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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CJP) (Câmara Brasileira do I ivrn. SP, llrasil) Kleiman. Angela Glicina de Leitura : Teoiui e Prática. Angela Kleiman 91 Feição, Campinas, SP: Pontes. 2002 Bibliografia ISUN 85 7113-077-9 1. Leitura 1. Titulo 93-0472 CDD-302 2244 índice para catálogo sistemático: I Leitura ; Comunicação 302.2244 Angela Kleiman icina leiturh teoria 9 a E D I Ç Ã O Pontes 2002 Copyright © 1992 Angela Kleiman Coordenação editorial: Ernesto Guimarães Capa: Cláudio Roberto Martini Preparação de Originais: Vânia Aparecida da Silva Revisão Maria F.lisa Mcirclles PONTOS EDITORES Rua Maria Monteiro, 1635 13025-152 Campinas SP Brasil Fone (019) 3252.6011 Fax (019) 3253.0769 Li-inail: ponteseditor@lexxa.com.br www.pontesedilores.com.br 2002 Impresso no Brasil ÍNDICF. Apresentação 7 Capítulo 1 — Leitura e Aprendizagem 1.1 Um Binômio Fantástico? 9 1.2 Plano do Livro 12 Resumo 14 Notas Bibliográficas 14 Capítulo 2 — A Concepção Escolar da Leitura 2.1 Por Que Meu Aluno Não Lc? 15 2.2 Exame De Uma Prática 17 2.3 Uma Concepção Alternativa: Um Exemplo 27 Resumo 29 Notas Bibliográficas 30 Capítulo 3 — Como Lemos: Uma Concepção Não Escolar Do Processo 3.1 O Processamento Cognitivo 31 3.2 Dificuldades no Processamento: Diferenças Entre a Forma Escrita e a Falada 37 3.3 Tornando o Processo Mais Complexo: A Leitura do Livro Didático 39 Resumo 46 Notas Bibliográficas 46 Capítulo 4 — O Ensino da 1 .eitura: A Relação Entre Modelo e Aprendizagem 4.1 Estratégias de Leitura 49 4.2 Modelando Estratégias Metacognitivas 51 Resumo 61 Notas Bibliográficas 61 Apêndice 62 Capítulo 5 A Interface de Estratégias e Habilidades 5.1 A Aprendizagem Mediante o Ensino de I labilidades: Uma Proposta 65 5.2 O Vocabulário NoTcxto:Duas Abordagens de Ensino 67 5.3 Análise do Conlexio 75 Resumo HO Notas Bibliográficas 80 Capítulo 6 — A Construção do Sentido do Texto 6.1 Habilidades Linguísticas e Compreensão Global 83 6.2 Construção de Estrutura 84 6.3 Interação: Atribuição de Intencionalidade 92 Resumo 1 Notas Bibliográficas 100 Apêndice 102 6 APRESENTAÇÃO No decorrer dos últimos anos, tive a oportunidade de oferecer diversos cursos de leitura em língua materna para professores que. embora preocupa- dos porque seus alunos não gostam de ler, nào sabem como promover condi- ções em sala de aula para o desenvolvimento do leitor. Isso porque nunca ti- veram uma aula teórica sobre a natureza da leitura, o que ela é, que tipo de en- gajamento intelectual é necessário, em quais pressupostos de cunho social ela se assenta. As concepções do professor sobre essa atividade são apenas empíricas, e suas práticas de ensino estão baseadas em dicas e programas de outros professores, utilizados porque são os únicos enfoques disponíveis, não porque cies representem uma história de sucesso. O ensino de leitura c fundamental para dar solução a problemas rela- cionados ao pouco aproveitamento escolar: ao fracasso na formação de leito- res podemos atribuir o fracasso geral do aluno no primeiro e segundo graus. Alarmam-se os professores de Ciências. História e Geografia pelo falo de seus alunos não lerem, e, no entanto, nada fazem para remediar essa situa ção. A palavra escrita é patrimônio da cultura letrada, e todo professor é, em princípio, representante dessa cultura. Dai que permanecer á espera do cole- ga de Português resolver o problema, além de agravar a situação, consiste nu- ma declaração de sua incompetência quanto à função de garantir a participa- ção plena de seus alunos na sociedade letrada. Assim, este livro não está dirigido apenas a professores de Português, embora alguns dos capítulos apresentem análises textuais que se sustentam em análises lingüísticas. Nessas análises, enfatiza-se a função referencial da linguagem, isto é, a carga informacional do texto. A função estética, que tem a ver com a forma como o texto está construído, é sobretudo destacada na sua relação com a veiculação dos temas e com a marcação de pontos de vista e in- tencionalidade. No resto do livro, são focalizadas as estratégias do leitor que poderão ser as mesmas na leitura de textos diferentes, pois o leitor as muda segundo seus objetivos e necessidades, não segundo a matéria que ele estiver lendo. Cremos que essas estratégias devem ser conhecidas por todo profissional do ensino: assim, quando o professor de Geografia solicitar do aluno a leitura de 7 um texto de apoio, ele poderá reforçar o trabalho do professor de Português. Para isso, aquele também precisa saber sobre a leitura. Dessas oficinas de leitura, nos últimos dois anos, surgiu a ideia de jun- tar as diversas atividades ali desenvolvidas num volume só, que permitisse o acesso dos diversos participantes aos diversos aspectos tratados nesses cur- sos e aos materiais neles usados, Este livro é o resultado dessa iniciativa. Nessas oficinas, houve, muitas vezes, interação: conseguimos transpor as barreiras da formação diferente, das perspectivas diferenciadas quanto à natureza do objeto, atingindo, então, a aprendizagem c o ensino mútuos. Por isso, são muitas as vozes de professores que estão inscritas nas páginas deste volume. A todos eles, agradeço. Ouvi muitas c excelentes propostas de atividades, relatadas por profes- sores participantes dessas oficinas, outras foram diretamente presenciadas por mim. Algumas dessas experiências serão recontadas neste livro e por elas agradeço à professora F.liana Gagliardi e seus colaboradores da Escola Cara- vela de São Paulo, às professoras Sheila V. de Camargo Grilho e Maria An- gélica Laurctti, do grupo de estudos da Prefeitura de Campinas e às professo- ras Fátima Regina C. L. Beraldo e Traudi H. Bonato, de meu grupo de profes- sores pesquisadores de Paulínia. Outras vezes, a discussão que surgia na oficina sugeria a exploração de novos aspectos; por essas enriquecedoras discussões, agradeço aos professo- res do curso organizado pelas Escolas de Grupo de São Paulo, aos participan tes do curso organizado pelo 1GCongresso Brasileiro para Ação Pedagógica, às professoras e coordenadoras da Escola e do Centro de Pesquisa e Forma- ção de Educadores Balão Vermelho de Belo Horizonte, aos professores do grupo de estudos da Prefeitura de Campinas e seu coordenador. Percival Le- me Britto; aos professores do curso organizado pelo 79 Congresso de 1 .eitura do Brasil, COLE. aos meus alunos de pós-graduação. O conteúdo deste livro, é claro, reflete não apenas aquelas experiências como também a influência de uma longa c continuada convivência académi- ca com duas colegas, alunas e amigas que muito contribuíram com suas innii- ções, experiências e conhecimento. A Sylvia H. Terzi e Ivani Ratto meus agradecimentos pela critica generosa c construtiva. Outros nomes que gostaria de registrar aqui. pelos valiosos comentá- rios e sugestões, são os de Marilda Cavalcanti e Inês Signorini. A esta última também por seu papel, junto com Ivani Ratto c Maria Célia C. Lopes, de lei- tores críticos das primeiras versões deste volume. As possíveis falhas que permanecem são da minha inteira responsabilidade. Campinas. 30 de julho de 1992. Angela B. Kleiman 8 CAPÍTULO 1 LEITURA E APRENDIZAGEM Educador—educando e educando— educador, no processo educativo l ibertador, são ambos sujeitos cognoscen/es diante de objetos cognoscíveis, que os mediatizam. Paulo Freire 1.1 UM BINÓMIO FANTÁSTICO? Gianni Rodani nos diz, em seu livro Gramática da fantasia, que no bi nômio fantástico as palavras não estão presas ao seu significado cotidiano, mas libertas da cadeia verbal da qual fazem pane cotidianamente. Este volu- me tem por objetivo desambieniar sistematicamente as palavrasleitura e aprendizagem, que passaram a representar o que de pior tern o ensino de lín gua materna na escola, violentando tanto o sentido de ensino e aprendizagem como o de leitura. Vamos pensar numa nova articulação das duas (a leitura na aprendizagem, a aprendizagem da leitura, a aprendizagem sobre a leitura) e reconstruir seus sentidos no processo. Este livro reúne sugestões de atividades para o ensino e aprendizagem de leitura no primeiro grau. As atividades a serem apresentados já foram ob- jeto de discusão com professores em diversas oficinas de leitura oferecidas durante os anos 1990, 1991 e 1992. No livro se inscrevem, portanto, as diver- sas vo/es daqueles participantes, que questionaram c debateram as sugestões aqui contidas, ajudando a torná-las mais claras. Este texto discute atividades que pressupõem uma criança já alfabeti- zada. Para orientar o processo de desenvolvimento de estratégias de leitura eficientes dessa criança, o professor precisa definir tarefas cada vez mais complexas, porém passíveis de resolução desde que ela tenha a orientação de uin adulto ou de colega mais proficiente. Aos poucos, o professor vai retiran- do os suportes, e a criança redefine as tarefas para si própria, constituindo-se ai a aprendizagem de estratégias de leitura. A compreensão, nessas etapas iniciais, não se dá necessariamente du- rante o ato de ler da criança, mas durante a realização da tarefa, na interação corn o professor, ao propor este atividades que criam condições para o leitor em formação retomar o texto e, na retomada, compreendê-lo. Mediante esse processso de postulação de tarefas progressivamente mais complexas e independentes que cumulativamente contribuam para um objetivo pedagógico relevante para professor e aluno, a criança estará se formando como leitor, isto é. estará construindo seu próprio saber sobre texto e leitura. 9 Na descrição acima está, suscintamente. a orientação pedagógica das oficinas e deste volume: acreditamos, como Vygotsky c pedagogos neovy- gotskianos, que a aprendizagem é construída na interação de sujeitos coope- rativos que têm objetivos comuns. Como, no caso. trata-se de aprender a ler 110 sentido cabal da palavra (em que ler não é o equivalente a decifrar ou de- codificar), a aprendizagem que se dará nessa interação consiste na leitura com compreensão. Isto implica que é na interação, isto é, na prática comuni- cativa em pequenos grupos, com o professor ou com seus pares, que é criado o contexto para que aquela criança que não entendeu o texto c entenda. Uma vez que não encontraremos homogeneidade nessa interação devi- do aos diversos estágios de desenvolvimento dos alunos na sala de aula, inte- ressa primordialmente ao professor determinar qual é o potencial de aprendi- zagem de uma criança, dado o desenvolvimento que ela já tem. A fim de que a criança possa aprender, adulto e criança, conjuntamente, deverão construir um contexto de aprendizagem mediante a interação, cabendo ao adulto defi- nir tarefas exeqüíveis, plausíveis, e significativas, segundo objetivos pré-de- finidos cm comum acordo. Ou seja. para construir um contexto de aprendiza- gem mediante a interação, o aluno deve conhecer a natureza da tarefa e deve estar plenamente convencido de sua importância c relevância. Quanto à concepção de leitura pressuposta neste livro, consideramos esta uma prática social que remete a outros textos e outras leituras. Cm outras palavras, ao lermos um texto, qualquer texto, colocamos em ação todo o nos- so sistema de valores, crenças e atitudes que refletem o grupo social em que se deu nossa sociabilização primária, isto é. o grupo social cm que fomos criados. Como se reflete, na leitura, esse sistema de valores? Até que ponto ele interfere na aprendizagem? Numa tentativa de responder essa pergunta, to memos. por exemplo, um caso concreto de leitura de uma bula, observado numa aula de alfabetização de adultos. Como o exemplo a seguir mostrará, a bula, que é um texto que poderíamos considerar "apenas" informativo, e cu- ja leitura instrumental ou funcional figura nos programas de alfabetização de adultos por ser leitura indispensável a todo grupo social, está longe de repre- sentar "apenas" uma fonte de informações necessárias para o leitor. Isto por- que a bula é um texto de divulgação de informação científica sobre o trata- mento de uma doença que pressupõe, primeiro, que o leitor está inserido na cultura letrada que acredita na ciência como fonte de conhecimento e no tex- to escrito como forma de alcançar esse conhecimento, e, segundo, que ele acredita que a doença é objeto de análise e o tratamento dela. conseqüência da aplicação dos resultados e descobertas dessa análise. Na aula observada do curso supletivo de alfabetização para adultos, a professora selecionara para leitura um texto que descrevia a utilidade de uma bula, bem como uma bula propriamente dita para exemplificar. Para a professora, a descrição das precauções representava um conjunto de infor- mações da natureza vital, pois corria-se o risco, segundo cia, de "o doente piorar ou até morrer se o medicamento estivesse vencido, se a dosagem cer- ta não fosse respeitada, se atenção não fosse prestada aos possíveis efeitos colaterais". A professora estava fazendo a leitura prevista pelo autor do tex- 10 lo sobre a bula. que supõe, para tomar o lexto inteligível, uma série de acor- dos s u b e n t e n d i d o s quanto ao tipo de audiência a quem está dirigindo. O es- critor da bula pressupõe um leitor que vai ao médico, compra remédios na farmácia e aceita o saber médico como um saber autorizado para a cura de doenças. Durante a aula transpareceu, entretanto, que os alunos tinham mais fé nos benzedores e nos remédios tradicionais do que na farmacêutica, que tinham profunda desconfiança na classe medica e que consideravam a doen- ça como uma fatalidade e. portanto, não sujeita à análise e ao conhecimento. A série de acordos subentendidos que deve ser negociada entre o autor e o leitor previsto na leitura de urna bula sequer foram cogitados, uma vez que a atividade esbarrou no problema de valores sociais anterior. Por exemplo, existem acordos implícitos quanto às condições de leitura, pois a leitura da bula ocorre após a compra do remédio, que, no contexto brasileiro, prescinde de receita médica, apesar de a própria bula recomendar a "venda sob prescri- ção médica". A recomendação é inoportuna, tardia, equivalente a ter que pu- lar na água do lago para poder ler o letreiro que adverte ser perigoso pular. Em segundo lugar, existem subentendidos quanto à estrutura c forma do texto, como aquele que para poder ler uma bula é preciso ser um bom leitor e até possuir conhecimentos rudimentares de medicina ou ciência, pois as pre- cauções são escritas com o uso de um léxico muito formal e construções intrin- cadas, diferentes das precauções do cotidiano, como em: Atenção: este produ- to é uni novo medicamento e embora as pesquisas realizadas tenham indica- do eficácia e segurança quando corretamente indicado, podem ocorrer rea- ções adversas imprevisíveis ainda não descritas ou conhecidas. Fm caso de suspeita de reação adversa o médico responsável deve ser notificado. No entanto, esses subentendidos decorrem de urna premissa básica an- terior de que o uso de remédios farmacêuticos é um aspecto necessário, con- veniente e aconselhável para o tratamento da doença. Tal como indicamos anteriormente, o acordo em relação a essa premissa fora pressuposto pela professora, que pertencia a uma classe social que vai ao médico, compra re- médios na farmácia e segue as instruções para tomá-los. Entretanto, os alu- nos, que não foram sociabilizados nesse tipo de classe social, não partilha- vam dessa crença, e a aula foi marcada por desentendimento e resistência. Quase no fim da aula. um jovem adolescente, catadorde laranjas, tornou-se porta-voz de vários outros alunos, e explicitou sua oposição à premissa, de- fendendo remédios naturais e chamando os médicos de exploradores dos po- bres: vários alunos se uniram a ele. contando casos de sucesso de remédios al- ternativos c de cura mediante benzedores. indicando com isso sua descrença absoluta na farmacêutica e na medicina. Sem a explicitação c a discussão dessa premissa anterior, a série de ajustes que o leitor tem que fazer para "entender" a bula é impossível; o diá- logo em busca de soluções comuns a problemas relevantes para o aluno fica prejudicado se o aluno não considerar a leitura desse tipo de texto relevante. Qualquer que fosse o objetivo da aula em relação à leitura, dificilmente teria sido atingido, uma vez que os aspectos sociais implícitos na leitura do texto não foram discutidos abertamente com o aluno. Os aspectos sociais e culturais da leitura serão explicitados no decorrer do livro, quando pertinentes à análise em curso. O objeto propriamente dito deste volume é a leitura enquanto atividade intelectual. Focalizamos neste trabalho a leitura como processo psicológico em que o leitor utiliza diversas estratégias baseadas no seu conhecimento lin- güístico, sociocultural, enciclopédico. Tal utilização requer a mobilização e a interação de diversos níveis de conhecimento, o que exige operações cog nitivas de ordem superior, inacessíveis à observação e demonstração, como a inferência, a evocação, a analogia, a síntese e a análise que. conjuntamente, abrangem o que antigamente era conhecido como faculdades, necessárias para levar a termo a leitura: a faculdade da linguagem, da compreensão, da memória. Nessa dimensão, justifica-se a observação de psicólogos educacio- nais como Carroll. que dizem que a leitura constitui o processo cognitivo por excelência. O tratamento dado ao assunto neste volume pressupõe um professor que lê, mas não um especialista cm leitura. Acreditando que o objetivo do aluno e do professor seja a formação de um leitor, os exemplos, análises e ativ idades aqui propostas (que NÃO cons- tituem um livro didático) visam ao desenvolvimento de estratégias de leitura eficientes, que permitam ao aprendiz a compreensão da palavra escrita, a fim de funcionar plenamente na sociedade que impõe a cada dia mais exigências de letramento. isto é. de contato c familiaridade com a escrita para a sobrevi- vência. 1.2 PLANO DO LIVRO Este livro consta de seis capítulos, que incluem, quase na sua totalida- de, as atividades desenvolvidas nas oficinas de leitura já mencionadas. Os termos técnicos que são introduzidos no capítulo, cm MAIÚSCULAS, são imediatamente seguidos de uma definição ou explicados no texto. Encontra- se, no final de cada capítulo, um pequeno resumo do mesmo, que também po- de ser lido antes da leitura do capítulo como orientação prévia. Em seguida, encontram-se as notas bibliográficas do capítulo, que além de fornecerem as fontes orientam o leitor quanto à procedência dos conceitos c modelos subja- centes à discussão. No Capítulo 2. A CONCEPÇÃO ESCOLAR DE LEITURA, começa- remos a discussão sobre o ensino da leitura através de um olhar crítico sobre as atividades mais comumente associadas à leitura nas primeiras séries, vi- sando a uma análise da adequação e eficiência das ditas atividades para a for- mação de novos leitores. A fonte de sustentação dessa crítica ficará clara no Capítulo 3, COMO LEMOS: UMA CONCEPÇÃO NÃO ESCOLAR DO PROCESSO, cm que apresentaremos uma breve fundamentação teórica so- bre as características da leitura enquanto atividade cognitiva. Essas caracte risticas são necessárias para compreender a relação entre teoria e prática a fim de, em primeiro lugar, entender e auto-avaliar a própria prática, e, em se- 12 gundo lugar, para partir à procura de novas e bem fundamentadas soluções quando estas resultam ser falhas. No entanto, elas não fazem parte da baga cem profissional do professor; daí a incoerência entre as práticas que critica- mos e a teoria cognitiva sobre leitura. Após uma introdução breve ao tema da nanireza estratégica da leitura no Capítulo 4 , 0 F.NSINO DA I .E1TURA: A RfcLAÇÀO ENTRE MODELO E APRENDIZAGEM, discutiremos, à lu/ de seus pressupostos teóricos, algu- mas práticas alternativas às práticas pedagógicas mais comuns cm sala de aula, já criticadas no Capítulo 2. Essas práticas alternativas visam ao ensino de estra- tégias e de habilidades lingüísticas. Cremos que essa abordagem, que é com- pletada mediante a discussão dchabilidade no Capítulo 5. A INTERFACE DE ESTRATÉGIAS F HABILIDADES, nos permitirá manter, sem deformações, a essência da leitura enquanto atividade individual, sibjetiva, que só se consti- tui enquanto leitura na ausência da mediação de "uma" leitura privilegiada, do professor ou de outro adulto. Finalmente, no Capítulo 6, A CONSTRUÇÃO DO SENTIDO NO TEXTO, voltamos nossa atenção para o ensino dos aspectos globais do tex- to, que dizem respeito à estrutura do mesmo enquanto unidade de sentido, bem como à intencionalidade do autor. Em nossa experiência, o professor faz um trabalho adequado em relação aos conteúdos do texto, justamente porque a sua formação privilegia a informação no texto, aquilo que é dito, porém poucas vezes abrindo espaços para trabalhar o não-dito, tudo o que implica a construção de uma unidade maior fundamentada no dito. A maior parte dos textos que servirão de exemplos foram extraídos de jornais e de revistas, isto é, textos não literários, expositivos e com ênfase na informaçáo. Isto não quer dizer que apenas a função referencial da 1 inguagem será explorada; como veremos, prestar atenção às opções estilísticas permite conscientizar o aluno sobre usos e abusos da linguagem enquanto fazer so- cial. Tal conscientização, pensamos, faz parte integral e constitutiva do ensi- no de língua materna. Também a nossa opção não significa, de maneira alguma, uma atitude reducionista que privilegia o instrumental na leitura. Apenas no sentido de instrumental para a leitura de textos diversificados, incluindo o texto acadê- mico. nossa proposta, de fato. tem características instrumentais, porque me- diante esse trabalho estaremos preparando a criança para a leitura dc textos de História. Ciências, Geografia, assegurando-lhe assim uma melhor chance de sucesso na escola e. por extensão, menor possibilidade de abandono pre- maturo da mesma. Por outro lado, e mais importante, o fato de usarmos apenas textos in- formativos nesta proposta não significa que estejamos advogando a redu- ção da leitura na aula de Português para apenas esse tipo de texto. Conside- ramos que o texto literário tern um papel tão ou mais importante do que ou- tros tipos na aula de Português. Apenas consideramos que o texto literário, por suas próprias características, é fugidio e não se presta para o tipo de tra- que propomos, que se baseia na recuperação das informações veicu- ladas no texto. 13 Não conseguimos imaginar, por exemplo, um trabalho de depreenssão do tema ou de recuperação de informações com urn conto que utilize a surpre- sa. o inesperado para nos encantar. Nem conseguimos imaginar como algum elemento de uma estória bem contada pxxieria nos causar dificuldades para processá-la. quando, de fato, o processamento ficará totalmente submerso por esse mesmo encantamento frente ao interesse intrínseco da estória. Por essas razões, porque é mais prosaico e ao mesmo tempo tão rele- vante quanto outros tipos, privilegiamos na nossa proposta para o ensino de leitura, o texto não literário. A releitura desse texto não nos fará ver. nas pa- lavras de Proust. "refletidos nas suas páginas as habitações e os lugares que não existem mais", mas dará uma chave de entrada para o aluno que, por des- conhecimento. não por opção, nunca os visitou. RESUMO Nesteprimeiro capítulo fornecemos os pressupostos gerais que orien- tam a discussão sobre leitura neste volume bem como a proposta de ativida- des. Apresentamos também a organização geral do livro, com um pequeno sumário de cada capítulo. NOTAS BIBLIOGRÁFICAS 1 . 0 leitor que quiser aprofundar questões a respeito da leitura enquanto prática social, poderá consultar Orlandi (1988). Gee ( 1990). 2. A aprendizagem mediante a interação é uma contribuição de Vygotxky (1978), am pliada pelos psicólogos e educadores conhecidos como neovygotskvianos, rais como Wertsch (1988). Cazden (1988). CAZDüN, C.B. Classrom discourse. The langua^eof teaching and learning. Portsmnurh. NH: Heinemann. 1988. GF.E, J. Social Linguistica and Literancs. Ideology in Discourses. London: The Falmei Press. 1990. ORLANDI. E. Discursoe Irilura. SP; Editora Cortez. 1988. RODARI. G. Gramática da fantasia. S.P.: Summus, I9H2. Trad. Antonio Negrini. PROUST, M. Sobre a leitura. Campinas: Pontes Editores, 1989. Trad. Carlos Vngt. VYGOTSKY. L.S. Mind in Socieiy. The Dcvclopmeni of Higher Psychologtcal Processes. Cambridge. Mass.: I larvard IJniversity Press. 1978. WRRTSCH. J.W. Vygulskyy la formación social de la mente. Barcelona: Paulos. 1988. 14 CAPÍTULO 2 A CONCEPÇÃO ESCOLAR DA LEITURA O poder da instrução é raras vezes eficaz exceto para aqueles felizardos para os quais ela é quase supérflua. Gibhons 2.1 POR QUE MEU ALUNO NÃO LÊ? "Os meus alunos não gostam de ler" e. sem dúvida, a queixa mais eo- mumente ouvida entre professores. E um dos primeiros comentários a serem feitos quando, ao terminar uma palestra sobre leitura, abre-se a sessão para perguntas ou esclarecimentos. Por que essa realidade? Essa é a questão a ser explorada neste capítulo, focalizando os aspectos relativos ao funcionamento de sala de aula que po- dem contribuir para o problema. Aspectos macroestruturais que também in- fluem no fracasso da escola quanto à formação de leitores não serão aqui dis- cutidos. Referimo-nos, por exemplo, ao lugar cada vez menor que a leitura tem no cotidiano do brasileiro, â probreza no seu ambiente de letramcnlo (o material escrito com o qual ele entra em contato, tanto dentro como fora da escola), ou ainda, à própria formação precária de um grande número de pro- fissionais da escrita que não são leitores, tendo, no entanto, que ensinar a ler e a gostar de ler. Para formar leitores, devemos ter paixão pela leitura. Concordamos com o autor francês Bellenger (um leitor apaixonado de um país de leitores apaixonados), que a leitura se baseia no desejo e no prazer: Em que se baseia a leitura? No desejo. Esta resposta é uma opção. E tanto o resultado de uma observação como de uma intuição vi- vida.Ler é identificar-se com o apaixonado ou com o místico. É ser um pouco clandestino, é abolir o mundo exterior, deportar-se pa- ra uma ficção, abrir o parêntese do imaginário. Ler é muitas vezes trancar-se (no sentido próprio éJigurado). É manter uma ligação através do tato, do olhar, até mesmo do ouvido (as palavras res- soam). As pessoas lêem com seus corpos. Lcré também sair trans- formado de uma experiência de vida. é esperai•<rtgtUffay*iisa. E um sinal de vida. um apelo, uma ocasião de ytfyv sâm àCe. que se vai amar. Pouco a pouco o desejo d/^parece sob oprôí$Ò (Lionel Bellenger. Os Métodos de leiiunfâ\l)h£ 'z 0 - 391 1--SSS % o : : • ' & & A atividade árida e tortuosa de decifração de palavras que é chamada de leitura em sala de aula. não tem nada a ver com a atividade prazerosa des- crita por Bellenger. E, de fato, não é leitura, por mais que esteja legitimada pela tradição escolar. Ninguém gosta de fazer aquilo que é difícil demais, nem aquilo do qual não consegue extrair o sentido. Essa é uma boa caracterização da tarefa de ler em sala de aula: para uma grande maioria dos alunos ela é difícil demais, jus- tamente porque ela não faz sentido. Devemos lembrar que, para a maioria, a leitura não é aquela atividade no aconchego do lar, no canto preferido, que nos permite nos isolarmos, so- nhar, esquecer, entrar em outros mundos, c que tem suas primeiras associa- ções nas estórias que a nossa mãe nos lia antes de dormir. Pelo contrário, para a maioria, as primeiras lembranças dessa atividade são a cópia maçante, até a mão doer, de palav ras da família do da. "Dói o dedo do Didu"; a procura can sativa, ate os olhos arderem, das palavras com o dígrafo que deverá ser subli- nhado naquele dia; a correria desesperada até o dono do bar que compra o jor- nal aos domingos, para a família achar as palavras com a letra J . letras, síla- bas, dígrafos, encontros consonantais, encontros vocálicos, "dificuldades" imaginadas e reais substituem o aconchego e o amor para essas crianças, en- travando assim o caminho até o prazer. Após esse primeiro c desapontador contato com a palavra escrita, a de- silusão continua, e o fracasso sc instala como uma constante na relação com o livro. Muitas das práticas do professor nesse período após a alfabetização sedimentam as imagens negativas sobre o livroc a leitura desse aluno, que lo- go passa a ser mais um não-leitor em formação. São algumas dessas práticas as que serão objeto de discussão neste capítulo. As práticas desmotivadoras, perversas até. pelas conseqüências nefas- tas que trazem, provem, basicamente, de concepções erradas sobre a nature- za do texto e da leitura, e, portanto, da linguagem. Elas são práticas susten- tadas por um entendimento limitado e incoerente do que seja ensinar portu- guês. entendimento este tradicionalmente legitimado tanto dentro como fo- ra da escola. E dessa legitimidade que se deriva um dos aspectos mais nefas- tos das práticas limitadoras que discutiremos: elas são perpetuadas não só dentro da escola, o que seria de se esperar, mas também funcionam como o mecanismo mais poderoso para a exclusão fora da escola. Os diversos con- cursos para cargos públicos e para vagas em colégios c universidades, sejam estes a nível federal, estadual ou municipal, ou do setor privado, exigem do candidato o conhecimento fragmentado e mecânico sobre a gramática da língua decorrente de uma abordagem de ensino que é ativamente contrária a uma abordagem global, significativa, baseada no uso da língua. E por isso que uma das primeiras barreiras que o professor tem que nego- ciar para poder ensinar a ler é a resistência do próprio aluno, ou dos pais do alu- no quando este é uma criança mais nova. Já ouvimos um aluno de terceiro cole- gial dizer "Eu não quero trabalhar textos, eu quero aprender português '. ex- pressando o mesmo pré-conceito de um adulto analfabeto em curso supletivo de alfabetização que nos disse: "Eu não quero trabalhar textos, eu quero aprender 16 a ler" Essas convicções estão baseadas numa concepção de saber lingüístico desvinculada do uso da linguagem: no primeiro caso, o aluno está reinvindican- do a regra gramatical tradicional, que não faz sentido, que deve ser memorizada só para a prova, mas que será a que determinará sua inclusão ou exclusão no ban- co na r e p a r t i ç ã o pública, na faculdade: no scgundocaso, o aluno reivindica a de ei fração e cópia de letras c sílabas, como um fim crn si, sem perceber que essas atividades são apenas prelúdio para a atividade de leitura, porque nunca nin- guém desvendou para ele o verdadeiro significado da atividade. É justamente essa resistência a que é usada pelo burocratatque pode ser o diretor da escola, outros professores), para efetivamente impedir uma prá- tica alternativa. E encontramos, na maioria dos casos e muito rapidamente o professor novo (recém-chegado ou rcccm-formado e com uma proposta re- novadora e inovadora) que desiste, em pane pelo fato de ele se encontrar den tro da estrutura de poder na escola, no degrau mais baixo, e também, pelo fa- to de sua proposta estar baseadaapenas numa convicção de necessidade de mudança, mas sem a formação necessária para essa mudança. Por isso. acre- ditamos na formação teórica do professor na área de leitura. 2.2 FXAMF. DE UMA PRÁTICA Antes de passarmos aos conteúdos de formação a serem apresentados nos próximos capítulos, vejamos, a seguir, algumas das práticas que a escola sustenta, legítima e perj>etua, e os conceitos de texto e de leitura cm que esta- riam fundamentadas. Concepções Sobre o Texto 1) ü texto como conjunto de elementos gramaticais Uma prática bastante comum no livro didático considera os aspectos estruturais do texto como entidades discretas que têm um significado e fun- ção independentes do contexto em que se inserem. Uma versão dessa prática, revelada na leitura gramatical, é aquela em que o professor utiliza o texto pa- ra desenvolver uma série de atividades gramaticais, analisando, para isso. a língua enquanto conjunto de classes e 1 unções gramaticais, frases e orações. Os livros didáticos estão cheios dc exemplos em que o texto é apenas pretex- to para o ensino de regras sintáticas, isto é, para procurar adjetivos, sujeitos ou frases exclamativas. E comum achar exemplos como o que se segue, reti- rado de um manual de 6a série em que. quando no texto de leitura consta (1) "A aflição era insuportável".' • • Neste e. outros exemplos retirados do livro didático não seiâo fornecidas as fonte*, uma vez que nosso objetivo não c denunciar esie ou aquele texto. Aliás, todos os textos que conhecemos apresentam os mesmos problemas. 17 o exercício gramatical do mesmo manual solicita dar o plural de "A aflição era insuportável". Para citar mais um exemplo, quando no texto se encontra a frase (2) "Nãoforço a opinião de ninguém". o autor do exercício solicita que o aluno "observe o modelo eflexione, em voz alia. o número de substantivos e adjetivos", fornecendo para o exercício a frase "Não forço a opinião de ninguém". Note-se que já nem podemos descrever esses trechos como falas, opiniões, descrições, mas apenas como estruturas gramaticais. Outras ma- nifestações dessa prática, comuns nas atividades de sala de aula, são co- piar palavras do texto, ditar palavras e frases do texto, sublinhar os diton- gos de palavras do texto e ate a prática, típica de cartilha c. embora menos comum, ainda utilizada 110 livro didático, de escolher o texto pela sua for- ma gramatical. O exemplo a seguir, retirado de um manual de 2a. série, ob viamente foi selecionado pelo autor do manual por causa dos abundantes dígrafos: (3) "O coelho Fofinho" O coelho Fofinho mora numa ilha. t uma ilha cheia de folhagem vermelha . O coelho Fofinho brinca com os galhos das árvores. Fie brinca também com bolhas de sabão. O coelho Fofinho olha a dança das bolhas. Cada bolha é um sonho colorido. (2~. série) 2) O texto como repositório de mensagens e informações Relacionada a essa mesma visão de texto como conjunto de elementos diversificados (seja estrutura gramatical ou palavras) é a crença de que o tex- to c apenas um conjunto de palavras cujos significados devem ser extraídos uin por um. para assim, cumulativamente, chegar à mensagem do texto. Ba- seia-se essa hipótese, por um lado, na crença já mencionada de que o texto é um depósito de informações e, por outro, na crença de que o papel do leitor consiste em apenas extrair essas informações, através do domínio das pala- vras que, nessa visão, são o veículo das informações. Nessa perspectiva, é vá- lido orientar o aluno para uma leitura de palavras: "Vamos ler palavra por palavra para depois interpretar" como é também comum solicitar um pro- duto mensurável desse processo de domesticação das palavras: "Qual é a mensagem do texto?". 18 Uma conseqüência dessa atitude é a formação de um leitor passivo, que a n d o n ã 0 consegue construir o sentido do texto acomoda-se facilmente a essa situação. Hm diversas ocasiões de testagens temos observado adultos que se consideram bons leitores, que, não conseguindo tornar significativo algum trecho, ou porque ele é inconsistente ou porque lhes falta conhecimen- lo prévio, aceitam tranqüilamente a situação e constroem uma interpretação inconsistente, apenas apontando às vezes sua insatisfação com a "forma mal escrita". Entretanto, através de resultados de pesquisa, temos também conhe- cimento de leitores emergentes, pequenas crianças da periferia, que não acei- tam conviver com a incoerência e persistem na tentativa de compreender, se irritando até, quando não o conseguem, se recusando a continuar, a dar uma pseudo-interpretação para aquilo que não faz sentido, mostrando, enfim, um pouco dessa paixão que é qualidade do leitor. nío livro didático encontramos várias outras manifestações da visão que acredita na extração da mensagem através do domínio das palavras. A própria divisão que se faz regularmente entre compreensão das palavras (ou do texto) e interpretação do texto é reveladora dessa postura. Também a prá- tica de examinar o significado absoluto das palavras é decorrente dessa mes- ma visão. Quando solicitamos o sinônimo ou o antônimo de uma palavra sem fazer referência ao contexto, estamos comunicando, sem necessidade de di- zê-lo. que a força das palavras reside no seu significado do dicionário, e não na sua função no texto para o processo de resignificação do mesmo. Estamos efetivamente relegando a um plano inferior a função poética da linguagem, isto é. a função que tem a ver com o rnodo que escolhemos para a expressão. Vejamos um exemplo. Num texto de 6-. série encontramos, na seção "Palavras e expressões", exercícios baseados em trechos extraídos do texto para leitura, uin dos quais reproduzimos: Í4) Começara a entender que era um pesadelo. Já lá vão al- guns anos. A rua ou estrada em que se achava aquela constru- ção era deserta. Eu. do alto, olhava para todos os lados sem des- cobrir sombra de homem. Nada que me salvasse: pau, nem cor- da. la aflito de um lado para outro lado, vagaroso, cauteloso, porque as telhas eram antigas, e também porque o menor des- cuido far-me-ia escorregar e ir ao chão. Continuara a olhar ao longe, verse aparecia um salvador: olhava também para baixo, mas a idéia de dar um pulo era impossível, a altura era grande, a morte certa. (6q, série) Um dos exercícios solicita ao aluno que ''substitua a palavra sublinha- da por um sinônimo", sendo uma dessas palavras cauteloso, na frase "Ia cau- teloso de um lado para outro". Percebemos, em primeiro lugar, que a frase foi extraída truncadamente do texto original, implicando com isso que o sig- nificado independa do contexto e que a função de cada parte em relação às outras ou em relação ao conjunto também não seja relevante para o leitor che- gar a uma interpretação. 19 Entretanto, essa atitude não corresponde à forma como a linguagem funciona. A palavra cauteloso traz uma série de associações sobre uma manei- ra de andar e de se movimentar por causa do texto em que está inserido: dife- rentes seriam as imagens que a palavra nos traria se a ação cautelosa fosse pre- dicada de um advogado, de um pugilista, de um gato, de um trabalhador em re- lação ao seu orçamento familiar. O que significa, então, dar o sinônimo da pa lavra? Apenas dar o significado achado no dicionário, ou aquela palavra que no contexto melhor recupera o sentido do original? E cabem aqui perguntas mais básicas ainda: que tipo de atividade é dar sinónimos de palavras achadas no texto? Por que ela consta das atividades de compreensão e interpretação? Certamente não é uma atividade de leitura, novamente, no bom senti- do da palavra, a atividade em que resigni fica mos a palavra, apoiados na nos- sa experiência prévia, focalizando significados de palavras especificas ou pa- ra inferir seu significado, ou para apreciar um uso particular, diferente. Parleconstitutiva do ensino de leitura consiste em conscientizar o aluno da inien cionalidade do autor, refletida na escolha das palavras. Substituir aquela pa- lavra escolhida pelo autor por um sinónimo que mais ou menos mantém o sentido original tencionado, vai contra essa conscientização. Entretanto, na leitura que considera o texto como depósito ou repositó- rio de significados, a única leitura possível é essa atividade de extração de significados, para. a partir daí, extrair desta vez, da soma desses significados, a "mensagem". O resultado final da recorrência dessa leitura é. como aponta- mos anteriormente, a formação de um pseudo-leitor. passivo e disposto a aceitar a contradição e a incoerência. Concepções de Leitura 3) A leitura como dccodificação Uma outra prática muito empobrecedora está baseada numa concepção da atividade como equivalente à atividade de dccodificação. Essa concepção dá lugar a leituras dispensáveis, uma vez que em nada modificam a visão de mundo do aluno. A atividade compõe-se de uma série de automatismos de identificação e pareamento das palavras do texto com as palavras idênticas numa pergunta ou comentário. Isto é. para responder a uma pergunta sobre alguna informação do texto, o leitor só precisa o passar do olho pelo texto à procura de trechos que repitam o material já decodificado da pergunta. Por isso afirmamos que se trata de uma tarefa de mapeamento entre a infor- mação gráfica da pergunta e sua forma repetida no texto. Essa atividade passa por leitura, quando a verificação da compreensão, também chamada, no livro didáti- co, de "interpretação", exige apenas que o aluno responda a perguntas sobre infor- mação que está expressa no texto. Noexemplo a seguir, extraído de um livro da 6'. série, o exercício de compreensão instrui o aluno a completar corretamente a frase "Examinou vários locais e acabou entrando...?". segundo o texto, onde se lc: 20 (5) Admirou a luz do sol, o verdor das árvores, a correnteza dos ribeirões, a habitação dos homens. E acabou penetrando ao quintal duma casa da roça". O aluno precisa, para responder a pergunta, apenas identificar entrar e penetrar como sinônimos sem precisar sequer ler o texto. Um outro exemplo, retirado de um livro de 3- serie, mostra como c me- cânica essa prática, dispensando qualquer engajamento intelectual. Na seção chamada de Entendimento do texto, o aluno deve completar a seqüência As cidades do litoral paranaense são e com ruas e o povoe.... e após a leitura de um texto que começa da seguinte maneira: (6) No litoral do Paraná, as cidades são acolhedoras e silenciosas, com suas ruas coloniais muito antigas e o povo é pacato e tran- qüilo. (3a série). Uma outra prática que passa por leitura, que não é apenas decodifica- ção. mas também toma a atividade dispensável pois revela a mesma atitude de descaso em relação à voz do autor, dispensa a etapa da-compreensão des- sa voz, consiste cm solicitar uma opinião dos alunos sobre um assunto logo após a "leitura" do texto, sem sequer ter discutido o assunto tal como ele é tra- tado pelo autor. Nessa prática a atividade de '"interpretação" precede à leitu- ra. O professor queima a etapa da leitura: assim, ele não pergunta sobre a opi- nião do autor, mas imediatamente sobre a opinião do aluno: "o que você acha substitui perguntas como "o que o autor acha '. "você acha que o au- tor está certo?". "você discorda ou está de acordo com o autor?". 4) A leitura como avaliação Hsse e um outro tipo de prática que inibe, ao invés de promover, a for- mação de leitores. Nas primeiras séries caracteriza-se essa prática por tal preocupação de aferimento da capacidade de leitura, que a aula se reduz qua- se que exclusivamente à leitura em voz alta. A prática é justificada porque permitiria ao professor "perceber se o aluno está entendendo ou não", apesar de sabermos que é mais fácil perder o fio da estória quando estamos prestan- do atenção à forma, à pronúncia, ã pontuação, aspectos que devem ser aten- didos quando estamos lendo em voz alta. A carga cognitiva, já aumentada pela leitura em voz alta (pelo fato de Jer que atender tanto à pronúncia como ao sentido), é agravada quando o dia- leto da criança não é o dialeto padrão, pois nesse caso ela deverá ainda tradu- zir o dialeto padrão no qual o texto está escrito para seu dialeto. Se ainda a professora exigir que a pronúncia da criança também seja padrão, então essa earga se aproxima dos limites do intolerável do ponto de vista cognitivo. Po- emos imaginar os efeitos dessa exigência não apenas na autoconfiança e ou- L 21 tros aspectos afetivos, mas também no desenvolvimento da compreensão: certamente essa exigência tomará íi forma de correções â pronúncia, e conse- qüentes interrupções e interferências nos processos através dos quais profes- sor e aluno deveriam estar tornando o texto inteligível e coerente. Se o nosso objetivo for verificar se o aluno conhece as letras, se auto- matizou as correspondências entre som e letra, se conhece o valor dos símbo- los usados para pontuação, c se dermos tempo prévio à leitura em voz alta pa- ra lazer uma leitura silenciosa, então a leitura em voz alta pode ser a melhor forma de avaliar esse conhecimento. Entretanto, essa atividade não c sempre necessária, sendo ate contraproducente se o nosso objetivo for ampliar o vo- cabulário visual de reconhecimento instantâneo, ou desenvolver os hábitos típicos do leitor proficientes na atividade solitária, que. caracteristicamente, nem balbucia as palavras nem as declama. Diferente é a leitura em voz alta que tem por objetivo a apreciação es- tética da linguagem. Uma professora que conhecemos desenvolveu uma au la com leitura em voz alta em jogral, com tal objetivo, utilizando o poema "Enchente" de Cecília Meireles: (7) Chama o Alexandre! Chama! Olha a chuva que chega! É a enchente. Olha o chão que foge com a chuva... Olha a chuva que encharca a gente. Põe a chave na fechadura. Fecha a porta por causa da chuva, Olha a rua como se enche! Enquanto chove, bota a chaleira no fogo: olha a chama! olha a chispa! Olha a chuva nos feixes de lenha! Vamos tomar chá. pois a chu\ a é tanta que nem de galocha se pode andar na rua cheia! Chama o Alexandre! Chama! (Cecília Meireles. Ou isto ou aquilo. R.J.: Civilização Brasilei- ra/MEC. 1977) Se algum livro didático incluísse o poema, provavelmente o faria para reforçar o uso do dígrafo, ou para reforçar a distribuição da letra x e do dígra- foch . istoé. banalizaria o texto mediante um enfoque puramente ortográfico. Essa professora, entretanto, usou-o com alunos de 8a série, que. após perce- berem na interação, mediante as perguntas da professora, a bcle/a da alitera çáo dos sons que têm uma função onomatopcica, pois lembram os sons da chuva, bem como sua força evocativa da experiência pessoal com dias de 22 chuva engajaram-se entusiasticamente na leitura do poema em jogral e con- seguiram. nas suas leituras, perceber e fazer perceber a beleza da linguagem. Também a leitura que é cobrada mediante resumos, relatórios e preen- chimentos de fichas é uma redução da atividade a uma avaliação desmotiva- dora A insistência no controle diminui a semelhança entre a leitura espontâ- nea do cotidiano, e a leitura escolar, ajudando na construção de associações desta última com o dever e não com o prazer. A leitura que é medida mediante número de páginas, como quando o pro- fessor solicita ler "dapágina 3 àpágina 7" é também uma forma de avaliação que justifica o passar dos olhos pelo número de páginas exigido, sem engaja- mento cognitivo ou afetivo. O aluno lê sem objetivos, lê apenas porque o pro- fessor mandou e será cobrado, desvirtuando efetivamente o caráter da leitura. 5) A integração numa concepção autoritária de leitura A união de todos os aspectosque fazem da atividade escolar uma paró- dia da leitura encontra-se numa concepção autoritária da leitura, que parle do pressuposto de que há apenas uma maneira de abordar o texto, e uma interpre- tação a ser alcançada. Essa concepção de leitura permite todas as deturpações já apontadas, que agora resumimos: a análise de elementos discretos seria o caminho para se chegara uma leitura autorizada, a contribuição do aluno e sua experiência é dispensável, e a leitura torna-se uma avaliação do grau de proxi- midade ou de distância entre a leitura do aluno e a interpretação "autorizada". A leitura é. no entanto, justamente o contrário: são os elementos relevantes ou representativos os que contam, em função do significado do texto, a experiên- cia do leitor é indispensável para construir o sentido, não há leituras autoriza- das num sentido absoluto, mas apenas reconstruções de significados, algumas mais e outras menos adequadas, segundo os objetivos e intenções do leitor. Quando a leitura é entendida como interlocução, tal qual outras atividades de linguagem, só que à distância, então aqueles aspectos que diferenciam a inte- ração oral da escrita e que permitem, de certa maneira, um enfoque que toma o texto como con junto de palavras, passam a ter uma relevância menor. Mantendo em mente o fato de que tanto o texto oral quanto o texto escrito são produtos de uma intencionalidade, isto é, escritos por alguém, com alguma intenção de che- gar aos outros, para informar, persuadir, influenciar tal qual acontece quando fa- lamos, evitaremos perder de vista o texto por causa das palavras que o veiculam. Concepções Sobre o Método Se às concepções equivocadas do texto e da leitura como atividade comu- nicativa juntamos agora as abordagens metodológicas utilizadas cm sala de aula, nao resulta surpreendente a falta de interesse que o nosso aluno tem pela leitura. Consultados 60 professores das primeiras séries sobre a forma como geralmente abordavam o texto, houve unanimidade, primeiro, na maneira uniforme e invariável de fazer a leitura de qualquer texto e, segundo, no pa- secundário que a leitura propriamente dita tinha em relação ao conjunto de atividades em tomo de uin texto. 23 O roteiro que apresentaremos é um roteiro bastante comum, que incor- pora as etapas, indicadas pela maioria dos professores, no desenvolvimento de uma unidade de ensino de língua portuguesa que começava por um texto: 1) Motivação do aluno, através de uma conversa sobre o assunto geral do texto: 2) Leitura silenciosa, sublinhando as palavras desconhecidas; 3) Leitura cm voz alta, por alguns alunos, ou por todos os alunos, em grupo: 4) Leitura em voz alta. pelo professor; 5) Elaboração de perguntas sobre o texto, por parte do professor como "Onde ocorreu a estória?", "Quando?", "A quem?" e outras per guntas sobre elementos explícitos; 7.) Reprodução do texto (ou outra atividade de redação ligada ao tema do texto). Os professores colocavam também como opções o ensino gramatical, mediante o ditado de palavras retiradas do texto, ou atividades como subli- nhar os nomes próprios do texto etc. I)e fato, esse roteiro reproduz a proposta de trabalho da maioria dos li- vros didáticos, que organiza suas unidades em torno de um texto, que assim se converte em detonador e pretexto para atividades como as discutidas acima. A prática de sala de aula, não apenas da aula de leitura, não propicia a interação entre professor c aluno. Em vez de um discurso que é construído conjuntamente por professor e alunos, temos primeiro uma leitura silenciosa ou em voz alta do texto, e depois, uma série de pontos a serem discutidos, por meio de perguntas sobre o texto, que não levam em conta se o aluno de fato o compreendeu. Trata-se. na maioria dos casos, de um monólogo do professor para os alunos escutarem. Nesse monólogo o professor tipicamente transmi te para os alunos uma versão, que passa a ser a versão autorizada do texto. Sabe-se, pelas pesquisas recentes, que é durante a interação que o lei- tor mais inexperiente compreende o texto: não é durante a leitura silenciosa, nem durante a leitura em voz alta. mas durante a conversa sobre aspectos re- levantes do texto. Muitos aspectos que o aluno sequer percebeu ficam salien- tes nessa conversa, muitos pontos que ficaram obscuros são iluminados na construção conjunta da compreensão. Não é. contudo, qualquer conversa que serve de suporte temporário para compreender o texto. Consultamos também professores de língua portuguesa das séries su- periores do l 9 grau sobre os aspectos do texto que eles escolheriam para en- sinar numa aula de leitura a partir do texto a seguir, intitulado "São Francis- co envenenado". 2. Todos os exemplos de textos qiie apresentaremos devem ser imaginados como fazendo parte dc. uma unidade temática, na qual ü assunto seria explorado a partir de vários pontos de vista e jxts- peclivas, para assim ajudaroaluno na formação de redes dc conhecimento, que por sua ve7 permi- tiriam a ancoia>:eiii de novas informações sobre o assunto. 24 DESASTKE o São Francisco envenenado O primeiro indício de que algo de anor- mal se passava foi captado cm Curaçá, município de 28 mil habitantes no Nor- te da Bahia, a 514 quilômetros de Sal- vador: na manhã do dia 13. as águas do rio São Francisco, que banha a cidade, começaram a depositar nas margens milhares de peixes mortos. Rapida- mente a tragédia via jou rio abaixo. Cer- ca de 120 mil pessoas moradoras na re- gião ficaram privadas de seu principal alimento. Trezentas toneladas de pei- xes se perderam, hm várias cidades, como Curaçá, Itamctinga. Abaré. Ro- delas, Macuraré e Glória, foi preciso suspender o abastecimento de água pa ra evitar que as populações tivessem o mesmo destino dos dourados, piranhas, caris e surubins envenenados. Em poucas horas não havia dúvi- da de que se tratava do maior desastre ecológico já acontecido no rio São Fran- cisco. Até o final da semana passada, no entanto, as passagens mais importantes do drama estavam por esclarecer. Sabia- se apenas que entre o domingo e a se- gunda-feira. 11 e 12, toneladas de algu- nia substância tóxica foram despejadas cm algum ponto do rio. peno de (airaçá. As primeiras suspeitas recaíram sobre duas empresas da região, a Caraíba Me- tais. beneficiadora de cobre, e a Agrova- le, canavieira. O secretário do planeja- mento da Bahia e presidente do Conse- lho Estadual de Proteção Ambiental. Waldcck Omellas, inocentou as empre- sas depois de uma vistoria. Passou-se então a suspeitar de um colossal derramamento de agrolóxicos nas águas do rio — hipótese defendida por Omellas e pelo titular da Secretaria Especial do Meio Ambiente (SEMA), do governo federal. Paulo Nogueira Ne- to, que enviou amostras da água do no à Companhia Estadual de Tecnologia de Saneamento Ambiental (Cetcsb), de São Paulo, para exames que estarão con- cluídos esta semana. Mesmo a identifi- cação e a punição dos culpados, porém, não remediarão o mal denunciado pelo diretor de piscicultura da Companhia de Idesenvolvimento do Vale do São Fran- cisco (Codevasf), órgão do Ministério do Interior, Odilon Juvino. Após a tragé- dia, afirma ele, "só por um processo arti- ficial o médio São Francisco voltará a ser piscoso, pois a barragem de Sobradi- nho impede que os peixes desçam a esse trecho do rio". A IstoÉ, 28/3/84 25 Apesar de termos indicado que se tratava de uma aula de leitura, todos os professores consultados, com apenas duas exceções, escolheram assuntos ligados ao lema para a aula. As conseqüências da poluição para o meio am- biente foi o tema consensualmente explorado nas suas diversas facetas, des- de a poluição dos rios ate a morte dos peixes, passando pela ação ou falta de ação dos governos. Das escolhas excepcionais, umaestava relacionada a uma questão de formação textual, istoé, a utilização desse texto para ensinar a estrutura do re- lato (isto é, introdução ou cenário, evento ou complicação etc. ) e a outra esta- va relacionada ao ensino de vocabulário (significado de piscoso etc). Apesar de serem professores de Português, nenhum professor pensou na possibilidade de analisar a função dos tempos verbais (imperfeito, pretéri- to perfeito e futuro) para marcar diversos momentos no tempo real (morte dos peixes, descoberta do fato, e previsões). No caso do texto em questão, um as- sunto gramatical que praticamente todo professor quer ensinar e que todo li- vro didático trata de maneira primária e elementar, isto é, os tempos verbais, era pertinente para o desenvolvimento do relato. Assim, uma oportunidade de discutir o uso do tempo verbal, sem entrarem mera terminologia e memo- rização. não foi contemplada. Também nenhum professor pensou em ensinar alguma estratégia de leitura (como ativação de conhecimento de mundo, ou análise para procurar detalhes, ou inferência sobre pressupostos culturais). Quando o professor apresenta como urna das primeiras etapas da aula de leitura a conversa motivadora sobre o assunto do texto, está também redu- zindo a aula de leitura a uma exploração de temas que. em princípio, deve- riam ser tratados pelos professores de Ciências, História, ou Geografia. Os critérios para a escolha do texto são a LEGIBILIDADE, ou grau de dificulda- de. a relevância e o interesse, tanto do ponto de vista de apelo ao aluno quan- to do ponto de vista dos objetivos acadêmicos da escola, que deveriam alar- gar o universo temático do aluno. Entretanto, abordar temas que estão ao al- cance da criança, que são relevantes e interessantes, não significa que o nos- so objetivo enquanto professores de língua seja apenas o conhecimento do te- ma: o tema é o fio que permite a percepção e produção da linguagem e o de- senvolvimento de urn novo sistema simbólico, o da linguagem escrita. É claro que os objetivos do professor de língua serão mais facilmente atingidos se houver um esforço conjunto dos vários professores que ensinam a criança, dai a pertinência de abordar assuntos relevantes em outras áreas. No entanto, devemos lembrar que o enfoque integrado, interdisciplinar de um assunto não significa apenas que o professor de Português se toma mais um professor de Ciências: significa, também, que o professor de Ciências se torna mais um professor de leitura. O pressuposto de que todo texto pode ser abordado seguindo as mes- mas etapas decorre, também, dos conceitos de texto como produto acabado que serve de repositório de informações, c da leitura como atividade para ex- tração dessas informações, e de ambos, texto e leitura, como instrumentos pa- ra o ensino da norma, do código escrito, da gramática. 26 Nessa visão, c claro, não se l a / necessário pensar nos objetivos do en- sino de leitura, nem na análise pic-pedagógica do texto que será utilizado pa- ra atingir tais objetivos. Entretanto, tal análise, em função dos propósitos do ensino de leitura, é considerada como pré-requisito no enfoque que passare- mos a discutir nos próximos capítulos. Nenhuma atividade é considerada co- mo dada, mesmo porque estas são tantas como são os textos e suas possíveis leituras, segundo os objetivos do ensino, que deveriam imitar a situação real, em que as leituras podem ser tantas quantas as nossas intenções e as intenções que percebemos no autor. 2.3 UMA CONCEPÇÃO ALTERNATIVA: UM EXEMPLO Na aula de leitura, em estágios iniciais, o professor serve de mediador en- tre o aluno e o autor. Nessa mediação, ele pode fornecer modelos para a ativi- dade global, como pode, dependendo dos objetivos da aula. fornecer modelos de estratégias específicas de leitura, fazendo predições, perguntas, comentá- rios. Veremos o embasamento teórico dessa concepção nos capítulos a seguir. Vejamos agora um exemplo desse enfoque diversificado, segundo três objetivos que determinam três atividades diferentes para um mesmo texto. Os exemplos de textos jornalísticos foram apresentados numa unidade temá- tica sobre drogas num supletivo básico (equivalente às la. c 2a. séries) para adultos. Em conseqüência da pouca familiaridade dos alunos com a escrita em cursos desse tipo, em que a maioria são adultos que voltam à escola de- pois de ter passado uns poucos meses na escola quando crianças, é necessá- rio. primeiro, explorar com os alunos os acordos tácitos anteriores à leitura do jornal, entre jornalista e leitor. Em primeiro lugar, o texto jornalístico deve ser aceito como fonte de informações pertinentes e de novidades, quer dizer, preenchendo funções que, nas culturas não letradas, são preenchidas, primordialmente, pelos membros da família e pela comunidade imediata, oralmente. Em segundo lu- gar, c preciso deixar claro para o aluno a ampla variedade de informações e notícias que um jornal da imprensa séria, de circulação nacional traz, o que implica uma maneira seletiva de procura de textos interessantes, mediante a leitura da manchete e do resumo destacado na primeira página, ou na seção pertinente ao assunto tratado. A familiarização com a forma do jornal e do texto jornalístico exempli ficado cm (9), a seguir, poderia ser. de fato. um dos primeiros objetivos da au- la e. nesse caso. poder-se-ia focalizar a relação entre a manchete, o resumo ou chamada e o texto propriamente dito dentro do jornal. Ligada também à lei- tura do jornal está a maneira de abordar a leitura do jornal para a seleção da- quilo que nos interessa. Poder-se-ia, então, demonstrar para o aluno a função da manchete em relação ao relato da notícia, bem como a leitura tipo sonda- gem (também conhecida por seu nome inglês, "scanning"), assim, efetiva- mente, demonstrando a relação existente entre objetivo de leitura c estraté- gias de abordar o texto, de ler. 27 (9) Meia nega uso de droga4 para jogar ' ü meia argentino Diego Maradona. do Napoli, negou que tenha usado cocaína "como estimulante para jo- Maradona nega o uso de cocaína 'para jogar' gar". Ele pode ser suspenso por até dois anos na Itália por doping. Pág.7-2 Das Agências Internacionais Diego Maradona negou que tenha usado drogas para melhorar seu desempenho cm campo. O joga- dor argentino deu ontem em Napóles sua primeira e curta entrevista após a divulgação de que jogou dopado no último dia 17 de março no jogo do Napoli contra o Bari, pelo Campeo- nato Italiano. "Eu nunca precisei de nada para provar minha performan- ce", disse Maradona. A contraprova do exame anti- doping do argentino, realizada an- teontem em Roma, indicou a presen- ça de cocaína na urina do jogador. Maradona pode ser suspenso de seis meses a dois anos. A Federação Ita- liana vai divulgar a punição durante a semana. Maradona não descartou a pos- sibilidade de ter consumido cocaína, mas negou que tenha se dopado com o propósito de jogar sob efeito de es- timulantes. '"Eu nunca entrei em campo sob efeito dc estimulantes. Eu não quero essa suspensão", afirmou, concluindo a entrevista. Marcos Franchi, procurador do meia do Napoli, disse que Cláudia Villafanc, mulher de Maradona, chorou muito quando soube do re- sultado do exame. Franchi não quis falar qual foi a reação de Maradona sobre o escândalo. Folha dc São Faulo, 31 /3/1991 Se o objetivo da aula de leitura fosse levar o aluno a perceber a atitude do autor do texto quanto ao fato relatado, poderíamos criar condições para que percebesse a função modali/adora, isto é, de expressão dc atitude, do item lexical escândalo no último parágrafo. Para tal. laz-se necessário pre- viamente perceber a diferença entre o relato dos fatos e a expressão de uma opinião sobre o fato. Ainda com alunos no início do processo dc alfabetiza- ção épossível conscientizá-los sobre esse uso, fazendo perguntas que diri- jam sua atenção à palavra escândalo, na avaliação-resumo no final do texto, que expressa censura, pois a palavra escândalo contém uma avaliação nega- 28 tiva.J e portanto expressa uma opinião negativa do autor. A exploração, por exemplo, das maneiras alternativas de avaliar o fato relatado, como evento, triste evento, infortúnio, calúnia, expressando distância, tristeza, comisera- ção, solidariedade, cm vez de censura c condenação (v. nota 3), facilitaria essa percepção. Outros objetivos ligados à leitura, porque desenvolvem habilidades de análise lingüística e textual necessárias para a leitura (a serem discutidas no Capítulo 5), poderiam ser o ensino da função das aspas, na citação, que mar- cam as falas não assumidas pelo autor do texto. Novamente, chamamos a aten- ção para o fato dc que a função dos diversos elementos do texto só pode ser es- tudada no texto, pois o mesmo uso. isto é, marcar a fala do outro, pode justa- mente funcionar como apoio do argumento do autor em outros textos, quando o discurso citado pertence a alguém com quem o autor quer se identificar. Na aula cm que esse texto foi utilizado, havia adultos no início do pro cesso de alfabetização que. portanto, ainda necessitavam de exercitação mo- tora para reprodução das letras. Nesse caso, o texto poderia também ser uti li- zado para a cópia das falas da protagonista e a invenção dc urn título para es- se conjunto de citações. Com outros alunos, mais avançados, poder-sc-ia en- focar as diversas maneiras de relatar a fala — o chamado discurso indireto nos manuais didáticos — c as pressuposições sobre a verdade do fato relata- do que o uso desses verbos (negar, dizer, descartar a possibilidade, afirmar) indica, uso este que também constitui urna forma de chegar à opinião. Evitando abordagens rígidas, fixas, previsíveis, estaremos demostran- do na prática que a leitura é uma atividade individual, singular até na manei- ra dc ler, pois o que queremos de uma leitura determina como faremos essa leitura. Essa flexibilidade própria do leitor maduro deve ser modelada desde os primeiros contatos com a escrita, num primeiro momento paia fornecer um modelo que valha a pena ser imitado, para depois ser incorporado como parte constitutiva das estratégias de leitura e das atitudes do leitor. Talvez, as- sim, o problema do interesse do aluno pelo qual iniciamos esta reflexão, terá um final diferente. RESUMO Analisamos, neste capítulo, as concepções de texto c leitura que subja- zem às práticas de sala de aula, uma das causas da desmotivação e desintere sc do aluno pela leitura. F.ssas concepções não questionadas e perpetuadas na V Noic-seque lodosos significados listados no dicionário tom conotações negativas: I > Aquilo que c causa dc erro ou dc pecado 2) Aquilo que resulla dc erro ou üc pecado 3) Indignação provocada por uni mau exemplo 4) Desordem, (umulto, cena, alvoroço, escarcéu 5) Grave acontecimento que abala a opinião pública f>> fa to imoral, revoltante (Novo Dicionário Aurelio, I-. ed.) 29 prática não têm fundamentação teórica consistente, nem do ponto de vista da teoria da linguagem nem da teoria sobre a leitura. Mediante o texto apresentado como exemplo de uma concepção alter- nativa de leitura, tentamos demonstrar a necessidade de conhecimento do professor na área específica de leitunt (além. é claro, de sua formação lingüís- tica). a fim de evitar a propagação de concepções obsoletas, que apesar de se- rem comprovadamente ineficientes, são legitimadas pela falta de propostas alternativas. NOTAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Questões relativas ao desenvolvimento do gosio pela leitura e à formação do leitor po- dem ser encontradas em Bamberger (19771. Bellcngcr(1978). 2. Questões gerais sobre a leitura, a função da escola na lormaçáo de leitores, e o fracas- so da escola em relação aos grupos minoritários são pressupostas na discussão acima. Algumas dessas questões podem ser aprofundadas em Soares (1986). Zilbcrman & da Silva (1988 >. BAMBERGER. R. Como incentivar o hábito da leitura. St ' . : Cultrix/MEC, 1977. Trad, de Oc- távio M. Cajado. BEEEENGER. L. Os métodos de leitura R.J.: Zahar Editores. 1978. Trad, dc Dora Flaksnian. SOARES. M. Linguagem e escola. Uma perspectiva social. S.P.: Editora Ática. 1986. Zll.BERMAN. R. & DA SILVA. E.T. Leitura. Perspectivas interdisciplinares. S P : Editora Ática. 1988. 30 CAPÍTULO 3 COMO LEMOS: UMA CONCEPÇÃO NÃO ESCOLAR DO PROCESSO .4 vida parece particularmente difícil para o leitor iniciante. Frank Smith 3.1 O PROCESSAMENTO COGNITIVO A concepção de leitura que a considera como uma atividade a ser ensi nada na escola, não como mero pretexto para outras atividades e outros tipos de aprendizagem, está embasada cm modelos já bem definidos sobre como processamos as informações. Esses modelos lidam com os aspectos cognitivos da leitura, isto é. as- pectos ligados à relação entre o sujeito leitor e o texto enquanto objeto, entre linguagem escrita e compreensão, memória, inferência e pensamento. Eles tentam incorporar aspectos socioculturais da leitura, uma vez que vão desde a percepção das letras até o uso do conhecimento armazenado na memória. En tretanto. esses modelos se voltam para os complexos aspectos psicológicos da atividade, apontando para as regularidades do ato de ler. para a atividade inte- lectual em que o leitor ideal se engajaria. Essa atividade intelectual começa pela apreensão do objeto através dos olhos com o objetivo de interpretá-lo. O conhecimento do aspecto psicológico, cognitivo da leitura é impor- tante porque ele pode nos alertar de maneira segura contra práticas pedagógi- cas que inibem o desenvolvimento de estratégias adequadas para processar e compreender o texto. Esse conhecimento pode ainda nos alertar para os obs- táculos à compreensão que decorrem de aspectos do texto, que, por diversas razões, tomam o PROCESSAMENTO mais difícil. Como veremos, os tex- tos do livro didático exemplificam muito bem os aspectos dilicultadores do processamento. Neste capítulo, examinaremos o aspecto cognitivo da leitura apenas da perspectiva do processamento da informação, começando pela percepção do material lingüístico e terminando nos mecanismos de agrupamento desse material em unidades sintáticas, o processo chamado de fatiamento. Este Óti- mo é etapa necessária precedente à interpretação semântica do texto, proces- so no qual a memória, a inferência, isto é, as chamadas funções superiores es- tão envolvidas para construir o sentido do texto. Essas primeiras etapas no processamento da informação serão exami- nadas a partir de uma perspectiva que destaque as questões práticas com que 31 o professor se depara: primeiro, focalizando aqueles aspectos que apontam para a adequação ou não de abordagens pedagógicas específicas e, segundo, focalizando aqueles aspectos do texto que se insinuam como potenciais difi- culdades para o processamento, devendo, por isso. ser objeto de ação peda- gógica facilitadora. ü processamento do objeto começa pelos olhos, que permitem a per- cepção do material escrito. Esse material passa então a uma memória de tra- balho que o organiza em unidades significativas. A memória de trabalho se- ria ajudada nesse processo por uma memória intermediária que tornaria acessíveis, como num estado de alerta, aqueles conhecimentos relevantes pa- ra a compreensão do texto em questão, dentre todo o conhecimento que esta- ria organizado na nossa memória de longo prazo (também chamada de me- mória semântica, ou memória profunda). A Hg. 1 a seguir, representa, de maneira muito simplificada, os princi- pais mecanismos engajados no processamento de um texto: MATERIAL ESCRITO OLHOS ^ (percepção e interpretação de "input" gráfico) . íMEMORIA DE TRABA1 .HO (fati amento) A f MEMORIA INTERMEDIARIA ^ J (repositório de conhecimento ativado, em alerta) . i MEMORIA LONGO TERMO/ MEMÓRIA SEMÂNTICA/ ^ MEMÓRIA PROFUNDA ^ (o conhecimento, c regras para seu uso e organização) Figura I: Mecanismos e capacidades envolvidos no processamento do texto A Percepção do Objeto Em relação à percepção, devemos lembrar, primeiramente, que estaé individual. Não percebemos tudo o que vemos, não reagimos da mesma maneira ante um mesmo quadro ou imagem. O que é semelhante na percep- ção do texto através dos olhos é o tipo de mecanismo usado para apreender o objeto. 32 Sabemos, devido a numerosas experiências e observações, que o 1110- vimenro ocular durante a leitura é um MOVIMENTO SACADICO, e não li- near. isto quer dizer que o leitor eficiente não lê palavra por palavra, seguin- do, metaforicamente, o seu dedo na linha. Pelo contrário, os olhos se fixam num lugar do texto, (a fixação) para depois pular um trecho (a sacada), e fi- xar-se num outro ponto mais adiante. A distância entre as fixações depende da dificuldade do material que está sendo lido, o que indica claramente que é o cérebro que controla o pro cesso. O movimento sacádico permite a leitura muito rápida (que NÃO tem nada a ver com a chamada leitura dinâmica). Lemos 200 palavras por minu- to quando o material for fácil, mais devagar quando o material for complexo. Os olhos se movimentam muito mais rapidamente do que a voz consegue pronunciar. Durante a leitura, os olhos vão para frente, num movimento progressi- vo, mas também retrocedem, num movimento regressivo. Novamente, o fa- tor determinante para a direção do movimento é a dificuldade do material, ha- vendo muito mais movimentos regressivos quando o material é mais difícil. Isto indica que o leitor eficiente vai controlando seu próprio processo de compreensão e volta para trás. ou relê. quando não compreende. Durante a fixação, o olho percebe claramente o material focalizado. Durante a sacada, entretanto, a visão fica muito reduzida; antigamente, nos estudos de início do século, pensava-se que o olho não percebia nada duran- te esse movimento, hoje acredita-se que há uma visão periférica, mas muito diminuída, que certamente não permite ao leitor enxergar claramente as pa lavras que ocorrem entre cada fixação. Isso aponta para um fato extremamen- te importante, a saber, que grande parte do material que lemos c adivinhado ou inferido, não é diretamente percebido. E. ainda, como apontávamos ante- riormente, o que percebemos depende em grande medida de cada indivíduo. Daí que a leitura seja considerada, do ponto de vista cognitivo, um jo- go de adivinhações. Assim corno podemos reconhecer à distância uma pes- soa conhecida, a partir de algumas características (altura, cor. maneira de ca- minhar. por exemplo), assim também, durante a leitura, podemos reconhecer estruturas e associar um significado a cias, a partir de apenas algumas pistas: mediante a identificação da forma da palavra (sendo que a configuração aci- ma ou abaixo da linha parece ser extremamente relevante): a nossa familiari- dade com a palavra (que pode permitir o reconhecimento instantâneo, sem necessidade de análise). Esse reconhecimento está estreitamente relacionado ao nosso conhecimento sobre o assunto, o autor, a época em que ele escreveu, aos nossos objetivos, aspectos estes que determinam a direção de nossas ex- pectativas sobre o assunto. A Memória de Trabalho O que mais chama a atenção em relação ao trabalho dos olhos duran- te a leitura é a rapidez do leitor. Daí perguntamos, por que lemos tão rapi- damente? 33 A resposta é: para podermos organizar os traços no papel em material significativo. Uma vez que o material visual é apreendido, começa a interpre- tação; das letras em sílabas e palavras, destas em frases, destas em proposi- ções com significado. O material vai sendo estocado na memória de trabalho (v. Fig. 1), que permite a organização cm unidades sintáticas, segundo regras e princípios de nossa GRAMÁTICA IMPLÍCITA, isto é. o conhecimento que temos por sermos falantes da língua, que não equivale ao conhecimento gramatical adquirido na escola. A memória de trabalho, cu jo funcionamento exemplificaremos a seguir, pode ser concebida como a capacidade do leitor para estocar o material que está entrando mediante a percepção e para agru- pá-lo em unidades significativas com base no seu conhecimento da língua. O processo de agrupamento e análise é conhecido como FATI AMENTO. A memória de trabalho é uma capacidade finita e limitada, uma vez que não pode trabalhar com mais de aproximadamente 7 unidades ao mes- mo tempo: à medida cm que vão entrando mais unidades, a memória preci- sa ser esvaziada das unidades anteriormente estocadas, de maneira que sempre trabalha com aproximadamente 7, mais ou menos 2 unidades (isto é. entre 5 a 9 unidades), O aspecto mais importante dessa capacidade é que não faz di ferença. pa- ra seu funcionamento, o tipo de unidade que usa para o fatiamento: precisa ape- nas ser uma unidade significativa, isto é, ser reconhecida como alguma entida- de, seja esta letra, sílaba (agrupamento de letras numa unidade que reconhece- mos). ou palavra (agrupamento de sílabas numa unidade maior). Também em relação a números o processo é basicamente o mesmo: podemos percebe los como uma série de dígitos, ou podemos pereebé-los como unidades com signi- ficado. Por exemplo: uma data importante, ou um número telefônico conheci- do, ou um número de rua num endereço familiar. Assim, quanto maior o ele- mento que tomamos como unidade significativa, maior será a quantidade de material que poderemos processar e manter na memória ao mesmo tempo. Vejamos um exemplo: suponhamos que a maior unidade significativa que o leitor consegue identificar seja a letra, numa seqüência como a seguinte: a — s — e — s — t — r — u — t — u — r — a — s Se o leitor estiver lendo letra por letra, ele não conseguirá manter todas essas unidades na memória de trabalho, porque deverá esvaziar as primeiras letras na seqüência quando a sétima, ou oitava, ou nona letra chegar à memó- ria. Em termos de compreensão, ele não terá conseguido apreender essa se- qüência. não terá sequer lido as duas palavras, uma vez que as partes não se integram num todo significativo. O mesmo problema estará acontecendo se o leitor ler sílaba por síliba (isto é, as — cs — tru — tu — ras), pois novamen- te quando ele tiver lido a quinta sílaba, apenas duas palavras, a sua memória de trabalho estará quase no limite de sua capacidade. Imaginemos, por outro lado, que a unidade mínima significativa que o leitor identifica seja a palavra, mediante a estratégia de reconhecimento ins- tantâneo de palavras em lugar da silabação. 34 as estruturas Nesse caso, o leitor poderá ainda ler mais palavras, pois a sua memória de trabalho náo estará sobrecarregada. E assim sucessivamente. Se reconhe- cermos apenas palavras isoladas, novamente, poderemos trabalhar com 7 (+ ou - 2) palavras, mas se conseguirmos agrupar, com base no nosso conheci- mento da estrutura da língua, (e do assunto que estivermos lendo, é claro), es- sas palavras em grupos ou fatias sintáticas, como em as estruturas mais com- plexas são aquelas que foram analisadas nos útimos meses, entào nossa ca- pacidade de processar material terá se expandido significativamente:1 0 [ [ S N as estruturas mais complexas SN ] I fatia s v [são aquelas que [ ( ) I fatia foram analisadas nos últimos meses 0 | s v ] Q ] 1 fatia Como apontávamos, para tal agrupamento o leitor proficiente usa efi cientemente o conhecimento de gramática que ele tem internalizado, fazen- do predições constantes sobre as ocorrências possíveis. Ao identificar uma unidade, ele fechará essa unidade e voltará sua atenção
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