêmios saltitam muito. Opções é mercado moderno, da Era da Computação. Gráficos de opções são para pessoas dinâmicas, que precisam de um instrumento exato para poderem agir com a rapidez do relâmpago. Sou da nova geração de Especuladores, pô. Minhas decisões são tomadas em questão de segundos. AUTOR – Presumo então que você esteja ganhando muito dinheiro com essas especulações. TROMBUDO (dando um sorriso superior) – Ainda não. Tenho muito o que aprender. Deixe-me explicar. Hoje comprei neste ponto... AUTOR – Comprou por 50, a cotação agora é 30. Você está perdendo. TROMBUDO – Perder faz parte do jogo. Ainda estou me “calibrando”. Hoje perdi menos do que ontem e menos ainda do que anteontem. AUTOR – Mas está perdendo, de qualquer modo. Se perde tanto, você poderá ficar descapitalizado. TROMBUDO – Aí você se engana. Minhas operações são todas de day- trade. Não ponho dinheiro, e só acerto pelas diferenças. Estou esperando o dia em que possa levar dinheiro para casa sempre. Aí me considerarei um profissional. AUTOR (com ironia disfarçada) – O corretor deve tratar você muito, bem, não? TROMBUDO – Temos bom relacionamento. Hoje vou almoçar com ele no intervalo do pregão. Estou ao lado de um Especulador, no terminal da corretora. ESPECULADOR – Há boatos sobre bom lucro da Telebrás. Comprei por 12 a OTC4 com exercícios de 75, não vendi quando chegou a 16 porque os gráficos diziam que ia subir mais, e o papel caiu para 11... Veja! Agora está caindo ainda mais. Se atingir 9 eu vendo em dobro, porque aí é o sinal do desmoronamento final do Mercado. AUTOR – Se vender a 9, em dobro, você leva prejuízo na compra que fez e ainda fica a descoberto. Não é perigoso ficar “vendido” quando se aproxima a data do exercício? 192 ESPECULADOR (não responde, dá meia-volta excitado e manda o corretor vender a 9 e em dobro. E volta, alegre) – Fique olhando o vídeo. Todo mundo passou a vendedor. E o índice está caindo para o nível de suporte. Êpa! Está furando... Furou! Agora tenho a certeza de que não haverá exercício e que tudo vai para o ralo. De fato, tudo despenca, uma ação atrás da outra, como as mercadorias de uma prateleira: os prêmios e as principais ações do mercado à vista. Eu e ele saímos para tomar café num bar. O Especulador está muito confiante em que suas previsões vão dar certo. Ninguém ousará levantar novamente os preços, uma vez que os gráficos o proíbem. Depois voltamos e ficamos no salão da corretora. De repente vejo que ele fica alvoroçado. Surpresa! Tudo volta a subir. O Mercado parece um foguete. Será que se confirmou o boato dos bons lucros da Telebrás? A operação de opções vendida a descoberto por 9 está agora em 12. Meu amigo vai trêmulo para a mesa do corretor e manda “torrar” tudo. Por agir depressa, ele se considera Especulador mais rápido que o gatilho. Seu prejuízo nesse dia foi de 12 milhões. Usando o mesmo método, no dia anterior tinha ganho 16 milhões. 193 LEITURA COMPLEMENTAR DIA DE LEÃO E DIA DE CERVO (Transcrito de BALANÇO FINANCEIRO, agosto de 1989) Recente trabalho publicado pela Bolsa de Valores de Nova York revelou que 72% dos Especuladores pessoas físicas perdem dinheiro em Wall Street. Essa notícia faz-me lembrar de pesquisa que realizei há alguns anos, em busca de dados para a GAZETA MERCANTIL. Ao consultar os fichários da corretora de um amigo meu, notei que 70% dos clientes operavam às cegas, como quem atira no escuro. Ao longo do tempo, perdiam feio. Eu já tinha visto algo semelhante no livro THE STOCK EXCHANGE – A SHORT STUDY OF INVESTMENT AND SPECULATION, edição de 1948, da Oxford University Press (London, New York, Toronto), de autoria de Francis W. Hirst. Especuladores aparecem ali como indivíduos desequilibrados, que, por terem monstruosos números fictícios girando na cabeça, acabam perdendo todo contato com a realidade e toda noção do