93 pág.

Pré-visualização | Página 16 de 18
Estratégia Saúde da Família, que visa a alterar a lógi- ca curativa e o modelo tradicional de atenção centrado no hospital. O ‘Saúde da Família’ cobre hoje mais da metade da população brasileira. Tem alta eficácia no setor rural e em municípios pequenos, mas enfrenta problemas para im- plantação em áreas metropolitanas. Por outro lado, apre- senta baixa integração com os serviços de média complexi- dade, hoje a maior defasagem do SUS. Nos procedimentos de alta complexidade, que no SUS são bastante abrangen- tes, o desempenho é melhor. É nesse nível onde se concen- tra o setor privado contratado de maior tecnologia, pois são procedimentos mais bem pagos pelo SUS. A gestão do sistema não foi capaz ainda de alterar a relação com o se- tor privado contratado no sentido de associar serviços de maior e menor rentabilidade. Além do SUS, existe no país uma ampla rede pri- vada de serviços que presta serviços tanto por desembolso direto, como através de contratos com as empresas do se- P O L Í T I C A S S O C I A I S E D E S A Ú D E 81 tor privado autônomo, o chamado sistema de saúde suple- mentar. Este sistema suplementar, que guarda semelhança aos planos norte-americanos, é formado por empresas e seguradoras privadas que vendem planos pré-pagos cole- tivos a empresas para atendimento de seus empregados, e também vendem planos individuais e familiares. Como os serviços prestados por desembolso direto representam uma parcela muito pequena do total de serviços, tratamos aqui como sistema privado o sistema suplementar de pla- nos de saúde. Quando o financiamento enfatizar gastos diretos de indivíduos e famílias o designamos como des- pesas por desembolso direto. O sistema suplementar de planos privados pré-pagos apresentou crescimento significativo no Brasil. Contudo, não há evidências de que esse crescimento irá se manter no mesmo patamar dos últimos dez anos. O acesso a ser- viços de saúde no Brasil é altamente diversificado segundo segmentos de renda e região. Fatores importantes que con- tribuíram para a sua forte expansão incluem racionamen- to da oferta no SUS, diversificação de fundos de empresas estatais, expansão do financiamento por empresas privadas e a oferta de pacotes individuais por parte de cooperativas médicas, seguradoras e empresas médicas. Além do acesso a serviços de saúde por mecanismos de pagamento direto, cuja expansão não está adequada- mente documentada no país, o que se observou no Brasil ao longo de quatro décadas foi um crescimento acelerado das atividades econômicas relacionadas aos diversos tipos L E N A U R A D E V A S C O N C E L O S C O S T A L O B A T O 82 de grupos e empresas que prestam serviços privados diretos ou compram estes serviços para seus beneficiários. Na maioria das situações observadas os mecanismos de financiamento en- volvem a atuação de empresas de pré-pagamento (RIBEIRO; J.M. et al., 2008). Até o final dos anos 1990, estes mercados operaram em acelerada expansão sob regime de quase autorregulação. Com a criação da ANS e as regulamentações posteriores, as empresas de planos pré-pagos passaram de uma legislação do tipo societário de ‘livre atuação’ para uma ‘atuação controlada’, sujeitas a normas de autorização, padronização contábil, riscos de liquidação e exigência de garantias financeiras (MONTO- NE, 2004). Com relação aos produtos, as mudanças remove- ram a livre determinação contratual de coberturas, carências e reajustes de preços, substituída pela padronização de pacotes de serviços, controle da seleção de risco, controle de reajustes e proibição de rescisão unilateral dos contratos. A evolução recente dos gastos em saúde no Brasil mos- tra uma estabilização do gasto com planos privados de saúde, uma retomada do gasto governamental ao final do período, porém acompanhado do gasto por desembolso direto (neste caso devido aos gastos com medicamentos). No que toca à rede, o Brasil conta hoje com 207.746 estabelecimentos de saúde. É um número bastante elevado, mesmo se considerado que boa parte deles (102.232) é de consultórios médicos privados, em geral de propriedade de um profissional. Entre os estabelecimentos, 7.665 são unida- des hospitalares. Verifica-se a predominância do setor priva- P O L Í T I C A S S O C I A I S E D E S A Ú D E 83 do, com mais de 70% do total. Já entre os estabelecimentos públicos, a forma predominante é a da administração direta (57.836), regime administrativo menos flexível, o que impõe importantes restrições aos serviços públicos do SUS para com- petir com a estrutura empresarial dos planos de saúde. Do total de leitos disponíveis nos sistemas público e privado, notamos que a oferta SUS é predominante no país. Dentre os 2,7 leitos por 1.000 habitantes existentes, a taxa de 1,94/1.000 é coberta pelo SUS. Podemos analisar a oferta comparada de serviços de saúde segundo os sistemas público e privado por meio dos empregos dos profissionais de saúde e seus vínculos com cada um deles. Para 2007 (Quadro 3) verifica-se que está entre os médicos a maior diferença entre profissionais que prestam ser- viços ao SUS e os que não prestam serviços ao SUS (634.003 para 440.547). Isso denota a preferência dos profissionais mé- dicos pelo setor privado. Em verdade, esta tem sido uma importante tensão no sistema. O SUS paga salários baixos e sua implementação não foi acompanhada por uma política consistente de recursos hu- manos, o que gera baixa adesão ao sistema por parte desses profissionais. Ademais, durante mais de uma década houve uma expansão descontrolada de escolas médicas, muitas de baixa qualidade, o que gerou um número excessivo de profissionais no mercado. O quadro indica, inclusive, que o número de médicos em relação à população supera o dos profissionais de enfermagem (enfermeiros, técnicos e auxiliares). O setor privado de planos, por sua vez, tem aumentado o controle L E N A U R A D E V A S C O N C E L O S C O S T A L O B A T O 84 Profissões Total Atende ao SUS Não atende ao SUS Prof/1.000 hb Prof SUS/1.000 hb Médicos 634.003 440.547 193.456 3,3 2,3 Cirurgião dentista 112.611 71.014 41.597 0,6 0,4 Enfermeiro 117.763 108.200 9.563 0,6 0,6 Fisiotera- peuta 37.062 22.678 14.384 0,2 0,1 Fono- audiólogo 12.976 8.488 4.488 0,1 0,0 Nutricioni- sta 11.759 10.007 1.752 0,1 0,1 Farmacêu- tico 36.955 30.602 6.353 0,2 0,2 Assistente social 18.698 18.106 592 0,1 0,1 Psicólogo 28.324 21.115 7.209 0,1 0,1 Auxiliar de Enferma- gem 320.145 288.100 32.045 1,7 1,5 tanto sobre o número de consultas e prescrições, como so- bre o valor pago aos serviços médicos. Tabela 1: Distribuição de profissionais de saúde segundo vínculos com o SUS, profissões selecionadas, 2007. Fonte: Ministério da Saúde, Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde. Nota: Se um profissional tiver vínculo com mais de um estabelecimento, ele será contado tantas vezes quantos vínculos houver. Fonte: LOBATO, L. V. C.; RIBEIRO, J. M.; VAISTMAN, J. Changes and Challenges in Brazilian Health Care System. In: ______. Health systems around the world. New Delhi: New Century Publications. No prelo. P O L Í T I C A S S O C I A I S E D E S A Ú D E 85 Outra característica importante é a precarização do trabalho em saúde no setor público, para todas as profissões do setor. No Brasil os funcionários públicos são regidos por legislação específica que exige ingresso por concurso públi- co e garante estabilidade no emprego e aposentadoria inte- gral. Para evitar o desequilíbrio fiscal, os governos federal, dos estados e dos