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reflexão generalizada da realidade. A autora observa que a relação entre o pensamento e a palavra é um processo vivo, no qual a palavra confere vida ao pensamento e desenvolve significados e sentidos, uma vez que o mundo é percebido além dos Teorias da Aprendizagem 66 objetos reais, constituindo-se em sentido e significado, o que nos possibilita, a partir da linguagem, interpretar e criar realidades. É por meio das relações com o outro e com o mundo que a criança aprende a ler esse mundo e a internalizá-lo. As diversas leituras do mundo que vão sendo feitas são produções de sentidos e eles não nascem do nada. Eles são criados, se fundam socialmente e são construídos em confronto com as relações sócio- historicamente determinados (SECRETARIA MUNICIPAL, 1996, p. 66-67). A linguagem é assim considerada o sistema simbólico básico dos grupos humanos e constitui uma representação da realidade (fornecida pelo grupo cultural em que o indivíduo se desenvolve) como forma de organização e percepção do real. Os sistemas de representação constituem uma espécie de filtro pelo qual o ser humano vê o mundo e opera sobre ele. A cultura, por sua vez, se presentifica em um espaço de constante movimento de recriação e reinterpretação de informações, conceitos e significados. Em sua formação social, o homem é um ser ativo que interage com o mundo cultural na criação de seu mundo subjetivo. Ao longo de seu desenvolvimento, o indivíduo toma posse das formas de comportamento fornecidas pela cultura e passa por um processo em que as atividades externas são transformadas em atividades internas. A relação pensamento–linguagem Vygotsky distingue duas funções da linguagem: a de intercâmbio social, na qual o impulso criado pela necessidade de comunicação faz com que o homem crie e utilize sistemas de linguagem. Inicialmente, o bebê se manifesta apenas para demonstrar estados gerais como desconforto ou prazer, mas, à medida que o indivíduo cresce, a comunicação se torna mais sofisticada e são utilizados signos aprendidos e compartilhados com o grupo social do qual faz parte. Essa tradução da complexidade da experiência humana em signos gera a segunda função da linguagem, denominada por Vygotsky como pensamento generalizante, que é a simplificação/generalização da experiência individual para a sua tradução em signos compartilhados pelo grupo social ao qual pertence o indivíduo. Nesse processo, o real é ordenado e classificado de acordo com os grupos de ocorrências que se assemelham e que são agrupados sob uma mesma categoria conceitual. O trabalho, como atividade coletiva de ação sobre a natureza, implica planejamento e faz com que os indivíduos, para se organizarem coletivamente, criem um sistema de comunicação que permita a troca de informações específicas e a partilha de significados comuns ao projeto coletivo. O significado, segundo Vygotsky, é um fenômeno que pertence à palavra, pois é seu constituinte, e também ao pensamento humano, compondo cada palavra uma generalização ou um conceito. É construído ao longo da história e com base nas relações dos homens com o mundo físico e social e, por isso, está em constante transformação. Os significados não são estáticos porque acompanham, além do desenvolvimento da língua, sofrendo modificações e ajustes por parte do grupo social, o desenvolvimento A teoria de Vygotsky: pensamento e linguagem 67 humano em sua aquisição. Então, conhecimento lingüístico e conhecimento sobre o mundo crescem a partir da experiência pessoal de cada indivíduo. Porém, os significados continuam sendo transformados durante todo o desenvolvimento dos seres humanos e ganham diferentes formas na educação formal do indivíduo. No processo escolar, o educador interfere diretamente na formação de conceitos e na transformação dos significados a partir de definições e referências mediadas pelo conhecimento já consolidado na cultura. Há um outro aspecto do significado na cultura, que Vygotsky divide em dois componentes: o significado propriamente dito, que se refere às relações objetivas formadas no processo de desenvolvimento da palavra e que consiste em seu núcleo básico de compreensão, compartilhado por todas as pessoas que o utilizam; e o sentido, que se refere ao significado para cada indivíduo, relacionado ao contexto em que está inserido no uso da palavra e de suas vivências afetivas. Isto é, o sentido da palavra constitui-se a partir da combinação de seu significado objetivo com o contexto de uso e os motivos afetivos e pessoais de seus usuários. Vygotsky considera assim, que o processo de desenvolvimento de pensamento e linguagem ocorre de maneira análoga ao das outras funções psicológicas. Como o movimento é sempre da atividade social para a individualizada, a criança, ao utilizar primeiramente a fala socializada, visando a comunicação, passa a ser capaz de utilizar a linguagem como instrumento de pensamento, e desenvolve o que Vygotsky chama de discurso interior, que é uma forma interna de linguagem dirigida ao próprio sujeito. No entanto, ocorre um fenômeno que media a relação entre discurso socializado e interior, denominado fala egocêntrica, que é caracterizado pela presença de monólogos que a criança cria na ausência de um interlocutor. A fala egocêntrica tem, inicialmente, uma função pessoal ligada às necessidades do pensamento, como auxílio no planejamento de seqüências a serem seguidas e na solução de problemas. Depois disso, a linguagem passa a ser utilizada como instrumento interno de pensamento, num processo gradual que a leva ao desenvolvimento do discurso interior, mas permanecendo ainda na fala socializada, externa. Vygotsky discute ainda, o papel de sua concepção de significado da palavra na comunicação humana e a função da inter-relação intelecto–afeto. Segundo ele, a separação desses dois aspectos como objetos de estudo, constitui uma das principais deficiências da psicologia tradicional, já que com isso, o processo de pensamento apareceria como um fluxo autônomo, segregado dos fatores afetivos como as necessidades e interesses, inclinações e impulsos, e analisa essa inter-relação como unidade. Haveria, segundo Vygotsky, a evidência de uma fase pré-verbal de pensamento na infância, e de estágios no desenvolvimento da fala independentes do pensamento cujas manifestações seriam o balbucio, o choro e as primeiras palavras. Em um determinado momento, em torno dos dois anos de idade, as curvas de desenvolvimento do pensamento e da fala, até então separadas, se encontram para iniciar uma nova forma de comportamento. Teorias da Aprendizagem 68 Esse instante, em que a fala começa a servir ao intelecto, e os pensamentos começam a ser falados, é sinalizado por dois fenômenos: a curiosidade súbita e ativa da criança sobre as palavras e o aumento rápido em seu vocabulário. A criança parece, então, ter descoberto a função simbólica das palavras. Esse processo se dá de forma gradual, e a criança aprende a estrutura objeto-palavra antes da estrutura simbólica interna. Vygotsky analisa então, a evolução do significado, ou seja, o processo pelo qual o pensamento chega a ter existência por meio de palavras, e distingue dois planos na fala: um interno (significativo, semântico) e um externo (fonético). Ambos formam uma unidade complexa e não-homogênea, com movimentos independentes. No aspecto fonético, o caminho procede da parte para o todo, começando por uma palavra, passando posteriormente a combinações cada vez mais amplas. No campo semântico, o processo se dá inversamente, a criança parte de um complexo significativo, para o domínio de unidades semânticas separadas, o significado das palavras passando a dividir seu pensamento, anteriormente indiferenciado, nessas unidades. Outro aspecto observado em relação aos dois planos da fala, é o de haver