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GIORGIO AGAMBEN: O QUE É O POVO? Nas línguas europeias a palavra Povo pode designar não só o sujeito político constitutivo (o conjunto dos cidadãos como um corpo unitário), mas também o povo, a classe pobre e excluída da política. Uma oscilação de dois polos opostos: um corpo político integral e o subconjunto povo como multiplicidade fragmentária de corpos excluídos. No primeiro, uma inclusão que se pretende sem restos, no segundo uma exclusão que se sabe sem esperança. O povo existe desde sempre e deve se auto purificar aderindo à nação, à identidade comum (Língua, etnia, cultura). Ou seja, o povo com P minúsculo precisa se “purificar” e aderir a nação que o Estado que ela está inserida , mesmo que não seja sua própria nação. Abrindo mão da sua própria identidade para adaptar-se ao Estado-nação. A luta de classes mencionada por Marx, nada mais é que esta guerra que divide cada povo, e chegará ao fim apenas na sociedade sem classes. Quando Povo e povo coincidirem e não se falar mais de nenhum dos dois. Apesar dessa luta entre os povos exista desde sempre, ela com o tempo sofreu mudanças. Na Roma antiga há a divisão entre populus e plebs, tendo cada um suas próprias instituições e magistrados. Já na Revolução Francesa o Povo torna-se o depositário único da soberania, e o povo transformou-se em uma presença embaraçante, surgindo pela primeira vez, como um escândalo, a exclusão e a miséria. É nessa época que distingue de fato o ”Povo” e “povo”, aquele com voz política, e aquele sem. Deste modo, na era moderna, a miséria e a exclusão não são apenas conceitos econômicos e sociais, mas também políticos (todo o economicismo e o socialismo que parecem dominar a política moderna tem na realidade um significado biopolítico). O projeto da biopolítica busca homogeneizar as nações, excluindo o povo e tornando-o Povo, ao gosto da nação. Sendo um projeto excludente e agregacional. Nesse sentido, a nossa época é uma tentativa de preencher a cisão que divide o povo, eliminando radicalmente o povo dos excluídos. Um exemplo é a Alemanha nazi, o qual o Povo seria aqueles que integram o corpo político nacional; e o povo, os judeus. Hoje de maneira diferente, mas análoga, o projeto democrático-capitalista de eliminação das classes pobres, através do desenvolvimento, reproduz o povo dos excluídos. Deste modo, só uma política que saiba ter em conta essa cisão biopolítica fundamental do Ocidente poderá deter esta oscilação e pôr termo à guerra civil que divide os povos. Agamben, Giorgio. “O que é um povo?”. In. A política dos muitos. Lisboa. Tinta-da-China, 2010, pp. 31-34.
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