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TÓPICOS DE DIREITO CONSTITUCIONAL 1 Apresentação ......................................................................................................................... 4 Aula 1: Teoria da Constituição ............................................................................................... 5 .......................................................................................................................... 5 Introdução ............................................................................................................................ 7 Conteúdo O neoconstitucionalismo na perspectiva pós-positivista ................................................. 7 O pós-positivismo como corrente não positivista ............................................................... 7 O deslocamento da agenda .......................................................................................................... 9 A busca pela superação teórica das escolas juspositivista e jusnaturalista ........... 10 A mitigação da dicotomia descrição/prescrição ................................................................ 11 Juspositivismo e sua relação com casos difíceis ............................................................... 12 A importância dos casos difíceis ............................................................................................... 13 O neoconstitucionalismo e a constitucionalização do direito .................................... 14 Principais aspectos do neoconstitucionalismo .................................................................. 14 A onipresença da constituição .................................................................................................. 15 Onipresença judicial ....................................................................................................................... 16 Coerência sistêmica do neoconstitucionalismo ................................................................ 18 Regras neoconstitucionais ........................................................................................................... 18 Discussões necessárias sobre a ponderação e a subsunção ....................................... 20 Resumo - Neoconstitucionalismo ............................................................................................ 20 A teoria do neoconstitucionalismo.......................................................................................... 21 Neoconstitucionalismo como nova concepção jurídica ............................................... 22 Atividade proposta........................................................................................................................... 24 .................................................................................................................................. 26 Notas ................................................................................................................... 26 Aprenda Mais ....................................................................................................................... 26 Referências ..................................................................................................... 28 Exercícios de fixação ........................................................................................................ 33 Chaves de resposta Aula 2: Interpretação constitucional ................................................................................... 36 ........................................................................................................................ 36 Introdução .......................................................................................................................... 38 Conteúdo O mundo globalizado e a aproximação de sistemas ................................................ 38 O sistema jurídico brasileiro e a common law ................................................................... 38 Emenda Constitucional nº 45/2004 ........................................................................................ 39 TÓPICOS DE DIREITO CONSTITUCIONAL 2 Transconstitucionalismo e a cross fertilization .................................................................. 39 Aproximação da civil law e common law – algumas notas introdutórias ............. 40 Sistema jurídico brasileiro e o sistema de common law................................................ 41 Civil Law ............................................................................................................................................... 42 Fatores condicionantes na organização dos fatores jurídicos brasileiro ................ 43 A aproximação do sistema jurídico brasileiro ao sistema de common law .......... 44 Sistema de common law .............................................................................................................. 46 Súmula vinculante ........................................................................................................................... 49 Poder Judiciário brasileiro ........................................................................................................... 51 O transconstitucionalismo e as fertilizações cruzadas entre sistemas .................... 52 Transconstitucionalismo e interconstitucionalidade ...................................................... 54 As formas de transconstitucionalidade entre ordens jurídicas ................................... 55 Entre direito estatal e direito internacional público ......................................................... 57 Fatores de ordem judicial ............................................................................................................. 58 Atividade proposta........................................................................................................................... 60 .................................................................................................................................. 60 Notas ................................................................................................................... 61 Aprenda Mais ....................................................................................................................... 61 Referências ..................................................................................................... 63 Exercícios de fixação ........................................................................................................ 69 Chaves de resposta Aula 3: A teoria dos direitos fundamentais ......................................................................... 73 ........................................................................................................................ 73 Introdução .......................................................................................................................... 75 Conteúdo Princípio da proporcionalidade ................................................................................................. 75 Conceito de proporcionalidade ................................................................................................. 75 Noção de proporção ...................................................................................................................... 76 Direito público ................................................................................................................................... 76 Ordenamentos .................................................................................................................................. 77 Setor do direito público e o conceito de proporcionalidade ....................................... 78Ensinamentos doutrinários de Luís Roberto Barroso ...................................................... 78 A proporcionalidade na jurisprudência do Supremo....................................................... 80 Proporcionalidade e linguagem ................................................................................................ 81 Proporcionalidade no direito ...................................................................................................... 82 A proporcionalidade como postulado .................................................................................... 82 Critérios do postulado ................................................................................................................... 85 Subprincípios ...................................................................................................................................... 86 Proporcionalidade em sentido estrito .................................................................................... 89 TÓPICOS DE DIREITO CONSTITUCIONAL 3 Conclusão ............................................................................................................................................ 90 Atividade proposta........................................................................................................................... 91 ................................................................................................................... 92 Aprenda Mais ....................................................................................................................... 92 Referências ..................................................................................................... 93 Exercícios de fixação ........................................................................................................ 98 Chaves de resposta Aula 4: Controle de Constitucionalidade ........................................................................... 101 ...................................................................................................................... 101 Introdução ........................................................................................................................ 103 Conteúdo A “constitucionalização” do direito europeu e um novo paradigma jurídico .... 103 Características expressas por Jónatas Machado.............................................................. 103 As pretensões constitucionais do direito da União Europeia ................................... 104 Atribuição de competência ...................................................................................................... 105 Direito europeu e direito Constitucional ............................................................................ 105 A relação entre o direito da UE e o direito constitucional segundo as principais cortes constitucionais ................................................................................................................. 106 Uma outra perspectiva de análise: a influência do direito nacional ao direito da UE .......................................................................................................................................................... 110 Os interesses nacionais e os limites dos direitos da UE ............................................... 110 Estrutura normativa do direito (parte 1) – direito primário ......................................... 111 Direito primário ............................................................................................................................... 112 Tratados instituidores e de revisão ........................................................................................ 112 Protocolos adicionais, declarações e atos de complementação ............................. 115 Princípios gerais do direito da UE ........................................................................................... 116 Princípios gerais do direito ........................................................................................................ 117 Conclusão .......................................................................................................................................... 118 Atividade proposta......................................................................................................................... 119 ................................................................................................................................ 119 Notas ................................................................................................................. 121 Aprenda Mais ..................................................................................................................... 121 Referências ................................................................................................... 124 Exercícios de fixação ...................................................................................................... 126 Chaves de resposta Conteudista.......................................................................................................................................128 TÓPICOS DE DIREITO CONSTITUCIONAL 4 Nesta disciplina, estudaremos os temas dos novos paradigmas de interpretação constitucional, do pós-positivismo e da normatividade dos princípios constitucionais, da teoria dos direitos fundamentais, do controle de constitucionalidade e das ações constitucionais. Analisaremos o eixo “força normativa da Constituição e paradigmas pós- positivistas de interpretação constitucional”, e atualizaremos a visão da Constituição como um sistema de regras e princípios. Sendo assim, esta disciplina tem como objetivos: 1. Reconhecer a força normativa da constituição, bem como os novos paradigmas de interpretação constitucional; 2. Definir e explicar a jurisdição constitucional brasileira. TÓPICOS DE DIREITO CONSTITUCIONAL 5 Introdução Esta aula traz como tema central o neoconstitucionalismo. Esse é um termo que explica um fenômeno relativamente recente dentro do Estado constitucional contemporâneo e que hoje tem se desenvolvido grandemente, principalmente no Brasil, na esteira do que acontece em grandes tradições jurídicas europeia e sul-americana. Esse frenético desenvolvimento é devido ao crescimento das vertentes pós- positivistas, na razão proporcional em que se intensificam os problemas de ordem teórico-jurídica suscitados pelas insuficiências do positivismo jurídico como concepção jusfilosófica, nos dias atuais. Como resultado de seu desenvolvimento, esse fenômeno vem gerando uma evidente alteração no processo de compreensão da ordem jurídica. Na base fulcral do que estamos considerando ser um processo de valorização dos ideários neoconstitucionais no âmbito jurídico-constitucional brasileiro, temos como premissas que o mesmo não surge em nosso ambiente jurídico como um modismo inconsequente e passageiro. Pelo contrário, temos motivos para acreditar que o mesmo encontra fundamentos não apenas em bases mais remotas de uma tradição do pensamento ocidental, mas também, em bases profundas da própria formação histórica e mental do pensamento jurídico brasileiro, que sempre questionou a dificuldade do positivismo de relacionar direito e justiça. Assim, devemos analisar que na base de fenômenos facilmente perceptíveis na realidade jurídica brasileira hodierna, como a redescoberta dos princípios jurídicos, (em especial a dignidade da pessoa humana), a expansão da jurisdição constitucional com ênfase no surgimento de tribunais constitucionais TÓPICOSDE DIREITO CONSTITUCIONAL 6 (na esteira da judicialização da política) e o desenvolvimento de novos métodos e princípios na hermenêutica constitucional, encontra-se o fenômeno neoconstitucional, como concepção pós-positivista. É o que veremos a seguir. Objetivos: 1. Mostrar a relação existente entre o desenvolvimento econômico dos países e a dependência motivada pelo aumento de demanda energética: problemas e desafios; 2. Ressaltar as dificuldades enfrentadas por países que dependem de uma única fonte energética para suprir as crescentes demandas energéticas. TÓPICOS DE DIREITO CONSTITUCIONAL 7 Conteúdo O neoconstitucionalismo na perspectiva pós-positivista Para iniciar a primeira aula, pense: em quais momentos ou quais autores deixaram de apresentar de forma clara uma diferenciação entre os conceitos pós-positivismo e neoconstitucionalismo? Na maioria das vezes, quando estudamos esses dois termos e seus conceitos, buscamos sempre entendê-los como fenômenos distintos, porém estão sempre interligados. Vejamos: Pós-positivismo Tem por ideia central o ataque a algumas concepções positivistas (e nesse sentido é uma corrente jusfilosófica não positivista). Neoconstitucionalismo Tem por concepção teórica central conceder às normas constitucionais o papel de vetores axiológicos do sistema jurídico, irradiando seus valores para todas as áreas do Direito, principalmente aquelas que enaltecem a dignidade humana. O pós-positivismo como corrente não positivista Para que você entenda melhor o que foi dito anteriormente, vamos conhecer um pouco de cada uma dessas linhas de pensamento, apontando suas relações. Até porque, não nos parece possível compreender o que seja o neoconstitucionalismo, como concepção filosófico-jurídica, sem o pressuposto entendimento do que venha a ser pós-positivismo. De qualquer forma, a verdade é que o que estamos chamando de pós- positivista não é uma doutrina pura. Trata-se de diversas doutrinas heterogêneas em sua inspiração e alcance, mas que têm como objetivo comum fundamental responder às questões que determinaram a crise do positivismo jurídico. Entre essas diversas versões denominadas por pós-positivistas, temos aquelas que são elaboradas a partir de sofisticados argumentos que procuram fazer TÓPICOS DE DIREITO CONSTITUCIONAL 8 com que a validade das normas jurídicas dependam, também, de considerações de natureza moral, tendo por base a dignidade humana. A terceira via (?) Sobre a possibilidade de ser ou não o pós-positivismo uma terceira via aos discursos das mais tradicionais escolas filosóficas do Direito – jusnaturalista e juspositivista –, algumas ideias emergem no cenário acadêmico. Três se destacam: • A primeira entende que o pós-positivismo vem se apresentando, cada vez mais, como uma terceira via às escolas jusnaturalistas e do positivismo jurídico, porque tem por propósito ultrapassar as limitações e reduções que, no decorrer da história, essas duas correntes centrais apresentaram; • Uma segunda visão sobre o tema é daqueles que entendem que seria uma nova etapa, uma nova geração do positivismo jurídico, mitigada pelo reconhecimento da normatividade dos princípios; • A terceira corrente é aquela seguida por quem entende que o pós- positivismo deve ser considerado uma vertente fraca do jusnaturalismo. Neste sentido, a ênfase está em um jusnaturalismo enfraquecido pela inevitável influência histórica positivista. A posição por nós assumida, neste curso, é aquela que defende ser uma terceira via. Mesmo cientes de que se trata de uma questão complexa, na qual todas as vertentes apresentam argumentos de grande densidade, a primeira visão apresentada, a nosso ver, é aquela que melhor acentua a necessidade de superação das deficiências das duas escolas tradicionais, jusnaturalismo e o positivismo jurídico, que em seus fundamentos teóricos já não mais possibilitam uma fundamentação mais efetiva do direito contemporâneo em meio às suas dificuldades que emergem no plano histórico. Devido a isso, se por um lado, as concepções pós-positivistas afastam-se de qualquer consideração metafísica que vislumbre a possibilidade de um direito TÓPICOS DE DIREITO CONSTITUCIONAL 9 natural, por outro lado, temos que a tese da clássica separação entre direito e moral, levada a cabo de forma contundente pelas correntes positivistas, e tidas por essa como uma questão central e essencial, não são recebidas pelas novas correntes, que chamamos de pós-positivistas, mas que poderiam ser chamadas, como o fez Robert Alexy, de não positivistas. Dentro dessa perspectiva, vale analisar algumas características que costumam especificar a linha pós-positivista, tendo em vista que acabam, por via de consequência, servindo de base para o que chamamos de neoconstitucionalismo. O deslocamento da agenda Agora que já conhecemos um pouco sobre o pós-positivista, vamos estudar sobre o deslocamento da agenda que diz respeito à mudança do temário e dos compromissos assumidos pelos autores pós-positivistas que, afastando-se da agenda estabelecida por juristas positivistas, passam a se referenciar pelas seguintes vertentes: 1. A importância fundamental dos princípios do direito na organização do sistema. 2. A relevância da dimensão argumentativa na compreensão do direito nas sociedades democráticas contemporâneas. 3. Reflexão profunda sobre o papel a ser desempenhado pela hermenêutica jurídica. Nesse sentido, o jurista aponta seu olhar não apenas para o presente, mas também para o futuro, com preocupações evidentes de criar uma metodologia de análise que dê conta de compreender o fenômeno jurídico em um mundo essencialmente mutante, plural e dinâmico. TÓPICOS DE DIREITO CONSTITUCIONAL 10 A busca pela superação teórica das escolas juspositivista e jusnaturalista O pós-positivismo, como corrente teórica, surge fundamentalmente como resistência à hegemonia do positivismo jurídico, pois neste se encontrariam algumas teses vitais consideradas incompatíveis com as formulações pós- positivistas. Neste sentido, não se deve deixar de ressaltar o trabalho desenvolvido por dois grande teóricos jurídicos, que se notabilizaram no mundo filosófico-jurídico por intermédio de trabalhos claramente fundamentados na chamada corrente pós- positivista. Robert Alexy – é reconhecido como representante do debate no âmbito do direito continental. Ronald Dworkin – é reconhecido no âmbito do debate do direito anglo- americano. Aliás, segundo juristas de relevo, somente pode ser considerado pós-positivista aquele que contraria algumas das teses fundamentais do positivismo jurídico, ou seja, aqueles que atacam, principalmente, a separação entre as esferas moral, política e jurídica. Para os pós-positivistas, o reconhecimento da centralidade do papel exercido pelos princípios jurídicos inter-relaciona, inevitavelmente, essas três esferas da vida social. Daí que haja uma reaproximação entre direito e moral no neoconstitucionalismo, como vertente pós-positivista que é. Ressalte-se que a visão pós-positivista segue acreditando no projeto da racionalidade, iniciado na Modernidade. Nesta via, observamos que adotar uma visão pós-positivista não significa recusar a racionalidade que está na gênese do pensamento positivista, mas sim ir mais avante, acreditando também em critérios de justiciabilidade (estabelecidos a partir de argumentos também racionais). Enquanto o preenchimento das lacunas normativas é resolvido pelaTÓPICOS DE DIREITO CONSTITUCIONAL 11 “discricionariedade” do juiz, o pós-positivismo entende que as lacunas são apenas aparentes, pois o sistema possui uma inteligência implícita que produz norma para qualquer situação, não dependendo de “bom senso” ou “visões particulares” do magistrado. Conclusão inevitável é que o pós-positivismo afasta-se do positivismo jurídico quando reestabelece uma aproximação entre as esferas ético-moral, política e jurídica e, principalmente, trazendo para dentro da esfera da juridicidade, por meio dos princípios jurídicos, os elementos de natureza ético-morais que circunstanciam a questão concreta em análise. A mitigação da dicotomia descrição/prescrição Para autores pós-positivistas, uma das questões fundamentais é recusar o paradigma positivista que defende como axioma a distinção entre descrição e prescrição. Tendo sido este ponto largamente trabalhado por Hans Kelsen, segundo este, a prescrição refere-se ao trabalho do legislador quando este produz a norma jurídica. TÓPICOS DE DIREITO CONSTITUCIONAL 12 Já a descrição vincula-se ao trabalho do teórico, do doutrinador, que procura municiar os operadores do Direito, dando-lhes instrumentos capazes de conduzi-los a respostas corretas para complexos problemas jurídicos, principalmente nos casos difíceis (hard cases). Juspositivismo e sua relação com casos difíceis De acordo com todas as informações que estudamos até este momento, o pós- positivismo oferece um forte amparo conceitual ao que diz respeito às decisões a serem tomadas e também as doutrinas judiciais, principalmente ao se tratar de casos difíceis. Para ampliar ainda mais nossos conhecimentos, veja mais algumas informações: Para um juspositivista, o papel da doutrina é bastante limitado em relação ao que pensariam os pós-positivistas. Estes, ao contrário, entendem que na solução de casos difíceis, a doutrina acaba por ser uma ferramenta essencial, auxiliando fortemente a pensar racionalmente a ordem jurídica. Não se trata de afastar o papel fundamental do legislador, mas valorizar as produções doutrinárias e jurisprudenciais, quebrando o monopólio concedido àquele. É ao que temos assistido, cada vez em maior profusão, principalmente no interior das supremas cortes espalhadas pelo mundo (o STF, inclusive, e de forma intensa). Nestas, evidencia-se a impossibilidade de produção de normas específicas para os diferentes problemas que diariamente são expostos aos poderes judiciários espalhados pelo mundo, sem que haja previsão normativa específica para suas soluções. Neste caso, a tendência é que, cada vez, com maior frequência, os juízes (principalmente aqueles atrelados a cortes superiores) fundamentem suas decisões com base em conhecimentos produzidos pelos estudiosos, reconhecendo-se, nesses estudos, base jurídica para alicerçar suas decisões. TÓPICOS DE DIREITO CONSTITUCIONAL 13 A importância dos casos difíceis Outra mudança trazida pelo paradigma pós-positivista é a maior preocupação com os chamados casos difíceis (hard cases) em detrimento dos casos fáceis (soft cases). Isto se explica pela nova realidade experimentada no mundo contemporâneo que, como já dito anteriormente, não apenas sofre mudanças em uma velocidade jamais experimentada no percurso histórico da humanidade, como também tende a respeitar e valorizar a pluralidade de concepções. Assim, as questões que exigem solução pelo poder público apresentam, nos dias de hoje, um grau de complexidade que um modelo estático de sistema jurídico - marcado pela rigidez do sistema norma-regra - não pode oferecer. Casos difíceis Os casos difíceis se caracterizam por trazerem à baila a controvérsia incomum, rara e infrequente, que as práticas legais existentes não são capazes de resolver de forma definitiva. Atienza, baseado em MacCormick, estabelece quatro possíveis tipos de problemas jurídicos que ensejam os denominados “casos difíceis”. São eles: 1. Quando nos deparamos com o problema de não haver dispositivo normativo para solucionar o caso em questão (problema de relevância); 2. Quando há dúvidas acerca da ocorrência ou não de um determinado fato (problemas de prova); 3. Quando nos deparamos com o problema de como entender uma norma (problema de interpretação); 4. Quando se discute se um dado fato deve ou não ingressar no espectro de aplicação de um conceito contido na hipótese de incidência ou consequência jurídica da norma (problema de qualificação). TÓPICOS DE DIREITO CONSTITUCIONAL 14 Atenção Como já pode ver, a cada dia é mais comum que nos deparemos com estes tipos de problemas no processo de solução das questões jurídicas. Daí que tenhamos a necessidade de uma formulação teórica que apresente instrumentais para superar esse tipo de dificuldade. No Brasil, uma concepção teórica cada vez mais prestigiada é a que está sendo denominada por neoconstitucionalismo. O neoconstitucionalismo e a constitucionalização do direito Agora que você já conheceu sobre o pós-positivismo, chegou então a hora de tratarmos do neoconstitucionalismo mais especificamente, embora tudo que tenha sido dito anteriormente complemente o que agora será tratado. A rigor, devemos ter em conta que por “constitucionalização” deve ser entendida a passagem do chamado Estado Legislativo do século XIX ao Estado Constitucional do século XX, mais precisamente a partir do momento em que se sobressaem institutos como a rigidez constitucional e controle de constitucionalidade da lei. É só neste sentido, quando o sistema passa a ser filtrado por esta lei maior, que podemos e devemos falar deste fenômeno. Assim, quando afirmamos que não podemos considerar o direito do século XIX – e por maior razão o direito dos séculos precedentes – como constitucionalizados, devemos fazê-lo em virtude de que a conexão necessária entre direito e moral, ou entre direito e princípios constitucionais não era, portanto, necessária, mas contingencial. Principais aspectos do neoconstitucionalismo Em tempos cada vez mais relacionados a um Estado Constitucional de Direito, a verdade é que se reclama uma nova teorização, uma nova explicação que se afaste dos esquemas do chamado positivismo jurídico. Nesse sentido, TÓPICOS DE DIREITO CONSTITUCIONAL 15 apresentamos, então, de forma sintética, os principais aspectos do neoconstitucionalismo: Onipresença da constituição em todas as áreas do direito e em todos os conflitos minimamente relevantes, ao invés de espaços livres em favor da opção legislativa ou regulamentadora; Onipresença judicial no lugar de autonomia do legislador ordinário; Coexistência de uma constelação de valores tendencialmente contraditórios em lugar da homogeneidade ideológica em torno de um punhado de princípios coerentes entre si; Mais princípios do que regras; Mais ponderação que subsunção. Agora que você conhece os principais aspectos, faremos, logo na sequência, uma análise de cada uma dessas características. A onipresença da constituição As constituições hodiernas, e a brasileira de 1988 em especial, oferece denso conteúdo material composto de valores, direitos fundamentais, diretrizes aos poderes públicos, de maneira que é bastante difícil conceber um problema jurídico medianamente sério que não encontre alguma orientação no texto constitucional. O problema é que, por trás de cada preceito legal, adivinha-se sempre uma norma constitucional confirmadora ou contraditória. Porém, há de se ressaltar que o fato de ser nossa Constituição, de 1988,analítica (prolixa). Embora gere problemas no que diz respeito à pretensão de filtrar todas as normas do sistema, ela traz consigo a vantagem de abarcar um sem número de valores, que muito dificilmente, no processo de manuseio interpretativo, deixam de fora do processo de ponderação algum valor que represente grupo minoritário. TÓPICOS DE DIREITO CONSTITUCIONAL 16 Onipresença judicial Sendo a Constituição composta de normas que potencialmente podem estar presentes em todos os conflitos gerados no âmbito do sistema, acaba por gerar um fenômeno que é a onipresença judicial. Isto não ocorreria se a constituição tivesse, como único objeto, a regulação das fontes ou, no máximo, estabelecesse alguns poucos direitos fundamentais, pois em tal caso a normatização constitucional e, por consequência, sua garantia constitucional, só entrariam em jogo quando se violasse alguma condição de produção normativa ou se restringisse algumas áreas de imunidade garantida. No que se refere à citada onipresença judicial, esta é, então, uma decorrência natural da onipresença constitucional. Isto porque, na medida em que a Constituição oferece orientações nas mais heterogêneas esferas, e considerando que estas esferas estão confiadas à garantia judicial, o legislador perde com o neoconstitucionalismo, natural e logicamente, sua autonomia. O fato é que não há norma infraconstitucional que não seja, nestas “circunstâncias neoconstitucionais”, impregnada pela normatividade constitucional. A decisão correta, então, é aquela que maior coerência apresenta com o sistema jurídico em sua totalidade. Para os defensores das teses neoconstitucionais, o juiz não atua como legislador, pois, ao submeter sua decisão a critérios racionais, limita-se ele, tão somente, a reconhecer direitos e obrigações preexistentes à sua vontade. Veja, por exemplo, trecho do voto-vista do Min. Luiz Fux, no âmbito da Adin nº 1923/DF, cujo teor pode ser lido no Informativo STF nª 628, quando faz referência à obra de Gustavo Binenbojm: No cenário do neoconstitucionalismo, portanto, o exercício da discricionariedade não escapa do respeito aos princípios TÓPICOS DE DIREITO CONSTITUCIONAL 17 constitucionais, e isso, veja-se bem, mesmo quando a lei seja omissa, já que a legislação infraconstitucional não pode represar, conter ou de qualquer forma mitigar a eficácia irradiante das normas constitucionais (BINENBOJM, 2006. p. 307-8)1 De toda maneira, não podemos deixar de apontar algumas das mais ácidas críticas que vêm sofrendo o neoconstitucionalismo e que decorrem exatamente dessa ampliação do papel do Poder Judiciário. Fala-se, cada vez mais e em todo o mundo, de uma judicialização da política, já que o papel alargardo concedido aos juízes, com seus discursos mais técnicos, tende a reduzir o alcance do discurso político expresso pelas classes políticas tradicionais. A atuação contundente dos juízes em determinadas causas acaba por definir o que vem sendo chamado de ativismo judicial, por muitos considerado uma infringência ao princípio da separação de poderes. Neste sentido, embora as críticas não possam ser desprezadas, o que vem ocorrendo é uma reconfiguração estrutural na forma de organização do poder e, por decorrência, do direito como instrumentalizador do exercício deste. De toda forma, acredita-se que experiência reprimirá os excessos, havendo uma natural acomodação no processo de separação de poderes e competências. Todavia, vale ressaltar, a ascensão do neoconstitucionalismo pós-positivista não parece ser um movimento passageiro, mas sim uma tendência no processo de reconfiguração por que passa todo o sistema jurídico brasileiro. 1 (BINENBOJM, Gustavo. Uma teoria do direito administrativo – direitos fundamentais, democracia e constitucionalização. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 307-8). TÓPICOS DE DIREITO CONSTITUCIONAL 18 Coerência sistêmica do neoconstitucionalismo Ao que se refere à discussão acerca da coerência sistêmica, o neoconstitucionalismo não representa, como no constitucionalismo tradicional, um pacto em torno de alguns poucos princípios comuns e coerentes, mas sim um pacto em torno de princípios e postulados distintos e, por vezes, contraditórios, adequados às sociedades pluriculturais. Assim, como temos dito, as constituições, ainda que garantam a chamada igualdade jurídica ou formal, tendem, cada vez mais, a preocupar-se em garantir a igualdade substancial ou material, principalmente em países como o Brasil, onde as desigualdades sociais conduzem a uma maior preocupação com esta vertente da igualdade que estabelece a necessidade de diferenciar os diferentes na proporção de suas diferenças. Esse panorama faz com que alguns críticos afirmem que a concepção neoconstitucional incentiva o aparecimento de antinomias, representando a constituição um conjunto de normas contraditórias entre si que se superpõem permanentemente e, por isso, concedem lugar a soluções díspares e, por via de consequência, ensejam insegurança jurídica. Regras neoconstitucionais A mencionada crítica teria maior consistência se as regras constitucionais fossem do tipo norma-regra. Mas como em um sistema neoconstitucional os princípios predominam sobre as regras, a lógica que vigora é outra, já que proposta neoconstitucional ao revitalizar a eficácia principiológica, tida como verdadeira base da inteligência sistêmica, justifica a presença da dimensão valor na análise jurídica e se coliga em maior proporção a um ideal de justiça. De toda sorte, como entre normas constitucionais não é possível aplicar os critérios hierárquico ou cronológico (já que não pode se imaginar a existência norma constitucional inválida e, portanto, inconstitucional), quando o conflito entre normas regras se apresenta, tem-se preferencialmente a aplicação do TÓPICOS DE DIREITO CONSTITUCIONAL 19 critério da especialidade, sendo que a norma é aplicada em sua máxima dimensão normativa (o famoso “tudo ou nada” dworkiniano). Diferentemente, quando as contradições se dão entre normas principiológicas, ambas seguem simultaneamente válidas, por mais que no caso concreto (dadas as circunstâncias específicas deste) uma triunfe sobre a outra. Neste caso, cabe buscar uma relação de preponderância relativa, de uma sobre outra, que só pode ser definida no âmbito do caso concreto. Na verdade, uma das principais tarefas realizadas pelo neoconstitucionalismo foi a de recolocar os princípios jurídicos em um lugar de centralidade no processo interpretativo. Principalmente se consideramos que a concepção clássica que unia direito e moral sempre foi ligada às concepções jusnaturalistas, cuja perspectiva valorativa eram providas, porém, de baixa normatividade e eficácia jurídica. Nesse sentido, é o princípio que estabelece essa ponte de rearticulação entre direito e moral. Para Robert Alexy, os princípios constituem mandados de otimização que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível, enquanto Dworkin entende que os princípios são fonte de justificação moral e política vigente em uma determinada comunidade. Assim, segundo autores neoconstitucionalistas, um sistema que possui tão somente normas-regras não está habilitado a solucionar todas as questões que exsurgem no dia a dia dos tribunais. Para esses, é absolutamente necessário o reconhecimento da normatividade do princípio, já que possui o mesmo uma capacidade muito superior em relação às regras de transferir valor ao sistema jurídico e, principalmente,de produzir juízos para uma sociedade tão plural e sofisticada, no que diz respeito às suas demandas. TÓPICOS DE DIREITO CONSTITUCIONAL 20 Discussões necessárias sobre a ponderação e a subsunção Quanto à apontada característica de maior utilização da ponderação do que subsunção, veja alguns dados importantes: Faz-se necessário que expliquemos, antes de tudo, o que estamos chamando de ponderação. Trata-se de um tipo de juízo que se usa para resolver antinomias de normas constitucionais, quando não é possível usar o critério da especialidade (como dissemos anteriormente, o outro critério para solução de antinomias constitucionais). É um juízo complexo que deságua em uma declaração de preferência condicionada, estabelecendo o triunfo de uma das normas em conflito no caso concreto específico, mas sem pretensão de definitividade. A ponderação requer uma argumentação complexa, sendo que o núcleo central do juízo de ponderação consiste em conceder preferência à solução que, evitando o referido “tudo ou nada” utilizado no juízo que trata sobre o conflito entre regras, enfrente o conflito sopesando dos valores em colisão naquela situação específica. Atente-se que se deve procurar a solução que estabeleça menor lesão a uma das normas em conflito, já que in abstrato (referindo-nos às normas constitucionais prima facie), todas ostentariam igual valor. Porém, no caso concreto, a situação é diversa e, como já intuíam os gregos há mais de vinte e cinco séculos, a ideia de proporção vincula-se à busca pela solução mais justa. Mas nos aprofundaremos sobre esses conceitos nas próximas aulas. Resumo - Neoconstitucionalismo O neoconstitucionalismo, como concepção jurídica, quer a submissão de todo o ordenamento (incluindo o legislador democrático) à constituição, embora tenha que admitir, em situações especiais, a possibilidade de diálogos e TÓPICOS DE DIREITO CONSTITUCIONAL 21 autorrestrições de suas normas em face de normas advindas de outras ordens jurídicas. De toda forma, não há dúvidas de que esse “comando constitucional” gera a abertura ao judicialismo, ao menos na perspectiva que vem sendo adotada no Brasil, que segue uma linha vinculada às tendências europeias com as quais o direito brasileiro mantém maior vínculo e é mais fortemente contaminado. A teoria do neoconstitucionalismo Neste sentido, esta linha de pensamento pressupõe uma depurada teoria argumentativa, capaz de garantir a racionalidade e suscitar o consenso em torno das decisões judiciais. Não é sem motivos que o neoconstitucionalismo se propõe, como uma vertente pós-positivista, a superar uma visão positivista do Direito. Estabelece ele um novo paradigma teórico, ao colocar uma razão destranscendentalizada (como diria Habermas) como ferramenta indispensável à própria construção do Direito, inclusive nas situações em que o ordenamento legal não prevê soluções para a resolução dos casos concretos (observe-se que usou-se a expressão “ordenamento legal” e “não ordenamento jurídico”). A ideia de uma destranscendentalização também rejeita uma lógica jusnatural, que fundava sua justiça ou na religião, ou em um sistema de justiça que, embora de grande beleza e logicidade, não encontra qualquer suporte na experiência ou nos fatos da vida. Aliás, cuidado! Os neoconstitucionalistas não defendem que suas concepções possam ser consideradas vertentes antiformalistas do Direito, já que entendem que suas respostas encontram-se no interior do próprio campo da juridicidade - dentro das fronteiras do Direito. TÓPICOS DE DIREITO CONSTITUCIONAL 22 Neoconstitucionalismo como nova concepção jurídica Ainda que consigam alcançar o mundo do valor e da moral, o fazem por meio dos princípios jurídicos, que são normas positivas. Há quem considere que os princípios são valores positivados. Embora essa afirmativa possa gerar algumas críticas, a figura auxilia o entendimento. Por fim, como diz o grande constitucionalista espanhol, Prieto Sanchís, parece evidente que o neoconstitucionalismo requer: Uma nova teoria das fontes, afastada do legalismo positivista; Uma nova teoria da norma que possibilite maior relevância aos princípios jurídicos; Uma nova teoria da interpretação que, afastando-se de um procedimento mecanicista não seja, por outro lado, puramente discricionária, de forma que a interpretação constitucional possa ser alcançada a partir de um esquema plausível e racional de argumentação jurídica. Neoconstitucionalismo no contexto brasileiro No Brasil, há de se ter em vista que o pensamento neoconstitucional vem sendo cada vez mais aceito, sendo sua teorização cada vez mais observada não apenas pela doutrina, mas também pela jurisprudência. Até mesmo os cursos de graduação em Direito têm dado maior destaque às teorias neoconstitucionais no estudo das disciplinas de Direito Constitucional, exaltando a necessidade de uma leitura de todas as áreas do direito pela lente constitucional. Isso se reflete fortemente no papel exercido pelo Supremo Tribunal Federal, principalmente no contexto da analítica Carta de 1988. É dificil imaginar que exista matéria minimamente relevante que, em tese, não encontre sua fundamentação na Constituição. Até mesmo porque, a plasticidade e elasticidade inerentes aos princípios acaba por extender os limites semânticos da Carta, de maneira a atingir uma enorme gama de possibilidades fáticas. TÓPICOS DE DIREITO CONSTITUCIONAL 23 Nessa direção, é normal que ocorram divergências entre os poderes Legislativo e Judiciário, mais precisamente o STF, já que o poder de legislar do Congresso Nacional é mitigado pelo poder de controlar a constitucionalidade dos atos produzidos, que em última instância é da Corte Maior. Esse fenômeno exaltado por uns, criticados por outros, vem recebendo a alcunha de “judicialização da política”, já que a atividade política é fortemente controlada pela tecnicidade jurídica. Todavia, concomitantemente, observam-se críticas que apontam para o lado inverso, ou seja, o fenômeno da “politização do Judiciário”, já que a abertura semântica das normas parece oferecer um espaço exacerbado de escolha aos magistrados. Trata-se, porém, de uma questão de busca pela legitimidade da produção normativa. Afinal, quem faz a norma: quem define seu texto ou quem interpreta seu sentido? A ocupação de determinados espaços no processo de elaboração da norma, que no direito brasileiro tradicionalmente foi dado ao Poder Legislativo, não o é em tradições de common law, nas quais a confiança no juiz é maior do que a confiança no político. Essa é uma questão sensível e será o tema de nossa próxima aula. Por isso não cabe adiantarmo-nos. De toda forma, a uma possível crítica de judicialização da política e deslocamento do poder (com repercussões de um possível déficit democrático), o próprio sistema antecipa-se e procura mitigar introduzindo “novos” institutos como a súmula vinculante (no âmbito da aproximação do sistema brasileiro ao sistema de common law) e o amicus curiae que juntamente com as audiências públicas reforçam a ideia de busca por uma racionalidade jurídico/constitucional que satisfaça à ampliação e o aperfeiçoamento do regime democrático. TÓPICOS DE DIREITO CONSTITUCIONAL 24 Atividade proposta Leia a reportagem, da Veja, sobre a prisão de envolvidos no esquema do mensalão, a seguir: Marco Maia não descarta dar abrigo para impedir prisão de mensaleiros Depois de sucessivas declarações sugerindo que a Câmara deveria descumprir adecisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de cassar os mandatos de deputados mensaleiros condenados, o petista Marco Maia (RS) foi além nesta quinta-feira e não descartou abrir os portões da Casa para impedir a prisão dos parlamentares. Como a Polícia Federal não tem autorização para entrar no Congresso, os três deputados condenados - Valdemar Costa Neto (PR-SP), João Paulo Cunha (PT-SP) e Pedro Henry (PP-MT) - ficariam asilados no local. A possibilidade foi aventada durante perguntas de jornalistas na entrevista concedida pelo presidente da Câmara nesta quarta. O petista afirmou que a prisão dos parlamentares, na sua opinião, seria inconstitucional. "Uma das coisas que a Constituição previu de forma sábia é que nenhum parlamentar pode ser preso a não ser em flagrante delito ou depois de condenação transitada em julgado, o que significa que a Constituição é muito clara em relação à impossibilidade da prisão de parlamentares. Nós temos que aguardar os acontecimentos para ver qual o impacto e o que isto vai significar do ponto de vista do posicionamento que o Parlamento e a Câmara dos Deputados irão tomar em relação a essa situação", disse. A prisão imediata dos mensaleiros será decidida nesta sexta-feira pelo presidente do STF, Joaquim Barbosa, em resposta ao pedido feito pelo procurador-geral da República, Roberto Gurgel. "É uma suposição tão vaga que nem acredito que isso possa acontecer. (E se acontecer), aí teremos que pensar no que fazer", afirmou Marco Maia. TÓPICOS DE DIREITO CONSTITUCIONAL 25 Maia disse ainda que "se não houver decisão definitiva até dia 1º de fevereiro sobre a prisão dos condenados, o deputado José Genoíno (PT) terá direito de reassumir seu mandato". "À Casa caberá apenas cumprir a Constituição", disse. O presidente da Câmara também rebateu a afirmação do decano do STF, ministro Celso de Mello, que criticou a resistência do petista em cumprir a determinação da corte para cassar os mandatos dos mensaleiros. "Não é razoável e eu nem acredito que nenhum ministro teria a vontade ou a condição de tentar intimidar o presidente da Câmara ou o próprio Parlamento com qualquer tipo de ameaça. Até mesmo, porque a decisão sobre quem vira ministro do STF é do Parlamento. É o Senado que toma essa decisão. Até porque quem cassa ministro do STF é o Parlamento", disse. Fonte: <http://veja.abril.com.br/noticia/brasil/marco-maia-nao-descarta-dar-abrigo-para- impedir-prisao-de-mensaleiros>. Agora, analise se há no fato político relatado alguma das características observáveis em sistemas jurídicos que têm por linha teórico-filosófica o neoconstitucionalismo. Chave de resposta: A ideia, nesse sentido, é analisar uma das possíveis e mais importantes repercussões das teorizações do neoconstitucionalismo, ou seja, o acirramento da disputa de poder entre o Poder Judiciário (que vê aumentar sua esfera de poder) e o Poder Legislativo (que entende esse acréscimo de poder do Judiciário como invasão ilegítima às suas naturais prerrogativas). TÓPICOS DE DIREITO CONSTITUCIONAL 26 Judicialismo: Detrimento de uma linha mais legalista, relacionada à teoria da soberania popular. Aprenda Mais Material complementar Para saber mais sobre Neoconstitucionalismo, leia o artigo, disponível em nossa biblioteca virtual, que traz um interessante texto sobre o tema do ministro do Supremo Tribunal Federal, Luiz Roberto Barroso. Referências ALEXY, Robert. Constitucionalismo discursivo. 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Hermeneutica e applicatio jurídica: a concreta realização normativa do direito como superação da interpretação jurídico- metafísico-objetificante. Coimbra: Coimbra, [s/d]. TÓPICOS DE DIREITO CONSTITUCIONAL 28 Exercícios de fixação Questão 1 São características marcantes no pós-positivismo: I. A compreensão de que a validade jurídica da norma se define exclusivamente pelo respeito ao correto procedimento de produção normativa. II. A existência de hard cases como situações fáticas complexas, pendentes de intervenção pelo julgador, que constrói a regra de solução com base na racionalidade jurídica, em razão da ausência de previsão explícita no ordenamento legal. III. O importante papel desenvolvido pelos princípios jurídicos, como espécie normativa. IV. Completa rejeição à ideia de valores no âmbito do direito. a) I e II b) Apenas II c) III e IV d) I e IV Questão 2 Leia as frases e assinale a alternativa na qual há uma opção que contenha duas assertivas incorretas para uma visão pós-positivista do direito: I. Busca pela superação teórica das escolas juspositivista e jusnaturalista. II. A ideia de que o pós-positivismo é apenas um aperfeiçoamento do positivismo jurídico, mantendo, porém, suas linhas-mestras. III. Mitigação da dicotomia descrição/prescrição. IV. O reconhecimento de que direito e moral jamais se encontram. a) I e II TÓPICOS DE DIREITO CONSTITUCIONAL 29 b) I e III c) II e IV d) I e IV Questão 3 Leia as assertivas abaixo e marque a opção que corretamente exprime a correção, ou não, das duas afirmações, a partir de uma visão pós-positivista: I. Os princípios jurídicos ganham grande importância, principalmente na solução dos hard cases. II. As regras jurídicas, segundo os pós-positivistas, não são mais capazes de resolver os problemas na contemporaneidade, devendo ser o seu uso abdicado pelo direito. a) A primeira assertiva está correta e a segunda incorreta. b) A primeira assertiva está incorreta e a segunda correta. c) As duas assertivas estão corretas. d) As duas assertivas estão erradas.Questão 4 Leia as assertivas abaixo e marque a opção que corretamente exprime a correção, ou não, das duas afirmações, a partir de uma visão pós-positivista: I. O pós-positivismo representa um reforço tanto para as posições jusnaturalistas quanto para as positivistas. II. O pós-positivismo, por intermédio de seus teóricos, apresenta-se como uma teoria que surge a partir da necessidade de se produzir soluções complexas para um mundo cada vez mais complexo. a) A primeira assertiva está correta e a segunda incorreta. TÓPICOS DE DIREITO CONSTITUCIONAL 30 b) A primeira assertiva está incorreta e a segunda correta. c) As duas assertivas estão corretas. d) As duas assertivas estão erradas. Questão 5 Analise as assertivas abaixo: I. O neoconstitucionalismo é uma vertente jurídico-filosófica de cariz pós- positivista, havendo entre as propostas uma relação interna. II. Embora a similitude dos termos possa transparecer uma aproximação conceitual, o neoconstitucionalismo não guarda absolutamente nenhum ponto de contato com o fenômeno constitucionalista surgido no século XVIII e desenvolvido no decorrer do século seguinte. Estão corretas: a) A primeira assertiva está correta e a segunda incorreta. b) A primeira assertiva está incorreta e a segunda correta. c) As duas assertivas estão corretas. d) As duas assertivas estão erradas. Questão 6 O Neoconstitucionalismo vem se firmando como uma teoria cada vez mais forte no Brasil. Abaixo, apresentamos duas assertivas. Após lê-las, marque a alternativa que melhor define a correção ou incorreção das mesmas. I. Caracteriza-se por defender, sob uma perspectiva teórica, o governo da vontade das maiorias representada pela lei. II. Assumindo uma posição pós-positivista, para o neoconstitucionalismo direito e moral, deve possuir uma conexão interna. TÓPICOS DE DIREITO CONSTITUCIONAL 31 a) As duas assertivas estão corretas. b) As duas assertivas estão incorretas. c) A assertiva I está correta, mas a assertiva II está incorreta. d) A assertiva I está incorreta, mas a assertiva II está correta. Questão 7 São características da chamada Escola Neoconstitucionalista do Direito, as que seguem, exceto: a) O ideal político do governo do direito, em contraposição à ideia de governo dos homens. b) Defende o governo do direito por meio de uma constituição, de forma a limitar os poderes dos governantes. c) No Estado Constitucional, direito e moral seriam conexos por meio de uma Constituição. d) Defende que só a Constituição pode promover comandos à sociedade, sendo que as leis não estariam aptas a fazê-lo. Questão 8 São características essenciais do neoconstitucionalismo: I. A utilização exclusiva de normas-regra para a solução de casos concretos. II. A utilização de um método mecânico e positivista de interpretação. III. O uso da principiologia no processo interpretativo como método subsidiário. IV. A valorização dos princípios no processo interpretativo das normas jurídicas. Está(ão) correta(s): a) Somente a assertiva III TÓPICOS DE DIREITO CONSTITUCIONAL 32 b) Somente a assertiva IV c) As assertivas III e IV d) As assertivas II e IV e) As assertivas II, III e IV Questão 9 Como características típicas do neoconstitucionalismo, é possível apontar: I. Mais subsunção do que ponderação. II. Onipresença da constituição em todas as áreas do direito. III. Onipresença legislativa, com ampliação da representação democrática. IV. Pluralidade valorativa amplíssima e contraditória. a) I e II b) II e III c) III e IV d) II e IV Questão 10 O neoconstitucionalismo traz à tona o debate sobre a “judicialização da política”. Sobre essa questão, é correto afirmar: a) Já há a superação do problema, com a acomodação do Poder Judiciário em face do Poder Legislativo. b) Trata-se de um problema vivenciado na Europa, mas não observado no Brasil. TÓPICOS DE DIREITO CONSTITUCIONAL 33 c) É um problema que ocorre no Brasil, como decorrência natural da maior intervenção do Poder Judiciário em uma esfera de atuação tradicionalmente destinada ao Poder Legislativo. d) É o fenômeno que faz com que o Poder Legislativo mitigue o papel típico de julgar do poder Judiciário. Exercícios de fixação Questão 1 - B Justificativa: Estão erradas as assertivas I e III. É no positivismo jurídico (principalmente nos mais exacerbados) que se compreende que a validade jurídica da norma se define exclusivamente pelo respeito ao correto procedimento de produção normativa. O pós-positivismo, pelo contrário, entende que os valores auxiliam no julgamento sobre a validade normativa, principalmente pela via principiológica. Daí, que também a assertiva IV esteja completamente equivocada. Questão 2 - C Justificativa: A assertiva II está equivocada por considerar o pós-positivismo como uma continuidade do positivismo jurídico. Trata-se de uma outra concepção (3ª via) que entra em conflito com as teses positivistas, principalmente em um ponto essencial, ou seja, o reconhecimento de que direito e moral devem, sim, manter pontos de contato (o que invalida a possibilidade de considerarmos correta a assertiva IV). Questão 3 - A Justificativa: Apenas a assertiva B está equivocada, pois o pós-positivismo, embora enalteça e valorize o uso dos princípios na resolução de casos, não TÓPICOS DE DIREITO CONSTITUCIONAL 34 abdica do uso das regras jurídicas. Na verdade, entende que tanto os princípios como as regras são duas faces do mesmo fenômeno: o fenômeno normativo. Questão 4 - B Justificativa: Como terceira via, o pós-positivismo recusa tanto a rejeição da relação entre direito e moral do positivismo, mas também não concorda com os pressupostos jusnaturais de uma justiça apoiada em razões religiosas ou razões transcendentais. O pós-positivismo, nesse sentido, busca um tipo de racionalidade destranscendentalizada, mais fundada na capacidade discursiva que o entendimento dialógico propicia. Questão 5 - A Justificativa: A segunda assertiva está incorreta já que o neoconstitucionalismo guarda com o fenômeno constitucionalista dos séculos XVIII e XIX ao menos uma ideia fundamental: a de que a constituição é a norma central do sistema jurídico, e não as leis, que àquela estão submetidas. Questão 6 - D Justificativa: O neoconstitucionalismo separa-se das perspectivas legalistas por entender que a vontade das maiorias, expressa na lei, submete-se à vontade constitucional. Daí, por exemplo, extrair-se a possibilidade de existência do controle de constitucionalidade. Questão 7 - D Justificativa: O erro da assertiva D decorre do fato de que a existência de uma Constituição como norma maior não tem por consequência que os demais diplomas normativos sejam prescindíveis, principalmente as leis. Para que o sistema possa funcionar, é necessário todo um arcabouço formal. Neste sentido, a visão sistêmico-jurídica kelseniana está longe de ser superada. Questão 8 - B TÓPICOS DE DIREITO CONSTITUCIONAL 35 Justificativa: É característica, entre outras, do neoconstitucionalismo, a valorização do princípio como tipo normativo, assumindo este um lugar de destaque no processo de definição da norma concreta pelo judiciário bem como nos processos interpretativos. Por isso, embora as normas-regra tenham papel de grande importância, o papel de maior relevância (e não meramente subsidiário) é aquele exercido pela norma princípio. Na assertiva III, se em vez do termo “subsidiário” fosse usado o termo “complementar”, poderíamosconsiderá-la correta. Outra questão que vale a pena reforçar é que a principiologia não possui maior destaque nas concepções positivistas de direito. Questão 9 - D Justificativa: Com o destaque maior para as normas-princípio em relação às normas-regra, a ponderação ganha, igualmente, mais destaque que o processo de subsunção. Por outro lado, é observada a onipresença judiciária, com mitigação do espaço do legislador e, consequentemente, do Poder Legislativo, o mais democrático dos poderes, segundo a tradição. Questão 10 - C Justificativa: Acredita-se que as posições teóricas neoconstitucionais dão suporte à força crescente do Poder Judiciário, especialmente o Supremo Tribunal Federal (STF), que tomaria decisões que escapam de seu domínio, enquanto o Poder Legislativo enfraquece-se na medida em que suas competências legislativas estariam supostamente sendo usurpadas. TÓPICOS DE DIREITO CONSTITUCIONAL 36 Introdução À medida que a globalização se expande, cresce igualmente a necessidade de interação entre sistemas. Há muito tempo, discute-se a oposição antitética entre o sistema anglo-saxão da common law e o sistema continental, também chamado pelos common lawyers de sistema da civil law (ou sistema românico- germânico, como também denominamos entre nós). Essa virtual oposição teórica fazia parecer que estávamos diante de sistemas absolutamente antagônicos e opostos. Hoje, as posições que observam os dois sistemas a partir de uma summa divisio são cada vez mais raras. A percepção de aproximação dos dois sistemas fundamentais ocidentais trouxe à tona a necessidade de aprofundar, sob a perspectiva teórica, quais os motivos que nos levam a essa direção e qual a consequência dessa situação para o constitucionalismo. No Brasil, as influências entre sistemas jurídicos vão sendo observadas não apenas por essa aproximação entre common law e civil law, mas, também, pelos recentes estudos de fenômenos como o da transconstitucionalização e o da cross fertilization. Todos apontam para uma tendência de influências recíprocas entre sistemas jurídicos, principalmente a partir da ascensão do paradigma jusfilosófico neoconstitucional, conforme vimos na aula 1. Tratemos de enfrentar, então, a temática, fazendo as devidas conexões! Boa aula! Objetivos: TÓPICOS DE DIREITO CONSTITUCIONAL 37 1. Analisar as características das escolas jurídicas da common law e da civil law e suas formas de aproximação com os sistemas constitucionais ocidentais, o brasileiro em especial; 2. Estabelecer as características fundamentais da transconstitucionalização como fenômeno que conecta a constituição à uma visão necessariamente global, plural e interconectável entre sistemas. TÓPICOS DE DIREITO CONSTITUCIONAL 38 Conteúdo O mundo globalizado e a aproximação de sistemas Na aula anterior, você conheceu o neoconstitucionalismo. Nesta aula, aprofundaremos sobre o termo transconstitucionalidade. Vamos lá! O crescimento da globalização e da internacionalização tem evidentes consequências no mundo hodierno. Não era razoável considerar que o mundo jurídico escapasse a essa lógica. Dois fenômenos de aproximação entre as diversas ordens parecem ser objeto de maior estudo por parte dos estudiosos do direito, em particular dos constitucionalistas: a aproximação entre a common law e a civil law (sistemas há pouco considerados antagônicos entre si) e o crescente diálogo mantido entre as ordens constitucionais. O tema é vasto, e, neste momento, a pretensão é não somente apontar para as novas discussões surgidas no campo jurídico, mas, também, inspirar novos e enriquecedores debates. Começaremos pelo tema menos original, mas ainda pouco analisado (proximidade entre common law e civil law), para depois adentrarmos na temática que começa a ganhar maior fôlego no país, que é o da transconstitucionalidade (para alguns, interconstitucionalidade). O sistema jurídico brasileiro e a common law Como vimos, no fim dos anos 90, começam a ser disseminadas no Brasil, principalmente no âmbito acadêmico, as correntes teóricas de autores neoconstitucionalistas (classificação atualmente concedida por grande parte da doutrina). Ao defenderem a natureza normativa dos princípios, acabaram por incentivar uma revolução no processo de interpretação das normas jurídicas, incumbindo os juízes de tarefas de preenchimento de lacunas legais cada vez mais frequentes em um ambiente social cada vez mais complexo. A ausência de estudos mais aprofundados das linhas metodológicas utilizadas por esses autores provocou uma onda interpretacionista um tanto caótica, gerando um ambiente de grande insegurança jurídica. Concomitantemente, por TÓPICOS DE DIREITO CONSTITUCIONAL 39 seu lado, seguiam os tribunais brasileiros abarrotados de processos, que, com a mesma causa de pedir e com o mesmo pedido, tinham as mais díspares decisões, ainda em situações nas quais o Supremo Tribunal Federal já havia cristalizado posição em relação ao tema. Emenda Constitucional nº 45/2004 Com a promulgação da Emenda Constitucional nº 45/2004, a qual acrescentou ao texto constitucional o Artigo 103-A, conferiu-se poderes ao Supremo Tribunal Federal para aprovar súmulas contendo eficácia vinculante (e não apenas persuasivas) sobre decisões futuras, acirrando, no âmbito do direito pátrio, a discussão sobre uma possível aproximação do sistema jurídico brasileiro – historicamente construído na tradição da civil law (germânico- romana) – com o sistema da common law (anglo-americano). Por outro lado, igualmente relacionado ao fenômeno de aproximação de sistemas em um mundo globalizado, vem sendo frequentemente observado nas sessões do STF, não apenas a menção a institutos típicos de sistemas jurídicos estrangeiros, mas também a construção de linhas de fundamentação de decisões que utilizam base jurisprudencial do direito alienígena ou, ao menos, em rationes decidendi estabelecidas por cortes estrangeiras. É a chamada racionalidade transversal entre sistemas jurídicos, fenômeno cada vez mais percebido e naturalizado. Transconstitucionalismo e a cross fertilization Sobre essas temáticas, surgem algumas questões que servem como guia para um maior aprofundamento sobre o tema. São elas: Procede tal afirmação de que existe uma aproximação do sistema brasileiro às características que tradicionalmente se julgavam típicas dos sistemas vinculados à common law? O instituto da súmula vinculante pode ser considerado uma consequência direta de tal aproximação? TÓPICOS DE DIREITO CONSTITUCIONAL 40 Existindo tal aproximação do nosso sistema com a common law, isto aperfeiçoaria o sistema jurídico brasileiro ou, ao contrário, criaria um antagonismo com sua linha tradicional? O que representam o transconstitucionalismo e a cross fertilization em um contexto de racionalidade transversal entre sistemas jurídicos? Para fins didáticos, entendemos que seja mais adequado iniciar nossa abordagem pelo estudo de aproximação entre a civil law e a common law, não apenas por ser um tema já apontado pelos estudiosos no Brasil (embora, sem aprofundar os fundamentos), mas, principalmente, por estar ele relacionado a uma temática analisada na aula anterior, o que facilita o caminho a ser percorrido. Logo após, partiremos para análise do transconstitucionalismo, fenômeno que só agora parece ser percebido pelos estudiosos e que vem ganhando destaque no universo jurídico-constitucional brasileiro. Aproximação da civil law e common law – algumas notas introdutóriasSob uma perspectiva teórica e para fins cognitivos, é possível estabelecer linhas que distinguem os modelos common law e civil law. O intuito aqui não é discutir todas as diferenças, mas focar naquelas que mais dados podem nos oferecer para responder às questões acima formuladas. Segundo os comparatistas, as características a seguir são pontos tradicionalmente tidos como de afastamento e distinção entre as duas grandes famílias. Se, por um lado, a civil law (que traduz ius civile do latim) descende do direito romano, o direito da common law deita raízes em uma tradição autóctone. Se, na civil law, há uma longa tradição de codificação e de lei (em seu sentido estrito) como fonte do direito – recusando-se a ideia de ser a jurisprudência (precedentes) como fonte autônoma do direito –, por outro lado, a tradição TÓPICOS DE DIREITO CONSTITUCIONAL 41 anglo-americana, mesmo quando se utiliza da codificação, como em vários Estados americanos (statutes), apresenta-a como consolidação jurisprudencial. Se, por um lado, na civil law, prevalece o pensamento abstrato-dedutivo, tipicamente logicista, por outro, na common law, prevalece um raciocínio mais concreto, ligado a uma tradição empiricista (e mesmo pragmática), própria da cultura anglo-saxã. Se, por um lado, para a maior parte dos autores, a civil law identifica como característica típica o primado do público sobre o privado, na common law, ao contrário, entende-se que há o primado da perspectiva privada sobre a pública. Se, por um lado, o tipo de racionalidade utilizada na civil law é predominantemente de tipo lógico, na common law, utiliza-se predominantemente aquela de natureza pragmática. Se, por um lado, o tipo de sistema de direito utilizado pela civil law é predominantemente legislado, não judicialista, o da common law é preponderantemente judicialista, de forma que, nos sistemas irmãos, os juízes tradicionalmente exercem papéis bastante diferenciados. Sistema jurídico brasileiro e o sistema de common law Mesmo reconhecendo a importância de todas perspectivas de análise acima apresentadas, parece-nos que o ponto cardeal da discussão para tratar de uma aproximação do sistema jurídico brasileiro com o sistema de common law se refere não necessariamente a todas as características citadas (embora se possa verificar também, em algumas delas, um certo movimento de aproximação por parte do sistema brasileiro com a common law), mas, principalmente, no que diz respeito à última das características mencionadas, ou seja, o papel desenvolvido pelos juízes e pela jurisprudência no processo de produção do direito. TÓPICOS DE DIREITO CONSTITUCIONAL 42 Essa posição baseia-se não apenas por ser a questão de maior relevância do problema, mas, principalmente, devido às repercussões que esse ângulo de análise tem suscitado atualmente no Brasil, a partir da ascensão das concepções jurídico-filosóficas neoconstitucionais no nosso país e em diversos sistemas jurídicos, como já falamos. Dessa forma, até campos do conhecimento estranhos ao direito já começam a perceber o fenômeno a ponto de entrarem nas discussões acerca de temas como ativismo judicial e judicialização da política. Civil Law Como se pode ver, é uma questão de natureza cultural. Em grande parte dos estados que adotam a civil law, antes da passagem de uma ordem tradicional para uma ordem pós-tradicional, mais precisamente antes da ascensão do Estado de Direito em substituição aos Estados Absolutistas, o Poder Judiciário sempre foi exercido por uma elite nobre extremamente ligada por fortes laços de confiança e lealdade aos reis. Aliás, não há de se pensar em um contexto como esse em separação de poderes, já que esta é uma formulação típica do Estado de Direito e só surge no contexto da afirmação deste e como uma de suas principais características. Por outro lado, cabe lembrar que, embora a monarquia inglesa possa ser considerada, até os dias de hoje, uma instituição política bastante sólida, não devemos esquecer que a própria ideia de divisão de poderes e consequente mitigação dos poderes reais sempre teve na Inglaterra um terreno fértil. Desde a Magna Charta, o exercício do poder político pelo monarca inglês foi sendo paulatinamente mitigado, sendo ele exercido, pouco a pouco, de forma cada vez mais descentralizada se compararmos com seus congêneres continentais. Isso explica a razão pela qual o fenômeno da desconfiança exacerbada na figura dos juízes, ocorrida nos países de tradição da civil law, TÓPICOS DE DIREITO CONSTITUCIONAL 43 não encontrou na Inglaterra um ambiente propício para se desenvolver, sendo que esta pôde, assim, exportar às suas colônias seu modelo de common law. Nessa perspectiva e se essas considerações de ordem cultural estão corretas como cremos estar, é possível que tenhamos, inclusive, uma possível releitura acerca da própria ideia de legitimidade para o exercício do poder de produzir normas no Brasil. É mesmo possível enxergar que esteja em curso um processo que estabelece importantes alterações de rumo no tradicional sistema desenvolvido no Brasil Por isso, cabe ressaltar que o fenômeno brasileiro não é algo isolado. Esses supostos distanciamentos teóricos e práticos vêm cedendo espaço a cada dia, perdendo força no interior das ordens jurídicas de tradição ocidental. Por isso, essa tendência de aproximação observada entre as duas grandes famílias do Direito repercute de forma indiscutível na organização do sistema jurídico brasileiro. Fatores condicionantes na organização dos fatores jurídicos brasileiro Dentro do que foi dito anteriormente, percebe-se que dois motivos nascidos do âmbito da dinâmica de reconfiguração da ordem mundial aparecem de forma mais evidente (tal qual fatores condicionantes externos para a citada aproximação, mas que se projetam de forma inequívoca também no Brasil). São eles: Uma primeira motivação a ser apontada é a globalização. As diferentes matrizes teóricas vivenciadas pelas duas experiências sistêmicas acabaram por se reduzir em grande escala quando comparadas a matrizes de outras famílias do direito, principalmente se levarmos em conta temas como direitos fundamentais e humanos. Nesse sentido, diferenças epistêmicas, que antes pareciam insuperáveis, já podem ser TÓPICOS DE DIREITO CONSTITUCIONAL 44 analisadas, como de raízes comuns, sendo que as aproximações já são claramente observáveis. Em um segundo plano, com especial relevância para uma tradição jurídico-filosófica ocidental como a brasileira, não há como imunizar-se da influência de importantes e grandiosos esforços realizados em uma Europa unificada, que agora procura encontrar as bases jurídicas nas quais se apoiarão as unidades econômica e política. Nesse sentido, é imperativo o esforço para encontrar os pontos comuns dessas duas tradições (civil e common law). Atenção Aliás, a União Europeia, unificada normativamente em várias áreas, é um excelente laboratório para demonstrar essa aproximação. Há bem pouco tempo, consideravam-se modelos jurídico-constitucionais específicos, com características de evidente singularidade, por exemplo, pós-modelos alemão, francês e inglês. Hoje, por força do processo de unificação, os países da União Europeia mantêm, entre si, diálogo permanente e, mais do que isso, bases e fontes comuns para formação de suas inteligências. A aproximação do sistema jurídico brasileiro ao sistema de common law Pelo o que já vimos até aqui, parece claro que a resposta aparentemente
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