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O trabalho vale a pena (1)

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1 
 
 
 
 
 
Título: 
O trabalho vale a pena? 
Considerações sobre o trabalho na pena alternativa à prisão 
 
 
 
 
Autor: Vania Conselheiro Sequeira 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 2 
O trabalho vale a pena? 
Considerações sobre o trabalho na pena alternativa à prisão 
 Vania Conselheiro Sequeira 
Resumo 
Este artigo é um esboço sobre o lugar do trabalho no mundo contemporâneo e mais 
especificamente sobre o trabalho como forma atual de penalização, através da prestação de 
serviços à comunidade. Reflexão feita a partir de Hannah Arendt e Christophe Dejours, que 
auxiliaram na compreensão da banalidade do mal e da banalização da injustiça social 
possibilitando uma análise psicanalítica e social desse novo modo de penalização. 
 
Palavra-chave: trabalho - pena – Lei – laço social 
 
Abstract 
Is woth working? 
Considerations about work as an alternative penalty to prison 
This article is a groundwork about the place of the work in our contemporary world and, 
specifically, about work as a present way of penalization, through the establishment of 
community service to society. Reflection made from Hannah Arendt and Cristophe Dyours, 
who helped on the comprehension of the banalidade of bad and a banalização of the soiety 
injustice what enable a social and psychoanalytical analysis about this new way of 
penalization. 
 
Key-words: work – penalization – Law - social 
 3 
 
O crescimento da violência e do crime é algo que constatamos cotidianamente. 
Podemos observar uma banalização da violência, do crime, das injustiças sociais, enfim 
uma banalização do mal em nossa sociedade. Esse tema vem sensibilizando alguns 
intelectuais sintonizados com seu mundo e com seu tempo. Comecemos refletindo sobre o 
mal do século, o horror do nazismo, onde a violência e a crueldade foram evidentes. 
Hannah Arendt, uma das primeiras autoras a tratar do totalitarismo, escreve sobre a 
banalidade do mal em 1951, descrevendo o julgamento do Eichmann, mostrando, pouco a 
pouco, que não se tratava do julgamento de um monstro, mas pelo contrário, de um homem 
comum, cuja principal característica parecia ser a ausência de pensamento e crítica. Uma 
pessoa comum, sem a perversidade que gostaríamos de encontrar entre os assassinos do 
nazismo. A autora vai apontando para a banalização do mal, através de uma engrenagem 
muito maior, dos planos nazistas e da extrema dedicação com que muitos trabalharam para 
a solução final. A engrenagem nazista, é perversa, consegue inclusive o apoio dos 
Conselhos Judaicos que acabam colaborando com o extermínio de seu próprio povo, utiliza 
um planejamento cheio de etapas, desde uma suposta terra só para judeus (aliás, sonho de 
muitos judeus), uma estratégia de concentração dos judeus, um plano inexeqüível de enviá-
los para uma ilha, até o extermínio. 
Trata-se de um texto angustiante porque vai mostrando como o mal não está tão 
longe de nós e que pode ser executado por qualquer um, sem que seja condição, a 
perversidade ou qualquer psicopatia. O sucesso do nazismo recaiu sobre o exército de 
homens comuns que contribuíram com seus trabalhos para que planos maquiavélicos 
fossem sendo realizados, passo a passo, peça a peça, com uso de linguagem distorcida e de 
 4 
uma racionalização. 
Eichmann, um homem que não aparentava perversão, nem qualquer prazer com 
cenas de assassinato poderia ter se recusado a trabalhar tão zelosamente pelos ideais 
nazistas. A possibilidade de escolha sempre existe. Pessoas desobedeceram e se negaram a 
cumprir ordens desse sistema, mas milhares de soldados cumpriram ordens e efetivaram 
esse horror e outros milhares de pessoas conviveram com o nazismo sem se revoltarem, o 
que nos remete a uma questão fundamental: por que não o fizeram? É inevitável a 
constatação de que houve consentimento da população para que o nazismo existisse. 
Alguns autores, como Bauman e Todorov, defendem que o totalitarismo favorece 
esse tipo de posicionamento, porque trata-se de um sistema onde a pessoa perde sua 
identidade, há um coletivo em nome do qual se faz uma série de coisas, 
desresponsabilizando cada um dos envolvidos. Um sistema totalitário somado a falta de 
crítica, de posicionamento, até mesmo de pensamento com que vamos nos deparando no 
julgamento de Eichmann, nos faz pensar nas conseqüências desastrosas dessa combinação 
de fatores. 
 Em síntese, Hannah Arendt não define um conceito de banalização do mal, mas 
aponta uma engrenagem, uma máquina perversa, onde homens comuns comportando-se 
como num rebanho, participam da solidificação de um ideal cruel e injusto, sem se 
perguntarem como e por que, fazem o que mandam, em nome da ordem e da lei. A autora 
vai explicitando uma falta de referência ética que levou as pessoas a se guiarem pelo 
imaginário momentâneo, por valores que regiam a moral daquele sistema. 
 Será que a banalização do mal ocorre só nos sistemas totalitários? 
Dejours em seu livro, a banalização da injustiça social, retoma a proposta de Hannah 
 5 
Arendt sobre a banalidade do mal e faz uma reflexão sobre a atualidade, sobre nossa 
sociedade, através da banalização da injustiça social e dos diversos mecanismos que o 
moderno mundo do trabalho vem expondo suas vítimas. 
Dejours desenvolve a tese de que é pelo trabalho que se disciplina o homem e cria-
se condições para o consentimento com a banalização do mal; e que através da 
psicodinâmica do trabalho poderemos compreender esse processo de banalização do mal. 
Ele diferencia o sistema totalitário do nosso sistema neoliberal, a banalidade do mal da 
banalização do mal, mas acredita que o processo de mobilização da massa para colaborar 
com a injustiça social em nossa sociedade é o mesmo que permitiu a ascensão do nazismo, 
ou seja, o perigo está bem mais perto do que muitos imaginam. 
O processo de banalização do mal não começaria por características psíquicas, mas 
“pela manipulação política da ameaça da precarização e exclusão social.”(2000 ,p.119) 
Uma reação de defesa traria alterações psíquicas quando o sujeito tenta lidar com o medo, 
efeito da ameaça constante. 
O autor, reconhecido como um estudioso do mundo do trabalho desde seu livro 
Travail: usure mentale – essai de psychopatologie du travail (1980), vai demonstrando o 
paradoxo do trabalho, como fonte de prazer e de sofrimento, de desenvolvimento pessoal e 
de adoecimento; enfim o trabalho como possibilidade de emancipação ou de alienação, 
pessoal e social. 
Com profundidade e sensibilidade, Dejours vai analisando a realidade cotidiana e 
institucional do trabalho: o medo da incompetência, de não saber lidar com situações 
complexas para as quais quase sempre o trabalhador não é preparado, a pressão que 
sofremos para trabalhar mal, pela falta de condições concretas (equipamentos, espaço 
 6 
físico, etc) de um fluxograma institucional que impede autonomia e estabelecimento de 
parceria entre os diversos setores; a falta de reconhecimento, o fantasma do desemprego 
assombrando o dia-a-dia do trabalhador. As artimanhas institucionais de distorção de 
comunicação, de mentiras, o apagamento de vestígios sobre os maltratos institucionais. 
Enfim, ele dá conta de forma brilhante da realidade do trabalho institucional. 
Nas relações de trabalho aparecem as relações sociais de desigualdades, de 
dominação, a injustiça se faz presente, o trabalho vira laboratório de aprendizado da 
injustiça e iniqüidade, que alterna vítimas e beneficiários. O processo de banalização do 
mal pelo trabalho não é novo, nem extraordinário, a novidade é que tudo parece normal, 
justificado e vira modelo a ser seguido por muitos. Um sistema que faz sofrer,tem 
injustiças e promove desigualdades parece ser bom e justo. 
O sofrimento no trabalho vai produzindo um terreno fértil para o medo e para a 
submissão, além da desmobilização que o alto índice de desemprego gera. Dejours descreve 
estágios de banalização do mal que vão desde líderes perversos até a massa da população 
que colabora com a injustiça pelo automatismo e pela estereotipia de seus atos. O autor 
conclui que banalização do mal não é só a atenuação da indignação contra a injustiça, mas 
um processo que “por um lado desdramatiza o mal (quando ele jamais deveria ser 
desdramatizado) e, por outro, mobiliza progressivamente um número crescente de pessoas 
a serviço da execução do mal, fazendo delas „colaboradores‟.”(2000, p.138) Criando um 
sistema onde as pessoas oscilam entre colaboradores e resistentes ao mal. 
Não há banalização da violência sem ampla participação num trabalho rigoroso 
envolvendo a mentira, sua construção, sua difusão, sua transmissão e sobretudo sua 
 7 
racionalização; podemos também considerar o papel da mídia nessa falsificação da 
realidade, nessa banalização da violência e da própria vida. 
 Vivemos numa instabilidade político-econômica, envoltos em problemas sociais 
gravíssimos. Cotidianamente vivemos numa indiferença, as desigualdades sociais são 
banalizadas e não geram revolta, os que vivem na periferia sofrem em silêncio com a 
violência. Vemos algumas reações de parte da população quando a violência a atinge muito 
de perto, como se estivéssemos todos embriagados ou num estado de sonambulismo. 
 Trata-se de uma sociedade cuja destrutividade é grande e quem nos indica um 
caminho em meio a esse caos, é Freud, que apesar de seu pessimismo, enxerga uma 
possibilidade para a civilização pelo reforço dos laços sociais, ele nos diz: “tudo o que 
estimula o crescimento da civilização, trabalha simultaneamente contra a guerra.”(1932, 
p.197), e contra a destrutividade e a banalização do mal em que vivemos. 
 Quais são as atividades que estimulariam o crescimento da civilização? O trabalho 
poderia ser fortalecedor dos laços sociais? 
Atividades da cultura como o desenvolvimento do conhecimento, da ciência, das 
artes, o desenvolvimento social, educacional de um povo poderiam ser fatores promotores 
de elos construtivos entre os homens. Todas essas atividades são decorrentes do trabalho 
humano. 
O trabalho, segundo Marx
1
, é uma atividade peculiar à espécie humana, constituída 
por um processo psíquico (antecipação mental do produto final que só o homem é capaz de 
fazer). A essência do trabalho está no que se produz e na forma pela qual se produz; forma 
determinante da alienação ou da transformação do sujeito, partindo de um campo 
 
1
 Discussão feita por Ferraz, F. C. em artigo intitulado: O Mal-estar no trabalho. 
 8 
predominantemente econômico, Marx acabou por tirar conclusões sobre a subjetividade, ao 
ligar trabalho e desenvolvimento humano. 
 Para a psicanálise, a sociedade exige que o homem renuncie à satisfação imediata de 
seus desejos; que renuncie às suas pulsões; que redirecione sua agressividade em nome da 
sua sobrevivência e da sociedade. A libido é deslocada, quanto à sua finalidade, pela 
sublimação, mecanismo que só é possível se a pessoa encontrar satisfações nessa atividade 
substitutiva. Neste ponto, temos que refletir sobre o trabalho e as possibilidades de 
satisfação pessoal por meio dele. Freud afirmou: 
 
“Nenhuma outra técnica para a conduta da vida prende o indivíduo tão firmemente à 
realidade quanto à ênfase concedida ao trabalho, pois este, pelo menos, fornece-lhe um 
lugar seguro numa parte da realidade, na comunidade humana. A possibilidade que essa 
técnica oferece de deslocar uma grande quantidade de componentes libidinais, sejam eles 
narcísicos, agressivos ou mesmo eróticos, para o trabalho profissional, e para os 
relacionamentos humanos a ele vinculados empresta-lhe um valor que de forma alguma 
está em segundo plano quanto ao de que goza como algo indispensável à preservação e 
justificação da existência em sociedade ... No entanto, como caminho para a felicidade, o 
trabalho não é altamente prezado pelos homens.”(1930, p.21) 
 
Freud nos traz a dimensão pulsional que o trabalho envolve. Não deixa de 
demonstrar seu pesar com relação à pouca utilização desse caminho pelos homens e nos faz 
pensar que o trabalho pode ser um convite para redirecionar a destrutividade e a agressão do 
homem. Resta pensarmos porque a sublimação é um caminho pouco utilizado, pouco 
valorizado, parece que o homem contemporâneo encontra poucas situações de trabalho que 
 9 
permitam sua realização pessoal e, portanto, a sublimação. As poucas chances de trabalhar 
em algo que dê satisfação pode gerar ainda mais prejuízos ao homem e à sociedade. 
 Dejours explicita paradoxos no trabalho, pois ele não precisa ser máquina para 
produzir o mal e a injustiça, pode ser também mediador insubstituível da reapropriação e da 
realização do ego. Há uma dimensão simbólica do trabalho, uma busca de sentido, de 
reconhecimento do trabalho, o que possibilitaria transformar o sofrimento em prazer, em 
realização do ego no social. Há um processo de mediação do ego através do trabalho e, 
portanto de emancipação do homem, mas para isso o trabalho deveria deixar de ser uma 
obrigação enfadonha e se tornar um campo de desenvolvimento de capacidades humanas
2
. 
O trabalho propicia uma série de vivências subjetivas, de sofrimento e de prazer, 
que podem desencadear posições diferenciadas frente ao mundo do trabalho e ao mundo 
fora do trabalho, porque há uma extensão entre esses mundos. O trabalho pode desencadear 
processos de consciência, de posicionamento ético e/ou de redução do trabalho a mera 
atividade, dever cumprido, atividade alienante. É paradoxal, pois se o trabalho é uma 
ferramenta para o consentimento com a banalização do mal, também pode ser uma 
ferramenta de transformação social. 
A banalização do mal e da violência cria uma barreira que impede que acreditemos 
nos laços sociais, nas atividades humanas construtivas, no trabalho como atividade criativa 
e transformadora da subjetividade e da sociedade. Elo fundamental entre o particular e o 
coletivo. 
 
2
 Ver Castoriadis, C. A ascensão da insignificância. 
 10 
Sendo o trabalho também potencializador de transformações sociais e subjetivas, 
será que podemos acreditar numa ação transformadora quando o trabalho é dado como 
pena? 
As penas alternativas à prisão vêm sendo defendidas nos diversos setores da 
sociedade, pelo Estado, pelos defensores dos direitos humanos, pelos sociólogos e 
penalistas mais modernos. A Organização das Nações Unidas determina que a prisão deve 
ser a última alternativa de tratamento ao delinqüente, a fim de respeitar os direitos 
humanos, a justiça social e a reinserção do delinqüente. A participação da sociedade na 
reintegração do condenado deve ser incentivada. Entre as penas alternativas, encontramos 
a prestação de serviços à comunidade
3
, no código penal desde 1984, pena a ser cumprida 
em liberdade, através de serviços gratuitos para a comunidade, durante o tempo de pena 
que lhe for determinado. 
Uma reflexão sobre o trabalho precisa ser feita, já que a PSC é uma pena cujo eixo 
central é o trabalho voltado à comunidade, trabalho sem ganhos, trabalho doado a uma 
instituição pública, ao bem estar social
4
. 
O trabalho como pena não é novidade na história penal. O trabalho forçado já 
existia no sistema penal desde a Antiguidade. Sabemos que, no Egito, havia trabalhos 
forçados nas minas. Em Roma, os trabalhos forçados foram introduzidos por Tibério (23d.C.); durante a execução do trabalho, o condenado pertencia ao Estado e eram chamados 
escravos da pena. Essa penalidade tinha três formas: nas minas, como forma mais grave de 
penalização, com constantes castigos corporais; trabalhos forçados perpétuos, pena mais 
 
3
 usaremos as iniciais PSC tanto para a pena como para o prestador de serviços à comunidade. 
4
 Sobre o assunto ver dissertação de mestrado – Penas alternativas à prisão: um estudo sobre os efeitos da 
prestação de serviços à comunidade. 
 11 
leve que o trabalho nas minas, sendo que, após dez anos, se o condenado não estivesse bom 
para o trabalho podia ser devolvido para a família e os trabalhos forçados por tempo 
determinado, com pavimentação de vias públicas, limpeza de cloacas, trabalhos em valetas 
para os homens; as mulheres trabalhavam em teares imperiais. 
As galés foram utilizadas como forma particular de trabalhos forçados, do século 
XVI até o século XVIII. Em 1830, D. Pedro I sancionou o Código Criminal do Império do 
Brasil que, embora com alguns avanços, ainda previa a pena de trabalho forçado nas galés, 
muito utilizada na época. No Brasil, o trabalho forçado foi abolido em 1890. 
Alguns estudiosos relacionam o trabalho forçado ao trabalho na PSC, outros 
defendem que é uma sanção que surgiu da idéia de que o encarceramento deveria ser 
evitado, sendo, portanto, uma idéia do Direito Penal Moderno. A principal diferença entre a 
PSC e os trabalhos forçados parece estar ligada ao fato de que o trabalho forçado vinha 
acompanhado da restrição de liberdade e a PSC é uma pena restritiva de direitos, onde a 
liberdade é preservada. 
Podemos considerar que embora o trabalho na PSC não seja trabalho forçado, 
também não é trabalho espontâneo, visto que é decorrente de uma condenação, mas em 
última instância é a pessoa que decide se vai cumprir ou não a PSC, é verdade que existe 
um controle sobre o cumprimento da pena e que o condenado terá problemas judiciais se 
não cumpri-la, mas este controle é mediado pelo sujeito, possibilitando diversas formas de 
lidar com a pena e com trabalho. 
Na legislação de alguns países, está prevista, inclusive, a concordância do 
condenado como condição para a aplicação desse tipo de pena. No nosso país, a PSC está 
vinculada a instituições que beneficiem a comunidade (como hospitais, parques, clubes, 
 12 
escolas) e as características do trabalho devem estar próximas da atividade profissional ou 
voltadas para alguma habilidade do condenado. Acredito que estes são fatores importantes 
para a relação que o prestador de serviços à comunidade vai estabelecer com o trabalho a 
ser realizado. 
 Retomando a discussão de banalidade do mal e da violência feita no inicio deste 
texto e também a discussão sobre o papel do trabalho na banalização do mal, podemos 
perceber que a PSC exige bastante reflexão, toca em feridas da nossa sociedade, tanto por 
parte da transgressão, do crime como do trabalho como agente disciplinador e alienante. 
 O crime é uma ruptura do tecido social, nos remete à relação do homem com a 
cultura, Freud nos ensina que essa relação é permeada por sofrimentos decorrentes da 
renúncia pulsional. Hélio Pellegrino (1983) nos ajuda a entender os efeitos da violência 
social na subjetividade dos que vivem à margem de um sistema desigual e injusto. Nas 
palavras de Pellegrino: civilizar é, portanto – e por um lado -, reprimir e suprimir. No 
entanto, a renúncia existe em nome de alguma coisa que a pessoa vai ganhar. O pacto 
edípico é uma aliança, ganha a criança e ganha a sociedade. Como diz Pellegrino é uma via 
de mão dupla, a criança recebe uma ordenação simbólica que lhe dá ferramentas para 
constituir-se sujeito e respeita as regras e interditos sociais, contribuindo para a manutenção 
da cultura a que pertence. Quando a criança cresce, soma-se ao pacto edípico o pacto social 
e este vai ser estruturado pelo trabalho; através dele se dá o intercâmbio social. O princípio 
de realidade é vivido no trabalho; ele nos insere nas redes sociais e na ordem simbólica. No 
trabalho, abrimos mão de nossas satisfações pulsionais, assumimos o pertencimento à 
cultura e nos ordenamos num pacto social. 
 13 
 Ambos os pactos estão articulados; o pacto edípico sustenta o pacto social e este, 
por sua vez, confirma o primeiro. Eles se constituem de mão dupla, o pacto social se 
sustenta através de direitos e deveres. A sociedade se mantém através do respeito a esses 
pactos, edípico e social. Se o pacto social só atingir o âmbito dos deveres das pessoas e dos 
trabalhadores, podemos ter problemas sociais graves e até a ruptura do pacto social, por 
aquele que for por ele aviltado. Na ruptura, o trabalhador pode tornar-se um revolucionário, 
lutando pelos direitos dos seus, preservando a aliança com o simbólico; mas essa é uma 
saída pouco comum. A saída mais freqüente atinge o tecido social: 
 
“Se o pacto social é iníquo, e avilta o trabalho, ele vai aviltar e tornar iníqua a renúncia 
pulsional por ele próprio exigida. O amor ao trabalho só é possível na medida em que os 
direitos do trabalhador sejam minimamente respeitados. Se isso não ocorre, há uma 
ruptura do pacto social. O trabalho torna-se sem sentido, aviltante e humilhante (...) 
Rompo, aí, com a sociedade, e esta ruptura terá, inevitavelmente, profundas repercussões 
intrapsíquicas, que irão sacudir, sob a forma de um abalo sísmico, os fundamentos do 
pacto primordial com o Pai Simbólico – e com a Lei da Cultura.” (Pellegrino,1983) 
 
A sociedade desrespeita o pacto social, não dá ao sujeito aquilo que teria por direito. 
A ruptura pode ocorrer e pode provocar emergências de impulsos delinquenciais, 
predatórios, parricidas, homicidas e incestuosos. Assistimos a uma verdadeira volta do 
recalcado. Tudo aquilo que ficou reprimido – ou suprimido – em nome do pacto com o pai 
vem à tona, sob forma de conduta delinqüente social. Pellegrino contribui para nossa 
discussão sobre a banalização do mal: 
“O surto de delinqüência que, no momento, cresce nas grandes cidades, de maneira 
assustadora, é uma resposta perversa à delinqüência mais do que perversa – porque 
 14 
institucionalizada – do capitalismo selvagem brasileiro. A criminalidade do povo pobre é – 
pelo menos – uma resposta desesperada, e se faz fora da lei – contra a lei. Pior que ela é a 
delinqüência institucionalizada dos ricos, dos banqueiros, dos que lucram 500 por cento 
ao ano, dos que locupletam com a especulação desenfreada, dos que entregam a soberania 
nacional à voracidade da finança internacional”. (Pellegrino,1983) 
 
 Trabalhar é inserir-se no tecido social, por imediação de uma práxis, aceitando a 
ordem simbólica que o constitui, é disciplinar-se, é abrir mão da onipotência e da 
arrogância primitiva, é poder assumir os valores da cultura com a qual, pelo trabalho, nos 
articulamos e nos ordenamos simbolicamente. Podemos perceber uma fragilidade simbólica 
na banalidade do mal quando Hannah Arendt faz referência à ausência da Lei e ao 
imperativo de uma lei momentânea. Podemos ver isso ocorrer em diversos setores da nossa 
sociedade por exemplo, no tão conhecido “jeitinho brasileiro”. 
 Também tenho observado fragilidade na instância simbólica que o Estado deveria 
ocupar, já que há resistência por parte dos PSCs em compreender o Estado e seus orgãos, 
como instituições à serviço da comunidade, isso indica uma ruptura entre Estado e 
cidadãos, uma fragilidade no laço social, porque o Estado não está sendo visto e 
compreendido como organizador da sociedade e seus serviços não parecem ser úteis à 
comunidade. Muitos PSCs preferem atividades de contato direto com a população, pois 
assim entendem queestão cumprindo a prestação de serviços à comunidade. 
 Acredito que devemos tentar evitar a ascensão dessa banalização do mal, e para isso 
devemos compreender os mecanismos sociais presentes nas diversas formas de exclusão. 
Ao mantermos um sistema penal que opta pela utilização da pena de prisão como pena 
principal, estamos diante de uma engrenagem que nos remete à engrenagem nazista, porque 
 15 
é perversa; assim como é perverso, um sistema que aplica uma pena com poucas 
possibilidades de sucesso, com fracasso conhecido desde o nascimento da prisão como 
pena. Aprisionar para ressocializar, segregando, dando poucas condições para que os 
vínculos pessoais e afetivos continuem, não cuidando das condições de retorno à sociedade, 
sem preocupações com o desenvolvimento pessoal, e tudo isso em nome da reabilitação 
social. É a resposta de uma sociedade que segrega e rejeita aqueles que não conseguiram 
adaptar-se ao contrato social, sem refletir sobre os motivos disso. 
Aprisionar significa, em nome da Lei, retirar os transgressores do convívio social, 
para coloca-los sob a égide de uma lei do mais forte, num lugar onde predomina a 
corrupção e uma série de transgressões, cuja sobrevivência será garantida não pelos 
representantes da Lei, mas pelos que detêm poder e fazem a lei daquele lugar; no mínimo é 
pactuar com uma máquina bastante perversa. E a nossa boa sociedade continua pedindo 
justiça e segurança pública através das prisões. Nos últimos quatro anos presenciamos a 
inauguração de muitos presídios, muitos outros estão sendo construídos e em nada mudam 
a qualidade do tratamento ou de respeito aos direitos dos presos, parece que a fila de espera 
é muito maior e não para de crescer alimentada pelos mecanismos de exclusão que 
conhecemos. 
 Acho relevante considerar o trabalho como parte importante da vida de uma pessoa, 
como uma atividade que traz conseqüências subjetivas. Acredito que para o PSC faz 
diferença ser visto não só como alguém que cometeu um delito (facilmente rotulado pelo 
artigo do delito que cometeu, ex: 171, 155), mas também poder ser reconhecido como um 
prestador de serviços, como alguém capaz de contribuir com o seu trabalho para uma 
instituição pública e portanto, para a comunidade local. Enfim, esse tipo de pena pode 
 16 
fortalecer laços dentro da Lei, desencadeados pelo trabalho e isso parece ser significativo 
para romper o pacto com a banalização do mal. 
 
Bibliografia 
ARENDT, H. Eichmann em Jerusalém. São Paulo: Companhia das Letras, 1999. 
CASTORIADIS, C. A ascensão da insignificância. Lisboa: Ed. Bizâncio, 1998. 
DEJOURS, C. A loucura do Trabalho. São Paulo: Ed Cortez, 1987. 
DEJOURS, C. A banalização da injustiça social. São Paulo: Ed FGV, 3
a
 edição, 2000. 
FERRAZ, Flavio Carvalho. O Mal-estar no trabalho. Revista Pulsional de Psicanálise.São 
Paulo, n.100. p. 72-80, 1997. 
FREUD, S. O mal estar na civilização (1930). Rio de Janeiro: Imago, Ed. Stand. Brasileira, 
2
a
 ed, 1994, vol IX, p.21. 
FREUD, S. (1932). Por que a guerra? Rio de Janeiro: Imago, Ed. Stand. Brasileira, 2
a
 ed, 
1994, vol XXII, p.197. 
PELLEGRINO, H. Pacto Edípico e pacto social: da gramática do desejo à sem vergonhice 
brasílica, Folha de SP, folhetim, setembro de1983. 
SEQUEIRA, V. C. Penas alternativas à prisão: um estudo sobre os efeitos da prestação de 
serviços à comunidade. 2000. 162 p. Dissertação (Mestrado em Psicologia Social). 
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

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