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História de Moçambique do Séc XVI ao Séc XVIII Curso de Licenciatura em Ensino de História Faculdade de Ciências Sociais e Filosofícas Departamento de História Universidade Pedagógica Rua João Carlos Raposo Beirão nº 135, Maputo Telefone: (+258) 21-320860/2 ou 21 – 306720 Fax: (+258) 21-322113 Centro de Educação Aberta e à Distancia Programa de Formação à Distância Av. de Moçambique, Condomínio Vila Olímpica, bloco 22 edifício 4, R/C, Zimpeto Telefone: (+258) 82 3050353 e-mail: cead@up.ac.mz / up.cead@gmail.com Ficha técnica Autoria:Maria Amida Maman e José Francisco Bambo Sumburane Revisão Científica: Eceu Muianga Revisão da Engenharia de EAD e Desenho Instrucional: Augusta Guilima Edição Linguistica: Salomão Massingue Edição técnica/Maquetização: Aurélio Armando Pires Ribeiro Imagem base da Capa: Gaël Epiney © 2018 Universidade Pedagógica Primeira Edição Impresso e Encadernado por © Todos os direitos reservados. Não pode ser publicado ou reproduzido em nenhuma forma ou meio –mecânico ou eletrónico- sem a permissão da Universidade Pedagógica. Índice Visão Geral do Módulo de 1 Unidade 1: MOÇAMBIQUE DURANTE O PERÍODO DO COMÉRCIO DE OURO 1 Lição n° 1 3 Caracterização de Moçambique nos finais do século XV ............................................... 3 Lição n° 2 8 Caracterização Regional de Moçambique ....................................................................... 8 Lição n° 3 14 A presença portuguesa em Moçambique ....................................................................... 14 Lição n° 4 21 Administração portuguesa em Moçambique de 1505 a 1675 ........................................ 21 Lição n° 5 26 "O comércio do ouro" .................................................................................................... 26 Lição n° 6 31 "O impacto do comércio de ouro" ................................................................................. 31 Unidade 2: O COMÉRCIO DE MARFIM, SÉCULOS XVII – XVIII 35 Lição n° 7 38 "A administração de Moçambique, 1675-1752" ............................................................ 38 Lição n° 8 46 "O comércio de marfim, no século XVII e XVIII" ........................................................ 46 Lição n° 9 57 "Os prazos do vale do zambeze: A origem" .................................................................. 57 Lição n° 10 71 "As formulações legais sobre a origem prazos do vale do zambeze" ............................ 71 Lição n° 11 86 "Actividades económicas dos prazos" ........................................................................... 86 Lição n° 12 92 "As relações sociais nos prazos" .................................................................................... 92 Lição n° 13 104 "O redimensionamento dos prazos em estados militares" ........................................... 104 Lição n° 14 114 "Nascimento do Comércio de Escravos" ..................................................................... 114 Lição n° 15 129 "Moçambique e a grande seca" .................................................................................... 129 Bibliografia 137 1 Visão Geral do Módulo de Caro(a) estudante, Tem em sua posse o Módulode História de Moçambique do Século XVI ao Século XVIII,que integra a grelha curricular do Curso de História oferecido pela Universidade Pedagógica, na modalidade de Educação a Distância. EsteMódulo é constituído por duas unidades e tem por finalidade orientar os seus estudos individuais neste semestre. Ao estudar a disciplina de História de Moçambique do Século XVI ao Século XVIII, você irá integrar os conhecimentos de História de Moçambique no conjunto da História de África e da história mundial; contextualizar a situação de Moçambique no panorama histórico internacional; caracterizar o comércio do ouro; analisar a formação e o desenvolvimento de instituições resultantes do comércio e da presença européia e árabe na região; identificar o impacto social, económico – político e cultural da presença árabe e europeia. OMódulocontempla textos introdutórios para situar o assunto que será estudado; os objectivos a serem alcançados ao término de cada unidade temática e aula, a indicação de textos como leituras obrigatórias que você deve realizar; as diversas actividades que favorecem a compreensão dos textos lidos, seguidos de um feedback. No guia poderá encontrar, também,a indicação de leituras complementares, isto é, indicações de outros textos, livros e materiais relacionados ao tema em estudo, para ampliar as suas possibilidades de reflectir, investigar e dialogar sobre aspectos do seu interesse. Ao longo das lições vai encontrar exercícios de auto - avaliação e respectivos comentários no final de cada unidade. 2 Para além da auto-avaliação, você será avaliado através da realização de trabalhos individuais e de grupo, dois testes escritos e um exame final. Esta é a minha proposta para o estudo desta disciplina neste curso. Ao receber o módulo, sinta-se como um actor que se apropria de um texto para expressar a sua inteligência, sensibilidade e emoção, pois você é também um(a) autor(a) no processo da sua formação em História. Os seus estudos individuais, a partir deste guia, conduzir-nos-ão a muitos diálogos e a novos encontros. Nós, na qualidade de elaboradores e organizadores deste guia, sentimo-nos honrados em tê-lo(a) como interlocutor(a) em constantes diálogos motivados por um interesse comum, a educação de pessoas e a melhoria contínua das bases para o aumento do emprego e renda no país. Seja muito bem-vindo(a) ao nosso convívio e a seguir veja o índice temático que vai orientar os seus estudos. UNIDADE I: Moçambique durante o período do comércio do ouro Lição 1: Caracterização de Moçambique nos finais do século XV; Lição 2: Caracterização das regiões de Moçambique: litoral, interior a norte e sul do Zambeze e a região do sul do rio Save; Lição 3: A presença portuguesa em Moçambique; Lição 4: Administração portuguesa em Moçambique; Lição 5: O comércio do ouro; Lição 6: O impacto do comércio de ouro. 3 Unidade II: Moçambique durante o período do comércio do marfim Lição 7: A administração de Moçambique, 1675-1752; Lição 8: O comércio de marfim, no século XVII e XVIII; Lição 9: Os prazos do vale do zambeze: A origem; Lição 10: As formulações legais sobre a origem dos prazos do vale do zambeze; Lição 11: Actividades económicas dos prazos; Lição 12: As relações sociais nos prazos; Lição 13: O redimensionamento dos prazos em estados militares; Lição 14: O nascimento do Comércio de Escravos; Lição 15: Moçambique e a grande seca. Objectivos do Módulo O módulo visa ajudá-lo a ser capaz de: Compreender a história de Moçambique no período do século XVI ao século XVI Analisar os processos de reestruturação da sociedade faceà presença comercial estrangeira A quem se destina o Módulo Este Módulo foi elaborado para os estudantes do segundo ano do curso de ensino em História. 4 Avaliação As modalidades de avaliação sumativa serão combinadas com o Tutor Geral. Em geral, tais actividades poderão variar em número e tipologia, por exemplo, testes escritos, trabalhos independentes em grupo ou individuais), actividades de campo, fichas de leitura, entre outras.Ícones de Actividades Caro estudante, para lhe ajudar a orientar-se no estudo deste módulo e facilmente foram usados marcadores de texto do tipo ícones. Os ícones foram escolhidos pelo CEMEC (Centro de Estudos Moçambicanos e Etnociência) da Universidade Pedagógica. Tomou-se em consideração a diversidade cultural Moçambicana. Encontre, a seguir, a lista de ícones, o que a figura representa e a descrição do que cada um deles indica no módulo: 1. Exercício [enxada em actividade] 2. Actividade [colher de pau com alimento para provar] 3. Auto-Avaliação [peneira] 5 4. Exemplo/estudo de caso [Jogo Ntxuva] 5. Debate [fogueira] 6. Trabalho em grupo [mãos unidas] 7. Tome nota/Atenção [batuque soando] 8. Objectivos [estrela cintilante] 9. Leitura [livro aberto] 10. Reflexão [embondeiro] 11. Tempo [sol] 12. Resumo [sentados à volta da fogueira] 13. Terminologia Glossário [Dicionário] 14. Video/Plataforma [computador] 15. Comentários [Balão de fala] 6 1. Exercício (trabalho, exercitação) – A enxada relaciona-se com um tipo de trabalho, indica que é preciso trabalhar e pôr em prática ou aplicar o aprendido. 2. Actividade - A colher com o alimento para provar indica que é momento de realizar uma actividade diferente da simples leitura, e verificar como está a ocorrer a aprendizagem. 3. Auto-Avaliação – A peneira permite separar elementos, por isso indica que existe uma proposta para verificação do que foi ou não aprendido. 4. Exemplo/Estudo de caso – Indica que há um caso a ser resolvido comparativamente ao jogo de Ntxuva em que cada jogo é um caso diferente. 5. Debate – Indica a sugestão de se juntar a outros (presencialmente ou usando a plataforma digital) para troca de experiências, para novas aprendizagens, como é costume fazer-se à volta da fogueira. 6. Trabalho em grupo –Para a sua realização há necessidade de entreajuda, que se apoiem uns aos outros 7. Tome nota/Atenção – Chamada de atenção 8. Objectivos – orientação para organização do seu estudo e daquilo que deverá aprender a fazer ou a fazer melhor 9. Leitura adicional – O livro indica que é necessário obter informações adicionais através de livros ou outras fontes. 10. Reflexão – O embondeiro é robusto e forte. Indica um momento para fortalecer as suas ideias, para construir o seu saber. 11. Tempo – O sol indica o tempo aproximado que deve dedicar á realização de uma tarefa ou actividade, estudo de uma unidade ou lição. 12. Resumo – Representado por pessoas sentadas à volta da fogueira como é costume fazer-se para se contar histórias. É o momento de sumarizar ou resumir aquilo que foi tratado na lição ou na unidade. 13. Terminologia/Glossário – Representado por um livro de consulta, indica que se apresenta a terminologia importante nessa lição ou 7 então que se apresenta um Glossário com os termos mais importantes. 14. Vídeo/Plataforma – O computador indica que existe um vídeo para ser visto ou que existe uma actividade a ser realizada na plataforma digital de ensino e aprendizagem. 15. Balão com texto – Indica que existem comentários para lhe ajudar a verificar as suas respostas às actividades, exercícios e questões de auto-avaliação. 1 Unidade 1: Título da Unidade Pág. 2 -34 Conteúdos 1 U N ID A D E Lição n° 1 Caracterização de Moçambique nos finais do século XV Lição n° 2 Caracterização Regional de Moçambique Lição n° 3 A presença portuguesa em Moçambique Lição n° 4 Administração portuguesa em Moçambique de 1505 a 1675 Lição n° 5 "O comércio do ouro" Lição n° 6 "O impacto do comércio de ouro" MOÇAMBIQUE DURANTE O PERÍODO DO COMÉRCIO DE OURO 2 Introdução Caro estudante, esta unidade de aprendizagem permite-nos conhecer as transformações ocorridas durante a predominância do comércio de ouro dominado pelas comunidades islamizadas, e que a partir do século XVI passou a contar com a intervenção de comerciantes portugueses, provocando mudanças na estrutura da sociedade.Nesta unidade, vai aprender sobre acaracterização de Moçambique nos finais do século XV: litoral, interior a norte e sul do Zambeze e a região do sul do rio Save; a presença portuguesa em Moçambique;Administração portuguesa em Moçambique; o comércio do ouro; o impacto do comércio de ouro. Objectivos da unidade Ao completar esta unidade, você deve: Caracterizar Moçambique entre o século XVI a XVII; Descrever o desenvolvimento do comércio de ouro em Moçambique; Explicar como foi aparticipação dos portugueses nesse comércio; Descrever as relações entre os portugueses e o estado do Monomotapa. 3 Lição n° 1 Caracterização de Moçambique nos finais do século XV Introdução Caro estudante, nesta lição vai aprender as características gerais de Moçambique, nos finais do século XV. A lição vai basear-se em extractos de documentos escritos por portugueses a quando da sua viagem marítima para a Índia entre 1497-98. Esta descrição permite-nos caracterizar aspectos importantes da vida das comunidades de Moçambique. Durante a aprendizagem, vai deparar-se com actividades e exercícios de auto-avaliação e espero que os resolva e, em caso de alguma dúvida, coloque-me para chegarmos a uma solução. Tempo Você vai precisar de 8 horas para estudar esta lição. Objectivos Ao completar esta lição, você deve ser capaz de: Descrever a impressão dos portugueses sobre Moçambique nos finais do século XV; Identificar aspectos do texto sobre a situação de Moçambique; Caracterizar as bases económicas, políticas e sociais desse período. 4 Caracterização de Moçambique nos finais do século XV Leia com atenção o texto que se segue. Durante a leitura irá estranhar a sua redacção. Ele foi escrito aquando da viagem de Vasco da Gama, em 1477-1478, em direcção a Índia. E sendo uma quinta-feira, que eram 10 de Janeiro de 1498, houvemos vista de um rio pequeno e aqui pousamos ao longo da costa. E ao outro dia (Janeiro 11) fomos em os batéis a terra, onde achamos muitos homens e mulheres negros e são de grandes corpos, e um senhor entre eles (Álvaro Velho, Roteiro da primeira viagem de Vasco da Gama. 1497-1498. Edição anotada por Fontoura da Costa. Lisboa, MCMXL). Preste atenção à descriçãoque está sendo feitasobre as populações que os portugueses encontraram e as suas condições de vida. E o capitão-mor mandou sair em terra, um Martim Afonso que andou em Manicongo muito tempo, e ouro homem com ele; e eles lhe fizeram grande agasalho. E o capitão mandou àquele senhor uma jaqueta, e umas calças vermelhas, e uma carapuça, e uma manilha. E ele disse que qualquer coisa que houvesse em sua terra, que nos fosse necessária, que no-la daria de muita boa vontade; e isto entendia o dito Martim Afonso. E aquela noite foi o dito Martim Afonso e o outro, com aquele senhor, a dormir as suas casas, e nós tornamo-nos para nossos navios. E indo aquele senhor pelo caminho vestiu aquilo que lhe deram; e dizia, àqueles que o vinham receber, com muito contentamento;”vedeso que me deram?”. E eles batiam-lhe as palmas por cortesia; e isto fizeram por três ou quatro vezes até que chegou (a) aldeia, onde andou por todo o lugar assim vestido como ia, até que se meteu dentro de casa. E mandou agasalhar os dois homens que iam com ele em um cerado; e ali lhes mandou papas de milho, que há muito naquela terra, e uma galinha como as de Portugal. Tome nota sobre a descrição da população E, toda aquela noite vieram muitos homens e mulheres a vê-los. E quando veio a manhã (Janeiro 12), o senhor os foi ver e lhes disse que se viessem: deu-lhes galinhas para o capitão-mor dizendo-lhes ele que 5 ia mostrar aquilo que lhe deram a um grande senhor que eles tinham, e, segundo nos parecia, que seria o Rei daquela terra; e quando chegaram ao porto, onde os barcos estavam, já vinham com eles bem 200 homens que vinham a vê-los. Esta parte do texto mostra-nos a existência de relações de subordinação – senhor, grande senhor. Esta terra, segundo nos pareceu, é muito povoada e há nela, muitos senhores, e as mulheres nos pareceu que eram mais (do) que os homens, porque, onde vinham 20 homens, vinham 40 mulheres. E as casas desta terra são de palha; e as armas desta gente são arcos muito grandes, e flechas e azagaias de ferro. E há nesta terra, segundo nos pareceu, muito cobre, o qual trazem nas pernas e pelos braços e pelos cabelos retorcidos. Isso mesmo, há nesta terra, estanho, que eles trazem numas guarnições de punhais; e as bainhas são de marfim. E a gente desta terra preza muito (o) pano de linho; e nos davam muito deste cobre por camisas, se lhas nós quiséramos dar. Esta gente traz umas cabaças grandes, em que levam do mar para o sertão água salgada; e deitam-na em umas poças na terra e fazem dela sal. (…) E nós estávamos ancorados ao longo da costa, no rolo do mar. E a esta terra pusemos (o) nome “Terra de Boa Gente”, e ao rio “do Cobre”. (Álvaro Velho, Roteiro da primeira viagem de Vasco da Gama. 1497-1498. Edição anotada por Fontoura da Costa. Lisboa, MCMXL). A passagem na ilha de Moçambique: (…) Os homens desta terra sam ruyvos e de boons corpos e da seita de Mafamede e falam como mouros e as suas vestiduras sam de pano de linho e d’algodam muito delgados e de muitas cores de listras e sam ricos e lavrados e todos trazem toucas nas cabeças com vivos lavrados com fio d’ouro e sam mercadores e tratam com mouros brancos… (…) Em este lugar e ilha aque chamão Momçobiquy estava huum senhor a que elles chamavam Colyytam que era como visso rey o quall veo aos nossos navios per muitas vezes com outros seus que com elle vinham… (Álvaro Velho, Roteiro da primeira viagem de Vasco da Gama. 1497- 1498. Edição anotada por Fontoura da Costa. Lisboa, MCMXL). 6 Actividade 1 Actividade: Esta descrição remete-nos para traços da cultura swahili que estudou no primeiro ano. Identifique esses traços/aspectos no texto. Como organizar a informação desta última parte do texto? São aspectos económicos, políticos ou sociais? Faça a distinção entre eles. Comentários da feedback Este texto traz aspectos sobre uma das comunidades de Moçambique dos finais do século XV. Refere-se à população, suas habitações, armas usadas, actividades desenvolvidas (produção de sal, por exemplo). Auto-avaliação 1. A que região actual de Moçambique o texto se refere? Já ouviu falar da terra da boa gente? 2. Caracterize a situação de Moçambique nos finais do século XV. Chave de correção 1. Este texto descreve a impressão dos portugueses sobre a região de Inhambane, por eles considerada “ terra de Boa Gente”. Esse facto resultou da boa recepção que tiveram na região costeira de Inhambane. 2. Pode-se perceber que as zonas costeiras de Moçambique eram bastante povoadas e existiam reinos e outras formas de organização política, manifestando relações de subordinação. A alimentação, os instrumentos de defesa e trabalho também 7 caracterizam económica e socialmente essas comunidades. Eram comunidades organizadas do ponto de vista político, económico e social. Resumo da Lição Esta descrição permite-nos concluir que nos finais do século XV e princípios do século XVI, a população de Moçambique estava organizada em reinos de diferentes dimensões. A prática da agricultura e da criação de animais foi testemunhada pela presença do milho e de galinhas. A utilização de metais como ferro, cobre e bronze era comum no fabrico de armas, de outros utensílios e objectos de adorno. Informação sobre a próxima lição: Esta lição permitiu-nos iniciar a caracterização de parte de Moçambique no início do nosso período de estudo. O recurso ao roteiro de viagem de Vasco da Gama é uma mais-valia, pois a história escreve-se a partir de fontes primárias. Na próxima lição vamos dar continuidade a este tema. Leitura Complementar NEWITT, Malyn; História de Moçambique. Mira Sintra: Publicações Europa América, 1997. ALBUQUERQUE, Luís. Relação da viagem de Vasco da Gama. Algueirão (Portugal), Editora do M.E., 1990. Departamento de História da UEM: História de Moçambique, vol. I, 2ª edição, Maputo: Tempo, 1988. 8 Lição n° 2 Caracterização Regional de Moçambique Introdução Nesta lição vamos estudar a situação de Moçambique, considerando a subdivisão em regiões com características próprias e o envolvimento no comércio da região litoral do Oceano Índico. Moçambique estava inserido na região da costa oriental africana que envolvia uma actividade comercial intensa. Tempo Você vai precisar de 8 horas para estudar esta lição. Objectivos Ao completar esta lição, você deve ser capaz de: Caracterizar as regiões de Moçambique; Inferir sobre a participação de Moçambique no comércio internacional. 9 Caracterização Regional de Moçambique Já estudou, nas aulas de Geografia e História, a regionalização de Moçambique em norte, centro e sul. Em algumas situações, considera-se o litoral como uma das regiões. Historicamente, pela sua importância comercial, essa região é integrada no complexo comercial da África Oriental ou do Oceano Índico. Leia este texto sobre as grandes regiões de Moçambique: Litoral de Moçambique Antes do século XVI, o comércio no Oceano Índico era controlado pelos muçulmanos. Refugiados árabes instalaram-se na costa africana e criaram cidades mercantis como Bravo e Mogadoxo e controlavam o comércio de Sofala. Ao longo da costa oriental moçambicana, Sofala situada a sul da baía do rio Búzi, nas terras baixas, era um dos principais entrepostos comerciais. Povoado desde muito cedo, Sofala possuía cerca de 10 mil habitantes à volta da baía, com pelo menos duas aldeias fora do centro comercial. A actividade comercial era complementada pela construção de navios e pela pesca. Sofala enquadrava-se na rede comercial e política de Kilwa, dominada por famílias de comerciantes muçulmanos. O sheik muçulmano reinante de Sofala, com apoio de famílias de Kilwa e da costa somali, controlava a actividade comercial. Essas famílias de comerciantes muçulmanos criaram alianças com linhagens africanas, principalmente através de casamentos poligâmicos e da expansão do islamismo pelos chefes africanos (Newitt, 1997). Veja a importância estratégica de Sofala para o comércio do Oceano Índico 10 Sofala era um porto do comércio internacional de ouro, marfim, pérola e outros produtos,por excelência. Havia uma forte ligação entre Sofala e Madagáscar e, através desta com a Índia e a Indonésia. Em algumas situações, Sofala era apresentada como colónia de Kilwa. Ao nível local fazia-se o comércio de sal, alimentos, algodão/roupas e cestos. Outros centros comerciais, ao longo da costa ao sul do rio Save, eram Chiluane (vila de mouros), Chibuene, Mambone, Hucica (Bazaruto). Ao longo da costa centro e norte destacaram-se Angoche e Quelimane que tinham o rio Zambeze, como importante via de comunicação. A Ilha de Moçambique era outra referência de destaque, como colónia árabe e povoação swahili. A sua localização fazia com que servisse de ponto de ligação entre a Europa e a Ásia (Newitt, 1997). A região interior do norte e sul do Zambeze A região a norte do Zambeze era dominada por chefaturas formadas a partir da 2ª metade do século XVI, através de migrações de diferentes grupos para a região norte do Zambeze, conquistando a população lá existente. Os maraves, subdivididos em 3 grupos, Nyanja, Chewa e Nsenga,pertencem a uma vaga de imigrantes que cerca de 1500 parte do norte de Catanga e descem até ao vale do rio Zambeze, retrocedem para norte. No século XVI, o comércio de marfim era um aspecto central na história dos maraves, com destaque para as chefaturas Lundo e Undi. Quais eram os outros reinos da região norte? Os reinos Yao viviam principalmente da agricultura, caça e recolecção. A sua especialização como ferreiros contribuía para a prática do comércio com destaque para o comércio de sal com a Maganja. 11 Os reinos macua do interior e maconde com ligações comerciais e de subordinação com os outros grupos étnicos, tinham a linhagem como unidade básica da organização social e política. Os macondesnegociavamcom os indianos da costa, pólvora e armas em troca de marfim, goma copal, borracha e escravos. E a sul do Zambeze? A região a sul do rio Zambeze, correspondente ao centro de Moçambique, era parte doEstado do Monomotapa, com plena independência política, baseado na produção agrícola, relações de subordinação, rituais religiosos de submissão. Havia um intenso comércio com a participação de duas facções comerciais muçulmanas que competiam pelo comércio de ouro do Zimbabwe – comerciantes do sultanato de Angoche que utilizavam o rio Zambeze como rota comercial para as terras altas do Zimbabwe e comerciantes de Sofala que atravessavam por terra através de Manica. Esse comércio criou vilas, bazares como centros comerciais – Otonga, Mombara ou Mambare. A presença de muçulmanos no interior das terras do estado do Monomotapa passava pelo controlo político dos mutapas (paz e segurança) sobre o monopólio comercial muçulmano (Departamento de História da UEM, 1988). A região do sul do rio Save Na região a sul do rio Save formaram-se reinos que se baseavam no comércio entre o interior e a costa marítima. A caça ao elefante para a obtenção do marfim era uma actividade incentivada pela procura do marfim. Produtos marinhos e agrícolas também eram incluídos no circuito comercial. Dos reinos da região destacaram-se os seguintes: Nyaka, Tembe, Mpfumo, Libombo, Manhiça, Matola, Moamba e Ntimane. 12 Actividade 2 Actividade: Use um mapa de Moçambique para localizar as regiões de Moçambique. Comentários da feedback As regiões de Moçambique são o litoral, o interior do norte e do sul do rio Zambeze e a região ao sul do rio Save. Use a localização do Oceano Índico e dos rios Zambeze e Save, como pontos de partida. Auto-avaliação 1. Caracterize, de forma resumida, as três regiões de Moçambique; norte, centro e sul. 2. Infira sobre a contribuição do comércio para a formação de estados, reinos e chefaturas. Chave de correção 1. Nas três regiões de Moçambique verificou-se a formação de estruturas políticas diversas. A produção agrícola, artesanal e mineira criou condições para o desenvolvimento da actividade comercial. 2. O comércio, por sua vez, contribuiu para a fortificação desses estados, através da cobrança de tributos, aquisição de bens de prestígio, controlo das rotas comerciais. A actividade comercial criou uma disputa pelo domínio de regiões 13 costeiras, vias de acesso terrestre e fluvial que garantiam a circulação comercial. A criação dum exército, a aquisição de armas de fogo e a própria organização interna contribuiu para a formação de estados, reinos e chefaturas. Resumo da Lição Moçambique nos finais do século XV era um território fragmentado, constituído por reinos, chefaturas e outras formas de organização política baseada em relações de parentesco, conquista e económicas. A actividade comercial tinha criado laços e redes de acordo com os interesses desse período. A presença de comerciantes estrangeiros, principalmente ao longo da costa, caracterizava esse período. Informação sobre a próxima lição: Para a próxima lição vamos estudar a presença portuguesa em Moçambique, a partir das viagens feitas para a Índia. Moçambique passou a ser uma referência para os navegadores portugueses e despertou o seu interesse comercial. Leitura Complementar Departamento de História da UEM: História de Moçambique, vol. I, 2ª edição, Maputo: Tempo, 1988. NEWITT, Malyn; História de Moçambique. Mira Sintra: Publicações Europa América, 1997. SENGULANE, Hipólito. História das Instituições do Poder Político em Moçambique. Maputo: Autor, 2013. 14 Lição n° 3 A presença portuguesa em Moçambique Introdução Nesta lição, você vai estudar a presença portuguesa em Moçambique, considerando duas fases: a fixação portuguesa ao longo da costa e, mais tarde, para o interior. Este é o período em que os interesses portugueses estavam virados para a actividade comercial ao longo da costa oriental africana e com a Índia. Tempo Você vai precisar de 8 horas para estudar esta lição. Objectivos Ao completar esta lição, você deve ser capaz de: Descrever a ocupação de Sofala e da Ilha de Moçambique pelos portugueses; Caracterizar o povoamento português nesses locais; Explicar os interesses portugueses na costa oriental africana. 15 "A presença portuguesa em Moçambique" Actividade 3 Actividade: Na nossa primeira lição trabalhamos com o texto do roteiro de Vasco da Gama. Vamos retomá-lopara descrever como foi o contacto entre navegadores portugueses e a população da região de Inhambane. Comentários da feedback O texto do roteiro de Vasco da Gama refere-se a impressão dos portugueses sobre a população de Inhambane, considerando-a de “terra de boa gente” pela calorosa recepção que tiveram. A viagem de Vasco da Gamaem 1498, que tinha como destino a Índia permitiu o primeiro contacto com as regiões costeiras de Inhambane, Quelimane e Ilha de Moçambique. Depois da 2ª viagem a Índia, em 1502, os portugueses começaram a ter dificuldades financeiras em manter o comércio de especiarias. Os portugueses apostaram no domínio político e marítimo na região da costa oriental africana através do estabelecimento militar e naval. Que estratégias foram adoptadas pelos portugueses para controlar esse comércio? As primeiras instruções para obter poder político no oceano Índico datam de 1505 e foram dadas pelo vice-rei, Francisco de Almeida. Os portugueses acreditavam que o volume do comércio do ouro deSofala e Kílwa era enorme. Pêro de Anaia, numa 2ª expedição, obtêm autorização do sheik Yussuf para construir uma feitoria e estabelecer uma fortificação em Sofala. Em 1530, com a intensificação do comércio, os portugueses reforçaram a sua presença militar com um regimento permanente de 80 homens. Por outro lado, alguns portugueses aventuraram-se para o interior, estabeleceram alianças, casamentos, comércio privado. 16 António Fernandes realiza viagens para o interior (1511-1530) e obtém informações sobre rotas fluviais, feiras, condições do comércio, situação política no interior (Monomotapa). Mais tarde, os portugueses prepararam-se para explorar as rotas do Zambeze mais detalhadamente e estabelecer feitorias com a intenção de bloquear os comerciantes muçulmanos de Angoche. A necessidade de ter um porto de escala e entreposto entre Sofala e Kílwa para a reparação de navios e obter provisões e água levou os portugueses a estabelecerem-se na Ilha de Moçambique como entreposto na rota do ouro e especiarias. Em 1507 fundou-se um estabelecimento permanente português que servia de feitoria, hospital, igreja e fortificação. Foi construída a torre de S. Gabriel (hoje palácio de S. Paulo). Organiza-se uma povoação portuguesa a volta da Torre velha. Em 1558 iniciou a construção da fortaleza de S. Sebastião e um baluarte artilhado para defesa da entrada do porto, ao lado da capela de Nossa senhora do Baluarte (1521-1522). A Ilha de Moçambique passou a funcionar como entreposto de troca de panos e missangas da Índia por ouro, escravos, marfim, pau-preto e também como ponto de partida das viagens comerciais para Quelimane, Sofala, Inhambane, Lourenço Marques e daí para o interior (Newitt, 1997). Penetração portuguesa para o interior: comércio e conquista As fortificações da costa eram quentes, pouco saudáveis, falta de alimentos,os pagamentos eram baixos e chegavam irregularmente, poucas mulheres portuguesas. Alguns militares e comerciantes abandonaram, a título individual, a protecção dos fortes. Concomitantemente a isso procuraram outros caminhos para o interior, onde comercializavam armas de fogo, combatiam em guerras africanas, casavam com mulheres locais e adoptaram um estilo de vida dos comerciantes muçulmanos. E, finalmente, 17 estabeleceram-se nas ilhas a norte e sul de Sofala, tão longe como Pemba, vivendo da pesca e do comércio na costa. O incremento do interesse oficial em penetrar no interior foi a procura de alimentos para os fortes - exploram aldeias, enseadas estuários e costas do norte e sul de Sofala, terras baixas do rio Púngue (Newitt, 1997). Na região centro do Moçambique, o rio Quaqua foi usado como ponto de entrada para as viagens comerciais. Quelimane era o porto mais seguro de acesso ao Zambeze. Para atingir as feiras de ouro do planalto norte, era necessário percorrer 200 milhas a partir de Quelimane e através do Zambeze antes de iniciar a viagem terrestre. Centros urbanos e portos fluviais como Sena (serviam as regiões de Manica e Barué) e Tete (servia as feiras de Mazoe e monte Darwin) foram ganhando importância comercial e estratégica. As rivalidades entre portugueses e comerciantes muçulmanos manifestaram-se por todo o lado. Quando os portugueses compreenderam que Angoche era o centro do comércio clandestino organizaram uma expedição militar que reduziu a cidade a cinzas e capturou o principal xerife. O comércio muçulmano manteve-se; os portos e feiras do Zambeze continuavam livres da interferência dos portugueses. Chiloane, ilhas Quirimbas continuavam a florescer como cidades comerciais muçulmanas. Os portugueses não tinham intenção de destruir esse comércio, apenas quebrar o domínio do tráfico internacional do ouro por famílias xarifadas. Até 1530 ainda não havia uma presença portuguesa permanente no Zambeze. Em 1531, Vicente Pegado passou a ser capitão de Moçambique. Em 1540 os portugueses estabelecem-se em Quelimane, mas não assumiu logo grande importância para os portugueses. Em 1570, padre Monclaros encontrou apenas 2 a 3 portugueses nessa aldeia. Cerca de 10 portugueses em Sena, alguns na corte do Monomotapa (Sengulane, 2013). 18 A partir da década de 40 do século XVI, foram organizadas viagens para a região sul de Moçambique, a região da baia de Maputo. Nos primeiros tempos não houve nenhuma tentativa de fixação permanente na baía “ ficava fora da linha normal de navegação que entre Moçambique e o Cabo procurava afastar-se da costa”. Aportavam a procura de abrigo e pequenas trocas comerciais. Entre 1544 e 1445, Lourenço Marques, navegador e comerciante português fez o reconhecimento de toda a região que confinava com a baía. Viagens anuais ou de 2 em 2 anos eram organizadas para a região sul, mais virado para o comércio de marfim (Sengulane, 2013). Auto-avaliação 1. Explique o interesse português pela região de Moçambique. 2. Use um mapa de Moçambique para localizar Sofala e Ilha de Moçambique. 3. Caracterize o comércio desse período. 4. Por que razão Vasco da Gama viu obrigado a escalar em Inhambane? 19 Chave de correção 1. Os portugueses, nas suas viagens para a Índia, entraram em contacto com a costa oriental africana onde já havia um intenso comércio. Para participar nesse comércio, eles ocuparam Sofala e a Ilha de Moçambique. 2. Pela localização de Sofala e Ilha de Moçambique ao longo da costa, pode-se entender a sua importância estratégica para o comércio marítimo. 3. O comércio era caracterizado pela troca de produtos locais, principalmente ouro e marfim por tecidos, missangas e outros produtos trazidos pelos portugueses. 4. A escala de Vasco da gama em Inhambane visava abastecer os navios de água potável, produtos alimentares e fazer a manutenção dos navios. Resumo da Lição A presença portuguesa em Moçambique iniciou pela ocupação de Sofala e, posteriormente, da Ilha de Moçambique. Nestes locais, ao longo da costa, os portugueses fundaram feitorias para realizar o comércio e, para o caso da Ilha de Moçambique, servia como local de abastecimento dos navios que iam e vinham da índia. Para controlar as fontes de produção e as rotas comerciais, os portugueses foram penetrando no interior de Moçambique. Informação sobre a próxima lição: Na próxima lição debruçar-nos-emos sobre a administração 20 portuguesa dos territórios ocupados a partir da actividade comercial. Leitura Complementar NEWITT, Malyn. História de Moçambique. Mira-Sintra, PEA, 1997. Departamento de História da UEM.História de Moçambique, vol. I, 2ª edição, Maputo: Tempo, 1988. SENGULANE, Hipólito. História das Instituições do Poder Político em Moçambique. Maputo: Autor, 2013. 21 Lição n° 4 Administração portuguesa em Moçambique de 1505 a 1675 Introdução A actividade comercial levou os portugueses a fixarem, numa primeira fase, ao longo da costa, e, mais tarde no interior. Para controlar esse comércio eles foram criando um sistema de administração política, económica e social, visando garantir os interesses comerciais portugueses na região. Caro estudante, nesta lição vai aprender sobre o sistema administrativo montado pelos portugueses para controlar Moçambique para melhor tirar as suas riquezas. Tempo Você vai precisar de 8 horas para estudar esta lição.Objectivos Ao completar esta lição, você deve ser capaz de: Explicar os interesses portugueses durante esse período; Descrever a administração portuguesa em Moçambique; Caracterizar as formas de administração portuguesa. 22 Administração portuguesa em Moçambique de 1505 a 1675 A medida que for lendo o texto, enquadre a administração de Moçambique na complexa rede comercial da África Oriental portuguesa. A expansão portuguesa na África Oriental foi exclusivamente de índole comercial, determinada pela existência de uma importante rede mercantil para o negócio de ouro. A primitiva ocupação territorial sertaneja não derivou de qualquer acção política do Estado planificada para isso. A fixação portuguesa em Sofala, que era um dos portos importantes do comércio de ouro, ocorreu em 1505. O domínio português em Sofala reduzia-se à povoação e com alguns portugueses no interior, ilhas, aldeias ao longo da costa. Portugueses foram acarinhados e cobiçados pelos chefes africanos como aliados valiosos. Em troca de fato (tecidos), armas, pólvora e ajuda militar foram conquistando privilégios, terras, concessões e favores. Segundo Botelho (1934-36), as primeiras regras que nortearam a administração portuguesa em Moçambique foram dadas através da Provisão de 25 de Março de 1589, organizada em 23 capítulos aplicados a todas as fortalezas indistintamente e mais um número especialmentedestinadas a Moçambique (ilha) e Sofala. Esses capítulos versavam questões como a conversão dos gentios, a imparcialidade da justiça, controlo do comércio, controlo dos abusos que podiam ser cometidos pelos capitães. A capitania de Moçambique e Sofala era uma das maiores nomeações portuguesas nessa fase inicial. A responsabilidade pelos assuntos da África Oriental estava repartida entre os capitães de Kílwa e Sofala. O capitão de Sofala tinha o controlo da região sul e navios comerciais que por ai faziam o comércio. Apesar das regalias, salário e outros interessava-se cada vez mais pelo 23 comércio privado, em detrimento dos interesses comerciais da coroa portuguesa.O poder político e comercial estavam associados; os capitães iam ganhando espaçoà medida que reforçavam o seu controlo sobre o comércio. Actividade 4 Actividade: Faça o enquadramento da administração de Moçambique na complexa rede comercial da África Oriental portuguesa. Comentários da feedback A actividade comercial foi responsável pela criação duma estrutura administrativa que defendesse os interesses dos portugueses. A criação da capitania de Sofala e Ilha de Moçambique visava o controlo da rede comercial. Qual era a relação entre Moçambique e o estado da Índia? A partir de 1530, a capital do Estado da Índia é fixada em Goa onde cresceu uma burocracia centralizada que reflectia a tendência de centralização da Europa renascentista. Goa, centro comercial, industrial, financeiro e também a capital religiosa respondia pelos assuntos de Moçambique. A coroa portuguesa criou a Junta do Comércio de Moçambique e Rios de Cuama, com assento em Goa. Moçambique esteve sob a administração directa do vice-rei de Goa. Os feitores de Moçambique (ilha), Sena, Quelimane e Tete eram escolhidos na Índia, pelo vice-rei, assim como os feitores dos quintos e foros de Sena. O Capitão de Moçambique recebia instruções regimentais e eventuais do vice-rei, mas correspondia-se directamente com o rei ou com o secretário de Estado (Newitt, 1997). 24 A coroa portuguesa determinou o povoamento por meio de casais que receberiam terrenos para seu sustento, recomendando o casamento de órfãs com portugueses do reino Sena povoação encravada nas terras do Monomotapa; Tete no reino de Inhabazoe; Quelimane vivia o capitão dos Rios, Francisco Brochado, não existia domínio territorial. Estas terras e mais 11 povoações foram as primeiras doadas a uma feitoria portuguesa. Na primeira metade do século XVI, as guarnições portuguesas na costa eram de dimensão considerável, e o seu número aumentava com a chegada de frotas da Índia. A primeira vez que se pôs o problema da conquista militar foi em 1569, para vingar o assassinato do jesuíta Gonçalo da Silveira, mas sem sucesso. Em 1607, o Monomotapa concedeu minas ao rei de Portugal em troca de ajuda militar, mas não se constituiu domínio territorial. Em 1629, o Monomotapa cedeu terras em Tete (Botelho, 1934-36). As minas de prata fizeram afluir a Moçambique, da Índia e de Portugal, muita gente que se fixou na Zambézia, negociando, usurpando e comprando terras. Contudo, nunca se estabeleceu a unidade do território. Com o desvio da rota comercial para o Zambeze e para Angoche e luta aberta com os mouros da costa, os portugueses subiram o rio Cuama (Zambeze) e esquadrinharam o sertão em busca do ouro. A partir do século XVII, na administração portuguesa de Moçambique havia uma subdivisão em territórios de soberania real portuguesa que eram as terras da coroa e zonas de influência que pertenciam aos povos livres, os reinos independentes cuja soberania se respeitava. 25 Auto-avaliação 1. Relacione os interesses comerciais e a administração implantada pelos portugueses. 2. Com base em leituras complementares, caracterize a relação administrativa entre Moçambique e Goa. Resumo da Lição A administração portuguesa de Moçambique, dependente do estado da Índia, resultou da presença comercial. Para controlar o comércio, os portugueses criaram um aparelho administrativo e comercial que se baseava em feitorias, presídios e outras fortificações a partir das quais se organizavam as caravanas comerciais para o sertão. Informação sobre a próxima lição: Dando continuidade ao nosso tema, iremos, na próxima lição,debruçarmo-nos sobre o comércio de ouro, que marca esse período da história de Moçambique. Leitura Complementar BOTELHO, José Justino Teixeira. História militar e política dos portugueses em Moçambique da descoberta a 1833. Lisboa, Centro de tipografia colonial, 1934-36. NEWITT, Malyn. História de Moçambique. Mira-Sintra, PEA, 1997. 26 Lição n° 5 "O comércio do ouro" Introdução O comércio de ouro dominou um determinado período da história de Moçambique. O estudo do desenvolvimento do comércio nesse período, considerando os intervenientes, os lugares de produção e venda de ouro e outros aspectos é importante para compreender a história de Moçambique. Tempo Você vai precisar de 10 horas para estudar esta lição. Objectivos Ao completar esta lição, você deve ser capaz de: Caracterizar o comércio de ouro em Moçambique; Explicar o processo de produção e comercialização do ouro; Descrever a importância do ouro na economia capitalista. 27 "O comércio do ouro" Ao longo da leitura do texto vai organizando, de forma esquemática, os aspectos relevantes do comércio de ouro. A exploração do ouro no planalto do Zambeze remonta do século XI, como resultado do trabalho dos camponeses que iam até aos rios extrair um pouco desse minério ou escavavam pequenos poços secos, onde o ouro e o quartzo se misturavam. Esse ouro era levado para as feiras onde a sua procura era assinalável. Dessa forma, foi crescendo o interesse por esta mercadoria. O estado do Monomotapa controlava regiões auríferas o que despertou o interesse de comerciantes muçulmanos e,mais tarde, portugueses. As minas de ouro e outros metais eram directamente controladas pelo Monomotapa ou pelos seus funcionários que ele enviava para as diversas regiões do Império. Todos os mercadores que vinham comercializarnas diversas feiras que se realizavam no Império tinham que pedir guias de passagem pelo território do Monomotapa. Os mercadores do Império que levavam ouro para a costa tinham que pagar pesados impostos sobre as mercadorias que traziam, que eram geralmente tecidos de algodão e outros produtos de luxo, tais como missangas, colares e outros adornos. O comércio de ouro criou uma rede comercial ao longo da costa oriental africana, envolvendo Sofala, Quíloa, Madagáscar, Mombaça e outros portos da África Oriental. O comércio no Índico era condicionado pelas monções; entre Outubro e Marco do Golfo e da Índia para a costa oriental africana; regresso entre Abril e Setembro. Cidades mais a norte eram entrepostos comerciais. Quíloa era local perfeito para ser intermediário, espécie de bifurcação rumo ao norte de Madagáscar via Comores e para sul para a costa de Sofala. Atraia famílias de mercadores muçulmanos de prestígio palácios, mesquitas, famílias reinantes. Nunca monopolizou o comércio costeiro. 28 Mombaça, Melindi, Domoni (Comores) foram centros comerciais internacionais, cujas famílias reinantes diziam-se pertencer a mesma linhagem dos sultões de Quíloa. A actividade mercantil local e colonatos satélites foram criando pequenas cidades comerciais como resultado das oportunidades de negócio, fundação de feudos e contradições nas famílias reinantes (Newitt, 1997). Zanzibar era um centro importante. Mafia produção de goma e tecelagem de corda e tapete em fibra de coco; Amisa tecelagem de tecidos; Ilha de Moçambique, centro de construção de embarcações. Qual foi o papel e a importância de Sofala para esse comércio? A fama de Sofala partiu do comércio de ouro, cuja rota ia de planalto de granito nas terras altas de Manica até ao Kalaari, a sudoeste. O ouro era extraído por esmagamento de rochas e posterior lavagem, vendido em feiras organizadas por chefes locais. Os mercadores de Sofala eram os principais compradores com destino a Índia e ao Golfo Pérsico. Sofala era um porto do comércio de ouro por excelência, fazendo a ligação entre o interior e a costa. Outros produtos desse comércio internacional eram marfim, pérola, carapaças de tartaruga. Ao nível do comércio local trocava-se sal, alimentos, algodão/roupas, esteiras e cestos por tecidos, armas, bebidas e outros. No contexto do comércio marítimo e fluvial, desenvolveu-se a área de construção de embarcações – 4 tipos – de grande porte, zambucos (Ilha de Moçambique e Comores) para navegação nas águas oceânicas; pangaios ou bangwas ao longo da costa e também no mar até Madagáscar. Os Lúzios eram usados nos estuários e canais e almadias que podiam ter dimensões consideráveis, transportar ate 20 toneladas – diversas actividades – pesca, captura de tartarugas e baleias, triagem de pérolas, viagens comerciais costeiras e longas viagens oceânicas até Kílwa, Madagáscar, Golfo e Índia (Departamento de História da UEM, 1988). 29 Quais foram as consequências imediatas desse comércio? Novos povoamentos e centros comerciais foram surgindo como resultado do incremento comercial e a reorientação do comércio de ouro na África central devido as rivalidades - Angoche era o mais importante, Quelimane e Ilha de Moçambique. As feiras do ouro foram crescendo como centros comerciais e criaram uma disputa pelo seu controlo entre chefes locais, portugueses e muçulmanos. As feiras de Manica, como Masekesa, Masapa, Bocuto, Luanze, eram frequentadas por comerciantes à procura de ouro. As autoridades portuguesas em Moçambique criaram o posto de capitão das feiras que era escolhido entre os membros da comunidade portuguesa. O conflito com os muçulmanos pelo monopólio do comércio de ouro conduziu a sua decadência e deu uma certa primazia ao comércio de marfim. Actividade 4 Actividade: Acompanhe a sua leitura com um mapa da costa oriental africana. Vai localizando, no mapa, cada um desses portos. Comentários da feedback Kílwa, Mombaça, Melindi, Domoni e Zanzibar eram os principais portos da costa oriental africana. Auto-avaliação 1. Com base nas actividadestidas ao longo do texto, faça uma síntese sobre esse comércio. 2. Em leituras adicionais veja o papel do ouro na economia mercantil. 3. Qual era a importância das feiras para o comércio de ouro? 30 Resumo da Lição O comércio de ouro foi dominante durante o período entre os séculos XV e XVI. Essa actividade atraiu mercadores estrangeiros asiáticos e portugueses que foram rivalizando entre si, pelo seu monopólio. Nas sociedades e estados locais, esse comércio desviou os camponeses da produção agrícola e provocou fome e fugas de comunidades. O ouro tinha um papel importante no processo de desenvolvimento do capitalismo europeu. Informação sobre a próxima lição: Na próxima lição vamos dar continuidade ao nosso estudo, olhando para o impacto do comércio de ouro. Leitura Complementar Costa, António Nogueira da. Penetração e impacto do capital mercantil português em Moçambique nos séculos XVI e XVII: o caso do Monomotapa. Maputo, Cadernos tempo, 1982. NEWITT, Malyn. História de Moçambique. Mira-Sintra, PEA, 1997. 31 Lição n° 6 "O impacto do comércio de ouro" Introdução Caro estudante, nesta lição vai aprender sobre as mudanças ocorridas a partir da introdução do comércio do ouro bem como do impacto deste, considerando o percurso de Moçambique durante esse período. Não se esqueça de dar atenção às actividades e questões de aprimoramento da matéria. Tempo Você vai precisar de 8 horas para estudar esta lição. Objectivos Ao completar esta lição, você deve ser capaz de: Caracterizar as mudanças ocorridas a partir do comércio de ouro; Inferir sobre o impacto desse comércio. 32 "O impacto do comércio de ouro" Leia os trechos seguintes: “ Dizia a tradição que essas regiões eram riquíssimas em ouro, e para obter bastava levantá-lo do chão. Esta crença chegou até ao Reino, onde todos estavam prontos a acreditar nas maravilhas do Oriente e onde as necessidades em ouro eram cada vez maiores para poderem suportar os gastos com a manutenção de tão dilatado império” . ( Alberto M. Vara Branco. Ensaio de portugalidade em terras africanas durante agovernação d´el-rei D. Sebastião. D. Francisco Barreto em Moçambique e na região do Monomotapa). Actividade 4 Actividade: Com base em leituras complementares, comente a ilusão ou o mito criado a volta da existência de ouro na região do estado do Monomotapa. Porquê essa grande procura de ouro? “ (…) acudiam sessenta, oitenta mil negros (…) abriam uma cova na forma de um poço (…) começavam a minar por baixo (…) algumas vezes caiu achando-se em baixo trinta, quarenta mil negros (…) é tanta gente que concorre, que suprem em dobro os enterrados (…) (Anónimo, sobre os Rios de Cuama, Biblioteca da Ajuda, 1683)”. Era o processo de extracção de ouro das minas nas terras do Monomotapa. Com base nele podemos ver que as condições de trabalho nas minas eram precárias. “ todo o ouro que se tirar das ditas minas se porá em boa arrecadação, e de todo ele se fará a reseita sobre o feitor (…) de toda a somado dito ouro se tirará, e arrecadará para a minha fazenda o que montar da despeza que se fizer das minas (…) as quais despezas se entenderá serem ordenados dos officiaes, e soldos das pessoas que no negócio das minas 33 entenderem e mantimentos delles, e minições e todos os outros custos das ditas minas; e nisto não entrarão soldos e mantimentos de soldados” (Treslado do Regimento que leva Francisco Barreto sobre a Repartição do ouro das minas do Manamotapa Regimento no 1º XII F.93) Quais são as despesas aqui indicadas? Quais eram as expectativas dos portugueses em relação ao ouro? Comentários da feedback No contexto europeu, Portugal estava a procura de metais preciosos que constituíam as bases para a acumulação de capital, necessário para o seu desenvolvimento económico. Auto-avaliação 1. Da leitura dos trechos acima infira sobre a importância do comércio de ouro. 2. Caracterize as transformações ocorridas em Moçambique durante esse período. 3. Procure na bibliografia recomendada o conceito de acumulação de capital. Estabeleça uma relação com o período do comércio de ouro. Resumo da Lição O comércio de ouro provocou transformações nas sociedades locais. Por um lado, houve a fixação de portugueses nas regiões do interior para controlar esse comércio. Formaram-se pequenas comunidades mestiças, a partir de comerciantes que se foramintegrando nas comunidades locais, casando com mulheres locais e adoptando o estilo de vida dos comerciantes islâmicos. 34 Os povoamentos portugueses foram crescendo como centros urbanos, com destaque para a ilha de Moçambique, Quelimane, Sena, Tete. No estado do Monomotapa, o comércio de ouro contribuiu para a erosão da economia natural das aldeias (mushas) ao provocar uma procura crescente do ouro. A exigência do trabalho nas minas provocou também a fuga de comunidades inteiras. Informação sobre a próxima lição: Com esta lição terminamos a unidade de aprendizagem sobre Moçambique no período do comércio de ouro. Na unidade seguinte iremos estudar o período do comércio de marfim. Leitura Complementar NEWITT, Malyn. História de Moçambique. Mira-Sintra, PEA, 1997. SERRA, Carlos. Como a penetração estrangeira transformou o modo de produção dos camponeses moçambicanos. Maputo, Núcleo Editorial da Universidade Eduardo Mondlane, 1986. 35 Unidade 1: Título da Unidade Pág. 36 -138 Conteúdos 2 U N ID A D E Lição n° 7 A administração de Moçambique, 1675-1752 Lição n° 8 O comércio de marfim, no século XVII e XVIII Lição n° 9 "Os prazos do vale do zambeze: A origem" Lição n° 10 As formulaçoes legais sobre a origem prazos do vale do zambeze Lição n° 11 "Actividades económicas dos prazos" Lição n° 12 "As relações sociais nos prazos" Lição n° 13 O redimensionamento dos prazos em estados militares Lição n° 14 "Nascimento do Comércio de Escravos" Lição n° 15 "Moçambique e a grande seca" O COMÉRCIO DE MARFIM, SÉCULOS XVII – XVIII 36 Introdução Desde o início da conquista, os portugueses descobriram a importância estratégica de Moçambique para a realização do comércio da costa oriental africana, mas também como base de apoio do comércio com a Índia e para a navegação de longo curso. Na primeira fase, século XVI, o interesse dos mercadores portugueses era fundamentalmente o ouro do Monomotapa que saia por Sofala e era capturado pelos mercadores árabes. Ao lado do ouro, resgatavam também outros géneros como marfim, cera, escravos, etc. Mas, do final do século XVII a meados do século XVIII, o marfim constituiu em volume e valor, a mercadoria mais importante que se tirava da costa africana para alimentar o comércio indiano. No ciclo do marfim, predominaramduas modalidades de comércio: uma delas consistia em traficar regularmente com os Macuas de reinos vizinhos e sazonalmente com mercadores Ajaua que, vindos do Lago Niassa, traziam essencialmente marfim e em menor escala tabaco e azagaias. A segunda consistia em enviar ao sertão os patamares correspondentes aos mussambases do vale do Zambeze que eram mercadores africanos que recebiam a mercadoria nos portos da costa e a introduziam no interior, feiras e aldeias, onde realizavam as trocas. Nesta unidade vai estudar sobre a emergência e desenvolvimento do comércio de marfim, a administração de Moçambique de 1675 a 1752, o sistema de prazos e a caracterização geral da situação da seca do século XVIII e seu impacto na África Austral. Durante a leitura dos textos fixe- se também nas actividades, chamadas de atenção para a exploração do conteúdo e nos exercícios de auto - avaliação. 37 Objectivos da unidade Ao completar esta unidade, você deve: Explicar a emergência e desenvolvimento do comércio de marfim; Caracterizar o comércio de marfim; Reflectir sobre a administração de Moçambique de 1675 a 1752; Descrever o sistema de prazos olhando a origem, a formulação legal, as actividades económicas e o funcionamento da sociedade; Analisar o impacto da seca do século XVIII nas transformações políticas e económicas em Moçambique. 38 Lição n° 7 "A administração de Moçambique, 1675-1752" Introdução Durante o período do monopólio comercial do capitão, registou-se a ocorrência de uma divisão contenciosa entre as administrações comercial e política dos territórios portugueses situados na África Oriental. Enquanto o capitão possuía plenos poderes militar e políticos em relação a todas as feitorias e assentamentos, o seu monopólio privado cobria apenas a Zambézia, Sofala e Angoche. O fim deste monopólio deveria ter posto ponto final à semelhante anomalia, mas, na prática, a Coroa não estava em condições de criar uma administração unificada, continuando Moçambique a sofrer os tormentos ocasionados por uma sériede confusões graves no capítulo das jurisdições. Tempo Você vai precisar de 10 horas para estudar esta lição. Objectivos Ao completar esta lição, você deve ser capaz de: Caracterizar a administração de Moçambique até 1752; Mostrar a sobreposição de poderes a partir de 1675 em Moçambique; Identificar as competências de tenente geral dos Rios; 39 Identifique os funcionários que coadjuvavam o tenente- general nas suas actividades; Descrever a estrutura administrativa de Moçambique de 1675 a 1752; Caracterizar a estrutura administrativa de Moçambique a partir de 1752. 40 "A administração de Moçambique, 1675-1752" Sabe quando é que tem poder e ao mesmo tempo não tem? Leiao parágrafo que se segue e perceba a situação do capitão de Moçambique. Embora à cabeça do governo continuasse a figura do capitão de Moçambique, este era agora um simples funcionário executivo que tratava de obedecer ao vice-rei de Goa, sendo que às vezes a sua figura é muito simplesmente refinada como o “castelão de Moçambique”. Apesar de, e em termos nominais, ser o chefe de todo um governo, na prática limitava- se a controlar a Ilha de Moçambique e os assentamentos de Inhambane, Sofala e Cabo Delgado e tinha uma espécie de suserania nominal emrelação a alguns dos xarifados islâmicos da costa. Na maior parte destes lugares, a administração pouco mais era que residual-actuando o capitão nomeado para os assentamentos como feitor e juiz (Newitt, 1997). Veja como o vice- rei de Goa estruturou a governação de Moçambique. A Zambézia, agora chamada Rios de Sena, acabava por funcionar como um governo à parte. Com o fim do monopólio do capitão, as nomeações para o posto de capitão-mor dos Rios passaram a ser da competência do vice-rei, criando-se o título de “tenente general dos Rios”. Em 1709, o tenente-general viu serem-lhe concedidos poderes praticamente independentes, entre eles o direito a levar a cabo as operações militares que bem lhe aprouvessem e o controlo de todos os súbditos portugueses. O próprio vice-rei tratou de lhe fornecer um grupo de instruções (regimento) que nada tinha a ver com os demais. O tenente-general, cujo quartel-general ficou instalado em Sena durante a primeira metade do século, procedia às nomeações para as capitais subordinadas de Tete, Zumbo e Manica. Era ele quem nomeava os capitães-mor que deveriam controlar as minas, bem como os funcionários que chefiavam a guarnição do Zimbabwe. Os capitães subordinados actuavam todos como juízes nas áreas por si controladas. O tenente-general contava com a ajuda de dois importantes funcionários: o capitão-mor dos Rios, um colono local 41 nomeado para actuar como seu procurador, e o “feitor dos faros e quintos”, uma espécie de tesoureiro responsável pela verificação de tudo o que se relacionasse com direitos fiscais da coroa no arrendamento das terras e na exploração das minas. A nova estrutura criada pelo vice - rei de Goa veio criar poderes paralelos ou mesmo uma sobreposição. Outro aspecto que chama atenção é a forma como foi gerida a actividade comercial. Leia e retire evidências. A relação entre o tenente-general e o capitão de Moçambique nunca chegou realmente a ser definida, sendo que, pelo menos numa área importante, soprepunham-se os poderes de um sobre os outros. O porto de Quelimane terá ficado sob jurisdição de ambos os funcionários. Se isto já não bastava para criar uma série de confusões, há ainda que mencionar outro facto, ou seja, que até às reformas administrativas de 1752, o capitão de Moçambique acumulou estas funções com as de superintendente da Junta de Comércio, a qual controlava todo o comércio praticado pelos assentamentos da religião dos Rios. Em 1675, a administração comercial da zona oriental de África fora subtraída ao controlo do capitão. O comércio praticado em quase toda a costa foi considerado susceptível de ser levado a cabo por qualquer cidadão português, tendo sido criada em Moçambique uma espécie de casa aduaneira onde era suposto os mercadores pagarem as suas taxas. Bastante maiores eram as preocupações dadas pela actividade comercial dos Rios. Numa primeira fase, a Coroa entregouàuma Junta de Comércio, a qual operava a partir de Goa. Contudo, esta Junta foi tudo menos um sucesso, e, depois de um período de liberalização do comércio nesta zona, criou-se uma companhia cuja finalidade era encarregar-se de todas as operações comerciais com os assentamentos do Zambeze. A companhia teve um período de funcionamento que durou de 1696 a 1699. A Junta foi restaurada e exerceu as funções de principal agente comercial até 1739, quando as suas responsabilidades passaram para o Conselho da Fazenda 42 do Estado da Índia, em Goa. Este Conselho administrou o comércio dos Rios até 1752, altura em que Moçambique foi separado do governo de Goa, constituindo-se como um governo independente. Durante o período de tempo em que o comércio de Moçambique esteve sob a alçada da Junta, o capitão, agindo na qualidade de superintendente, controlava de forma absoluta toda a política comercial da zona. A confusão só podia ser óbvia. Na Zambézia, tanto os assuntos do foro político como os do foro militar eram controlados pelo tenente-general, que, apesar de se encontrar nominalmente subordinado ao capitão de Moçambique, actuava por sua conta e risco. Porém, na qualidade de superintendente da Junta, o capitão dominava a vida comercial dos Rios, embora não sucedesse o mesmo com as finanças do governo, as quais ficavam a cargo do feitor dos foros e quintos. Até 1752, territórios controlados pelos Portugueses continuaram a ser administrados de um modo muito pessoal, quase medieval. Em grande parte devido à distância que separava estes assentamentos de Portugal e de Goa, a administração consistia nas acções de uns quantos indivíduos a quem a Coroa conferiria poderes executivos, legislativos e judiciais embora a coroa se tivesse reservado o direito de intervir ou legislar directamente sempre que tal considerasse necessário. Depois de 1552, mesmo a África Oriental sentiu, se bem que de um modo muito difuso, os efeitos do Iluminismo, e tentou-se criar uma administração mais moderna, de directrizes bem definidas no capítulo da autoridade e que deveria instaurar formas de auto - governo nos diferentes assentamentos. Actividade 1 Actividade: Depois da leitura do texto, apresente a estrutura administrativa de Moçambique de 1675 a 1752. Ao responder esta questão, não se esqueça que o vice-rei da índia nomeou o tenente general como responsável máximo seguido do capitão-mor. Veja a responsabilidade destes e outros elementos que coadjuvavam o tenente general. 43 1752, marca a separação de Moçambique de Goa. Veja como ficou estruturada a administração de Moçambique. Leia e retire dados que mostram a estrutura administrativa montada a partir deste período. Em 1752, o governo de Moçambique foi formalmente separado de Goa, e o governador, agora chamado capitão-general, e posteriormente, governador-geral, passou a estar sob o controlo directo de Lisboa. Foi ainda criado um secretariado na Ilha de Moçambique, sendo também aí que acabou por ficar instalada a única repartição aduaneira na zona. Contudo, as dificuldades de comunicação entre os muitos isolados entrepostos comerciais que se estendiam de Cabo Delgado à baia de Delagoa significava gozarem os governadores subordinados de um alto grau de independência. Na década de sessenta, a maior parte dos assentamentos foi oficialmente elevada ao estatuto de cidades, tendo cada uma delas ficado com o seu próprio Senado da Câmara. No entanto, e na grande maioria dos casos, as câmaras possuíam poucos recursos, sendo os colonos de tal forma escassos, que só a custo constituíam o quórum necessário ao seu funcionamento. De qualquer dos modos, seria errado subestimar o contributo das câmaras na institucionalização do poder das famílias afro-portuguesas. Em termos nominais, os governadores dos assentamentos possuíam tropas sob o seu comando, podendo ainda contar com o apoio de um juiz ordinário para a resolução das questões judiciais, e de um secretário. Os contactos com os habitantes africanos ficavam a cargo de um potentado local, que acabava sempre por receber o título de capitão-mor, ou então, em alternativa, de um colono influente a quem eram dados poderes para recrutar soldados africanos, barqueiros, carregadores e simples trabalhadores, proceder ao julgamento de diferentes casos consoante a lei “nativa” e tratar das questões diplomáticas com os chefes vizinhos que se consideravam independentes em relação ao governo português. Na Ilha de Moçambique, este funcionário recebia o título de “Capitão-mor das Terras 44 Firmes”, enquanto, nos Rios, era chamado “Capitão-mor das Terras da Coroa” (Newitt, 1997).Auto-avaliação 1. O capitão de Moçambique tinha poder, mas ao mesmo tempo não o tinha. Concorda? Justifique a tua resposta. 2. A Zambézia, agorachamada Rios de Sena, acabava por funcionar como um governo à parte. Com o fim do monopólio do capitão, as nomeações para o posto de capitão-mor dos Rios passaram a ser da competência do vice-rei, criando-se o título de “tenente geral dos Rios”. a) Refira-se às competências de tenente geral dos Rios. 3. Identifique os funcionários que coadjuvavam o tenente-general nas suas actividades. 4. Comente a frase: “Até 1752, territórios controlados pelos Portugueses continuaram a ser administrados de um modo muito pessoal, quase medieval”(Newitt, 1997). 5. Refira-se às actividades de capitão-mor. Resumo da Lição Nesta lição, você aprendeu que a partir de 1675 assiste-se uma sobreposição de poder em Moçambique, resultante de nomeação de um novo corpo de funcionários por vice-rei de Goa. Esta realidade viria a terminar em 1752 quando Moçambique passa a ser administrado por Portugal. 45 Leitura Complementar Departamento de História da UEM: História de Moçambique, vol. I, 2ª edição, Maputo: Tempo, 1988. NEWITT, Malyn; História de Moçambique. Mira Sintra: Publicações Europa América, 1997. SENGULANE, Hipólito. História das Instituições do Poder Político em Moçambique. Maputo: Autor, 2013. 46 Lição n° 8 "O comércio de marfim, no século XVII e XVIII" Introdução A partir do século XV, os portugueses descobriram a importância estratégica de Moçambique para a realização do comércio da costa oriental africana, mas também como base de apoio do comércio com a Índia e para a navegação de longo curso. Na primeira fase, século XVI, o interesse dos mercadores portugueses era fundamentalmente o ouro do Monomotapa que saia por Sofala e era capturado pelos mercadores árabes. Ao lado do ouro, resgatavam também outros géneros como marfim, cera, escravos, etc. Mas, no final do século XVII a meados do século XVIII, o marfim constituiu em volume e valor, a mercadoria mais importante que se tirava da costa africana para alimentar o comércio indiano. Tempo Você vai precisar de 10 horas para estudar esta lição. Ao completar esta lição, você deve ser capaz de: Localizar no tempo o desenvolvimento do comércio do marfim; Identificar os intervenientes no comércio de marfim; 47 Objectivos Caracterizar o comércio de marfim; Descrever o papel dos chefes locais no comércio de marfim; Explicar o incremento do comércio do marfim no sul de Moçambique a partir do século XVIII. Actividade 1 Actividade: Leia a introdução da unidade e retira as modalidades pelas quais era desenvolvido o comércio de marfim. Comentários da feedback Meu caro, volte ao texto introdutório desta unidade para melhor perceber que o comércio de marfim foi desenvolvido em duas modalidades. "O comércio de marfim, no século XVII e XVIII" Leia o texto que se segue e encontre a priori o contexto do desenvolvimento do comércio do marfim, o monopólio do comércio pela Índia, os intervenientes no comércio, os locais de troca entre outros aspectos. O levantamento de 1693 no império de Mutapa constituiu a primeira forma sistemática de resistência em Moçambique. A insurreição levou muitos portugueses a refugiarem-se em Tete, Sena e Quelimane e ao alargamento do sistema de prazos para o norte de Zambeze, nomeadamente para o território do Estado Cheua dos Undi onde foram 48 abertos campos de mineração, mas produziam ouro em quantidade ínfima. Com este levantamento, a produção e comercialização do ouro e marfim passou a ser o produto mais procurado pelos mercadores. Nos territórios situados entre o rio luangua e Quelimane fazia-se bastante comércio de marfim e a sua produção, bem como a sua comercialização era organizada em regime de monopólio pelos Maraves. O marfim representava para os Phiri uma das suas principais fontes de reprodução. Eram frequentes as rivalidades entre os Caronga e Lundu para obtenção de panos e de missanga, bens de prestígios que garantiam lealdade política e uma corte de aderentes numerosas. Como é que os portugueses começam a ter hegemonia no comércio substituindo os swahilis? O controlo efectuado pelos portugueses do tráfico Swahili e árabe, através do Zambeze, partindo de Angoxe, terá bloqueado consideravelmente o afluxo aos Phiri dos produtos trazidos por aqueles mercadores. Embora a base de partida fosse Angoxe, muitos mercadores vinham de Quíloa, de Mombaça e por vezes de mais longe, das cidades portuáriasSwahili que pontilhavam a costa oriental africana desde, provavelmente, o século VIII da nossa era, por um lado, por outro lado, a situação estratégica dos Estado dos Lundu, no Chire, tornava possível a estes interceptar as mercadorias destinadas aos Phiri. A situação era um tanto idênticaàquela que permitia ao inhamunda do Quiteve e de Sedanda interceptar as mercadorias que saiam deSofala para Mwenemutapa e para o Changamira entre 1505 e 1530. Em 1622, os Caronga fizeram uma aliança militar com os portugueses e os Lundus foram derrotados, passando os phiri Caronga a controlar o comércio. A aliança obtida deu aos portugueses uma margem de manobra política substancial a norte de Zambeze. Os portugueses desde a sua fixação em Moçambique possuíam duas fontes de rendimento: os direitos aduaneiros e o comércio. Todo o aparato administrativo e militar português se destinava a apoiarem essas duas fontes de rendimentos. 49 Será que Portugal teve rendimento no comércio que desenvolvia em Moçambique até a primeira metade do século XVII? Leia, encontre evidências e conclua. No tocante ao comércio régio, os portugueses usam no século XVII, o sistema de arrendar terras a capitas que tomavam a seu cargo o monopólio de compra e venda de produto e pagavam a fazenda real uma determinada percentagem dos lucros. Esses arrendamentos eram intervalados com tentativas de nacionalização da actividade comercial, a qual ficava então a cargo da fazenda ou das juntas de comércios. Tudo isso se mostrava na prática ineficaz do ponto de vista da coroa, pois a maior parte da riqueza acumulada era simplesmente drenada para a Índia, onde uma elite colonial se estabelecera faustosamente em Goa, Diu e Damão ou, ia para Lisboa nos baús dos nobres para ser sistematicamente investida em bens de raiz o que chegava a Portugal como reduto estrito da coroa saía quase logo a seguir para outros países como pagamento dos cereais importados cuja falta era crónica naquele pequeno país europeu. O grosso da riqueza acumulada em Moçambique ia para Goa, pois era através da Goa que a coroa portuguesa administrava Moçambique. O capitão general de Moçambique que servia a modo de governador estava subordinado ao vice-rei de Goa. Por isso, No século XVII, a Índia tornou- se quase virtualmente a verdadeira “metrópole” mercantil de Moçambique. Em 1686 foi formada em Diu, pelo vice-rei português a companhia dos Mazanes, composta por ricos armadores e mercadores Indianos, a qual obteve o monopólio do comércio entre Diu e Moçambique, bem como extensos privilégios comerciais em termos de Fretes, apoio logístico, ajuda oficial portuguesa. A formação de uma companhia desse género não foi programada em Lisboa, mas em Goa. Por outras palavras, erado interesse da nobreza portuguesa, na Índia,que o capital mercantil indiano penetrasseem Moçambique.
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