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explícito. Ele ordena aos Efésios: “procurai compreender qual a vontade do Senhor” (Ef 5.17). Se devemos procurar compreender, é porque essa vontade pode e deve ser conhecida. Aos Tessalonicenses, ele diz qual é esta vontade com todas as letras: “Pois esta é a vontade de Deus: a vossa santificação, que vos abstenhais da prostituição” (1 Ts 4.3). A vontade revelada cabe a você conhecer. Procure conhecer o que Deus “quer” (preceito) para a sua vida. Conheça bem as Escrituras, para que você saiba aplicá-la para todas as áreas da sua vida. Esta “vontade”, Deus exige que eu conheça. Conhecer esta vontade evitará perguntas tolas, do tipo: ‘Será que isso é pecado?’. Quem faz perguntas dessa natureza (Será que é vontade de Deus que eu proceda corretamente no namoro? Ou que eu me divorcie? Será que é vontade de Deus que eu ame aquele meu inimigo? Será que Deus vai me perdoar se eu me juntar com o meu namorado?) demonstra desconhecimento da vontade revelada de Deus. Kevin DeYoung faz uma aplicação que demonstra como temos invertido a ordem das coisas: “Somos obcecados pelas coisas sobre as quais Deus não se manifestou e talvez nunca se manifeste. Ao mesmo tempo, gastamos pouco tempo em todas as coisas que Deus já nos revelou na Bíblia.”57 Não podemos sucumbir a esse desequilíbrio de se preocupar mais com o que Deus não intentou revelar do que com o que ele já revelou.58 51. John Frame me parece confundir um pouco, quando afirma que se há uma decisão mais sábia do que a outra, então é correto dizer que a escolha sábia é a vontade preceptiva de Deus. Para Frame, a vontade preceptiva de Deus inclui não somente as palavras da própria Escritura, mas as boas consequências necessárias da mesma. John Frame, The Doctrine of God (Phillipsburg: P&R, 2002), p. 540-541. Julgo que o erro está em achar que nossa decisão é um preceito. Na verdade, a Escritura preceitua que busquemos sabedoria, mas escolher entre uma fruta mais ácida ou menos ácida pode trazer algum mal estar, porém não deve ser classificada como quebra de preceito. A Confissão de Fé de Westminster (I.vi) fala de princípios bíblicos dos quais sacamos a direção divina para áreas não explicitadas nas Escrituras, mas a Confissão não iguala preceito explicitamente revelado com dedução subjetivamente deduzida. 52. Para um resumo deste pacto inter-trinitário realizado na eternidade, cf. Heber Carlos de Campos, As Duas Naturezas do Redentor (São Paulo: Cultura Cristã, 2004), p. 51-98. 53. Brakel, The Christian’s Reasonable Service vol. 1, p. 113. 54. DeYoung, Faça Alguma Coisa, p. 22. 55. Ferguson, Sinclair. Descobrindo a Vontade de Deus (São Paulo: PES, 1997), p. 9. 56. Bruce Waltke, e Jerry MacGregor. Conhecendo a Vontade de Deus para as decisões da vida (São Paulo: Cultura Cristã, 2001), p. 22. 57. DeYoung, Faça Alguma Coisa, p. 49. 58. “Se nossa meta é penetrar nos aspectos ocultos de Sua vontade, então embarcamos numa tarefa de tolos. Estamos tentando o impossível e indo atrás do intocável. Tal meta não é somente um ato de tolice, mas também um ato de presunção. Há um sentido muito real em que a vontade secreta do conselho secreto de Deus não é da nossa conta, e está fora dos limites de nossas investigações especulativas... Aos cristãos é permitido, num sentido, tentar discernir a vontade de Deus, por meio da iluminação pelo Espírito Santo, e por confirmação pelas circunstâncias de que estamos fazendo a coisa certa. Contudo, como vamos descobrir, a procura pela direção providencial deve sempre estar subordinada a nosso estudo da vontade revelada de Deus.” R. C. SPROUL, Discípulos Hoje (São Paulo: Cultura Cristã, 1998), p. 161. IV Aplicando as distinções teológicas “Rogo-vos, pois, irmãos, pelas misericórdias de Deus, que apresenteis o vosso corpo por sacrifício vivo, santo e agradável a Deus, que é o vosso culto racional. E não vos conformeis com este século, mas transformai-vos pela renovação da vossa mente, para que experimenteis qual seja a boa, agradável e perfeita vontade de Deus.” Rm 12.1-2 Há um preconceito moderno muito comum contra teologia, mais especificamente, contra teologia sistemática. Em algumas igrejas, os membros são ‘doutrinados’ (que ironia!) a pensar que teologia faz mal, pois a letra mata (mal uso de 2 Co 3.6). Já em contextos teológicos, o preconceito comum é de que teologia sistemática é uma área especulativa da teologia. Antes desse preconceito moderno, porém, a teologia reformada procurava ser prática e aplicável à vida dos crentes. O grande puritano William Ames (1576-1633), em seu famoso manual de teologia, definiu a teologia como “a doutrina ou o ensino de viver para Deus”.59 Gisbertus Voetius (1589-1676), considerado por alguns o maior teólogo holandês do século 17, era conhecido por aliar conhecimento e piedade.60 O Catecismo de Heidelberg (1563), uma das mais significativas exposições da fé reformada do século 16, é um atestado de quão pastoral pode ser toda a teologia. Portanto, desde os primórdios da fé reformada, houve um interesse em destacar a praticidade da teologia sistemática. O propósito desse capítulo é começar a mostrar a praticidade da teologia. A próxima parte do livro irá ainda além no aspecto prático, mas este capítulo visa demonstrar como devemos responder à vontade preceptiva e a vontade decretiva, contidas na vontade revelada. “Procurai compreender qual a vontade do Senhor” O texto de Efésios 5.17 traz uma ordenança. A Escritura ordena que conheçamos a vontade de Deus para nós. Não pode haver indiferença. Esse é o caminho para sermos sábios e remirmos o tempo. O que essa ordenança quer dizer? O contexto da passagem nos exorta a andarmos “não como néscios e sim como sábios” (v. 15). O próximo contraste faz paralelo com este: “não vos torneis insensatos, mas procurai compreender qual a vontade do Senhor” (v. 17). Se ‘não andar como néscio’ é sinônimo de ‘não se tornar insensato’, então a segunda parte de cada contraste também podem ser vistas como sinônimas. Como Calvino bem observa, “Paulo define sabedoria como entender qual é a vontade do Senhor”.61 Isto significa que ‘sabedoria’ nas, Escrituras, tem um caráter eminentemente moral. Paulo queria que os Efésios conhecessem preceitos a fim de cumpri-los (Ef 6.6), não decretos reservados à soberania de Deus (Ef 1.5, 11). A ênfase está em conhecer a vontade preceptiva. A própria Epístola aos Efésios é dividida de tal forma que a vontade decretiva concernente à nossa salvação (capítulos 1 a 3) seja a base cognitiva para que andemos em conformidade com essa salvação (capítulos 4 a 6). Em outras palavras, Paulo descortina um pouco da vontade decretiva de Deus, a fim de encorajar os efésios a obedecerem a vontade preceptiva. Essa é a preocupação do apóstolo. Os evangélicos contemporâneos têm errado por desejarem um vislumbre do seu futuro pessoal. Parecemos mais interessados no nosso horóscopo do que em nossa obediência. “Deus tem um plano específico para nossa vida, mas não é isso que ele espera que adivinhemos antes de tomar uma decisão. Não estou dizendo que Deus não nos ajuda a tomar decisões... É bom confiar na vontade decretiva de Deus. Seguir sua vontade preceptiva é obedecer-lhe. Mas esperar por sua vontade diretiva é apelar à confusão”.62 O que Kevin DeYoung está dizendo é que não devemos nos preocupar com uma terceira vontade misteriosa de Deus para a nossa vida. Eu prefiro explicar que o nosso problema não é desejar conhecer uma terceira