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1 2 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ............................................................................................ 3 2 A PSICOLOGIA DA PERSONALIDADE ..................................................... 4 2.1 O desenvolvimento da personalidade .................................................. 6 2.2 Definição de personalidade .................................................................. 7 3 PERSONALIDADE NORMAL ................................................................... 13 4 MUDANÇA DA PERSONALIDADE .......................................................... 14 4.1 Mudanças psíquicas no quadro psicodinâmico .................................. 19 4.2 Personalidade perturbada .................................................................. 23 4.3 Neurobiologia, tratamento, genética e etiologia dos transtornos citado a acima de personalidade ......................................................................................... 34 5 NOTA HISTÓRICA SOBRE AS PERTURBAÇÕES DE PERSONALIDADE NO DSM 64 5.1 Modelos categoriais e dimensionais de patologia da personalidade .. 67 6 AS ABORDAGENS COMPORTAMENTAL E COGNITIVA DA PERSONALIDADE .................................................................................................... 71 6.1 Teoria de personalidade de aaron beck ............................................. 71 6.2 A abordagem cognitiva dos transtornos de personalidade ................. 73 6.3 Os transtornos de personalidade e as síndromes sintomáticas ......... 74 6.4 Abordagem comportamental .............................................................. 75 6.5 Abordagem cognitiva do processamento de informações .................. 77 6.6 A terapia cognitiva .............................................................................. 78 6.7 A terapia comportamental .................................................................. 79 6.8 Terapia cognitivo-comportamental ..................................................... 80 7 REFERÊNCIAS BILBIOGRAFICAS .......................................................... 82 8 BIBLIOGRAFIA ......................................................................................... 85 3 1 INTRODUÇÃO Prezado aluno! O Grupo Educacional FAVENI, esclarece que o material virtual é semelhante ao da sala de aula presencial. Em uma sala de aula, é raro – quase improvável - um aluno se levantar, interromper a exposição, dirigir-se ao professor e fazer uma pergunta , para que seja esclarecida uma dúvida sobre o tema tratado. O comum é que esse aluno faça a pergunta em voz alta para todos ouvirem e todos ouvirão a resposta. No espaço virtual, é a mesma coisa. Não hesite em perguntar, as perguntas poderão ser direcionadas ao protocolo de atendimento que serão respondidas em tempo hábil. Os cursos à distância exigem do aluno tempo e organização. No caso da nossa disciplina é preciso ter um horário destinado à leitura do texto base e à execução das avaliações propostas. A vantagem é que poderá reservar o dia da semana e a hora que lhe convier para isso. A organização é o quesito indispensável, porque há uma sequência a ser seguida e prazos definidos para as atividades. Bons estudos! 4 2 A PSICOLOGIA DA PERSONALIDADE Fonte: slideplayer.com.br A psicologia da personalidade é a área que estuda e procura explicar as particularidades humanas que influenciam o comportamento. A personalidade pode ser definida como o conjunto de características que determinam os padrões pessoais e sociais de uma pessoa, sua formação é um processo gradual, complexo e único a cada indivíduo. No senso comum o termo personalidade é usado para descrever características marcantes de uma pessoa, como “ essa pessoa é extrovertida ou aquela menina é tímida” e etc., porém o conceito de personalidade está relacionado as mudanças de habilidades, atitudes, crenças, emoções, desejos, e ao modo constante e particular do indivíduo perceber, pensar, sentir e agir, além da interferência de fatores culturais e sociais nessas características. Existem muitas teorias que estudam a personalidade, porém uma das mais importantes na história do estudo de personalidade está a de Freud. Para Freud, o comportamento é resultado de três sistemas que são o Id, o Ego e o Superego. O Id é inato (que nasce com o indivíduo, congênito) e regido pelo princípio do prazer, exige satisfação imediata dos impulsos, sem levar em conta as consequências indesejáveis. 5 O Ego é uma evolução do Id, pois apesar de conter elementos inconscientes como Id funciona muito mais a nível consciente e pré-consciente, dessa forma, comandado pelo princípio da realidade, o Ego cuida dos impulsos do Id e muitos dos desejos acabam sendo não satisfeitos, mas sim reprimidos. O Superego contém ideias derivadas dos valores familiares e sociais, por isso é um sistema parcialmente consciente que serve como censor das funções do ego, de onde derivam sentimentos de punição, medo e culpa. Desse modo, podemos considerar o Id como sendo o componente biológico, o Ego como o psicológico e o Superego como o social da personalidade, trabalhando juntos sobre a liderança do Ego. Portanto na teoria da sexualidade, Freud explica que a sexualidade é reconhecida como um instinto com o qual as pessoas nascem e que se expressa de diferentes formas de acordo com as fases do desenvolvimento que seriam a fase oral de (0 a 2 anos), fase anal de (2 a 4 anos), fase fálica de (4 a 7 anos), período de latência (7 a 12 anos) e adolescência (a partir dos 12 anos). Essas fases deixarão traços que definirão a estrutura da personalidade do indivíduo. É interessante também citar a teoria da personalidade estabelecida por Erich From. Ele vê a personalidade como um produto das condições culturais, ou seja, a personalidade se desenvolve a partir daquilo que a sociedade oferece. Acredita que a sociedade está doente e não satisfaz as necessidades do homem, porém o homem deve se ajustar a essa sociedade para escapar da solidão de outros homens e da natureza tentando se adaptar também a suas exigências interiores. Ou seja, a psicologia cientifica busca formar um embasamento teórico da personalidade, popularmente a personalidade é atribuída sendo boa ou ruim, porém na psicologia ela deve estar alheia a esse juízo de valor, sendo então o estudo das características que diferenciam os indivíduos. Na tentativa de agrupar e diferenciar as características da personalidade pode- se dizer que os determinantes inconscientes do comportamento e os determinantes conscientes são fatores centrais entre algumas teorias da personalidade, porém considera-se também, a hereditariedade, a base biológica e os aspectos sociais do indivíduo aspectos relevantes na determinação da personalidade do indivíduo. 6 2.1 O desenvolvimento da personalidade Em primeiro lugar, há a concepção de que o ser humano é biopsicossocial, ou seja, toda sua dinâmica é composta pela influência dessas três esferas. A origem do comportamento humano e, consequentemente, da personalidade, segue essas vertentes: de um lado, estão as características genéticas e fisiológicas, e de outro, suas experiências em relação com o mundo. A influência da hereditariedade na personalidade é uma curiosidade antiga. Em 1873, Charles Darwin salientou que a genética determina não só os atributos físicos,como a cor dos olhos ou a estatura, mas que também a personalidade e o comportamento sofrem influências de uma constituição biotipológica herdada. Estudos recentes e com técnicas mais avançadas comprovam as ideias de Darwin. Outro fator que, aliado à genética, determina a personalidade humana é a interação social do sujeito desde a mais tenra idade, ainda na infância. O núcleo primário – e mais importante – de interação da criança é sua família. É a partir da relação com seus pais que ela aprende conceitos a respeito de si mesmo e do mundo a sua volta. Por exemplo, uma criança, cuja família a estimula e encoraja a encarar os desafios do seu desenvolvimento (como andar, falar, ir à escola), demonstrando-lhe o quanto é amada, terá maiores subsídios para construir uma personalidade com maior autoestima e a lidar de forma mais madura e adequada com os desafios e frustrações que surgirão ao longo de toda a sua vida. Outro exemplo é o da criança cujos pais são superprotetores. Ao evitarem expô-la às situações normais do desenvolvimento infantil, como não permitir que brinque num parque por temerem que o filho se machuque, ou não deixá-lo ir à casa de um amiguinho por acharem que ele não será cuidado adequadamente, essa criança aprenderá conceitos a respeito de si e do mundo de que viver é um risco, e que pode sofrer danos em muitas situações. Dessa forma, é provável que uma personalidade ansiosa seja desenvolvida, se houver pré-disposição biológica para isso. Esses dois exemplos nos mostram como o papel da família é fundamental no desenvolvimento da personalidade, pois criança reproduz o aprendizado que obtém na relação com seus pais, para a sua interação social como um todo. A esse aprendizado damos o nome de crenças. 7 As crenças são conceitos profundos e fundamentais a respeito de si mesmo, as outras pessoas e o mundo. Elas se desenvolvem na infância e são consideradas como verdades absolutas. Essas crenças determinam a forma como o indivíduo percebe uma situação, o que consequentemente influencia sua forma de pensar, sentir e se comportar diante dela. Essas crenças podem ser positivas e funcionais, o que proporciona ao sujeito uma personalidade saudável, com bom enfrentamento, interação social e escolhas na vida. Há também as crenças negativas ou disfuncionais, que podem surgir num momento específico da vida, acarretando algum tipo de problema emocional, como depressão ou ansiedade, ou dificuldade para lidar com uma dificuldade pontual. Isso ocorre com a maioria das pessoas, e, muitas delas, não apresentam maiores gravidades. No entanto, há casos em que essas crenças disfuncionais são extremamente rígidas, e ativadas constantemente, o que resulta num Transtorno de Personalidade. 2.2 Definição de personalidade De um ponto de vista estruturalista, a organização das condutas supõe uma hierarquia de integrações que, no seio do sistema nervoso, preparam respostas unitárias a partir de informações parciais. De um ponto de vista funcionalista, reconhece-se que a coerência da personalidade resulta de uma construção no tempo, conseguida através das capacidades e meios do indivíduo. Deste modo, os teóricos defensores dos traços defendem a existência de uma predisposição geral e abrangente para um determinado comportamento, negligenciando a importância da situação específica como influência desse mesmo comportamento. O movimento comportamentalista rejeita esta concepção, assumindo o comportamento como um número de sequências de estímulo-resposta, em que padrões gerais de resposta não são considerados. Atualmente, a psicologia orienta-se que numa perspectiva psicodinâmica, que privilegia as componentes motivacionais, que numa perspectiva cognitiva que sublinha as modalidades de tratamento da informação (Doron & Parot, 2001). 8 Do ponto de vista psicanalítico, a personalidade é determinada pelo temperamento e pelo carácter, ou seja, é considerada como uma integração dinâmica dos padrões de comportamento do sujeito que têm na sua base o temperamento, carácter, sistema de valores internalizados e capacidades cognitivas (Kernberg, 2006 apud João David 2010). Segundo McWilliams (2005), dentro da abordagem psicanalítica, é possível identificar diferentes perspectivas relativamente ao modo como a personalidade é entendida e, consequentemente, diferentes formas de intervenção. De acordo com a Teoria Pulsional, de Freud, é importante compreender em que fase desenvolvimento precoce o indivíduo se fixou, sendo que a personalidade é concebida como uma manifestação dos efeitos a longo prazo dessa fixação. A fixação ocorre, segundo este modelo, por uma excessiva frustração ou gratificação da criança, identificando-se aspectos problemáticos de determinado estágio de desenvolvimento. A psicologia do Ego, que deriva do Ego e Id, de Freud (1923), muda o foco de interesse dos conteúdos do inconsciente para os processos pelos quais esses conteúdos são mantidos fora da consciência, ou seja, a personalidade passa a ser entendida segundo o tipo de defesas do ego. Para além desta concepção, introduz-se ainda a hipótese de que a saúde psicológica envolve não só ter defesas maduras, mas ser capaz de utilizar vários processos defensivos, o que só é possível se o indivíduo tiver uma personalidade flexível, dotada de plasticidade. Na Escola das Relações de Objeto, Fairbain (1954) defende que as pessoas não procuram a satisfação pulsional, mas sim a relação, ou seja, não importa tanto o leite da mãe que satisfaz a criança, mas a experiência de ser cuidado e o vínculo que daí se estabelece. Portanto, para compreender a personalidade, não é preciso identificar a pulsão com a qual se lidou mal na infância, saber a fase de desenvolvimento em que se fixou, nem saber as defesas do ego predominantes, mas sim perceber como foram os primeiros objetos vivenciados, como foram internalizados. A personalidade é, então, “considerada como padrões razoavelmente predizíeis de comportamentos parecidos com os dos objetos experenciados da infância precoce ou de indução de outros a comportarem-se como esses objetos” (McWilliams, 2005, apud, João David 2010). 9 A Psicologia do Self, surge nos anos 60, como resposta a um sentimento de insuficiência dos outros modelos teóricos, face à problemática de alguns pacientes que não podia ser respondida com problemas de gestão de impulsos instintivos e seus inibidores, funcionamento inflexível de determinadas defesas contra a ansiedade, nem ativação de objetos internos dos quais o paciente se diferenciou inadequadamente. Rogers (1951, 1961) sai da tradição psicanalítica e desenvolve uma teoria e terapia que tenta fazer da afirmação do self e da crescente autoestima do cliente uma marca distintiva. Para Kohut, era importante perceber as necessidades normais de idealização e as implicações na psicopatologia do adulto, de crescer sem objetos que possam ser idealizados e gradualmente desidealizados. Embora existam, dentro do campo da psicanálise, diferentes modelos teóricos sobre a personalidade, qualquer teoria psicanalítica realça dinamismos, processos dinâmicos, em detrimento dos traços de personalidade, que são qualificados como atributos estáticos. Para as diferentes teorias psicanalíticas, “as pessoas organizam- se em dimensões significativas para si e, emblematicamente, mostram características que expressam ambas as polaridades de qualquer dimensão saliente” (McWilliams, 2005,). Do ponto de vista cognitivo, a personalidade pode ser entendida como um conjunto de características sócio emocionais de um indivíduo, que revelam alguma estabilidade temporale que varia entre indivíduos da mesma cultura, atendendo à individualidade dos traços (Asendorpf, 2008). A personalidade, no adulto, resulta de uma combinação entre interação genética e influências do ambiente externo, ao longo do desenvolvimento. Portanto, a personalidade consiste em vários traços específicos que podem ser descritos sobre a forma de um padrão individual de traços (o que acontece, por exemplo, nos Big Five / Cinco grandes), possibilitando a criação de um perfil estável individual. Estudos realizados na área das diferenças entre padrões estáveis de personalidade sugerem a hipótese de a estabilidade da personalidade ser maior em indivíduos que se revelaram mais competentes e resilientes ao longo da sua vida, o que aponta para o constructo de plasticidade. A plasticidade da personalidade parece estar pouco relacionada com influências ambientais ao longo do desenvolvimento, mas mais com aspectos genéticos (Asendorpf, 2008 apud João David, 2010). 10 O autor apresenta três princípios para o desenvolvimento da personalidade: O primeiro prende-se com a alta plasticidade da personalidade ao longo do curso de vida; o segundo refere-se à estabilidade a longo prazo da personalidade, o que depende de fatores genéticos (Rutter, 2006, cit por Asendorpf, 2008), do fato de o próprio indivíduo escolher e modificar o seu ambiente externo como extensão da sua personalidade, do desenvolvimento e comprometimento com uma identidade pessoal que providencia pontos de referência para tomadas de decisão (assumindo uma função de filtro de experiências de vida e de interpretação de acontecimentos de forma concordante com a sua personalidade) e do fator resiliência, ou seja, da capacidade para enfrentar os desafios do ambiente externo; O terceiro princípio do desenvolvimento da personalidade, princípio corresponsivo (Roberts et al., 2003, cit por Asendorpf, 2008), diz respeito ao fato de os traços que selecionam determinado ambiente serem os traços mais influenciados por esse próprio meio externo. Segundo Debray e Nollet (2004), o cognitivismo possibilita o estabelecimento da origem e coerência da personalidade, na medida em que se estuda o conteúdo mental (pensamentos, representações, imagens, crenças e interpretações), segundo um modelo informático do funcionamento mental. A psicologia cognitiva atribui um papel importante ao conceito de esquemas, no estudo da personalidade do indivíduo. A esquematização é um processo de categorização social, ou seja, da visão de si, dos outros e do mundo, de onde resultou a tríade de Beck. Segundo Beck (1955), influenciado pelo trabalho de Kelly (que afirma que a personalidade de um indivíduo resulta do conjunto dos seus constructos pessoais, através dos quais interpreta a realidade de forma singular) e pelas noções piagetianas, substitui a noção de constructo pela de esquema, (Beck 1955). Os esquemas são “estruturas cognitivas que organizam a experiência e o comportamento, e são os principais organizadores da visão de si, dos outros, do mundo e do tempo” (Debray & Nollet, 2004), sendo específicos de cada sujeito. 11 Os esquemas dizem respeito às experiências precoces, aos traumatismos psicoafectivos, aos valores e preconceitos do seu meio socioeducativo e cultural, estando na base da personalidade de cada indivíduo. Para além do conceito de esquema, quando se aborda as questões da personalidade do ponto de vista cognitivo, é fundamental a noção de enviesamento de atribuição, ou seja, enviesamentos no processo de inferência que confere significado causal aos eventos, aos seus próprios comportamentos e aos dos outros, processos através do qual “o homem apreende a realidade, pode predizê-la e dominá- la com vista a introduzir coerência, estabilidade e sentido na percepção do ambiente” (Heider, 1958, cit por Debray & Nollet, 2004). Segundo os autores, os enviesamentos de atribuição encontram-se em atividade nas perturbações de personalidade (e.g. atribuições externas estáveis de hostilidade e perigosidade caracterizam sujeitos paranóides, entre outros, e atribuições internas estáveis de vulnerabilidade ou precariedade vão mais no sentido de personalidades depressivas, entre outras). De forma não vinculativa às várias correntes teóricas sobre a personalidade, surgem dois modelos que assentam em cinco traços de personalidade, mas que têm origens diferentes: O Modelo dos Cinco Fatores da Personalidade (Costa & McCrae, 1992), que resulta de investigações feitas com base em questionários, e os Big Five (Goldberg, 1992), que resulta de uma abordagem semântica e psicolexical. No seguimento dos trabalhos de Cattel e Eysenck, foram identificados dois componentes essenciais da estrutura da personalidade: A Extroversão E o Neuroticismo, (Boyle, 2008; De Raad & Perugini, 2002). Depois de identificados como os Big Two, por Wiggins (1968), Costa e MacCrae (1976, 1985) incluíram a dimensão Abertura à Experiência (Openness to Experience) e, mais tarde, acrescentaram as dimensões Conscienciosidade (Conscientiousness) e a Amabilidade (Agreeableness) (De Raad & Perugini, 2002). Os Big Five (cincos grandes) serviram de base para o desenvolvimento de instrumentos de avaliação, funcionando como um modelo de referência. A dimensão Extroversão (e Introversão), tendo por base uma concepção junguiana, é a mudança de direção da energia psíquica das profundezas da psique para o exterior, estando o 12 indivíduo mais interessado no outro e predisposto para investir no exterior. Introversão é refletida por um interesse na própria psique e na preferência pela solidão. A dimensão Amabilidade diz respeito às relações interpessoais, ao sentimento de comunhão que é condição para pertencer a uma comunidade social e espiritual, estando associada a questões relacionadas com a saúde ou recuperação de uma situação frágil. A dimensão Conscienciosidade diz respeito ao desejo de realização, caracterizando-se por aspectos como: ser organizado, sistemático, eficiente, prático e firme, sendo uma dimensão importante em contextos de trabalho e aprendizagem. A dimensão Neuroticismo (ou Estabilidade Emocional) é um bom fator de avaliação de perturbações de personalidade, sendo um bom preditor de stress psicológico, estados de humor positivos ou negativos e estando associado a um elevado interesse em comparações sociais e em reações pouco favoráveis em pacientes vítimas de cancro. A dimensão Abertura à Experiência, num contexto clínico, está associada a graves distúrbios comportamentais (De Raad & Perugini, 2002). De acordo com Boyle (2008) e De Raad & Perugini (2002), o Modelo dos Traços de Personalidade Big Five foi um dos que forneceu maior contributo à tentativa de organização do complexo domínio da personalidade, através da sua taxonomia e do ressurgimento dos traços como constructos centrais na análise da personalidade. Não obstante algumas críticas referentes à falta de uma teoria explícita para o desenvolvimento das disposições de personalidade, o modelo deseja apenas fornecer uma descrição da personalidade razoavelmente compreensível, apresentando os traços que são mais importantes nas descrições do próprio e dos outros, de uma forma que não favorece nenhum modelo teórico particular, enquanto a validade de outras descrições da personalidade dependem substancialmente da validade da perspectiva teórica particular de que derivam. Estudos mais recentes apontam para a necessidade de rever os Big Five, no sentido de se acrescentarem novas dimensões como Moralidade e Honestidade (Ashton & Lee, 2001; Ashton, Lee e Son, 2000), devendo este modelo serentendido como ponto de partida e não como ponto de chegada (Boyle, 2008). Em suma, e face à variedade de definições do conceito que serve de base ao nosso estudo, a personalidade será definida como um conjunto de traços de carácter e temperamento pelos quais as pessoas se diferenciam entre si, na 13 forma como se relacionam consigo mesmas e com a sociedade que a rodeia. A formação da personalidade é assumida como uma construção individual, de desenvolvimento gradual e complexa (Doron & Parot, 2001apud João David 2010). 3 PERSONALIDADE NORMAL A personalidade normal, de acordo com Kernberg (2006), assenta em quatro aspectos estruturais. Primeiro, caracteriza-se por um conceito integrado do self e outros significativos, que se refletem “na consciência interna e na aparência externa da coerência do self, formando uma pré-condição fundamental à autoestima normal, ao prazer consigo mesmo e gosto pela vida”. Este sentimento de integração vai permitir um investimento emocional no outro, o que requer uma dependência madura associada a uma noção de autonomia sólida. Segundo, deriva da identidade e força do ego, nomeadamente na capacidade para sentir afetos e controlar impulsos, para confiar, estabelecer relações recíprocas, o que é determinado pelas funções superegóicas. Terceiro, uma personalidade normal requer um superego maduro e integrado, o que se revela numa consciência de responsabilidade, capacidade para uma autocrítica realística, flexibilidade na tomada de decisão e compromisso com normas, valores e ideias. Quarto, é necessária uma gestão adequada dos impulsos libidinais e agressivos, o que requer uma expressão completa das necessidades sexuais e sublimação de impulsos agressivos, sobre a forma de assertividade, resistindo aos ataques sem uma reação excessiva e sem voltar a agressividade contra o próprio self (Kernberg, 2006). Para Coleman (2005), a normalidade assenta na flexibilidade do uso das defesas, sendo que a sua maioria deve assentar em defesas maduras, não obstante a possibilidade (reduzida) de se utilizar defesas imaturas. Para Bergeret (2004), a personalidade normal “corresponde a uma estrutura profunda, neurótica ou psicótica, não descompensada (e que talvez nunca o venham a estar), estruturas estáveis e definitivas em si que se defendem contra a descompensarão por uma adaptação à sua originalidade. ” 14 4 MUDANÇA DA PERSONALIDADE Atualmente, no contexto terapêutico, define-se mudança de personalidade (Rogers, 2007) como uma mudança a nível estrutural, tanto superficial como em profundidade, que visa uma estrutura mais madura, com uma maior integração do eu e menos conflito interno. Rogers continua, no seu artigo original de 1957 e que continua a ser relevante nos paradigmas psicoterapêuticos de hoje, afirmando que esta mudança só acontece no contexto relacional da psicoterapia, estendendo-se posteriormente para as relações exteriores (Silberschatz, 2007). No debate sobre este tema, existe uma questão que se coloca e que divide os teóricos em dois grupos: o fato de ser ou não possível mudar a personalidade de um paciente, em contexto psicoterapêutico, havendo os que defendem que é possível alterar a personalidade fundamental de um sujeito e os que defendem que tal mudança não é possível. Para tentar esclarecer este problema, tentaremos responder a duas questões que nos parecem essenciais quando abordamos este tema: A personalidade é passível de mudança? Se sim, em que aspectos essa mudança incide? Investigações recentes apontam para o fato de que tanto o tratamento psicodinâmico como o cognitivo, comportamental e farmacológico conduzem a mudanças na personalidade (Piper & Joyce, 2001; Paris, 2005, cit por Livesley, 2007). Segundo um estudo realizado por Coleman (2005), tanto a terapia psicanalítica como a cognitivo-comportamental produzem efeitos na mudança de cognições e defesas. Carl Rogers (2007) propõe seis condições necessárias e suficientes ao processo de mudança de personalidade, em contexto de psicoterapia: Em primeiro lugar, é obrigatório que se estabeleça a relação, no sentido de seus dois intervenientes estarem em contato psicológico (sem relação, não há mudança); Em segundo lugar, é necessário que o cliente esteja a vivenciar um estado de incongruência, sentindo-se vulnerável ou ansioso (ou seja, que haja uma discrepância entre a experiência atual e a forma como o indivíduo representa essa experiência); 15 Em terceiro lugar, o terapeuta deve, no contexto relacional, revelar-se congruente, genuíno e integrado; Em quarto lugar, o terapeuta deve aceitar incondicionalmente os aspectos do cliente não colocando condições de aceitação, o que implica uma predisposição a cuidar do outro, como pessoa separada, e não de forma possessiva ou como satisfação própria; Em quinto lugar, o terapeuta deve experienciar um entendimento empático do quadro de referência interno do cliente, promovendo a comunicação desta experiência com o cliente (ou seja, o terapeuta deve conseguir sentir o mundo do seu cliente como se fosse seu, sem perder a sua identidade. Só quando o terapeuta consegue aceder a este mundo livremente e percebe-lo de forma genuína e empática, é que ele consegue comunicar com o cliente estes aspectos, partilhando a linguagem e compreensão do mesmo) e; Em sexto lugar, a comunicação para o cliente do entendimento empático e aceitação incondicional do terapeuta deve ser feita a um nível mínimo, uma vez que está presente no comportamento, palavras e atitude do terapeuta e é entendida, quando de uma boa relação, pelo cliente (Rogers, 2007). Nesta proposta, o autor realça o fato de ser necessária alguma permanência temporal desta relação e coloca as possibilidades de mudança nos fatores relacionais, em detrimento das técnicas utilizadas pelos diferentes modelos. Segundo Silberschatz, critica Rogers no sentido de acreditar que com alguns pacientes é necessário focar as técnicas utilizadas e que a mudança de personalidade em psicoterapia também depende das características próprias do paciente, quer de forma direta (e.g. motivação para a mudança), quer pelo que essas características pessoais reativam no terapeuta (processos contratransferências) (Silberschatz 2007, apud; Santos David, 2010). Alguns estudos sobre mudança de personalidade (Roberts & Mroczek, 2008) tem revelado que esta ocorre ao longo dos diferentes períodos vida, de forma única e pessoal, associada às diferentes experiências de vida. 16 Quando comparados em estudos cross-sectional - transversal e longitudinais, adultos de meia-idade mostram valores mais elevados de Amabilidade e Conscienciosidade do que adultos mais jovens e têm pontuações mais baixas na Extroversão, Neuroticismo e Abertura. Num outro estudo (Roberts, Walton & Viechbauer, 2006, cit in Roberts & Mroczek, 2008; Asendorpf, 2008), que utilizou o modelo dos Big Five, verificou-se que nos jovens adultos (20-40 anos) aumentou a extroversão (na sua dimensão de domínio social), a conscienciosidade e a estabilidade emocional, diminuindo o neuroticismo; a amabilidade aumenta significativamente entre os 50 e 60 anos e a abertura à experiência aumenta depois dos 22 anos, diminuindo aos 60 anos. A maior variação dos traços ocorre entre os 18 e os 30 anos, estabilizando entre os 40 e os 50 e voltando a mudar entre os 50 e os 60. A maioria dos estudos que os autores referem, verificou que as mudanças ocorrem num sentido positivo. McWilliams (2005), dentro de uma perspectiva psicanalítica, afirma que, apesar da personalidade poder ser substancialmente modificadapela terapia, ela não pode ser transformada. As pessoas mantêm os seus principais guiões, conflitos, expectativas e defesas internas, embora mantenham a possibilidade de expandir a sua autonomia e autoestima se forem clarificadas as componentes da sua personalidade básica. Independentemente de o contrato terapêutico incluir ou não um acordo para mudar a personalidade, a consideração da sua natureza por ambas as partes vai facilitar o trabalho da relação terapêutica. Segundo Debray e Nollet (2004), os esquemas das perturbações da personalidade são muito difíceis de mudar, apontando para uma impossibilidade na mudança de personalidade de um paciente. Para estes autores, o que é possível fazer é reforçar um esquema alternativo ou orientar para uma perspectiva socialmente proveitosa para o cliente. Na tentativa de responder à nossa segunda questão – Se a personalidade muda, em que aspectos essa mudança incide? Livesley (2007), entendendo a personalidade como um sistema organizado de componentes e subsistemas, afirma que cada um dá origem a diferentes domínios da psicopatologia. 17 O autor reconhece seis domínios da personalidade perturbada: A componente sintomática (e.g. ansiedade, depressão, comportamentos impulsivos), mecanismos de controlo que regulam emoções e impulsos, predisposições genéticas, sistema interpessoal (que é constituído por representações do outro, crenças, expectativas e estratégias comportamentais que influenciam a relação), sistema do self (conjunto de esquemas usados para organizar o autoconhecimento de forma coerente, o que atribui estabilidade às experiências e direção à ação). Na base destes dois últimos domínios, que se encontram interligados, esta a compreensão das regras que governam o comportamento humano (e.g. Teoria da Mente, o que sugere um trabalho de mentalização). Finalmente, o último domínio diz respeito ao meio ambiente, na medida em que o indivíduo seleciona, dá a forma, estrutura os seus contextos de forma a suportar a sua personalidade. Portanto, para o autor, quando se procura intervir, em contexto terapêutico, nas perturbações de personalidade, é necessário atender a estes aspectos. Livesley (2007) define cinco fases que constituem o processo de mudança: Segurança – ocorre no início do tratamento e respeita ao momento de crise (descontrolo emocional, comportamento desorganizado, agressividade virada para o self ou para o outro), providenciando uma estrutura e suporte; Contenção – associada à anterior, pretende conter impulsos e afetos, restituindo a capacidade de controlo comportamental, o que requer uma forte aliança, validação e compreensão empática; Controle e regulação – Fase que continua após a resolução da crise, objetivando a redução dos sintomas, violência e ataques ao self, pela aquisição de competências de controlo do self que compensem as deficiências dos mecanismos regulatórios do self; Exploração e mudança – O tratamento conduz à exploração e mudança de processos cognitivos, afetivos e motivacionais que estão subjacentes à problemática do paciente; 18 Integração e síntese – O fim do tratamento requer a integração de fragmentos da personalidade e a síntese da nova estrutura, nomeadamente dos limites interpessoais, de um self mais coerente e de uma representação do outro mais integrada Segundo Livesley, o trabalho no tratamento de personalidades perturbadas implica a construção de uma relação de colaboração, a manutenção de um processo de tratamento consistente, a promoção da validação e a construção da motivação e do sentido de compromisso para a mudança, (Livesley 2007 apud , Elias Ana 2010). Estas intervenções gerais permitem ao paciente uma vivência de um self estável em relação (com o terapeuta), o que contribui para a construção de um self mais coerente. Relativamente a intervenções mais específicas, o autor afirma que é importante aumentar do autoconhecimento (expandindo a visão dos pacientes dos seus problemas e aspectos do self, sobretudo em pacientes com perturbações de personalidade, nos quais o conhecimento do self está limitado, desorganizado e dividido ou suprimido), proporcionar novas experiências (dentro e fora do contexto terapêutico, nomeadamente experiências emocionais corretivas com o terapeuta, que poderão ser assimiladas e alargadas a outros contextos) e novas aprendizagens. Para o autor, é inconcebível esperar que os pacientes consigam mudanças profundas sem que lhes seja dada uma ajuda na construção de um novo script de vida, que lhes permita atribuir sentido ao que se passa consigo. Por outro lado, também é fundamental trabalhar com o paciente a manipulação e mudança no seu meio ambiente. A intervenção cognitiva tem um papel importante na modulação de esquemas mal adaptativos e modos de pensamento. As intervenções psicodinâmicas são úteis na modificação de padrões cíclicos de comportamentos interpessoais e na manipulação do evitamento e outras estratégias que criam resistências ao tratamento (Livesley, 2008). Dois importantes níveis de mecanismos de mudança são os que envolvem o paciente e os que envolvem o processo terapêutico, incluindo as técnicas utilizadas pelo terapeuta. 19 O nível dos mecanismos cognitivos e defensivos do paciente são um aspecto importante: para a terapia cognitivo-comportamental, a incidência da intervenção para alcançar mudanças é nas cognições distorcidas. Para a terapia psicanalítica, a intervenção passa pelas defesas. Do ponto de vista cognitivo-comportamental, os sintomas são causados por pensamentos automáticos mal adaptativos que refletem a estrutura cognitiva. Este modelo teórico utiliza como técnicas o questionamento socrático, a psicoeducação e o coaching para observar e modificar padrões de pensamento, afeto e comportamento. Do ponto de vista psicanalítico, a intervenção nos mecanismos de mudança é feita através das defesas, do tornar consciente o inconsciente ou da relação objetal, pela internalização do self e do outro. Neste modelo teórico, a relação é por si só uma ferramenta que estimula o uso de defesas mais maduras e promove o insight, através de técnicas interpretativas (Coleman, 2005). 4.1 Mudanças psíquicas no quadro psicodinâmico Dentro da psicoterapia psicanalítica e da psicanálise, a avaliação das mudanças psíquicas revela-se uma tarefa complexa, dependendo dos diferentes fatores que intervêm no processo psicoterapêutico como a aliança terapêutica, a transferência, a conta transferência, a interpretação, entre outros (Alexandre, 2007). Estas dependem, ainda, da gravidade da patologia do paciente, bem como do modelo teórico e das concepções que o analista e o analisando fazem desta mesma transformação (Alexandre, 2007). Segundo Blum, no que respeita à natureza da concepção de mudanças da estrutura psíquica, existem algumas divergências decorrentes de diferentes modelos teóricos que sustentam a sua forma de entender o indivíduo e a sua estrutura (Alexandre, 2007). Contudo, a mudança, independentemente do modelo teórico, é entendida como um processo lento, silencioso e inconsciente (Blum, 1992, apud Elias Ana 2010). Neste sentido, torna-se relevante revisitar algumas perspectivas psicanalíticas, no que respeita à mudança e relação. 20 O que define o terapeuta e o que, de fato, pode conduzir a uma mudança, são as atitudes que ele transporta para a relação terapêutica e não tanto as técnicas e instrumentos que utiliza. Esta atitude comporta a valorização do cliente e da sua experiência, um verdadeiro interesse pela pessoa, a confiança depositada pelo terapeuta nacapacidade de o paciente conseguir superar incongruências e o respeito pelo seu direito de ser livre na sua escolha. O fundamental na relação terapêutica é a autenticidade do terapeuta, que se espelha nesta relação pela sua humanidade (Santos, 2005). De acordo com Matos (1994), o melhor instrumento que o psicoterapeuta tem ao seu dispor é a sua capacidade empática e tolerância à espera, através das quais as comunicações contratransferências serão não intrusivas e promotoras do desenvolvimento da relação e mudança do paciente. Neste sentido, os movimentos de transferência e contratransferência assumem um importante papel no processo de mudança, no decorrer da psicoterapia. Para Symington (1999), a transferência é o “local central da cura”, uma vez que é através dela que o paciente transfere os seus maus objetos internos e requer ao analista uma capacidade emocional da zona específica onde se deu a falha no seu desenvolvimento. Freud introduz a noção de contratransferência, em 1910, como conceito que espelha a influência que o paciente exerce sobre o médico, influência esta que incide sobre os sentimentos inconscientes do analista (Tamburrino, 2007). Ferenczi, a propósito deste conceito, sublinha a necessidade de contato afetivo com o paciente e atribui um carácter fundamental, para a terapia, à capacidade de amar do próprio analista. Para Freud, a mudança prende-se com a transformação do que é inconsciente em inconsciente, processo através do qual o ego adquiriria capacidades de elaboração dos conflitos psíquicos e uma maior plasticidade nas estruturas defensivas, o que conduziria a uma relação mais saudável entre as pulsões internas e a realidade (Rodrigues & Hutz, 1998). Klein, em 1946, debruça-se sobre o conceito de identificação projetiva, colocando em evidência a projeção de sentimentos de um no interior de outro, sendo que esta intrusão teria o objetivo de destruir, controlar ou tomar posse. 21 Desta forma, embora não fale de contratransferência (por medo de que a aprovação do seu uso autorizasse os analistas a protegerem-se dos seus sentimentos através do paciente, projetando-os nele), aborda o fato de o analista ser afetado pelo analisando (Tamburrino, 2007). Segundo a noção bioniana de continente-conteúdo, o bebê projeta na mãe as suas ansiedades e esta recebe as suas projeções, devolvendo-as desintoxicadas (continente). Fazendo um paralelismo com a relação terapêutica, o paciente vai projetar as suas angústias sem forma e o terapeuta recebe, contendo e devolvendo- as transformadas (Rodrigues & Hutz, 1998; Leitão, 2003). Desta forma, a contratransferência pode ser compreendida a partir da capacidade de rêverie- devaneio, “entendida como a (in) capacidade por parte da mãe ou do analista para desenvolver um devaneio criativo que possa envolver o paciente ou o filho” (Cintra e Figueiredo, 2004, cit in Tamburrino, 2007). Tal remete para a importância da experiência corretiva, quando a criança experiencia algo de mais destrutivo contra a figura materna, elaborando fantasias agressivas de que ela à pode castigar, por um lado, a criança tem de ter a certeza de que tem capacidade para destruir o objeto mas tem de certificar-se de que ele não é destruído, por outro lado, é fundamental que a mãe seja capaz de receber e zangar e, contê-la, transformar a vivência e devolvê-la à criança de forma mais tolerável para a mesma. Esta é a resposta desintoxicante bioniana, que faz parte do papel do próprio terapeuta: o paciente fantasia uma resposta agressiva por parte do terapeuta mas recebe uma diferente das anteriormente vivenciadas (Azevedo e Silva, 2008). Para Bion, o aparelho psíquico está em constante evolução e tem capacidade para aceder à função analítica do pensamento (Rodrigues & Hutz, 1998). Winnicott realçou a importância da integração do indivíduo com o seu meio ambiente, desenvolvendo e sistematizando o seu corpo teórico em torno da premissa de que o aparelho psíquico se constitui por meio de processos, nos quais a participação do meio ambiente facilitador é fundamental. Este meio ambiente teria as suas raízes na primeira relação, nos cuidados adequados de uma mãe suficientemente boa, ou seja, o holding materno seria o primeiro facilitador desta integração com o meio (Winnicott, 1960; cit. in Rodrigues & Hutz, 1998). O autor transpõe esta noção de colo materno para a relação terapêutica, 22 acreditando que o holding analítico era um fator imprescindível para o desenvolvimento do processo de análise e, consequentemente, para a mudança. Para Heimann (1995), a contratransferência “é a forma mais dinâmica na qual lhe chega a voz do paciente” (cit in Tamburrino, 2007). Kernberg (2004) vai no sentido desta afirmação, ao dizer que as fontes primárias da informação sobre a situação analítica são a experiência subjetiva do paciente, a manifestação não verbal e a contratransferência, mas realça que a contratransferência como caminho para conhecer o paciente varia consoante a maior ou menor capacidade do paciente para conter uma experiência primitiva na sua consciência subjetiva, uma vez que esta pode conduzir a reações contratransferências muito negativas. Segundo Kohut, o objetivo é a reabilitação da estrutura do self que, nas perturbações de personalidade, se encontra deficitária. Esta reestruturação é feita através da internalização do bom objeto (terapeuta) e de experiências passadas, que são revividas por uma psique mais madura (Kohut apud Rodrigues & Hutz, 1998). Um outro aspecto fundamental, e já identificado por Rogers, para que seja possível trabalhar a personalidade, na relação, é a empatia. Para Kohut (1971) e Greenson (1959), a empatia depende da capacidade introspectiva e do sentido de identidade do terapeuta, sendo um aspecto crucial da relação terapêutica. A perspectiva de Kohut sublinha que “a empatia possibilitava a condição de o analista se colocar no lugar do outro, propiciava uma vivência emocional compartilhada e possibilitava no paciente uma internalização transmutadora” (Zimerman, 1999, cit in Leitão, 2003). Complementando a importância da empatia, transferência e contratransferência, o insight é um dos processos de maior alcance da psicanálise. Embora não seja consensual, entre os analistas, a importância dada interpretação e ao insight, em detrimento da importância da nova relação e experiência alterada, a maior parte concorda que o insight é o motor que permite o desenvolvimento dos processos de mudança (Cooper 1992). Cooper (1992), ao fazer uma revisão histórica dos diferentes conceitos sobre a mudança psíquica, confronta-se com uma multiplicidade de pontos de vista que nascem dos diferentes modelos e práticas da maioria dos analistas. Este autor refere a existência de dois modelos principais de referência: 23 O primeiro – spontaneous growth crescimento espontâneo – defende que o funcionamento do processo analítico lança as bases para que o paciente consiga retomar um crescimento normal que fora falhado. O crescimento surge como uma metáfora comum para os analistas, quando pretendem descrever a mudança nos pacientes. O padrão de crescimento é um potencial inato do indivíduo que irá sendo preenchido na falta de resistências e obstáculos, durante o processo psicoterapêutico; o segundo modelo – assisted repair/reparação assistida, descreve o terapeuta como cirurgião, que apresenta uma função reparadora dos órgãos do paciente e que o ajuda e ensina a utilizar essas mesmas estruturas recentemente reparadas (Cooper 1992). A avaliação da estrutura de personalidade de um indivíduo, mesmo na ausência de uma perturbação, dá aoterapeuta uma orientação sobre o tipo de intervenção susceptível de ser assimilado pelo cliente e qual o estilo de relacionamento que o tornará mais receptivo à psicoterapia. Ainda que ninguém corresponda integralmente às descrições sobre perturbações da personalidade, é possível situar a maior parte das pessoas numa área geral que dá ao clínico uma orientação quanto à direção a seguir para que a intervenção seja terapêutica (McWilliams, 2005). A mudança psíquica é o maior objetivo da psicanálise e das teorias que delas derivam. A grande maioria dos estudos revistos, sobretudo dentro da área da psicanálise, conclui que nenhum indivíduo é estanque, uma vez que se edifica na sua história e nas suas transformações (Doron & Parot, 2001), pelo que a psicoterapia poderá ter um papel ativo na reconstrução dessa história, como agente ativo no e para o processo de mudança. 4.2 Personalidade perturbada De acordo com o DSM-IV-TR (APA, 2002), formula-se um diagnóstico de Perturbação de Personalidade quando se verificam os seguintes critérios: (A) - Padrão duradouro de experiência interna e comportamento que se desvia marcadamente do esperado na cultura da pessoa. Este padrão é expresso em 2 (ou mais) das seguintes áreas: 24 Cognição (formas de percepção e interpretação de si próprio, dos outros e dos acontecimentos); Afetividade (variedade, intensidade, labilidade e adequação da resposta emocional); Funcionamento interpessoal; Controle de impulsos. (B) - O padrão duradouro é inflexível e global numa grande variedade de situações pessoais e sociais. (C) - O padrão origina sofrimento clinicamente significativo ou deficiência na vida social, profissional ou noutras áreas importantes de funcionamento. (D) - O padrão é estável, de longa duração e o seu começo ocorreu, o mais tardar, na adolescência ou no início da idade adulta. (E) - O padrão persistente não é melhor explicado como manifestação ou consequência de outra perturbação mental. (F) - O padrão não é devido aos efeitos fisiológicos diretos de uma substância (e.g. abuso de drogas, medicamentos) ou a um estado físico geral (e.g. traumatismo craniano). As 10 perturbações de personalidade definidas no DSM-IV-TR estão divididas em 3 grupos, de acordo com semelhanças descritivas: No grupo A: Caracterizado por comportamento e estilos de pensamento bizarros ou excêntricos, estão as Perturbações de Personalidade Paranoide, Esquizoide e Esquizotípica (com dificuldades sociais, seja por proteção a um sentimento de desconfiança ou um desligamento por indiferença ou incapacidade de manter relações íntimas). No grupo B: Caracterizado por aparência dramática, emocionais e inconsistentes, estão englobadas as Perturbações de Personalidade Antissocial, Estado-Limite, Histriónica e Narcísica. No grupo C: Caracterizado por pessoas geralmente ansiosas ou medrosas, estão incluídas as Perturbações de Personalidade Dependente, evitante e Obsessivo-Compulsiva. Este sistema de grupos descritivos ainda não foi 25 validado cientificamente, apesar de se revelar útil no ensino e diagnóstico. Abaixo estão descritos o perfil disfuncional das características de cada um dos Transtornos de Personalidade, qual é a visão de si e dos outros, as principais crenças centrais existentes e o padrão de comportamento esperado para cada um deles. Ressaltamos que o diagnóstico de um quadro patológico sempre deve ser feito por um profissional de saúde mental, com base num padrão comportamental rígido, inflexível e constante. AGRUPAMENTO A Transtorno de Personalidade Paranóide: Características principais: Desconfiança e suspeita quanto aos outros, interpretando as atitudes alheias como malévolas. Visão de si: Correto, inocente, nobre, vulnerável. Visão dos outros: Maliciosos, abusadores, discriminadores. Crenças: “As pessoas e suas ações são suspeitos”; “Nunca confie”; “Proteja- se.” Comportamento: Desconfiança, cautela, suspeita e busca motivos ocultos, sente-se ameaçado ou atacado sem que existem evidências concretas, acusação e contra-ataque. Transtornos associados ao Eixo I: Ansiedade, depressão, abuso de substâncias. Transtorno de Personalidade Esquizóide: Características principais: falta de relacionamentos interpessoais e falta de desejo de obter tais relacionamentos. Visão de si: solitário e autossuficiente. Visão dos outros: Intrusivos e indesejados, não compensadores Crenças: “Relacionamentos trazem problemas”; “As pessoas não são gratificantes”; “A vida é menos complicada sem outras pessoas”; “Simplesmente, não vale a pena se preocupar com relacionamentos humanos”; “Eu sou vazio por dentro”, “Tudo é sempre sem graça” Comportamento: Quase nenhum contato social, não deseja e nem gosta de relacionamentos íntimos, nem mesmo fazer parte de uma família, frieza emocional, distanciamento afetivo. 26 Transtornos associados ao Eixo I: Devido à falta de sentimentos, é difícil um esquizóide apresentar algum quadro de Eixo I. Podem apresentar depressão, devido a crença de que a vida não vale a pena. Podem apresentar ansiedade quando da exposição a situações sociais. A escassez de relacionamentos sociais pode levar a uma perda de contato com a realidade, e assim podem apresentar episódios psicóticos breves. Transtorno da Personalidade Esquizotípica: Características principais: formas excêntricas no comportamento e no pensamento; percepção distorcida da realidade e tendência ao isolamento. Ocorrem delírios e alucinações. Os pacientes apresentam ideias de referência, ou seja, acreditam ter poderes especiais para prever acontecimentos, ou para determinar a ação do outro. (Por exemplo, dizer que uma pessoa pegou um copo de água porque imaginou que isso deveria ocorrer horas antes). Também sustentam que determinadas situações se relacionam especialmente a eles, de forma mágica. As crenças distorcidas estão entre as mais severas dentre todos os Transtornos de Personalidade. Pode ser considerado uma forma leve de esquizofrenia. Visão de si: Ser especial, dotado de poderes mágicos; vulnerável aos outros. Visão do outro: Perigosos, intrusivos Crenças: “Existe uma razão para tudo, nada acontece por acaso”; “Posso ler o pensamento do outro”; “Alguém vai me fazer algum mal, preciso me cuidar o tempo todo”. “As pessoas me perseguem”; “Eu sou defeituoso. ” Comportamento: Ansiedade social, desconfiança, distanciamento afetivo, aparência e comportamentos esquisitos, crenças bizarras, superstições excessivas, acreditam ter “sexto sentido”. Transtornos associados ao eixo I: Esquizofrenia AGRUPAMENTO B Transtorno de Personalidade Anti-Social Características principais: comportamento criminoso, desrespeito e violação às regras e aos direitos dos outros. Conhecido popularmente como “psicopatia”. Não possuem sentimento de culpa. Visão de si: Solitário, autossuficiente, forte, inteligente. Visão do outro: Vulneráveis e exploráveis. 27 Crenças: “Tenho o direito de quebrar as regras”; “As pessoas são otárias e exploráveis”. Comportamento: Agressividade, impulsividade, ataque e crueldade a pessoas ou a animais, destruição da propriedade do outro, roubos, estupros. É frequente a manipulação do outro para atingir seus desejos e objetivos, por isso, é comum mentir e enganar. Dificuldade em se adaptar a regras, ocorrendo perda de emprego repetidas vezes. Fracasso em planejar o futuro, mudando-se de um lugar para outro constantemente. Irresponsabilidade consigo mesmo e com os outros. Insensibilidade. Transtornos associados ao Eixo I: dependência química e depressão(apresentam muitas dificuldades em lidar com frustrações). Transtorno de Personalidade Borderline: Características principais: Medo intenso de ser abandonado. Instabilidade nos relacionamentos interpessoais, na autoimagem e nos sentimentos. Impulsividade marcante desde a adolescência. Visão de si: Ruim, impossível de ser amado e aceito. Visão do outro: Inconstante, variando entre a idealização e a desvalorização para uma mesma pessoa: “Ele é maravilhoso, vai me salvar”; “Essa pessoa não merece nenhuma consideração, é a pior do mundo”. Crenças: “Eu ficarei sozinho para sempre”; “Sou uma pessoa má”; “Ninguém me amaria se me conhecesse realmente”; “Nunca tem ninguém que satisfaça as minhas necessidades, que seja forte e que se preocupe comigo”. Comportamentos: O intenso temor ao abandono pode levar o indivíduo a não medir esforços para evitá-lo. A percepção, real ou imaginária, do abandono provoca ações impulsivas como automutilações ou comportamento suicida. Idealizam o outro e as relações, acreditando que a pessoa é um cuidador ou parceiro em potencial já no primeiro encontro; num segundo momento, passam a exigir a presença e o cuidado constante do outro, e como isso geralmente não ocorre, desvaloriza-o, considerando que o outro não se importa o suficiente. Oscilações frequentes: seja no humor, nos objetivos, nas opiniões, carreira, tipos de amigos e até da identidade sexual. A impulsividade se manifesta através de atos inconsequentes como: jogar, gastar e comer excessivamente, abusar de substancias, praticar sexo inseguro ou dirigir de forma irresponsável. 28 Apresentam reações emocionais intensas e desproporcionais à situação. Sentimentos crônicos de vazio. Transtornos associados ao Eixo I: Depressão, Transtorno Bipolar, abuso de álcool e drogas, Transtornos alimentares, principalmente bulimia. Transtorno da Personalidade Histriônica Características principais: Excessiva emotividade, comportamento dramático e busca constante da atenção dos outros. Visão de si: Glamuroso e impressionante Visão do outro: Admiradores, seduzíveis Crenças: “As pessoas estão aí para me servir e admirar”; “Ninguém pode negar meus justos direitos. ” Comportamento: Desconforto quando não são o centro das atenções; para tanto, podem fazer algo dramático, como inventar estórias, dramatizar uma situação sem tanta importância, ou relatar um mal-estar. Utilizam da aparência física e de um apelo sexualizado para atrair a atenção e o elogio do outro, mesmo que para isso despendam muito tempo e um gasto excessivo para se vestir e se arrumar. Apresentam uma forte convicção a respeito de uma pessoa ou situação, porém com um embasamento vago, por exemplo, podem dizer que alguém é “maravilhoso”, mas sem conseguir fornecer detalhes que sustentem essa opinião. A exagerada expressão pública de emoções pode embaraçar os demais, por exemplo, abraços demasiadamente calorosos em conhecidos casuais, ou chorar e soluçar incontrolavelmente em situações de menor importância. Também costumam considerar os relacionamentos mais íntimos do que a realidade, descrevendo uma pessoa recém-conhecida como “amiga” ou “querida”. Transtornos associados ao Eixo I: Transtorno de Somatização, Transtorno Conversivo e depressão. Transtorno de Personalidade Narcisista: Características principais: Sentimento de grandiosidade, arrogância, necessidade da admiração dos outros e falta de empatia Visão de si: Ser especial, superior e único, merecedor de regras especiais. Visão do outro: Inferiores e admiradores 29 Crenças: “Sou uma pessoa especial, então mereço regras especiais”; “Estou acima das regras”; “Sou muito melhor que os outros”. Comportamento: Esse sentimento de grandiosidade se manifesta por uma supervalorização de sua importância, de suas capacidades e realizações. Essa crença é tão arraigada que se mostram surpresos ou irritados quando não recebem o louvor que idealizam ter, ou quando não recebem o tratamento que julgam merecer. Em suas relações, exigem que o admirem excessivamente e também a obediência automática às suas expectativas. Há um sentimento de menosprezo e desvalorização do outro, considerando-o com o inferior. Não levam em consideração os sentimentos e as necessidades alheias; essa falta de empatia aliada à grandiosidade pode resultar na exploração e manipulação do outro, para que sejam atingidos seus próprios desejos. A inveja é um sentimento muito comum, bem como a ideia de que é uma pessoa invejada. Transtornos associados ao Eixo I: Depressão, distimia, anorexia, e abuso de substâncias, principalmente cocaína. AGRUPAMENTO C Transtorno de Personalidade Esquiva Características principais: Também conhecido como personalidade evitativa, é marcado principalmente por uma esquiva comportamental, emocional e cognitiva generalizada. Esse comportamento é explicado pelo medo intenso de uma avaliação negativa por parte dos outros. Visão de si: Incompetente, socialmente incapaz, vulnerável à depreciação e à rejeição. Visão do outro: Crítico, superior, depreciador. Crenças: “É terrível ser rejeitado ou rebaixado”; “Se as pessoas conhecerem meu verdadeiro eu, me rejeitarão”; “Não consigo tolerar sentimentos desagradáveis”. Comportamento: Esses pacientes evitam atividades profissionais ou acadêmicas que envolvam contato interpessoal, por medo de serem criticados ou rejeitados. Além disso, recusam promoções no emprego por medo de serem desaprovados na nova função; também evitam novas amizades e relacionamentos, a menos que se certifiquem que serão amados e aceitos. 30 Essas pessoas apresentam timidez excessiva, e se comportam de modo bastante reservadas, são muito quietos e tem dificuldade para falar sobre si mesmas e expressar sentimentos por medo de serem ridicularizadas. Referem que gostariam de ser invisíveis, pois qualquer atenção dirigida a elas pode resultar numa degradação. Qualquer crítica que recebam, por menor que seja, pode acarretar-lhes reações intensas, como, por exemplo, sentirem-se gravemente magoados. Acreditam não ter nenhum atrativo. O medo intenso de se expor a situações sociais resulta num estilo de vida bastante limitado. Transtornos associados ao Eixo I: Fobia social, depressão. Transtorno de Personalidade Dependente Características principais: esse transtorno se caracteriza principalmente por uma necessidade excessiva de ser cuidado e protegido, levando o indivíduo a uma submissão e um apego intenso ao outro, devido ao medo da separação. Visão de si: Carente, fraco, indefeso e incompetente. Visão do outro: Idealizam os outros como sendo provedores, apoiadores e competentes. Crenças: “Só conseguirei sobreviver se alguém cuidar de mim”; “Necessito das pessoas para ser feliz”. Comportamento: Dificuldade em tomar decisões simples, como escolher a roupa que irão vestir, solicitando conselhos excessivos a outras pessoas. Apresentam uma forte passividade em suas relações, deixando com que outra pessoa tome a iniciativa e faça escolhas para áreas importantes de sua vida. Por exemplo, é comum que outra pessoa decida que tipo de trabalho vai exercer, ou com quais pessoas deve se relacionar. A convicção de serem incapazes de funcionar de modo independente e o sentimento de incapacidade são tão intensos, que esses pacientes não discordam da opinião do outro, e concordam com coisas mesmo que as considerem erradas, por medo de perder o apoio e atenção que tanto necessitam. Não possuem iniciativa para suas realizações, e esperam que o outro dê o ponto de partida por acreditam que o outro é quem sabe fazer melhor. A necessidade demanter o vínculo com o outro é tão exagerada, que leva o indivíduo a se submeter às vontades do outro, mesmo que lhe sejam desagradáveis, somente para não perder o apoio e o cuidado. 31 Geralmente, esse padrão resulta em relacionamentos bastante desequilibrados, permeados de agressões físicas e verbais. Quando um vínculo importante se rompe (por exemplo, término de um relacionamento ou morte de um dos pais), os pacientes com essa personalidade buscam, rapidamente, substituir a pessoa que perderam, muitas vezes de forma indiscriminada. Transtornos associados ao Eixo I: Depressão, transtornos de ansiedade, transtornos de ajustamento. Transtorno de Personalidade Obsessivo-Compulsiva Características principais: Preocupação excessiva com organização, detalhes, perfeccionismo, controle emocional e polidez. Visão de si: Responsável, confiável, obstinado e competente. Visão do outro: Irresponsáveis, negligentes, incompetentes e autoindulgentes. Crenças: “Só eu sei o que é melhor”; “Os detalhes são cruciais”; “Eu preciso fazer com perfeição”; “Os outros deveriam fazer com mais afinco”; “Cometer um erro é fracassar” Comportamento: Necessidade de controlar as situações através de um apego extremo a regras, detalhes, procedimentos, listas, horários e formalidades. Repetem diversas vezes uma mesma tarefa, a fim de buscar possíveis erros. O perfeccionismo que exige de si mesmo resulta em perda de prazos. Por exemplo, um relatório jamais é finalizado, pois cada detalhe deve estar absolutamente perfeito. São extremamente dedicados às obrigações, como trabalho e produtividade, excluindo totalmente situações de lazer e relacionamentos afetivos. Quando se permitem um momento de descanso, como no final de semana, sentem-se desconfortáveis e culpados, por sentirem que estão “perdendo tempo”. Seguem padrões morais bastante rígidos, restritos e inflexíveis, e exigem que o outro siga o mesmo padrão, exigindo que tudo seja feito à sua maneira. Recusam-se a fazer um favor para o outro, considerando que este deveria se prevenir para não ter nenhum problema, e que deve “aprender a andar com as próprias pernas”. Relutam em descartar objetos usados e inúteis, por considerarem um desperdício e também para serem utilizados numa “emergência”. Tendem a não delegar tarefas por acreditarem que o outro não as fará bem. Quando delega, o faz com uma riqueza de detalhes e exigências, sem permitir que o outro sugira um modo alternativo. 32 Levam um padrão de vida muito abaixo do possível, pois acreditam que os gastos devem ser rigorosamente controlados, a fim de se prevenirem de futuras catástrofes financeiras. São muito rígidos em suas opiniões; seus planos são minuciosamente detalhados e são extremamente avessos às mudanças. Necessitam estar no controle de tudo. Transtornos associados ao Eixo I: Transtorno obsessivo-compulsivo, depressão. Transtorno da Personalidade Passivo-Agressiva: As pessoas com esse transtorno apresentam um estilo oposicional. O principal problema é um conflito entre seu desejo de obter benefícios por meio das autoridades e seu desejo de manter a autonomia. Então procuram manter o relacionamento, permanecendo passivos e submissos, mas, à medida que sentem a perda da autonomia, subvertem a autoridade. Possuem uma visão de si como sendo auto-suficientes, vulneráveis ao controle e a interferência; veem os outros como intrusivos, exigentes, interferentes, controladores e dominadores. Suas principais crenças são: “os outros interferem em minha liberdade de ação”, “o controle por outros é intolerável”, “tenho de fazer as coisas a minha maneira” (Beck & Freeman). De acordo com J. Beck (2007), as estratégias compensatórias tanto hiperdesenvolvidas quanto subdesenvolvidas mais utilizadas nesse transtorno são: Estratégias compensatórias hiperdesenvolvidas: fingir cooperação; evitar afirmações, confronto e recusa direta; resistir ao controle dos outros; resistir a assumir responsabilidades; resistir em atender às expectativas dos outros. Estratégias compensatórias subdesenvolvidas: cooperar assumir responsabilidades razoáveis para si e para os outros; fazer de maneira direta a solução de problemas interpessoais. Os atuais critérios diagnósticos desse transtorno mudaram de um conglomerado de comportamentos oposicionais para um constructo de personalidade mais dimensional, a personalidade negativista. Atualmente, o diagnóstico é formalmente categorizado como transtorno da personalidade, sem outra especificação (APA, 2002). A personalidade se constitui nas características que diferenciam cada um dos seres humanos. Não há uma forma certa ou errada de ser e se comportar. O mundo 33 necessita dessas diferentes personalidades para que possa funcionar em todos os níveis, e de forma saudável. Cada tipo de personalidade se encaixa num tipo de profissão, ou combina melhor para se relacionar, etc., no entanto, podemos ver que existem quadros patológicos ou Transtornos de Personalidade. Nesses casos, que tem gravidade importante, e é necessária a intervenção integrada entre psicólogo que vai auxiliar o paciente a desenvolver padrões de pensamentos mais flexíveis e comportamentos mais adaptativos e o psiquiatra, já que em todos os casos é necessária a intervenção com medicamentos. Segundo APA, está, ainda, englobada uma categoria para Perturbação de Personalidade Sem Outra Especificação, para Perturbações de Personalidade de definição ambígua ou externa à classificação (APA, 2002 apud, Brites José, 2015). Dentro do paradigma Cognitivo-Comportamentalista (Beck, 1990), podemos compreender a perturbação de personalidade como uma manifestação patológica do sistema de esquemas cognitivos, que atrás foi referido. Uma metáfora fácil e de uso comum nos anos 60 é a do “computador defeituoso”, cujos “programas” são enviesados, produzindo resultados errados. Enviesamentos cognitivos são esquemas cognitivos patológicos, que através da alteração da percepção e interpretação aos eventos exteriores se tornam mal adaptativos, mas com ganhos secundários que se reforçam, rigidificando-se a nível psíquico. Estes enviesamentos podem ser relativos ao contexto, relativos ao observador ou a ambos (Debray & Nollet, 2004). Do ponto de vista psicanalítico, só é apropriado considerar que alguém tem um caráter patológico ou uma perturbação de personalidade quando as suas defesas são tão estereotipadas que impedem o desenvolvimento psicológico e a adaptação. Determinadas situações destacam aspectos da personalidade de qualquer pessoa que, sobre outras circunstâncias, podem manter-se latentes, ou seja, é fundamental que, ao realizar o diagnóstico, o terapeuta avalie o impacto relativo dos fatores situacionais e dos fatores caracterológicos (McWilliams, 2005). Embora, como temos vindo a demonstrar, a patologia seja entendida de forma diferente, segundo os modelos teóricos existentes, é transversal às várias teorias que a perturbação de personalidade envolve distúrbios crônicos nas relações interpessoais e uma falha na construção de um self e identidade coesos. 34 Muitos dos problemas encontrados nos tratamentos respeitam às problemáticas do self e da relação, que impedem o estabelecimento de um trabalho relacional, e aos padrões mal adaptativos e reações emocionais que acabam por impedir a terapia (Livesley, 2007). 4.3 Neurobiologia, tratamento, genética e etiologia dos transtornos citado a acima de personalidade Transtorno da personalidade paranoide: Diagnóstico Diferencial e Comorbidades A personalidade paranoide possui comorbidades com outros TPs do Grupo A esquizoide e esquizotípico,fato que contribui para a dificuldade de estudar esse tipo de transtorno como entidade distinta. A personalidade paranoide se assemelha à personalidade esquizoide por causa da presença compartilhada de frieza e distanciamento, porém difere pela ausência de ideias paranoides na TP esquizoide. Fonte: estudogeral.uc.pt 35 O TP paranoide difere da personalidade esquizotípica pela ausência de pensamentos estranhos, sonhos e de perturbações perceptivas. Possivelmente, no contexto de estresse, a paranoia transitória talvez seja uma característica da personalidade emocionalmente instável (borderline ou limítrofe), embora essas pessoas sejam diferentes de indivíduos com TP paranoide devido à presença de relacionamentos intensos, ideias suicidas, autoflagelação e do sentimento de apego e abandono. Além disso, acredita-se que a paranoia seja uma característica de outros transtornos do espectro da esquizofrenia, como o transtorno esquizofrênico e delirante (em particular, os tipos persecutórios ou ciumento), embora ela seja distinguida pela ausência de desorganização, desilusões e alucinações. Entretanto, a personalidade paranoide possivelmente seja suscetível a episódios psicóticos breves, embora eles possam diminuir em alguns minutos ou algumas horas, ao passo que os sintomas das pessoas esquizofrênicas tenham duração mais prolongada. Comorbidade é a regra, e não a exceção, devido à natureza dimensional geral da paranoia e inclui o diagnóstico de outros tipos de TP e transtorno de humor, tais como o transtorno depressivo maior, ou o diagnóstico de transtorno por estresse pós- traumático (TEPT). Além disso, há registros de taxas mais elevadas de alcoolismo e de comportamento agressivo em pessoas com TP paranoide, em comparação com outros transtornos de personalidade. Embora os pacientes com TP paranoide provavelmente apresentem taxas mais elevadas de comorbidades médicas, os estudos na literatura médica sobre esse tema são muito limitados. Um estudo registrou uma prevalência maior de determinados tipos de TP, incluindo TP paranoide, em uma amostragem de pacientes com síndrome de fadiga crônica em comparação com controles saudáveis Os relatos indicam que o TP paranoide também está relacionado ao aumento no risco de doença cardiovascular, assim como outros TPs do Grupo Além disso, um estudo apresentou taxas elevadas de TPs (61%), incluindo TP paranoide (21,3%), em pacientes com o transtorno de somatização. Porém, são necessários estudos adicionais para estabelecer a ligação entre personalidade paranoide, morbidade médica e resultados. Etiologia: 36 Há uma forte correlação entre trauma e abuso na infância (físico, sexual ou verbal) e o desenvolvimento subsequente de sintomas consistentes com TP paranoide. Essa relação é menor em outros tipos de TP, incluindo os transtornos emocionalmente instável, antissocial e obsessivo-compulsivo, que também apresentam índices mais elevados associados a traumas na infância. Além disso, alguns relatos indicam que o TP paranoide está entre os três TPs mais comuns em pessoas com lesões cerebrais traumáticas. Genética: A maior parte das pesquisas sobre TPs do Grupo A tem como foco as comparações genéticas com os transtornos do espectro da esquizofrenia. Embora a ligação entre esses transtornos do Grupo A e esquizofrenia seja mais forte nos casos de transtorno de personalidade esquizotípica (TPE), alguns estudos de associação, mas não todos eles, indicam que há taxas mais elevadas de TP paranoide em parentes de primeiro grau de pessoas com esquizofrenia. Ainda que haja uma grande variação nos estudos de herdabilidade, alguns estudos de gêmeos registraram uma herdabilidade de 0,28 e 0,21%, usando uma amostragem da população norueguesa. Provavelmente, o TP paranoide tenha uma relação genética mais forte com o transtorno delirante, o que parece lógico, levando- se em conta a sobreposição de sintomas entre os dois diagnósticos. Neurobiologia: Há uma grande escassez de estudos biológicos ou laboratoriais sobre personalidade paranoide, sendo que a maior parte das pesquisas tem como foco os transtornos do Grupo A. A grande maioria dos estudos imagiológicos, neurocognitivos, psicofisiológicos e outros tipos de estudos sempre teve como foco a personalidade esquizotípica. No entanto, existem evidências da existência de uma conexão entre surdez e paranoia, que possivelmente esteja relacionada às alterações na detecção e no processamento de estímulos auditivos nos casos de TP paranoide, em comparação com outros tipos de TP, criando uma certa suspeição em relação às informações de outras fontes. Prevalência: De acordo com o DSM-5, a prevalência de TP paranoide está na faixa de 2,3 a 4,4%, enquanto que um estudo realizado na população norueguesa registrou uma 37 prevalência de 2,4% e uma amostragem coletada na Grã-Bretanha registrou uma prevalência de 0,7%. Outro artigo documentou uma taxa de 4,2% entre pacientes psiquiátricos na comunidade, embora a taxa tenha sido muito mais baixa (0,7%) nos casos das comorbidades incluídas no estudo. Os relatos indicam que a ocorrência de TP é mais comum em homens. Prognóstico: O curso da personalidade paranoide é marcado pelo isolamento social e por problemas de relacionamento interpessoal que, ulteriormente, agravam o desempenho das pessoas na escola e no trabalho. Na realidade, há evidências de uma queda geral na qualidade de vida, semelhantes às evidências observadas no TPE e no TP esquizoide, em comparação com pessoas sem nenhum TP. Ocorre também uma queda no desempenho funcional, medido pela Global Assessment of Funcioning (GAF), nas situações em que os participantes forem comparados entre as idades de 22 e 33 anos. Um dos estudos registrou o fato de que o TP paranoide foi o diagnóstico de TP feito com mais frequência (73%) em uma amostragem de pessoas sem teto em um centro de acolhimento na Cidade de Nova Iorque, e de pessoas com determinados tipos de TP, incluindo TP paranoide (personalidades antissocial, evasiva e dependente), sendo que todas elas tinham maior probabilidade de receber assistência médica pública. De um modo geral, as pessoas com TP paranoide são marcadas por traços como indiferença, excesso de hostilidade e tendência para discussões e, às vezes, se tornam verbalmente agressivas e poderão se tornar belicosas ou se envolver em disputas prolongadas sobre assuntos aparentemente menos importantes. Como resultado, eles criam problemas específicos para os médicos e para as equipes de hospitais ou de clínicas, tendo em vista que geralmente essas pessoas são inflexíveis, e sua teimosia poderá levar a longas ausências ou mesmo faltas às consultas e aos tratamentos. Talvez essa seja a razão que dificulta a localização desses indivíduos e o estabelecimento do diagnóstico na população clínica. Tratamento: Há poucas publicações, se é que há alguma, de estudos sobre o tratamento controlado de TP paranoide, sendo que aqueles mencionados na literatura publicada consistem de estudos de paranoia ou testes que investigaram uma combinação de 38 TPs. Os únicos estudos de psicoterapia para TP paranoide são relatos de casos isolados que consideraram os possíveis efeitos positivos da terapia cognitiva. Transtorno de Personalidade Esquizoide Diagnóstico Diferencial e Comorbidades: Com frequência, as características comportamentais comuns levam os médicos a confundir personalidade esquizoide com outros transtornos de personalidade do Grupo A e com transtornos do espectro da esquizofrenia,
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