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Maria Beatriz Machado SAÚDE MENTAL – AULA TEÓRICA 05 – DELIRIUM 1. INTRODUÇÃO Estado confusional agudo que acomete pessoas com doenças médicas (alterações orgânicas, sejam sistêmicas ou cerebrais). É uma síndrome caracterizada pela alteração global das funções psíquicas, decorrente do comprometimento da consciência, da atenção e das funções cognitivas, frequentemente com alterações do sono-vigília e da psicomotricidade. Complicação frequente em 30% dos idosos internados e na UTI ocorre em 70% dos pacientes Na prática clínica, apenas 30 a 60% dos pacientes com delirium são diagnosticados Taxa de mortalidade em 1 ano em pacientes com delirium é de 50% Essa taxa de mortalidade é alta devido a doença de base que causa o delirium, não pelo delirium em si. 2. IDENTIFICAÇÃO DO DELIRIUM É importante: Ter familiaridade com o quadro clínico apresentado por pacientes com delirium Investigação sistemática de sinais que indiquem a presença de delirium 3. SINAIS E SINTOMAS Início agudo/curso breve Começa de dura de horas à poucos dias (dificilmente dura meses, somente se o paciente tiver uma doença de base que não melhora). Alteração da consciência Nível de consciência rebaixado Lembrar dos níveis de consciência: Vigília: Paciente alerta, prestando atenção: Vigília Torpor/obnubilação: Paciente com rebaixamento do nível de consciência onde não conseguimos despertar o paciente e fazer com que ele preste atenção Geralmente o paciente em delirium está nesse estado. Atenção está prejudicada Paciente terá dificuldade de manter o foco da atenção. Quando conversamos com ele de repente ele começa a olhar para os lados, para objetos, etc Não é que o paciente não quer focar a atenção, ele realmente não consegue. Nestes casos devemos fazer a prova dos dias da semana: Pedimos para o paciente dizer os dias da semana na ordem correta, e depois de trás para frente O paciente em delirium não consegue Também podemos pedir para fazer a prova dos meses do ano: Pedimos para o paciente dizer os meses do ano na ordem correta, e depois de trás para frente O paciente em delirium não consegue Também podemos pedir para o paciente fazer contas de subtração com o 7 100 -7, 93 -7.. Esse paciente com déficit na atenção tem mais chance de ter ilusões, alucinações e delírios O ciclo sono-vigília desorganiza-se (geralmente se inverte) Sono entrecortado, paciente pode ter letargia, ficar sonolência durante o dia e insônia à noite (sundowing). Orientação temporal e espacial alteradas: Paciente não sabe que dia é, onde está.. Pensamento alterado Discurso desorganizado, lentificado, confuso, incoerente, e às vezes pode estar acelerado. Afeto Pode variar de discreta ansiedade até medo intenso, irritabilidade, depressão ou euforia (paciente fica variando, não mantém esse afeto). Flutuação do quadro O paciente tem momentos de melhora e piora durante o dia devido a alteração do nível de consciência. Agitação psicomotora É frequente, muitas vezes com necessidade de contenção física. Maria Beatriz Machado 4. FISIOPATOLOGIA As bases biológicas não são completamente conhecidas É muito difícil de estudar o delirium, porque existem muitas doenças de base que causam essa condição, e os pacientes são muito diferentes um do outro devido a essas diferentes doenças. Certamente envolve o neurotransmissor acetilcolina, porque sabemos que as drogas anticolinérgicas pioram ou causam o delirium, e a fisostigmina (inibidor da colinesterase) melhora esse efeito. Várias condições que causam delirium diminuem a acetilcolina no cérebro: Hipóxia, hipoglicemia, deficiência de tiamina, etc. Na Doença de Alzheimer temos diminuição dos neurônios colinérgicos e isso aumenta o risco de delirium Inflamação e ativação das citoquinas parece ter um efeito no delirium causado por infecções 5. FATORES DE RISCO Idade avançada: Muito mais comum em idosos Lesão cerebral prévia Comprometimento cognitivo Doença de Parkinson Doença de Alzheimer Outras demências AVC prévio Outros fatores: Privação de sono Distúrbio sensorial (auditivo e visual) Imobilização Desidratação Desnutrição Uso de sonda urinária Prescrição de 3 ou mais medicamentos após a admissão hospitalar (polifarmácia) Idosos com uso de antipsicóticos e analgésicos 6. DELIRIUM SUPERPOSTO À DEMÊNCIA Muitas vezes a demência não foi reconhecida previamente Muitas vezes a família acha normal o paciente começar a perder a memória, não conseguir fazer coisas sozinho, etc. O paciente não retorna a um estado normal sem confusão Costuma ocorrer o agravamento da demência após a ocorrência do delirium EX: Chega um paciente idoso ao pronto-socorro, com estado confusional e detectamos hipoglicemia nele. Após isso é dado o diagnóstico de delirium e após tratar a hipoglicemia, o paciente não apresenta melhora, porque ele já estava demenciado antes que ocorresse o delirium. 7. CAUSAS DO DELIRIUM Medicações: Agentes anticolinérgicos Analgésicos Antidepressivos Interações medicamentosas Maria Beatriz Machado Abstinência de álcool e drogas: O delirium tremens é causado pela abstinência alcóolica grave. Quadros infecciosos: Uma das principais causas de delirium nos hospitais Infecções urinárias, pneumonias.. Doenças cardiovasculares: Pacientes pós-infarto, endocardite, arritmia cardíaca, embolia.. Doenças típicas do SNC: Infecções, meningite, tumor, epilepsia, traumas de crânio, AVC, vasculite Distúrbios metabólicos: Hipoglicemia, diabetes mellitus descompensado, distúrbios hidroeletrolíticos OBS: Devemos lembrar que nem sempre a causa de delirium é aparente. 8. TIPOS CLÍNICOS Hiperativos ou hipervigilantes: Agitados, logorreicos, hiperatividade motora, agressividade, presença de alucinações e delírios Hipoativos: Retardo psicomotor e verbal, baixa responsividade, lentificação psíquica.. Esse paciente é confundido muitas vezes com o paciente depressivo. OBS: Devemos lembrar que esses tipos de delirium são INDEPENDENTES da etiologia, ou seja, qualquer etiologia pode causar qualquer um dos dois tipos. 9. DIAGNÓSTICO CID 10 Comprometimento do nível de consciência (de distração a coma) e atenção (capacidade reduzida para direcionar, focar, manter e mudar o foco de atenção) Comprometimento generalizado do funcionamento cognitivo: Perturbação da percepção, incluindo distorções, ilusões e alucinações Comprometimento na capacidade de abstração e compreensão Capacidade de raciocínio, entendimento, discernimento.. Delírios fugazes Dificuldade para aprender informações novas, e relativa preservação da memória remota Desorientação no tempo, espaço e com pessoas Comprometimento da atividade psicomotora (aumento ou redução, com alterações imprevisíveis) Comprometimento do ciclo sono-vigília (insônia e reversão do ciclo) Transtornos emocionais (depressão, ansiedade, medo, irritabilidade, euforia, apatia Início abrupto dos sintomas Sintomas flutuam Quadro com duração limitada (até 6 meses Mas isso seria um extremo) O diagnóstico do delirium é fácil de ser feito quanto o clínico se lembra de considerar que o paciente pode estar em delirium. Quando não são suficientes a história clínica, o exame físico e os exames, o EEG pode ajudar porque vai aparecer uma Lentificação difusa Mas isso quase nunca é pedido porque não é necessário na maior parte dos casos 10. INSTRUMENTO PARA AVALIAÇÃO DO DELIRIUM O diagnóstico do delirium requer a presença dos itens 1, 2, 3 ou 4 1.Início súbito e flutuação do curso: Há evidência de mudança súbita no estado mental do paciente e O comportamento do paciente tem flutuado durante as últimas 24 horas, ou seja, os sintomas parecem ir e vir ou aumentam e diminuem em intensidade Maria Beatriz Machado 2. Inatenção O paciente tem dificuldade para focar a atenção, por exemplo, parece se distrair com facilidade ou tem dificuldade para acompanhar o lhe é dito 3. Pensamento desorganizado A fala do paciente parece desorganizada ou incoerente, irrelevante ou pouco clara, ilógica ou imprevisível quanto ao conteúdo da conversa 4. Alteração do nível de consciência De maneira geral, como você classificaria o nível de consciência do paciente? Vígil: Normal Letárgico: Sonolento, mas pode ser facilmente acordado Estuporoso: Difícil de acprdar Comatoso: Impossível de acordar 11. EXAMES PARA DIAGNÓSTICO Investigações necessárias para quase todos os pacientes (exames gerais): Mensuração da temperatura: Verificar infecção Exame de urina: Infecção urinária (investigar se há sangue, proteínas, leucócitos e nitratos) Glicemia: Hipo/hiperglicemia, diabetes mellitusECG: Infarto agudo do miocárdio, arritmias Raio X de tórax: Pneumonia, insuficiência cardíaca, câncer Hemograma: Anemia, leucocitose Ureia e eletrólitos: Desidratação, função renal, distúrbio hidroeletrolítico Culturas: Urina, catarro, sangue (se febril ou gravemente doente) Investigações para alguns pacientes: Pacientes que verificamos alguma característica específica Gasometria: Hipoxia, exclusão de hipercapnia entre pacientes recebendo oxigênio Hemocultura: Infecção oculta Testes toxicológicos: Cocaína, opioides Proteína C reativa: Infecção Investigações ocasionalmente úteis: Pacientes que não vimos nada de diferente nos exames mais básicos Hemossedimentação: Inflamação Tomografia computadorizada de crânio: Lesões cerebrais focais Eletroencefalograma: Útil para confirmar o diagnóstico Função tireoidiana: Hipo/hipertireoidismo B12 e folato: Deficiência pode ocorrer mesmo quando hemograma é normal 12. PROGNÓSTICO O delirium está associado a altas taxas de mortalidade e declínio da capacidade funcional Risco de 2 a 6 vezes maior de desenvolver demência Pacientes devem ser diagnosticados rapidamente para evitar futuras complicações e deteriorização do quadro clínico Serviços médicos devem equipar-se de forma adequada controlando o ambiente no qual o paciente se encontra facilitando orientação e repouso O paciente deve estar sempre acompanhado por um familiar que lhe informe dia, local, identidade, etc. Maria Beatriz Machado 13. TRATAMENTO Orientações gerais Tratamento dos fatores etiológicos facilitadores e predisponentes Tratar o que de base está causando o delirium, porque se não fizer isso o paciente não vai melhorar. Para controlar a agitação: Doses baixas de antipsicótico: 0,5 a 2mg de haloperidol até 15mg/dia VO O haloperidol é a droga de escolha porque ele é muito bom para controlar agitação sem sedar o paciente, uma vez que medicações sedativas pioram o quadro por deixar o paciente ainda mais confuso. Haldol IM ou EV se necessário EV tem risco de arritmia devido ao prolongamento do intervalo QT Evitar benzodiazepínico: Rebaixam mais o nível de consciência do paciente deixando-o mais confuso Outros antipsicóticos: Risperidona, quetiapina Contenção mecânica: Geralmente é feita após a contenção química do paciente. Fazemos uma contenção dos braços e pernas do paciente, e eventualmente do tórax Sempre lembrar de não apertar tanto para não garrotear. Evitar uso de psicotrópico com acentuado efeito anticolinérgico EX: Clozapina, fenotiazinas e tricíclicos Alguns casos melhoram com anticolinesterásicos Porém não é uma conduta indicada. Sempre que possível reduzir a dose e o número de drogas utilizadas Importante fazer o balanço nutricional e o balanço hidroeletrolítico Ramelteron: É uma droga relativamente nova que utilizamos essa medicação como prevenção Agonista de receptores MT1 e MT2 (melatoninérgicos) no hipotálamo Sincronização do ciclo sono-vigília: Dificulta que o paciente altere o ciclo sono-vigília Tomar 8mg VO 30 minutos antes de dormir 14. DELIRIUM TREMENS Delirium associado à abstinência mais grave do álcool Sintomas específicos: Tremores importantes, alucinações visuais de pequenos animais (formigas, aranhas, cobras), convulsões, maior agitação e sudorese Observar bem o tempo de abstinência: O delirium tremens se inicia nas primeiras 72 horas (geralmente antes disso) e costuma durar uma semana (no máximo duas semanas) Se o paciente está confuso há mais tempo que isso, certamente não é delirium tremens. Tratamento diferente: Uso de benzodiazepínicos de longa duração em altas doses: Se o paciente estiver muito agitado, devemos iniciar com Diazepam 10mg de hora e hora até ele sedar Manter com cerca de 40mg/dia e diminuir 10mg a cada 2 dias se estiver estável Para pacientes hepatopatas: Utilizar o Lorazepam porque ele não tem metabolização hepática. Associar com haloperidol se o paciente estiver muito agitado OBS: Devemos observar BEM se o paciente está em delirium tremens devido a abstinência alcoolica ou se está somente em delirium, porque o tratamento do delirium tremens PIORA o delirium.
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