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001-427-009-9 
O Brasil de JK 
.·. : . 
-.· ... 
... 
O BRASIL DE JK 
Angela de ·castro Gomes 
organizadora 
Clovis de Faro 
Gerson Moura 
Helena Bomeny 
Maria Antonieta P. Leopoldi 
Maria Victoria Benevides 
Mônica Pimenta Velloso 
Salomão L. Quadros da Silva 
Sheldon Maram 
Editora da Fundação Getulio Vargas - CPDOC 
~ ~ cdlçao re<C"rvadas a Fundação Getulio Vargas 
P:z;a óe Bou.fogo, 190 CEP 22253 
E \Td3d3 a n-produção total ou parcial desta obra 
~Tight ~ Centro de Pesquisa e Documcntaçao 
de llistõria Contempor:inca do Bras i I 
1' edição- 1991 
CENTRO DE PESQUISA E DOCUMENTAÇÃO 
DE HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA DO IJRASIL- CPDOC 
Coordenaçao editorial : Cristina Mary Paes da Cw~-..~ 
Revisão de texto: Dora Rocha FlaksnL1n 
EOITORA DA f'UNDAÇÂO GETULIO VARGAS 
Chefia: Francisco ele Castro Azevedo 
Coordcnaç:io editorial : Dmnião Nascimento 
Editoração de texto: Ercilia Lopes ele Souza (supervisara) 
Editoração de arte: Cl'sar R. Garcia (supervisor); Jayr Ferreira Vaz, Leci IJrêda de Paula, Rozalra Conceiçiio 
de Arnüjo (digitadores); ElisalJ\;UI Aldcrctc (técnica em OTP); Marilza Azevedo IJarlx>za, Osvaldo Moreira 
da Silva (paginadorcs); Aleidis de Beltran, Fatirrm Carorú, Heloisa Vieira, Renato Barraca (revisores) 
Supervis:1o grMica: llelio Lourenço Netto 
Capa: Marcos 'l\1pper 
Fotos das capas: F1mdação Oscar Nkmeycr 
Apoio: r-M_E_M_O __ -R-IA--, 
BRASIL 
Unive rs idade Fede ral de Per rli,Jmbuco 
nR23 
BIBLIOTECA CENTRAL 
CIDADE UNIVERSITÁRIA A-
CEP. 50670-901- Recife-Pernambuco· Brasil 
I b Cl8: ~ /~ {l1119 j 
1\ o. C)~ .0., ~ 
O Brasil de JK/Angela de Castro Gomes (org.); Clovis de faro et a!. -
Rio de Janeiro: Ed. da Fw1dação Getulio VargasfCPDOC, 1991 
168p. 
Inclui bibliografia 
I. O Brasil - História- 1956-1961. 2.1Jrasil- Relações Exteriores - 1956-1961.3. Brasil - Condições 
econômicas - 1956-1961.4. Eleições - BrasiL 5. Cultura popular - BrasiL 6. Nacionalismo. I. Gomes, 
Angcla de Castro, 1948-, coord. 11. Faro, Clovis de, 1941-. III. Centro de Pesquisa c Doctuncntação de 
Histõria Contemporânea elo nrasiL 
CDD 981.0633 
CDU 981.083.3 
SUMÁRIO 
Introdução 1 
Angela de Castro Gomes 
O governo Kubitschek: a esperança como fator de desenvolvimento 9 
Maria Victoria Benevides 
Avanços e recuos: a política exterior de JK 23 
Gerson Moura 
A década de 50 e o Programa de Metas 44 
I Clovis de Faro e Salomão L Quadros da Silva 
Crescendo etn meio à incerteza: 
a política econômica do governo JK (1956-60) 71 
Maria Antonieta P. Leopoldi 
Juscelino Kubitschek e a política presidencial 100 
Sheldon Maram 
A dupla face de Jano: romantismo e populismo 122 
Mônica Pimenta Velloso 
Utopias de cidade: as capitais do modernismo 144 
Helena Bomeny 
Introdução 
Qual a cor dos anos dourados? 
Os "bons tempos" 
"O descontentamento provocado nos últimos anos da Ve-
lha República determinara na mentalidade do povo brasi· 
leiro uma inclinação cuja interpretação psicológica a 
tornava facilmente compreensível. O espírito popular so-
fre invariavelmente de uma incapacidade de criar imagi-
nativamente wn futuro melhor que o presente. Assim, nas 
épocas de desânimo e descontentamento, o sentimento 
público regride ao passado em uma ânsia romântica de 
encontrar alívio aos seus infortúnios no ressurgimento de 
formas arcaicas de organização social e política que, co-
loridas pela distância se lhe afiguram haver-lhe proporcio-
nado tranqüilidade e bem-estar." 
Azevedo Amaral 
A idéia de, em inicias dos anos 90, organizar um livro sobre o Brasil de JK 
nasceu de um conjunto de circunstâncias. 
A primeira, e talvez a mais significativa de todas, está traduzida na epígrafe 
de Azevedo Amaral, pequeno trecho extraído de seu clássico trabalho O Estado 
autoritário e a realidade nacional, publicado em 1938 como uma apologia dos 
tempos que então se inauguravam: os tempos do Estado Novo. Voltado para o 
futuro que então se desenhava, "grande" e "moderno", o autor nos remete à 
dinâmica histórica e nela destaca o tema fundamental da nostalgia dos "bons 
e velhos tempos". 
Ensinam-nos a história, a sociologia e ainda outras ciências sociais que não 
só o povo brasileiro, mas todos os povos, em todos os tempos, ao vivenciar 
gtoroentos..de <;Xise profunda, p..r.ocuram enç_ontrar no p~o "alívio para seus 
infortúniQs", além de esperança e coragem. Esta fantástica viagem ao "paraíso 
terrestre" pode tomar a forma de "espaços sonhados" (regiões fabulosas; ilhas 
da fortuna) ou de "tempos imaginários" (a idade de ouro; a pureza das origens) . 
. Em muitos casos, a distinção entre tempo e espaço não é em absoluto essencial, 
havendo uma interseção entre eles que configura um "preciso" momento -
cronológico ou mítico, não importa - da história desse povo. 
A questão de saber se essa nostalgia dos "bons tempos" tem fundamentos 
"objetivos", ou se não é nada mais do que uma idealização, não elimina nem 
minimiza o ponto central da reflexão que se pretende empreender. Trata-se.. 
sim, de reconhecer a presença e a força deste mito dos "bons tempos" e de se":! 
valor ao mesmo tempo explicativo - ele pode fornecer chaves para a can-
preensão do passado e do presente - e mobiliza dor - ele pode abrir cam 515: 
dinamismo o tempo para o futuro. 1 
Alê:n cilsso, e fundamental destacar o caráter de construção deste mito, isto 
~ 'i'le tambern os "bons tempos" foram inventados e que o mergulho no 
passado e sempre um ato de recriação da geração presente. Com esta pers-
pectiva, é possível entender que uma viagem ao paraíso perdido pode ser bem 
mais do que a incapacidade ... de ru;gjetar ,lliT1 ful!!!:Q_ ~or, como sugere 
Azevedo Amaral. Ela também pode ser interpretada como um penoso e 
complexo esforço de aprendizado político que, sem deixar de possuir a face 
da idealização do passado, fixa-se na dimensão de uma possível avaliação 
compreensiva desse mesmo passado que, sob os olhos do presente e do futuro, 
emerge em uma dialética de "sonho" e "realidade" impossível de ser desfeita. 
Sem dúvida, o povo brasileiro vive hoje, mais uma vez, um momento de 
grande dificuldade e profundo desencanto. Aliás, há muito talvez o mundo não 
venha experimentando momentos de tão grande perplexidade. 
É dentro deste contexto maior, nacional e internacional, que o "lugar" dos 
anos 50, em especi a I para nós bras i leitos, pode ser melhor situado. Não é casua I 
que de forma tão recorrente estejamos assistindo a manifestações políticas e 
culturais de reinvenção deste passado ao mesmo tempo tão próximo e tão 
distante. Não é fortuito que a memória coletiva venha consagrando a identifi-
cação deste tempo com a expressão "os anos dourados". Estamos, assim, no 
centro de uma construção histórica que se afigura como um mito, à qual se 
quer "retornar" em busca do que de melhor o brilho do ouro pode oferecer, 
mesmo que com certo risco de cegar. 
JK, o sucessor de Vargas 
Nestes "anos dourados" há sem dúvida uma grande figura: o presidente 
Juscelino Kubitschek. Os "anos dourados" são, portanto, basicamente os anos 
do governo JK. 
A trajetória da apenas centenária República brasileira, tão cheia de golpes 
.e governos de exceção, explica em boa parte o lugar de destaque reservado ao 
presidente civil que conseguiu ser eleito, tomar eosse e empossar seu sucessor, 
atravessando todo o seu mandato como um líder que soube e pôde absorver e 
neutralizar conflitos dentro da legalidade institucional do país. Ou seja, e é 
bom assinalar, a presença de conflito,SJ1ão prejudica o brilho do presidente e 
do período, mas ao contrário ressalta-o, dimensionando suas qualidades. 
Na verdade, cada vez tem ficado mais claro o grau de tensão que marcou o 
governo JK, que mesmo antes de ter início foi garantido por um "contragolpe 
preventivo" pelo qual o ministro do Exército depôs o então presidenteCafé 
Filho. Mas a presença dos militares não se restringe a este episódio original, 
nos dois sentidos da palavra. As forças armadas retomaram~ cena política com 
leva11tes, todos controlados pelo mesmo ministro e futuro candidato à presi-
dência da República, o marechal Henrique Teixeira Lott. Conforme a tradição 
política do país, pelo menos aquela assentada desde os anos 30, presidente e 
ministro do Exército são figuras sine qua non para a manutenção ou destruição 
das normas institucionais vigentes. _9óis Monteiro, Eurico Gaspar Dutra, 
2 
Zenóbio da Costa e Lott são nomes imprescindí.Y.ds àrompree_nsão da história 
política deste Brasil _Qe 1930 a 1960. 
Mas não apenas os militares tiveram o papel de desencadear conflitos. De 
forma inteiramente diversa e com desdobramentos distintos, estudantes e 
trabalhadores pressionaram o presidente JK, que contava neste campo com o 
auxílio precioso de seu vice-presidente petebista, João Goulart. Neste sentido, 
o que se mantém na memória sobre o período é a resistência das instituições 
políticas democráticas, ou seja, o funcionamento dos mecanismos eleitorais; 
a atuação dos partidos políticos e do Congresso; a presença do Judiciário, e 
last but not least, o papel do Executivo. Mesmo que se discuta, como se discute, 
o grau de democracia então vigente, a questão da legalidade institucional 
permanece como um trunfo na rememoração. 
Este trunfo fica porém muitíssimo mais forte porque está associado a um 
projeto de crescimento e "modernização" econômica do país, conhecido como 
"desenvolvimentismo". Assim, a proposta de que o desenvolvimento econô-
mico caminhasse junto com o desenvolvimento político acabou por associar 
Brasil "moderno" a Brasil "democrático". Mais ainda, a idéia de que tudo isso 
não se faz sem cultura, ou dito de maneira mais conforme aos anos 50, sem 
que as forças do "atraso" sejam suplantadas, qualificou o tipo de esperança 
que se mobilizou na época como recurso político. 
O sonho, para Juscelino, pode ter começado nos anos 40, quando era prefeito 
de Belo Horizonte, enquanto Benedito Valadares era interventor em Minas e 
Getúlio Vargas era "chefe" do Estado Novo. Certamente, os momentos de 
glória iniciaram-se na priÍneita metade dos anos 50, quando governou Minas 
e construiu a Pampulha, e encontraram seu apogeu com a presidência e com 
Brasília, já na segunda metade da década. O colapso, por sua vez, começou 
em 1964, com a cassação do mandato e a certeza de que o processo de 
industrialização iria aprofundar-se sob a égide de governos autoritários. A total 
desilusão veio nos anos 70, com a derrota na Academia Brasileira de Letras 
(1975), seguida da morte em 1976. 
Mais uma vez, como os historiadores conhecem bem, a trajetória de um 
personagem político funciona como fio condutor para se repensar a trajetória 
de um "tempo", de uma geração. Recentemente, quando do falecimento de 
José Guilherme Merquior, Celso Lafer escreveu um ensaio para o Jornal do 
Brasil onde caracteriza com finura o que estou pretendendo fixar como o clima 
de uma época. 
"( ... )em inúmeras ocasiões, José Guilherme e eu conversamos sobre o que 
explicava a identidade da nossa (geração). Ponderávamos que, tendo acordado 
para a vida das idéias na presidência de Juscelino, haurimos dessa experiência 
uma confiança nas inúmeras possibilidades do nosso país. Tínhamos em 
mente, também, que havíamos estudado numa época em que era muito viYo o 
debate na universidade brasileira e no cenário nacional, e que isso nos tn:L--cc;. 
do ponto de vista da abrangência dos interesses. Avaliávamos crue. ::xr--
... ;,..-=,s companheiros de geração, tivemos a oportwúdade de realizar estudos 
:5.:: pas-graduação no exterior, e assim adquirir não só uma visão mais ampla 
6s coisas como também o rigor e a disciplina intelectual que, regra geral, a 
~:riversidade, nos grandes centros, oferece aos que a ela têm acesso. Concluía-
mos, destas conversas, que a nossa geração teve mais oportwúdades intelec-
tuais do que a que nos antecedeu, e não enfrentou, como a que nos sucedeu, a 
dura experiência de se formar nos anos plútnbeos do regime militar. "2 
Para os intelectuais da geração dos anos 50, para os homens em geral desta 
geração, ou mesmo para aqueles que pertencem a gerações anteriores ou 
posteriores, a idéia de um tempo com mais oportwúdades e esperanças é bem 
visível e não deve ser menosprezada~ A operação que delineia este'"tempo" 
destaca-o daquele que vem "antes" e "depois", e elege a figura de Juscelino 
como seu símbolo. 
Um dos caminhos para se refletir sobre o como e o quando esta operação 
ganhou contornos mais precisos pode ser o exame do papel que o próprio 
Juscelino desempenhou nessa construção. Os homens públicos são, em geral, 
os primeiros a se preocupar e a trabalhar com sua próprl'a imagem, realizando . 
investimentos de naturezas diversas, de menos ou mais longo prazo, e recor-
rendo a profissionais especializados e à tecnologia avançada. O herói pode ser 
assim um dos primeiros construtores do mito e, como tal, é útil examinar sua 
própria visão de si mesmo e de seu tempo. 
Em um exercício rápido, vou procurar levantar certas sugestões a partir do 
depoimento de Juscelino Kubitschek. Poderia utilizar seu longo e conhecido 
livro de memórias, Meu caminho para Brasília (Rio de Janeiro, Bloch, 1975), 
mas vou preferir trabalhar com sua entrevista, concedida a Maria Victoria 
Benevides em duas etapas (1974 e 1976), e interrompida por seu falecimento. 
Os motivos que me levam a esta escolha não se prendem ao fato de a entrevista 
trazer revelações distintas do livro de memórias. Na verdade, ela cobre um 
período mais curto e repete a mesma narrativa. Minha preferência advém do 
tom coloquial, de diálogo, que a entrevista possui, trazendo o depoente para 
bem próximo de nós, através da presença e da interferência do entrevistador. 3 
O primeiro e mais importante aspecto a ser ressaltado no trabalho de 
Juscelino ao construir sua própria imagem é a preocupação e o desejo de 
associá-la às tradições democráticas do povo brasileiro desde seus primórdios. 
Neste contexto, o fato de ser mineiro é fundamental. De Minas Gerais, de suas 
cidades do ouro, vem a história de nossa luta pela liberdade, vem Tiradentes. 
A narrativa de JK destaca essa herança, reforçada pela trajetória de menino 
pobre e órfão de pai, que estuda com dificuldade e esforço com o apoio e 
carinho da família. Em suas próprias palavras:"( ... ) quando perguntam por que 
desenvolvi esse sentimento democrático ... Eu bebi isso no leite, no café, no ar 
de Diamantina, nas serenatas de minha terra. "4 
De Juscelino a JK um longo aprendizado teria sido feito, mas sempre dentro 
cbs "virtudes mineiras" da modéstia, da pa~cia e da habilidade politica. 
1-;--
Frisando seu inicial distanciamento da vida política e marcando a importância 
da formação-profissional como médico, Juscelino acaba por tecer sólidos laços 
entre uma e outra experiência de vida. A carreira como médico se inicia pelas 
mãos do cunhado e amigo Júlio Soares, e é nesta qualidade que ele conhece 
Benedito Valadares e toma-se seu próximo. O momento é bem simbólico: era 
1932 e Juscelino era capitão-médico das forças legalistas que combatiam os 
revoltosos paulistas no front do túnel da Mantiqueira. 
Foi no consultório médico que, segundo Juscelino, ele aprendeu a ouvir as 
pessoas, a entender seus medos e desejos e a derrubar formalidades, sem perda 
de autoridade. Desta fonna, quando convidado para ser chefe de gabinete do 
interventor Valadares, sentiu-se como em um consultório, ouvindo os chefes 
políticos municipais, filtrando os problemas que deveriam ou não chegar ao 
interventor, atendendo, protelando ... 
Pela narrativa de JK, fica nítido o quanto ele valorizava esta vivência e o 
quanto atribuía a ela a marca de seu estilo político pessoal: agudo psicologi-
camente;tolerante e agradável, mas decidido e inflexível para alcançar os 
objetivos políticos definidos como necessários e desejáveis.5 
O ingresso na política, ocorrido, como diz JK, "quando a providência me 
trouxe ao palco", emerge, ao mesmo tempo, como uma surpresa e uma 
demanda de amigos com vínculos farrúliares. O casamento é fato-chave, já que 
a casa dos sogros é local de reunião de políticos importantes como Gabriel 
Passos e Gustavo Capanema.6 Uma vez na política, nos anos 30, e no Partido 
Social Democrático mineiro, a partir de 1945, a carreira passa a fluir. 
Mas a democracia no Brasil tem caminhos caprichosos, e não é fácil 
construir uma história a ela associada. A carreira de Juscelino não poderia ser 
uma exceção, iniciada que foi sob os auspícios de Benedito Valadares, no plano 
estadual, e de Getúlio Vargas, no plano federal. 
Neste ponto é impossível não ressaltar a ambigüidade que marca as relações 
entre Juscelino e Getúlio Vargas. A proximidade é por demais evidente. JK foi 
prefeito de Belo Horizonte e governador de Minas Gerais quando Getúlio estava 
no poder, primeiro como ditador, depois como presidente eleito pelo povo. Mas 
sobretudo JK foi o sucessor de Vargas. Ele foi o presidente eleito para governar o 
país após o suiCÍdio, com tOda a herança política da experiência anterior. Em seu 
próprio relato, Juscelino aproxima-se de Vargas, reconhecendo e respeitando seu 
talento e grandeza política, mas também procura se distanciar dele, em busca de 
um compromisso diferente e mais forte com a democracia. 
Afinal, há leituras historiográficas que ressaltam que no período da chamada 
democracia populista JK teria sido, por seu estilo, o único Qr~idente não-populis-
~ urna vez que Dutra não entra sequer em consideração para configurar as 
características do período. Contudo, há outras leituras que, mesmo distinguindo 
o estilo pessoal de JK- muito distante do de Jango ou do de Jânio -, susten:.:un 
que ele levou ao máximo as virtualidades do populismo. É bom lembrar porém 
que, para muitos dos que conviveram com Getúlio, e também para ~ 
analistas, ele teria sido um líder popular, mas não "populista". 
! 
I 
.-\ a.."!lbigüidade destes laços não cessou com a morte de JK. Enterrado nos 
b:-aços do povo em pleno regime militar, Juscelino lembrava Vargas, como 
1ancredo Neves lembrou Vargas e JK. 
É preciso que se reconheça que, em nossa história, são poucos os nomes de 
políticos retidos pelo "homem comum", vale dizer, pelo povo. É muito difícil, 
portanto, buscar modelos que possam se afigurar como exemplares. Getúlio 
Vargas continua a ser, sem a menor dúvida, um deles, e Juscelino também. Um 
delicado e complexo conjunto de circunstâncias históricas colaborou nos dois 
casos para isso, e ambos os políticos nele tiveram ativo papel, realizando um 
grande investimento. 
O Brasil de JK 
Organizar um livro sobre a segunda metade dos anos 50 em inícios dos anos 
90 obedeceu também a razões muito prosaicas. Embora o conjunto de temas 
presente neste período encontre-se mencionado ou mais ou menos extensiva-
mente tratado em uma grande série de trabalhos, não são tantos, paradoxal-
mente, os livros que se concentram em uma análise específica dos anos JK. 
Além disso, a bibliografia mais especializada está datada dos anos 70, valendo 
registrar aqui, apenas como exemplos, os livros de Maria Victoria Benevides, 
O governo Kubitschek (1976), e de Mítiam Limoeiro Cardoso, Ideologia do 
desenvolvimento (1977).7 
Revisitar os anos JK, com a perspectiva e a motivação dos anos 9J, surgiu 
como um empreendimento adequado e proveitoso. O livro é composto por 
artigos inteiramente independentes uns dos outros, que procuram traçar um 
painel do período, destacando certas problemáticas que o marcaram fortemt;nte 
e realizando uma espécie de balanço analítico, que aponta tanto para os 
governos anteriores quanto para os posteriores. 
O primeiro deles vem assinado por Maria Victoria Benevides, que retoma 
sua reflexão, discute críticas que recebeu e atualiza sua visão do "juscelinis-
mo ". Como é a dinâmica da política nacional que se encontra primordialmente 
em foco, são vários os atores em cena. Sob os holofotes, o próprio presidente 
e os partidos políticos que garantiram o "equilíbrio instável" do governo: PSD 
e PTB em aliança, e a UDN em vigilante oposição. Além deles, os militares, 
cada vez mais participativos e menos arbitrais, segundo a autora; a burocracia 
do Estado, com destaque para a administração paralela, herdada de Vargas e 
não inventada por JK; os empresários e os trabalhadores, reunidos numa única 
estratégia de peleguismo; e também a Igreja, rapidamente citada por seu 
deslocamento em defesa das reivindicações populares. 
O segundo artigo é o de Gerson Moura, que analisa os avanços e recuos da 
política exterior de JK, defendendo a tese de que, neste governo, já se 
percebiam as mudanças que ocorriam na ordem internacional, não havendo, 
contudo, condições políticas de acompanhá-las mais abertamente. Desta for-
ma, nem a política externa independente de Jânio Quadros foi tão abrupta e 
inovadora, nem a política de alinhamento do Brasil com os Estados Unidos foi 
6 
tão simples e automática como a maioria das análises sobre o período JK parece 
sugerir. · 
A seguir, dois artigos procuram caracterizar e discutir uma dimensão 
estratégica dos anos JK: a da política econômica então adotada, seus desdo-
bramentos e impasses. Clovis de Faro e Salomão L. Quadros da Silva analisam 
o Programa de Metas, identificado como uma bem-sucedida e~eriênciª-._d~ 
_planejamento econômico ~ B~il. O texto nao tem como objetivo realizar 
uma análise econôrruca tou{ courr, mas sim traçar um quadro informativo sobre 
os anos 50, destacando o impacto do plano e avaliando seus resultados, bem 
como o do próprio governo. 
Já o artigo de Maria Antonieta P. Leopoldi privilegia o processo de tomada 
de decisões na área econômica, demonstrando onde e como eram planejadas 
e executadas as políticas do governo, e quem interferia mais ou menos 
diretamente nesse processo. Alguns exemplos de políticas econômicas -
como a cambial, a de comércio exterior e a industrial - são debatidos, com a 
finalidade de destacar as oportunidades, as dificuldades e, por fim, os impasses 
do crescimento em meio à incerteza. 
O texto de Sheldon Maran traz de volta, e com destaque, à cena política o 
presidente JK no momento de sua sucessão. Eleições presidenciais no Brasil 
são, por tradição, momentos extremamente delicados e reveladores de nossa 
dinâmica política. A sucessão de JK, mesmo tendo sido cumprida conforme 
os ritos institucionais, não foi uma exceção, como o autor deixa claro. Traba-
lhando no âmbito das escolhas dos atores políticos, Maran nos esclarece sobre 
a situação dos partidos e dos planos de seus principais líderes, 
Um outro par de textos fecha o volume. Mônica Pimenta Velloso traça um 
amplo panorama da questão cultural nos anos 50. Mais uma vez a ambigüidade 
é presença forte, pois o que a autora deil\a claro, ao lado da riqueza e da euforia 
culturais, é a dificuldade de se conceberem projetos que integrassem de forma 
mais substantiva uma ampla parcela da população brasileira. Os intelectuais, com 
suas distintas formações e concepções, são os personagens que povoam o artigo. 
Finalmente, o Brasil de JK entra também para a memória nacional com um 
emblema da modernidade: a "Nova Cidade", a "Utopia de Lúcio", o sonho 
nacional de realização da igualdade. O texto de Helena Bommeny vai ao 
encontro dos dois tempos modernistas que tiveram nos mineiros protagonistas 
atentos. A estrada que liga Belo Horizonte a Brasília é a que traça a linha da 
utopia, mas é também a que denuncia os imprevistos não anunciados na 
proposta de igualdade. 
De uma forma geral, todos os textos procuram caracterizar o Brasil de JK. 
construindo continuidades e descontinuidadescom os governos de Getúlio 
Vargas, Jânio Quadros e até mesmo outros presidentes. A tenninologia utili-
zada nos próprios títulos é sintomática do sentido estratégico deste peri<Xlo 
para a história recente do país: avanços e recuos, dupla face, incerteza ... 
De uma forma também geral, creio que o governo e o presidente JK -saem-
deste lhTo com "bom tamanho". Por isso, mineiramente, socorro-me G.e c:::. 
õ t"Y'!'-' g::r me ficou na memória para encerrar esta introdução. Na peça 
G-~ Galiki, de Brecht, há wn momento em que Galileu, preso pela 
~ção, é visitado por um discípulo atônito ante a possibilidade de ver seu 
~ negar suas próprias descobertas. Revoltado e desejoso de ver Galileu 
~ mentir, ele o exorta, dizendo algo assim: "Pobre do povo que não tem 
~-óis!" Ao que Galileu retruca: "Não, pobre do povo que precisa ter heróis." 
Serldo assim, deixo ao leitor a tarefa de escolher qual a cor dos anos dourados. 
Rio de Janeiro, agosto de 1991. 
Angela de Castro Gomes* 
Notas 
1 Girardett, Raoul . Mitos e mitologias polfticas. São Paulo, Companhia das Letras, 1987. 
2 Lafer, Celso. A amizade na mesma geração. Jornal do Brasil, 10 mar. 1991, Idéias/En-
saios, p. 7. 
3 A entrevista de Juscelino Kubitschek a Maria Victoria Benevides encontra-se deposi-
tada no CPDOC/FGV. 
4 Kubitschek, Juscelino. Depoimento. CPDOC/FGV, 1974, p.6. 
5 Vale a pena a citação: 
''Eu sempre pensava, quando entrei na política, como a medicina era inspiradora dos 
meus atos políticos. Por exemplo, quando eu chegava no meu gabinete, eu já presidente 
da República, no Palácio do Catete, e chegava uma pessoa - , geralmente, a não ser as 
grandes figuras do Brasil, os que conseguiam aproximar-se de mim vinham numa emoção 
muito grande. Alguns não podiam nem falar; eram mulheres, homens. Então eu dizia: 
'Olhe, meu filho, eu conheço bem toda essa gama de emoções que sentem atualmente as 
pessoas que se aproximam de mim, porque também passei pelas mesmas dificuldades, 
também procurei homens poderosos para pedir. Sempre encontrei as portas fechadas, 
porque os poderosos nunca abriram portas para quem precisa. Eles só abrem para quem 
não precisa.'( ... ) Nunca deixei uma pessoa sair desapontada do meu gabinete. À5 vezes, 
podia ser impossível atender ao que pediam, mas saíam com a minha palavra carinhosa, 
com a minha assistência, com a minha atenção." Kubitschek, Juscelino. Depoimento. 
CPDOC/FGV, 1976, p. 23. 
6 Sérgio Miceli em seus trabalhos tem recorrentemente chamado a atenção para a 
importância das relações familiares e do casamento no processo de ascensão à carreira 
política. Ver, por exemplo, Carne e osso da elite política brasileira pós-1930. In: Fausto, 
Boris, org. O Brasil republicano. v. 3. São Paulo, Difel, 1981. (História Geral da Civiliza-
ção Brasileira). 
7 Além dos livros das duas autoras mencionadas, ambos publicados pela editora Paz e 
Terra, são conhecidos os trabalhos de Lafer, Celso. The planning process and the political 
system in Brazil: a study on Kubitschek's target plan. Ph.D Thesis. Come11 Univ. , 1970 e 
de Barbosa, Francisco de Assis . JK: uma revisão na política brasileira. Rio de Janeiro, 
José Olympio, 1960. Recentemente, foi publicado um novo livro: JK: o estadista do 
desenvolvimento. Brasília, Ed. Memorial JK e Subsecretaria de Edições Técnicas do 
Senado Federal, 1991. 
* Pesquisadora do CPDOC e professora adjunta do Departamento de História da UFF. 
8 
l 
O governo Kubitschek: a esperança 
como fator de desenvolvimento 
Maria Victoria Benevides* 
Da figura e da atuação de Juscelino Kubitschek terá ficado, para adversários 
e admiradores, a imagem de seu espírito otimista e criador, iluminado por 
inegável tolerância política. Os saudosistas falariam de um capitalismo "riso-
nho e franco". Nunca houve tal coisa, é claro: Mas não deixa de seduzir o 
fascínio do "50 anos em 5" do presidente que ousou duvidar da "eterna vocação 
agrícola" do país e que aliou ao desenvolvimento acelerado uma experiência 
bem- sucedida de governo democrático. Tão democrático quanto possível nos 
limites óbvios de uma democracia de elites, com forte tradição oligárquica, 
militarista e mesmo gol pista. 
Quinze anos depois da morte do presidente- cujo féretro levou às ruas, 
em pleno regime de opressão, uma multidão que chorava, cantava o "Peixe 
vivo" e pedia democracia - muito há ainda a se discutir sobre o seu modelo 
de desenvolvimento, assim como sobre sua brilhante personalidade política. 
Temas polêmicos, sem dúvida - tanto o modelo quanto a persa na - mas que 
permanecem associados a idéias-forças que povoam, para o bem ou para o 
mal, o imaginário e o deb::~te político nacional: a crença no Brasil "país do 
futuro", a consolidação da "identidade nacional", o desequilíbrio entre "os dois 
brasis", a intervenção do Estado e a "sedução da tutela", o papel dos militares 
"salvacionistas" e a conjugação entre liberdades públicas e desenvolvimento 
- enfun, as várias forn1as de que se reveste a velha questão, irresolvida, de 
atraso versus moderruzação. 
Pois foi no governo Kubitschek que se consagrou, definitivamente, o 
vocábulo "desenvolvimentismo", como já salientou o escritor Antonio Calla-
do. Antes de JK falava-se em "fomento" e em "fomentar o desenvolvimento"; 
Juscelino teria sido o inventor da palavra, cuja mística ficou, na história 
contemporânea, inarredavelmente vinculada ao seu nome. Até hoje, qualquer 
sinal de "modernidade" ou de "espírito realizador" - misturados a um certo 
otimismo e às virtudes da conciliação política - costuma ser identificado 
como traço de um "juscelinismo" redivivo. Justifica-se, portanto, esta breve 
revisão sobre o período e o personagem. 
• Professora de Sociologia Política da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo-
USP; membro do Centro de Estudos de Cultura Contemporânea- CEDEC e da Comissão Justiça 
e Paz de São Paulo. É autora de O governo Kubitschek; A UDN e o udeni.smo (ambos na Ed. Paz 
e Terra); O governo Jânio Quadros; Violência, povo e polícia, O PTB e o trabalhismo (os três m 
àl.. Br.lsiliense) e A cidadania ativa: plebiscito, referendo e iniciativa popuÚlr (Ed. Áticl). 
9 
Minha questão inicial diz respeito ao significado do juscelinismo (se é que 
se pode falar em "juscelinismo") para essa juventude que tem, do governo 
Kubitschek (1956-61), a imagem esmaecida de um tempo marcado pelo 
impulso industrializante e pela mudança da capital para Brasília, no contexto 
de relativa liberdade política e culturaL E me pergunto, então, se esse período 
conteria certas características que o justificariam, coerentemente, como "is-
mo"' da história politica brasileira. E até que ponto o juscelinismo estaria 
vinculado a outros "ismos" famosos, como popuJismo e nacionalismo, OU, em 
plano mais pessoal, ao getulismo? Em outros termos, pode-se dizer que o 
juscelinismo faz parte do "inconsciente político" nacional? 
Creio que vale a pena retomar a indagação básica que motivou minha 
pesquisa sobre o governo Kubitschek: como explicar a aparente estabilidade 
política do governo, cujo chefe foi o único presidente civil, depois de 1930, a 
assumir a presidência da República e a transferi-la ao sucessor no dia marcado 
pela Constituição? Pois Kubitschek assumiu o governo em circunstâncias 
delicadas; sua posse, e a do vice-presidente João Goulart, foram violentamente 
combatidas por setores antigetulistas e por civis ligados à conservadora UDN 
-a União Democrática Nacional (o partido de políticos de atuação recente 
como José Sarney, Afonso Arinos, Aureliano Chaves, José Aparecido, Antônio 
Carlos Magalhães, Sandra Cavalcanti e Amaral Neto, além das origens políti-
cas familiares do atual presidente Collor de Mello). 
Empossado a partir do famoso "contragolpe preventivo" do então ministro 
da Guerra, general Lott, e assumindo a presidência após dois presidentes 
interinos, Juscelino conseguiumanter-se até o fim do mandato. Também é 
preciso lembrar que as crises com a renúncia de Jânio Quadros (agosto 61) e 
a oposição golpista à investidura do vice-presidente Goulart quase levaram o 
país à guerra civil. O govemo de Juscelino encrava-se, pois, num período 
extremamente critico, entre o suicídio de Getúlio Vargas (agosto 54) e a 
renúncia de Jânio Quadros. No entanto, essa experiência resultou num governo 
politicamente estável, apesar de marcado por crises militares no começo e no 
fundo período, como os levantes de Jacareacanga e de Ara garças; pelas crises 
provocadas por conflitos entre as três annas militares; por uma intensa ativi-
dade sindical e partidária; pela ascensão dos movimentos camponeses, e pela 
crescente intervenção da Igreja na área político-social, sobretudo no Nordeste. 
Aliás, este último ponto merece uma certa qualificação, pouco lembrada nas 
análises políticas do período. 
A Igreja Católica inicia, nesta fase, sua participação política mais ativa, só 
que, desta vez, do lado das reivindicações dos dominados - numa ruptura 
sensível com aquele padrão de intervenção política no estilo da Liga Eleitoral 
Católica ou de apoio incondicional às "autoridades". A presença de JK nos 
Encontros dos Bispos do Nordeste, em 1956 e em 1959, é significativa. 
Juscelino contaria com o apoio da Igreja (lembre-se da aproximação ostensiva 
entre JK e Dom Helder Câmara) para seus projetos de desenvolvimento, assim 
10 
como reconheceria o importante papel da Igreja em suas mensagens sobre a 
criação da Sudene. 
Esse governo, todavia, deixou a marca de estabilidade política exatamente 
porque conseguiu "administrar" e superar essas crises. A negociação consistia 
no principal recurso do governo para enfrentar as freqüentes greves no eixo 
Rio-São Paulo. As lideranças sindicais e os dirigentes patronais geralmente 
entravam em acordo (com a intermediação dos petebistas nas Delegacias 
Regionais do Trabalho) sem precisar recorrer à repressão policial. As crises 
militares, igualmente numerosas, foram todas absorvidas no âmbito da disci-
plina hierárquica. E mesmo aqueles oficiais da Aeronáutica envolvidos nas 
rebeliões de Jacareacanga e de Aragarças foram prontamente anistiados -
embora tenham sido identificados com as forças derrotistas e reacionárias, pois 
seriam "contra o desenvolvimento". O documentário Os anos JK, de Silvio 
Tendler, mostra cenas relativas àqueles levantes onde se vêem - triste ironia 
- índios e caboclos arregimentados para, supostamente, "defenderem a 
democracia". A narração enfatiza a anistia e a reintegração dos militares 
revoltosos. O governo perdoava o primeiro seqüestro de avião e a câmera 
registra os "subversivos" desembarcando, livres e sorridentes, abraçados aos 
filhos e ovacionados no aeroporto. 
Mas será Celso Furtado quem melhor compreende a atitude de Juscelino 
nesses momentos de gravíssima perturbação da ordem e de contestação à sua 
autoridade como chefe supremo das Forças Armadas. Vejam-se seus comen-
tários, por exemplo, no segundo volume de suas memórias, A fantasia desfeita 
(Paz e Terra, 1989): "Mais do que os ensaios de insubordinação de Aragarças 
e Jacat~canga, cujo alcance estava limitado por se localizarem na Aeronáu-
tica, a manobra dos oficiais do Exército para firmar pé no Nordeste, região do 
gen..:ral Juarez Távora, candidato derrotado nas últimas eleições presidenciais, 
preocupou Kubitscheck. Sem conhecimento efetivo da região ( ... ) se inter-
rogava sobre o que fazer para evitar que a questão nordestina pusesse em risco 
a obra de redenção nacional que imaginava estar realizando." 
Além das crises militares, deve ser enfatizado que, apesar de contar com 
confortável maioria parlamentar (fruto da histórica aliança PSD-PTB), o 
governo era alvo constante da virulenta oposição udenista. A UDN - através 
sobretudo de sua implacável "Banda de Música" - especializou-se na dením-
cia dos "escândalos" da administração e na obstrução aos projetos do Execu-
tivo. "A UDN sempre me trouxe de canto chorado" - dizia JK cotn ironia 
desprovida de ressentimentos. "É uma expressão lá de Minas, quer dizer 
sempre na mira para atacar, sempre perseguindo, uma perseguição medonha" 
(entrevista à autora). Isso porque não há dúvidas de que Juscelino era, para 
amigos ou inimigos, apresentado e identificado como "herdeiro" de Getúlio. 
O que não foi simples. Embora encarnasse, em sua trajetória política, o estilo 
do pessedismo mineiro (o poderoso PSD que, com honrosas exceções como 
Tancredo Neves, afastara-se de Getúlio no final de seu governo), estava c:.aro 
para JK que apenas uma sólida bandeira trabalhista-getulista congraçaria c 
H 
apoio popular após o trauma do suicídio. Foi por isso, aliás, que Juscelino 
insistiu na aliança eleitoral com o PTB e no nome de João Goulart, apesar de 
saber que enfrentaria a imediata oposição udenista e militar: "Eu sabia que 
uma aliança com o PTB era imprescindível; somente uma aliança muito forte 
poderia enfrentar a oposição e sair vitoriosa. E somente com um candidato que 
conseguisse a reconciliação entre o voto rural do PSD e o voto urbano do 
PTB ... : o nome de Goulart era o que reunia maiores possibilidades" (JK, 
entrevista à autora, 1.4. 7 4 ). Assim, Juscelino e J ango, personificando a herança 
getulista, consagraram o "ponto ótimo" da aliança PSD-PTB, solidamente 
reinstalada no poder. · 
Creio que, mais do que estável, esse período representaria um "equilíbrio 
instável", graças aos "mecanismos de compensações" entre as variáveis que, 
no meu livro, assinalei: a cooptação dos militares; a forte aliança PSD-PTB, 
indispensável no Congresso em virtude das disputas orçamentárias; o de-
senvolvimento do Programa de Metas e a "administração paralela", ou seja, 
uma "administração de notáveis", um módulo de eficiência, e, como o nome 
o indica, paralelo à administração formal que devia ser mantida. Nesse sentido, 
e sob a égide dos poderes concentrados nas mãos do presidente da República, 
o Executivo conseguia implementar uma política inovadora sem destruir o 
clientelismo já tradicional na administração brasileira. Deu certo. Pois essa 
"administração paralela" - ampliada e dinamizada a partir de breve ensaio 
no segundo governo Vargas - era uma forma de evitar o imobilismo do 
sistema sem contestá-lo,. uma vez que os novos órgãos funcionavam como 
centros de assessoria e execução, enquanto os antigos continuavam a corres-
ponder aos interesses das clientelas políticas, sobretudo regionais (Francisco 
de Assis Barbosa considera que essa tática de Kubitschek antecipava, de certa 
forma, o que faria o presidente Kennedy, na linha da política iniciada nos 
tempos de Roosevelt, com o New Deal). 
Em breve resumo sobre o governo Kubitschek, considero que se poderia 
caracterizar o "juscelinismo" por uma política que, nas palavras de Celso 
Lafer, procurou a conciliação entre o velho e o novo, entre a elite e as massas. 
Esse "ismo" também se identifica com um novo tipo de nacionalismo que se 
distanciava do nacionalismo getulista pela ênfase concedida ao capital es-
trangeiro, cujo ingresso privilegiado constituiria o principal motivo da crítica 
das esquerdas ao governo. Esse nacionalismo de certa forma confundia-se com 
desenvolvimentismo em termos de mobilização de recursos e de apoio e 
também no nível ideológico, graças ao grupo dos intelectuais articulados em 
tomo do Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB). 
12 
tenção da "paz e tranqüilidade" no campo; a criação de empregos e a mobili-
zação do voto urbano, e o controle sobre as reivindicações sindicais, princi-
palmente através do vice João Goulart, que dominava o Ministério do Traba-
lho. Para a classe empresarial o Programa de Metas tinha evidentes atrativos. 
O pre;idente enfatizava incentivos, e não ordens ou proibições. Isso significa-
va estímÚlos à inversão privada, legislaçãofavorável à obtenção de financia-
mentos externos, créditos a longQ.._ptazo, baixa taxa de jy,ros e reserva de 
mercado interno para as produ~~ substitutivas de importações (lembre-se o 
êXJto aãindústria automobilísti~esse ponto, vale a pena lembrar a obser-
- vaçaõdeRoberto Gusmão: "Nenhum presidente da Confederação Nacional 
das Indústrias ou de confederações estaduais - como a FIESP- fez oposição 
ao governo JK. Quando se fala pejorativamente em peleguismo da liderança 
sindical operária é preciso lembrar que, do outro lado, havia também o 
peleguismo dourado das classes produtoras: tão dependentes do governo 
quanto os pelegos sindicais" (entrevista à autora, 16.5.75). 
A preocupação com o "discurso" juscelinista não pode, é claro, ser desvin-
culada da conjuntura política (daí por que considero do maior interesse 
entender a conjugação entre um estudo de ciência política e uma perspectiva 
de historiador político). Entendo por conjuntura política aquele nível onde se 
defrontam e se integram evoluções estruturais de longa e média duração. E 
também acontecimentos que podem destoar, quer por serem relativamente 
imprevisíveis, quer por ocorrerem em contextos diferentes. Nesse sentido, 
entendo que, numa análise sobre o governo Kubitschek, é possível apontar 
tendências estruturais que já vinham desde os anos 30, como o lento cresci-
mento da participação substantiva - e não apenas arbitral - dos militares 
na política. E, pelo lado do imprevisível, avulta como fenômeno singular a 
personalidade de Juscelino Kubitschek. 
Se é verdade que não se avalizam análises históricas em termos meramente 
personalizantes, é igualmente verdade que são exatamente nessas coJ?junhJ.Tas 
e encmzillzadas que o óomem faz a Hístóría. No caso específico de Juscelino, 
ele disporia daquilo que o cientista político David Easton denomina "talento 
das autoridades", ou seja, sensibilidade para captar o estilo de política possível 
no momento de demandas conflitantes. Mais do que a encarnação da velha 
"conciliação" - recorrente na história de nossas elites - o talento de JK 
consistia na provocação contagiante de um "estado de espírito" de esperança 
e otimismo. Afonso Arinos de Mello Franco identifica este "estado de es-
pírito", por exemplo, ao evocar a construção da nova capital: "Brasília foi a 
exaltação da esperança nacional, do sentimento de grandeza, do aspecto 
sentimental da esperança de cada um" (entrevista à autora). Além disso, avesso 
a qualquer radicalismo, JK repudiava o refrão da ''infiltração comunista", tão 
ao gosto de carcomidos, civis e militares, aquele velho temor ironizado por 
~fário de Andrade, na década de 40, como a "assombração medonha". Medo-
nha é a miséria, que gera a revolta, dizia Juscelino. E, assim, até mesmo o 
Partido Comunista, apesar de ainda na ilegalidade, desfrutava de wna ce:-..a 
liberdade de ação - dispunha de ativa imprensa própria, vendida em bancas, 
e lideres importantes, como Luiz Carlos Prestes, apareciam em conúcios 
(Prestes, aliás, apoiou JK publicamente, por ocasião do rompimento com o 
Fundo Monetário Internacional e trabalhou ostensivamente pela candidatura 
do marechal Lott à sucessão presidencial). A imprensa oposicionista, de 
esquerda ou de direita (como o tablóide sensacionalista Maquis, ligado à UDN 
carioca mais radical e golpista), gozava de ampla circulação, praticamente sem 
atrito com a censura. 
A historiadora Maria Yedda Linhares escreveu, na ocasião do lançamento 
de meu livro, as críticas mais contundentes a este tipo de argumentação. "O 
seu modelo, assim como um navio que é lançado ao mar, não flutua. Isto porque 
o concreto - ou seja, a história - sobre a qual ele foi construído parece não 
ter levado em conta outros fatores, ou outras variáveis, igualmente fundamen-
tais", como "a relação dialética entre desenvolvimento acelerado de um país 
subdesenvolvido, periférico e dependente e a recuperação do capitalismo no 
plano internacional da guerra fria" ( ... ), "o imperialismo" ( ... ) e "as classes 
sociais, o que elas são e representam no jogo político" (Opinião, 17 set. 1976). 
Creio que, com outros termos e outra abordagem teórica, aproximo tais 
considerações quando discuto o esgotamento do modelo - inclusive pelos 
motivos salientados por Maria Y edda - tanto do ponto de vista da participação 
dos militares (sensíveis ao "imperialismo", à "guerra fria" e à "luta de classes") 
quanto do ponto de vista da política econômica. 
É assim que, para a compreensão do período, eu incluiria não apenas aquelas 
evoluções já presentes na década de 30, mas também as brechas franqueadas 
ao capitalismo periférico, o que permitiu a autonomia das macrodecisões de 
investimento e os desdobramentos estruturais do capitalismo central na década 
de 50. Tais considerações, embora brevíssimas, são necessárias porque a 
política econômica juscelinista acabou tomando-se o eixo para a análise, 
positiva ou negativa, desse importante período de nossa experiência democrá-
tico-populista que vai de 1946 a 1964. 
E por que populismo? Até que ponto podemos associar populismo a 
juscelinismo e considerar Juscelino Kubitschek um líder populista? A meu ver, 
foi o presidente que levou ao máximo as virtualidades do período populista. 
Mas, integrado numa época onde predominou o populismo, não exibia as 
características "tradicionais" do populista, como, por exemplo, João Goulart, 
pelo apelo do trabalhismo, Adernar de Barros, no sentido paternalista, com 
aspectos reacionários, ou ainda Jânio Quadros, com sua versão de populismo 
moralista-autoritário. 
E ainda sobre o "discurso juscelinista" e a possível aproximação com o 
populismo, é importante lembrar que nele não há uma caraterística essencial 
ao pensamento reacionário, no sentido de que este distingue-se, sob qualquer 
vertente política ou ideológica, pela vontade explícita de volta à situação 
anterior, de exaltação do passado. O futuro é sempre a referência maior de JK 
e seu discurso. 
14 
Se não era "tradicionalmente" populista, poderíamos falar de "ideologia" 
do juscelinismo? 
Nas análises sobre "ideologias", interessa-me especialmente o confronto 
das ambigüidades e das contradições, partes integrantes de qualquer discurso 
político - como, aliás, de qualquer linguagem simbólica. Interessa-me o que 
há de lógico nas ambigüidades, já que tais ambigüidades possuem uma "lógica 
própria", muito mais importante do que a redução a oposições contraditórias 
e muitas vezes antagônicas. Portanto, a lógica dessas ambigüidades e contra-
dições constitui o perfil ideológico, tanto de um partido quanto de um governo, 
e identifica determinado projeto político (nesse ponto, lembro o estudo verda-
deiramente clássico do saudoso mestre Victor Nunes Leal que, em Coronelis-
mo, enxada e voto, desenvolve a idéia de que o coronelismo não significa a 
redução das polaridades entre o poder público e o poder privado, mas sensíveis 
complementaridades entre o público e o privado). 
A meu ver, a ambigüidade mais visível nos discursos juscelinistas refere-se, 
de início, à conjugação entre o nacionalismo da herança varguista e um novo 
modelo de desenvolvimento amarrado ao capital estrangeiro. Tais contra-
dições compõem o perfil ideológico do governo e se inserem no projeto 
político que, no caso do juscelinismo, era o projeto de desenvolvimento 
econômico, aqui entendido não como crescimento "tradicional", mas cresci-
mento com mudança estrutural ,_profundamente _dependente de p_klnos es-
-. pecfficos de execução num prazo detenninado. No juscelinismo está clara a 
proposta para o futuro, em termos ideológicos da "construção do novo" -
país, Estado e nação - e uma proposta prática de mudança na administração 
pública. É assim que o populismo toma outro sentido com Juscelino, além de 
ser a expressão de uma aliança vitoriosa e virtualmente contraditória entre um 
partido conservador de baserural, como o PSD, e uma agremiação de base 
urbana, como o PTB. 
Isso não significa dizer que um governo proveniente do PSD não dispusesse 
do voto urbano e do apoio das camadas emergentes. E aqui voltamos para outro 
aspecto daquele populismo. Pois um ponto da maior relevância deve ser 
enfatizado: Juscelino foi eleito por apenas 36% dos votos válidos (contra os 
49% de Getúlio em 1950 e os 55% de Dutra em 1945) e sabia que teria que 
enfrentar o "complexo de minoria". Assim, não somente apostou com sucesso 
nas composições partidárias e outros compromissos assumidos na campanha 
(no velho sistema do clientelismo) como, sobretudo, desenvolveu uma com-
preensão mais "moderna" sobre o populismo. O que significava dimensionar 
pragmaticamente a ampliação da participação política através do voto, conse-
qüência da Carta de 46 e das novas franquias eleitorais. Em outros termos, JK 
compreendeu que, se o voto era necessário para conferir legitimidade ao 
sistema e ao seu governo (apesar de todas as distorções e insuficiências da 
representação via partidos, atuantes porém precários do ponto de vista da 
representatividade democrática), a contrápartida do governante, para canalizar 
o apoio dos grupos e classes emergentes, era justamente a maciça criação de 
dllf'egos. A euforia desenvolvimentista e, especificamente, a fundação de 
B..-asilia e a implantação da indústria automobilística, no âmbito do Programa 
de Metas, converteram-se na resposta de um novo e "moderno" populismo. 
É nesse sentido que entendo a argumentação de um arguto analista do 
fenômeno do populismo, como Francisco Weffort, que chama a atenção 
justamente para os aspectos contraditórios do fenômeno: "O populismo não 
era apenas esse fenômeno de liderança, de comando político, de organização 
política que tentei descrever. ( ... )era também um fenômeno de Estado, não 
marginal ao processo político, era um dos travejamentos da estrutura de poder 
do Brasil, embora não fosse o único( ... ) e os populistas eram grandes políticos 
nacionais ( ... )Na verdade, não há, no populismo, representação alguma na 
qual o representado possa fazer a sua voz ser ouvida - mas o populismo é 
contraditório no sentido de ser democrático, quando alguém no poder reco-
nhece a emergência de certas reivindicações que vêm vindo pela base e busca, 
dentro do possível, atendê-las: ao fazer isso, introduz novos atores no cenário 
político" (1976, p. 176). E continua: "O período de meados dos anos 50 foi de 
crise geral do populismo latino-americano, e o populismo brasileiro, em que 
pesem suas particularidades, não é uma exceção à regra. As quedas de Arbens 
na Guatemala (1953) e de Perón na Argentina (1955), o curto ~ass~o 
_ período de Rojas Pinilla na Colômbia (IDT- [957), sem detxar C! e mencionar 
o trágico destino..9ue ~taria reservado à revolução boliviãnã de-1953- todos 
esses acontecimentos indicam as maneiras muitodiversas pelas quais os 
sistemas políticos latino-americanos recebiam (e respondiam) os primeiros 
impactos da nova linha de expansão do sistema capitalista internacional( ... ). o 
que transformou o caso brasileiro num caso à parte foram as peculiaridades da 
crise de hegemonia que caracteriza a história do país desde os anos 30, e, em 
particular, o lugar estratégico que estas circunstâncias de crise deveriam 
reservar para o aparelho de Estado e, em especial, para a figura de Getúlio 
Vargas" (1979, p.5). 
~ Resumindo, o populismo juscelinista pode ser visto como um tipo de 
conciliação, ao mesmo tempo modernizante e conservadora, e como um 
"novo" nacionalismo voltado para as experiências de um capitalismo perifé-
rico e dependente do capital estrangeiro. Sobre esse ponto, aliás, é importante 
destacar a releitura, inovadora e polêmica, feita por Fiori e Lessa, sobre o 
segundo governo Vargas. Ao negar as interpretações mais correntes sobre o 
"radicalismo nacionalista e popular" do projeto de Getúlio, sobretudo a partir 
da "crise de 1953", os autores enfatizam que não houve rupturas ou desconti-
nuidades maiores entre a proposta de desenvolvimento de Vargas e a de JK. 
"A vitória da industrialização pesada e a euforia da segunda metade dos anos 
cinqüenta não se deveu, pois, à derrota de um suposto projeto nacionalista e 
popular de desenvolvimento. O Plano de Metas não foi mais nem menos 
'pró-imperialista'do que o plano implícito no conjunto das mensagens e 
iniciativas de Vargas" (1983, p. 31). 
16 
No entanto, creio ainda que, mesmo no plano mais simples da "retórica" e 
da "imagem" em relação ao nacionalismo da herança varguista, o de-
senvolvimentismo possuía vantagens que o tomavam mais atraente, mais 
"pragmático", como recurso dos mais eficientes, tanto para a mobilização 
quanto para a legitimação . .. Para a hurguesia-industrial-tmi- ex.pansão,.. ao 
contrário do getulist""llo, o_desenvolvi1ne11tismo e'{itava a ênfase na intervenção 
estatal na economia. Para os trabalhadores, o nacionalismo podia ser uma 
abstraçao, uma palavra de ordem, uma bandeira, um ideal, e o dé-
senvolvimentismo era concreto, porque dele emanavam frutos imediatos, 
como o já citado atendimento às demandas específicas por empregos e serviços 
básicos. Já P.ara os militares, o-.desenvolvitllentismo_tepresentava o que mais 
tarde seria identificado como a ideglogia do "Brasil grande potência", pela 
multiphcação de recursos para_aQa_relhaiT)ento bélico, comunicação e trans-
.eortes. Para a esquerda em geral (onde o debate ideológico se tornou cada vez 
mais débil entre o nacionalismo, digamos, autêntico, e o nacionalismo com 
tinturas entreguistas), a questão estava esmaecida pela política conciliadora do 
Partido Comunista. O PC acreditava na "revolução burguesa" e via a entrada 
do capital estrangeiro como um mal muito menor do que a oposição no "estilo 
udenista", anti popular, anti progressista e antigetulista. 
No govern~ Kubitschek, no entanto, a manutenção da ordem foi tão impor-
tante quanto a defesa das liberdades políticas. Relembro a famosa frase: "Meu 
governo"- dizia Juscelino -" se assent'!_IE!_m.!_riE_é." Es~ tri~ ~ra formado _ 
pelo Ministério da Guerra, chefiado pelo marechal Lott, pelo comjlndo do I 
Exércffo,exerêíaõperogetierãl- Odilio ·ne 1_ys, _e pela chefia d~.J:ol!~ 
- D1sitlto e era :L esta ultima bastante importante, numa época em que o 
governo não dispunha de centrais de informação militares, como hoje. Aliás, 
aquela frase seria depois ironizada pelo ex-ministro Afonso Arinos, pata quem 
o tripé de Juscelino "tinha uma perna só: a bota do general Lott". Mas é bem 
verdade que, ao contrário de Getúlio, que tev,' três ministros da Guerra, e de 
Jango, com quatroLJuscelino manteve um único ministro na chefia das or s 
Armadas. O general Lott tomou-se o" 1a or o regime", controlando qualquer 
envolvimento eartidário dos militares e impedindo que o Exército concretizas-
- se a fatalidade latino-ameri~ana de se tomar_" o g~nde eartido fardado". A~sim 
é que o Clube Militar permanece, pela primeira vez, à margem das cons-
pirações e do enredamento com a pregação golpista das etemas "vivandeiras 
dos quartéis". Pois embora se mantivesse viva a divisão entre o grupo do li 
de novembro e o do 24 de agosto, as Forças Armadas, no seu conjunto, tinham 
interesse em apoiar a política econômica do governo. O Programa de Metas 
não prejudicava o atendimento às emergências de equipamentos e aumentos 
salariais; o orçamento dos militares crescia junto com o PNB. E mantinham-se 
inalterados os interesses "não-negociáveis" dos militares, cotno a Petrobrás e 
o controle sobre os minerais energéticos. 
~ão há negar, no entanto~ s~ o discurso juscelinista idemificava a ordem 
~lica como r~uisito ~ara o desenvolvimento, enfatizava também a suboc-
tí 
c#nação das exigências de "ordem" à manutensão do§_ direitos civis, o respeito 
ã Consti~ção. Os militares eram, sem dúvida, essencialmente importantespara a estabilidade do governo sem, contudo1 abalar de maneira irreve~ível 
os alicerces do põderclVil. Tõtharam-se co-resgonsáveis pelo_ programa de 
desenvolvimento- e dele muito se beneficiaram- mas não de forma isolada, 
e srm ern con,pmto com.as demais.forças políticas que atuam nas democ_racias 
-por mais incipientes gue sejam --:_,__cotllo as lideral!Ças partidárias, os setores 
da-imp~e aqueles emJ?..resários que participavam dos Grupos de Trabalho 
e dos Grupos Executivos criados especialmente para implementar o Programa 
de Metas. 
Porlãrifo, a cooptação dos militares, que gradativamente foram assumindo 
posições de mando nos postos executivos (reforçando mna tendência já visível 
nos governos anteriores) também avulta como característica do período. Tais 
virtualidades tiveram seu ponto máximo no governo Kubitschek, e por esse 
ângulo é que entendo classificá-lo como "apogeu do populismo". No entanto, 
por se tratarem de virtualidades típicas de uma determinada conjuntura, 
esgotaram suas possibilidades no final do governo. 
Essa cooptação foi decisiva no período 1956-61: em meu livro O governo 
Kubitschek procedo a um levantamento dos oficiais militares que detiveram 
cargos executivos na administração pública e nos setores mais importantes da 
economia nacional. Contudo, essa participação cresce e muda sensivelmente 
quando o legalismo militar começa a alterar-se- por influências externas, em 
face dos rumos socializantes da revolução cubana, mas também pela eferves-
cência política interna. O que antes significava mn legalismo constitucional-
militar, de respeito à Constituição e subordinação à lei, passa a ser um 
legalismo condicionado a uma postura basicamente anticomunista e que 
considerava "subversiva .. toda e qualquer manifestação popular, na cidade e 
no campo, sendo que estas últimas se tornaram substancialmente mais agudas 
no final do governo. 
Em sua análise sobre o período, Hélio Jaguaribe lembra "a política de 
adiamentos estratégicos" do governo JK, para impedir o confronto direto com 
as forças opositoras, e que consistia em jogar para a frente os problemas que 
resultariam nas crises de 61-64. Nesse sentido, encerro estas notas sustentando 
que o sistema politico era estável no jogo das forças políticas, porém instável 
do ponto de vista institucional. A extrema improvisação institucional do 
governo Kubitschek tornou-se responsável pela instabilidade futura. Essa 
improvisação que marcou o governo e teve seu ponto culminante na "adminis-
tração paralela" - apontava, por um lado, a fragilidade institucional, já 
crônica desde a década de 30, e, por outro, o esgotamento daquelas virtuali-
dades que marcaram o apogeu do populismo no período. 
Nesses termos, aquelas próprias variáveis que garantiam o apogeu foram 
também responsáveis pelo declínio do sistema. O Programa de Metas, o apoio 
da aliança PSD-PTB, a mobilização pelo desenvolvimento e a cooptação dos 
militares - variáveis básicas para se entender o êxito do governo Kubitschek, 
18 
- , esgotaram sua eficácia no período. Na medida em que mudaram as zonas 
de incerteza na economia, pelo próprio crescimento econômico (incerteza 
situada nas propostas de financiamento externo), a "administração paralela" 
perdeu sua eficácia, o recurso à inflação e ao capital estrangeiro começou a 
declinar, não apenas em termos pragmáticos, como em termos da legitimação 
de um novo nacionalismo. E embora se tratasse de uma inflação razoavelmente 
baixa, comparada a niveis posteriores, ela se converteria no principal eixo dos 
ataques ao governo. E facilitou, sobremaneira, a ascensão de Jânio Quadros, 
que se apresentava com a autoridade de quem poria "ordem no caos". 
O apoio conjtmto do PSD-PTB também foi declinando pelo esfacelamento 
dessa aliança; o crescimento do PTB (o partido que mais cresceu no período) 
começou a ameaçar a posição hegemônica do PSD, que se aproxima de seu 
tradicional adversário- a UDN. 
_O~róprios frutos do crescimento econômico mudaram o perfil da econo-
mia nacional, em termos daSforças políticas conflitantes e no quadro das 
relações írltei-nacionãis. Paradoxalmente, na medida em que o de-
senvolvimento mobilizava camadas sociais cada vez mais reivindicativas -
porém sem condições de serem absorvidas institucionalmente pelo sistema -
contribuía para o declínio das virtualidades dos "anos dourados" que signifi-
caram, com todas as contradições e ambigüidades, a experiência mais brilhante 
de nossa democracia liberal-burguesa. Num_Q_aís como o Brasil, marcado por 
desigualdades sociais tão absurdas e desequilíbrios econômicos crescentes, 
essa democracia·- sempre para "os de cima"- pode "dar certo", mas apenas 
durante um certo tempo. 
Enfun, o esgotamento das virtualidades do modelo desenvolvimentista 
revela seus aspectos mais discutíveis: asconseqüências, a longo prazo, da 
entrada em massa do capital estrangeiro; a descapitalização do meio rural, com 
os efelfOstliUIIiplicadores do inchaço urbano, des~mprego e subemprego; a 
inflação e o crescimento da dívida_externa, com o dese.quilibrio do ba lanço de 
pag~s etc. Passada a euforia, o prenúncio da ctise.exigia uma política de 
estabilização (tentada, sem sucesso, no govemo Kubitschek, por iniciativa do 
ministrOLucas Lopes) e de ausleridade. O otimismo jamais igualável da 
democracia juscgínista seria substituído pela catTãilCa autoritária, moralista e 
vingativa do janismo. A vitória de Jânio Quadros em 1960 seria a maior derrota 
de JK que,ale'1Tíãe não fazer seu sucessor, não lograra consolidar, no empre-
sariado que tanto o apoiara, a crença duradoura nas virtudes da democracia 
para a construção de um capitalismo mais contemporâneo do mundo civiliza-
do. (Aliás, uma questão incômoda permanece: em nome de que a burguesia 
acabou aceitando, em 1964, a substituição de um Estado liberal-burguês por 
um Estado militar e tecnocrático?) 
Francisco de Assis Barbosa enfatiza o compromisso radical de Juscelino 
~om a legalidade democrática. "Foi um ponto de honra de seu governo; resistiu 
as rentações de continufsmo, possível através de uma reforma constitue~ 
l9 
qne lhe pennitiria a reeleição. Seu desejo era o de despertar o gigante 
adormecido, como dizia sempre, mas sem quebra das normas constitucionais. 
Sua obsessão: passar o governo ao seu sucessor, eleito pelo povo, garantir a 
continuidade e a normalidade democrática. E isso ele conseguiu. Deu conta 
do recado. Com audácia, energia e confiança, como disse André Malraux" 
(entrevista à autora) . 
.. Juscelino foi a prova personificada de que o regime democrático é viável 
( ... ) Sua vocação de tolerância, sua capacidade de compreensão, sua tenaci-
dade, sua jovial confiança no poder da ação fizeram dele um criador de 
otimismo, um desbravador de caminhos. Foi isto que o povo identificou nele. 
E por isso, tão grande parte do povo se identificou com ele" ( ltéja, 25 ago.l976, 
p. 8). Tais palavras não pertencem a um fiel admirador e correligionário -
mas ao mais ferrenho adversário que JK e seu governo tiveram que enfrentar: 
Carlos Lacerda. E não se trata de um necrológio "il moda cordial" brasileira 
(pois Lacerda não perdoava inimigos nem mesmo mortos), mas o reco-
nhecimento de que, mais do que o lugar-comum da "tolerância e da simpatia", 
percebia no governante a marca de um carisma para a formação de um ethos 
positivo e criador. 
Em 1990, comentando com agudeza e pungência a torpeza da campanha 
presidencial vitoriosa - que se valera da fraude, das negociatas, da mentira, 
da manipulação da miséria e do cinismo do "guerra é guerra" -a escritora 
Marilene Felinto confessava o sentimento de vergonha de ser brasileira e 
resumia, numa frase, o desamparo angustiado de tantos jovens de hoje: "tenho 
trinta anos na cara e nenhum ano de esperança pela frente" (Folha de S. Paulo, 
p. 3, "A coisa errada"). Esse desencanto, esse brutal complexo deinferioridade 
de "ser brasileiro" (e as filas de espera por mais de um ano no consulado para 
se obter a cidadania italiana? E a onda imigratória de jovens na ilusão de fugir 
para as luzes do "primeiro mundo"?) é, mais do que tudo, a desgraça de uma 
nação. Nação que se identifica na comunidade cultural e política, mas só se 
mantém, só se consolida "como nação" se houver crença no futuro. Pois foi 
justamente essa crença no futuro, essa esperança nos destinos da nação que 
fizeram de Juscelino um presidente singular na nossa história. Singular porque 
não encontramos paralelo em nenhum outro. De ~ficou o carisma do 
"pai dos pobres", fortalecido pelo radicalismo do sangue derramado,.más ele 
não incutiu esperança no povo, que nele venerava o protetor austero e insubs-
tituível. O presidente Jânio Qu~dros também não, pois falava muito mais em 
"vigiar e punir" do que em criar e desenvolver; e sentimentos nacionais de 
delação e vingança são, evidentemente, incompatíveis com otimismo e es-
perança. E João Goulart, marcado pelo fardo de ser o novo e contraditório 
"herdeiro de Getúlio", não conseguiu enfrentar e superar a devastadora campa-
nha de propaganda do terror: a ameaça do comunismo "ateu e solerte". O que 
foi decisivo para incutir em grande parte da opinião pública o medo e· o ódio 
ao "inimigo interno" - e nesse clima de guerra civil ideológica não é possível 
florescer qualquer tipo de sentimento nacional positivo. 
20 
-
E nosso primeiro presidente civil depois do regime militar, José Sarney, 
apesar de comprazer-se com uma auto-imagem de "generosidade e espírito 
conciliador à moda de Juscelino", precipitou a desesperança a niveis insus-
peitados após o efêmero "Plano Cruzado". (É razoável supor que Tancredo 
Neves, como o candidato do consenso das "diretas indiretas", lograsse alcançar 
a marca da esperança - mas só houve tempo para a manifestação popular de 
"orfandade". Talvez tenha sido, no brevíssimo espaço da ascensão, doença e 
morte, um novo cavaleiro da esperança.) Mas Fernando Collor, em apenas um 
ano de governo, conseguiu reverter completamente as expectativas de metade 
dos eleitores que acreditaram nas promessas e nas possibilidades de realização 
de quem também se apresentava como um "novo Juscelino"- na determina-
ção e na radicalidade de suas propostas de "modernização". Deu no que deu. 
Pesquisas da Standard, Ogilvy & Mather revelam que 74% da classe média 
brasileira estão pessimistas (F olha de S. Paulo, p.2, 21 jul. 1991 ), e reportagem 
especial de um semanário descreve o que chama de verdadeiro êxodo dos 
desesperançados, identificando-o como uma nova "diáspora" (Veja, 32,ago. 
1991). 
É claro que não podemos perder o senso crítico em relação à superficiali-
dade e ao lado ingênuo e ufãillsta daquela retónca Oa época - "o país do 
futuro'-:-Mas não resta dúvida de que JK, com sua personalidade na qual 
Afonso Mt:J.os percebia "imaginação, entusiasmo e fé de um visionário do 
real" - conseguiu ~r, por um certo tempo, o necessário "equilíbrio 
ESicológicÕ" da-nação. Essa é, a meu ver, a marca inconfundível de um 
estadista. Consciente ou inconscientemente --=eesiOu convencida de que não 
se tratava de uma política deliberada, mas de algo intrínseco à personalidade, 
do "talento da autoridade"- Juscelino transmitiu a esperança, obrigação de 
todo homem público. Pois, sem esperança, como será possível construir, criar, 
participar, acreditar em seu próprio país? Sem esperança no futuro estaremos 
sempre, ressentidos ou aparvalhados, ''estrangeiros em nossa terra" -ou, em 
analogia com o que constatava Sérgio Buarque de Holanda, ameaçados pelo 
"demônio pérfido e pretensioso", aquele que nos torna "comparsas desatentos 
do mundo em que habitamos". 
Talvez seja nesse sentido que podemos compreender melhor com~.!~ 
no répudiava, com_veemência- e até mesmo com uma certa repugnância 
pelos derrotistas e acomodados, que se comportavam como na imagem dos 
"caranguejos" - as cassandras da fatalidade, ~xora.bili.dade..do_subde­
senvolvimento num país como o Brasil. Em seu discurso de despedida é 
enfático: "Não ~echo os olhos à realidade. Conheço e reconheço que é um 
trabalho imenso o que desafia os nossos administradores e homens públicos. 
Sei que o pauperismo continua a afligir-nos, a danificar-nos. Sei que não foram 
extintas as fontes do sofrimento e da miséria. Mas, ao mesmo tempo em que 
me dou_conta disso, dou-me conta, também, de que já não aceitamos um 
destino negativo." 
O presidente Juscelino foi, sem dúvida, um grande político nos moldes do 
que já se convencionou denominar "modernização conservadora". Mas sacu-
diu o pais do marasmo "caranguejeira" e conseguiu incutir, no brasileiro, algo 
mais do que o fugaz e alienante sentimento da "pátria em chuteiras". Durou 
pouco e trouxe algumas conseqüências funestas - sobretudo no plano da 
credibilidade institucional. Se vivo fosse, estaríamos em campos diferentes; 
mas tenho certeza de que Juscelino Kubitschek teria com o meu partido - o 
Partido dos Trabalhadores - um ·diálogo mais respeitoso e democrático do 
que muitos dos chamados "liberais" da já velha "Nova República" e deste 
triste, apagado é vil "Brasil novo". 
Referências bibliográficas 
BENEVIDES, Maria Victoria de Mesquita. O governo Kubitschek: de-
senvolvimento e estabilidade política. 3. ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 
1979. 
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Thesis. Cornell University, 1970. 
BARBOSA, Francisco de Assis. Juscelino Kubitschek: uma revisão na política 
brasileira. 2. ed. Rio de Janeiro, Guanabara, 1988 (e entrevista à autora). 
FRANCO, Afonso Arinos de Mello. A escalada (memórias). Rio de Janeiro, 
José Olympio, 1965 (e entrevista à autora). 
JAGU_ARIBE, Hélio. Sociedade, mudança e política. São Paulo, Perspectiva, 
1975. 
WEFFORT, Francisco. Democracia e movimento operário: algumas questões 
para a história do período 1945- 1964. Revista de Cultura Contemporânea, 
CEDEC, n. 1, 1978 ; n. 2, 1979. . 
LESSA, Carlos & FlORI, José Luis. Relendo a política econômica: as falácias 
do nacionalismo popular do segundo governo Vargas. Instituto de Economia 
Industrial, UFRJ, out. 1983. 
22 
Avanços e recuos: 
a política exterior de JK 
Gerson Moura* 
O governo de Juscelino Kubitschek (1956-61) situa-se em plena vigência do 
que se convencionou chamar de "guerra fria .. entre as duas superpotências. 
Ancorados em supostos ideológicos aparentemente irreconciliáveis, EUA e 
URSS constituíam então dois poderes que se confrontavam em termos politi-
co-estratégicos e ideológicos e se afmnavam como centro e liderança de dois 
blocos antagônicos que porfiavam pela adesão e lealdade do restante da 
humanidade. De fato, são notáveis na década de 50 a guerra de propaganda, a 
corrida armamentista, assim como as doutrinas estratégicas que tomavam 
próxima a possibilidade de um conflito nuclear de caráter apocaliptico -tudo 
procurando reduzir a complexidade do sistema internacional a uma ordem 
bipolar simples, à qual deveriam amoldar-se os demais estados nacionais. 
No entanto, na segunda metade dos anos 50, nem os blocos que se antago-
nizavam eram perfeitamente coesos no seu interior e nem o restante da 
humanidade se dispunha a aderir completamente à liderança das superpotên-
cias. Esses elementos perturbadores da ordem bipolar, embora não fossem 
suficientes para demolir os alicerces da guerra fria, constituíam contudo 
.. sinais dos tempos" para estadistas mais atentos e que buscavam uma adequa-
da inserção de seus países na ordem internacional. 
'Firmemente atado ao sistema de poder norte-americano, desde que se 
consolidara a aliança com os EUA no decorrer da II Guerra Mundial, o Brasil 
parecia destinado ao alinhamento automático na sua política exterior. Posição 
inteiramente assumida entre 1945-50 por identidade ideológica (governoDutra)eparcialmenterenegadaentre 1950-54porumpragmatismoimpossível 
(governo Vargas), o alinhamento automático parecia então se inscrever na 
lógica da situação geopolítica brasileira, assim como parecia ser o ponto de 
partida da politica exterior de JK. De acordo com o secretário de &tado 
norte-americano, em comunicado ao presidente Eisenhower, o presidente 
eleito Kubitschek revelara-lhe a aspiração de mirar-se no exemplo e ganhar o 
respeito do povo americano, dizendo-lhe as seguintes palavras: "Sou um 
conservador; e quero renovar nossa amizade .. (com o povo americano).' É 
gerahnente em termos de alinhamento aos EUA que se tem analisado a politica 
exterior do governo JK. Desse ponto de vista, as eventuais d'iscrepâncias 
juscelinistas ao modelo do .. alinhamento" constituiriam incidentes de menor 
monta ou até mesmo exceções que confmnariam a regra .. 
* Pesquisador do CPDOC e autor, entre outras obras, c;leAutonomia na dependência (Rio 
de Janeiro, Nova Fronteira, 1980), 11o Sam chega ao Brasil (São Paulo, Brasiliense, 19&.!) 
e Estados Unidos e América Latina (São Paulo, Contexto, 1990). 
O que hoje parece mais claro é que nem a "política externa independente" 
- que se inaugura com Jânio Quadros em 1961 - constitui fenômeno que 
nasce da noite para o dia por um carisma presidencial, nem a política exterior 
de JK pode ser explicada pelo puto e simples automatismo do alinhamento ao 
Ocidente ou aos EUA. O que emerge do período 1956-61 é a imagem de uma 
política externa matizada, complexa, cheia de ambigüidades, fragilidades, 
descompassos e contradições, mas que, por isso mesmo, já indicava uma 
necessidade e um desejo de mudança em relação ao modelo proposto pelos 
EUA em 1945 e amplamente vigente nos anos do pós-guerra. 
A impressão que se tem é de que o governo JK já se dava conta das mudanças 
que se operavam na ordem internacional, embora não fosse capaz de acompa-
nhá-las plenamente e nem de tirar delas todas as conseqüências, tanto por 
inibições e contradições internas, como por constrangimentos externos. Pode-
se, ·no entanto, acompanhar a gestação de formulações e posições de inde-
pendência ·em meio à reafmnação de posições de alinhamento. O "novo" e o 
"velho" na política exterior de JK aparecem não apenas em linhas paralelas, 
mas também em linhas cruzadas, justapostas e até misturadas, o que torna 
difícil uma caracterização univoca do período. Daí a permanente impressão 
de avanços e recuos na política exterior de JK. 
1. As relações internacionais: rachaduras nos blocos 
Na segunda metade dos anos 50 alguns elementos perturbadores começaram 
a afetar o mundo bipolar que as· superpotências tinham edificado desde 1945. 
É bem verdade que a guerra ideologica se intensificava e aumentava o poder 
de destruição e o nível técnico dos armamentos. Transformada a paz num puro 
"equilíbrio pelo terror" gerado pela estratégia da "retaliação maciça", a visão 
da guerra era a de um evento total, apocalíptico, coin perdas irreversíveis para 
a humanidade. Mas em meio a essa polarização aguda, o pretenso monolitismo 
polftico dos blocos começava a apresentar fissuras, como se evidenciou em 
1956 com a crise de Suez e a insurreição húngara. Ao mesmo tempo, o avanço 
da luta anticolonial criava uma nova realidade de nações que não aceitavam a 
camisa-de-força do alinhamento às potências e reivindicavam urna terceira 
posição, que negava os pressupostos mesmos da guerra fria. 
A crise de Suez - Expressão do nacionalismo de terceiro mundo, a naciona-
l ização do canal de Suez em julho de 1956 pelo presidente egípcio Nasser 
provocou uma intervenção militar conjunta anglo-franco-israelense no final 
daquele ano e se transformou rapidamente numa crise aguda de contornos 
internacionais. A pronta reação da ONU, condenando a intervenção e apresen-
tando a cena inédita de soviéticos e norte-americanos unidos na condenação à 
agressão, obrigou a um imediato cessar-fogo. Seguiu-se a formação de uma 
força de paz das Nações Unidas para garantir a retirada dos intervencionistas 
24. 
-
da zona do canal (tropas franco-britânicas) e na península do Sinai (israe-
lenses). 
EUA e URSS não se dispuseram a serem arrastados a um conflito que 
poderia degenerar numa guerra global, a partir de uma crise que não fora por 
eles desencadeada. Ao mesmo tempo, não podiam manter-se alheios à crise, 
sob pena de perda de prestígio entre as nações do mundo árabe e do terceiro 
mundo em geral; daí a condenação ao intervencionismo. Mas esta posição 
comprometia a solidez do bloco liderado pelos EUA, e cedo se percebeu no 
Ocidente que a crise de Suez constituía "um golpe sofrido pela unidade 
ocidental".2 Como notou Ronaldo Sardenberg, a crise de Suez deixou óbvio, 
ao menos para os franceses, "que a solidariedade americana não deveria ser 
presumida automática". 3 Pouco tempo depois de Suez, a França de De Gaulle 
contestaria a liderança norte-americana no Ocidente. 
Àquela altura, a criação da Comunidade Econômica Européia (1957) cons-
tituía também um elemento novo na competição européia-norte-americana no 
mercado internacional, ao favorecer as indústrias localizadas nos países-mem-
bros em detrimento da importa,,;ão de terceiros países (inclusive os EUA). 
Desse modo, tanto no plano das relações políticas como no das relações 
econômicas internacionais, a noção de um bloco ocidental monolítico e coeso 
-fundamento da liderança incontestável dos EUA- começava a sofrer seus 
primeiros arranhões. 
A insurreição húngara - O aparente monolitismo do bloco soviético sofr"u 
também uma rachadura severa em 1956, com as revoltas húngara e polones< 
Esses movimentos ocorreram na esteira da desestalinizaçào, isto é, das refor-
mas moderadas que se aplicaram ao modelo stalinista na URSS e às suas cópias 
da Europa ocidental. Em junho de 1956, iniciaram-se manifestações na Polônia 
por melhores condições de vida, por liberdade política e pela retirada das tropas 
soviéticas estacionadas no país. Nos meses seguintes, o setor reformista do PC 
polonês (Gomulka) conseguiu assumir e manter a liderança do movimento 
político, afirmando seu próprio caminho para o socialismo e assegurando à 
URSS que a Polônia manter-se-ia aliada da URSS nos quadros do Pacto de 
Varsóvia. 
Simultaneamente, os acontecimentos poloneses animavam a oposição hún-
gara e provocavam enormes manifestações em Budapeste no início de outubro 
de 1956. A facção reformadora do PC húngaro (Imre Nagy) inspirava-se nos 
programas de Gomulka, mas o movimento de massas (operários, estudantes, 
camponeses, intelectuais) rapidamente assumiu o controle, superando em 
muito as disposições reformistas da equipe de Nagy, que fora conduzido à 
liderança do governo no bojo da agitação política. Na verdade, "o movimento 
de massas foi tão poderoso e tão radical que em alguns dias pulverizou 
literalmente o PC e todo o aparelho de Estado". E "tudo o que subsistia como 
poder estava nas mãos da juventude armada e nos conselhos operários-~ A 
abolição do sistema de partido único exigida pelos conselhos revolucionãrit:~S 
nos últimos dias de outubro ampliou a presença de tropas soviéticas nos 
primeiros dias de novembro. Em 12 desse mês, os tanques soviéticos atacaram 
a resistência civil e o governo Nagy, embora ainda se passasse um mês antes 
que os fiéis a Moscou se impusessem definitivamente aos conselhos operários 
e revolucionários. 5 A tragédia húngara repercutiu intensamente no Ocidente e 
foi amplamente utilizada como elemento da luta ideológica, mas as reações 
norte-americanas à intervenção soviética não passaram de condenações ver-
bais, marcando o reconhecimento de Washington de que os soviéticos tinham 
pleno direito de manter intocadas as bases do seu poder na Europa oriental. 6 
A insurreição húngara e a agitação polonesa revelavam a natureza do bloco 
soviético, assim como as dificuldades de manter a sua coesãointerna. E assim 
como a crise de Suez, também desmentiam a inexorabilidade do conflito entre 
os dois blocos. Ao mesmo tempo, o reconhecimento mútuo dos interesses vitais 
das superpotências evidenciava que a bipolaridade era o discurso da dominação 
interna aos blocos, mas não a regra básica do jogo político internacional. 
Interessava aos poderes hegemônicos, mas pouco ou nada tinha a oferecer aos 
aliados subordinados. Estes começavam a tirar suas próprias conclusões. 
Descolonização e não-alinhamento - Na segunda metade dos anos 50, o 
ímpeto da descolonização alcançou a África e concluiu a independência 
nacional de quase toda a Ásia. O marco simbólico da ligação entre os dois 
processos foi exatamente a Conferência de Bandllllg (Indonésia), em 1955, 
que resultou da articulação de estados da Ásia Jntro-oriental, do Oriente 
Médio e do Norte da África, na busca de uma posição comum na luta contra 
o colonialismo e o racismo. Bandung constituiu UtÍl marco e um estímulo na 
luta contra a ideologia da dominação colonial. Os autores chamam a atenção 
para o impacto produzido pela conferência, em termos "psicológicos" ou de 
"fermentação de idéias" em toda a África.7 
Exatamente no período do governo JK, o impulso para a descolonização da 
África tornou-se irresistível. Os anos 1958-60 foram particularmente notáveis: 
em abril de 1958 a I Conferência de Acra proclamou o direito das colônias à 
independência e reconheceu a FLN como a única representante do povo 
argelino; em dezembro do mesmo ano 200 delegados de 28 países africanos 
(independentes ou não) realizaram em Acra a Conferência Geral dos Povos 
Africanos e criaram um secretariado permanente, encarregado de lutar pela 
independência política da África e de estimular a solidariedade pan-africana.8 
1960 foi o "ano da África": 17 países se livrl!falll da tutela colonial e se 
tornaram independentes. Entre 1956 e 1959 sete países já se tinham liberado, 
e de 1961 a 1964 mais 10 países vieram juntar-se à lista. Embora se registrasse 
entre os novos países uma grande variedade de regimes políticos e políticas 
econômicas, no plano das relações internacionais sua tendência seria a do 
desengajamento dos blocos. A descolonização contribuiu, portanto, para a 
negação da bipolaridade e a formação do que viria a ser mais tarde o movi-
mento dos países não-alinhados. 
26 
O terceiro mundo - A partir da Conferência de Bandung, uma outra ordem 
de eventos começava a se produzir no sistema internacional das nações. Sob 
a liderança de Nehru (Índia), Tito (Iugoslávia) e Nasser (Egito), o movimento 
procurava estabelecer um perfil próprio que fosse além da definição puramente 
geográfica que prevalecera em Bandung (afro-asiatismo) e da feição estática 
do "neutralismo" dos anos 50. Gestava-se aí o movimento dos "não-ali-
nhados", que "nasceu" oficialmente na Conferência de Belgrado em 1961. 
Desde 1957, porém, o movimento recebeu adesões de paises recém-inde-
pendentes e começou a auto-identificar-se como "não-alinhado". 
O impacto da constituição desse grupo de nações foi imediato: "A era da 
dominação de grandes potências na ONU tinha efetivamente tenninado. 
Maiorias norte-americanas automáticas já não eram mais certas. Nem se podia 
prever o comportamento dos novos países da mesma maneira em cada voto. 
Mais importante de tudo, as nações pobres começaram a tomar suas próprias 
iniciativas. "9 Com sua presença, criava-se uma alternativa política na ONU, 
não ligada a blocos e defensora legítima da paz entre as nações. A reação das 
superpotências foi, a princípio, a mais negativa. O não-alinhamento era visto 
no Ocidente como "imoral" ( cf. expressão de John Foster Dulles) e como linha 
auxiliar do "imperialismo comunista". No Leste, os não-alinhados eram fre-
qüentemente considerados "cães de guarda do imperialismo". to 
A insistência desse grupo em rejeitar a clivagem Leste x Oeste e em destacar 
a especificidade dos seus problemas econômicos e políticos acabou por atrair 
outros países que até então se posicionavam na órbita do Ocidente, como os 
latino-americanos. Desse esforço se produziria nos anos 60 a Conferência das 
Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD), que contou 
com a adesão da América Latina. 
2. As relações interamericanas: segurança x desenvolvimento 
A formalização das relações interamericanas no final dos anos 40 criara uma 
zona de estabilidade política e exercício tranqüilo da liderança norte-america-
na no hemisfério. Nesse sentido, o governo Eisenhower, que abarcou a quase 
totalidade dos anos 50, foi o herdeiro da construção político-militar do governo 
Truman, mantida praticamente intacta pelo seu sucessor. No plano das relações 
econômicas, os incipientes esforços industrializadores de alguns países latino-
americanos ainda eram vistos com ceticismo e até mesmo desconfiança em 
Washington. Prevaleciam na administração Eisenhower os mesmos dogmas 
que o governo Truman procurara impor às nações latino-americanas nas 
conferências interamericanas do pós-guerra (México em 1945; Rio de Janeiro 
em 1947 e Bogotá em 1948), a saber: combate ao protecionismo e à presença 
do Estado na economia, afirmação do livre-comércio, exigência de tratamento 
igualitário para o capital estrangeiro em face do nacional, criação de melhores 
condições para o investimento estrangeiro na América Latina. Tratava-se de 
um programa que tinha como objetivo (ou pelo menos teve como resultado) 
um atnnento extraordinário da liquidez dos países capitalistas avançados, 11 
mas que era impotente para resolver os problemas da inserção da América 
Latina no mercado mundial e atender às demandas crescentes de vastos setores 
de suas sociedades. Esse programa igualmente não atendia às aspirações de 
movimentos políticos e lideranças latino-americanas que assumiam uma po-
sição de nacionalismo econômico. 
A política diz segurança - Durante o governo Eisenhower, os nacionalismos 
latino-americanos que procuravam dar conta das insatisfações coletivas, via 
reforma social, continuavam a ser vistos em Washington como um desafio 
subversivo à segurança do "mundo livre". O nacionalismo era percebido como 
um veículo do movimento comunista internacional e, como tal, um instrumento 
do expansionismo soviético no continente. Dai, portanto, a necessidade de 
enquadrar as manifestações desse nacionalismo como um problema relacionado 
à segurança dos EUA e à segurança continental. 12 Eis porque a "luta contra o 
comunismo" se tomou a chave para a compreensão da política latino-americana 
dos EUA nos anos 50 e iffipregnou o conjunto das relações e eventos interameri-
canos, apesar das resistências que o México e, por vezes, a Argentina opunham a 
essa visão simplista dos problemashemisféricos. No conjunto, prevalecia a lógica 
da guerra fria e a necessidade de "contenção" da URSS no continente. 
A retórica pomposa das reuniões interamericanas não deve, porém, obscurecer 
um dado fundamental: a América Latina constituía um espaço secundário e muito 
distante dos espaços essenciais da guerra fria, localizados na Europa e na Ásia. 
Dai, a caracterização de "negligência benigna" para definir as relações entre EUA 
e América Latina nos anos 50.13 São conhecidos os objetivos básicos dos EUA 
para seus vizinhos continentais no pós-guerra: estabilidade interna, funda agita-
ção comunista e anti-EU A, fluxo garantido de matérias-primas para a indústria 
norte-americana, estandardização das forças armadas da América Latina segundo 
o modelo de Washington, apoio latino-americano à política internacional dos 
EUA.14 Nesse contexto, a aliança político-militar que se formalizou em 1947 
(TIAR) e a organização regional que se estabeleceu em 1948 (OEA) são menos 
a criação de um mecanismo de defesa coletiva e muito mais a consolidação da 
inequívoca liderança norte-americana na região. 
Essa dimensão das relações interamericanas ajudaa entender por que, no 
plano das relações militares, a década de 1950 assiste à proliferação de 
políticas bilaterais de assistência e colaboração, em detrimento da abordagem 
multilateral que o TIAR teoricamente deveria estimular. Vários foram os 
acordos bilaterais assinados no início da década (especialmente 1952), me-
diante os quais os EUA passaram a exercer "um monopólio virtual do fome-
cimento de armas, treinamento e influência sobre os militares latino-america-
nos".15 Embora constituísse uma área "segura" do ponto de vista de 
Washington, ou talvez por isso mesmo, a atenção que o governo Eisenhower 
28 
dedicava à América Latina centralizava-se nas questões da segurança e suas 
decorrentes expressões ideológicas.I6 
As conferências hemisféricas - O conjunto das considerações precedentes 
ajuda também a entender o significado dos encontros periódicos dos governos 
da região. As questões de "segurança" tiveram sempre prioridade sobre as 
questões do desenvolvimento econônúco, além de produzirem instrumentos 
jurídico-políticos mais concretos e de aplicação imediata. Assim foi com a X 
Conferência Interamericana de Caracas (1954), que se ocupou basicamente da 
existência de um governo nacionalista na Guatemala (Jacobo Arbenz). Por 
iniciativa dos EUA aprovou-se o projeto de resolução que abriu caminho para 
o reconhecimento do movimento armado contra o governo legal da Guatemala 
e que culrrúnou na deposição de Arbenz. Do ponto de vista americano, a 
Guatemala constituiu um acidente de percurso que não abalava a idéia de que 
os assuntos hemisféricos achavam-se totalmente sob seu controleP 
As aspirações econômicas latino-americanas - preços mais altos e estáveis 
para suas matérias-primas, créditos para a industrialização, criação de um 
banco interamericano para o desenvolvimento econômico e estabelecimento 
de um mercado integrado latino-americano- reiteradamente apresentadas às 
reuniões interamericanas, continuavam a receber nos anos 50 débeis respostas 
de Washington, como fora também negativa a sua reação nos anos 40. Assim 
foi com a Conferência dos Ministros da Fazenda, no Rio de Janeiro (1954), a 
dos Chefes de Estado no Panamá ( 1956) e a Conferência Econômica de Buenos 
Aires (1 957). Esta última solicitou que se considerasse seriamente a questão 
da integração latino-americana, mas a reação norte-americana bloqueou a 
iniciativa. A reticência e mesmo df".sconfiança com que os EUA encaravam o 
assunto ligava-se à aversão que seus círculos oficiais e privados alimentavam 
em relação à CEPAL, órgão inspirador das idéias de integração. A CEPAL era 
vista em Washington como uma "intrusa" nos assuntos hemisféricos ou então 
como defensora de idéias estatistas ou até mesmo "socialistas". Ademais, 
constituía uma instância que escapava ao controle da OEA e, portanto, da 
liderança mais imediata dos EUA. Desse modo, ao iniciar-se a segunda metade 
dos anos 50, eram visíveis as diferenças de perspectiva que América Latina e 
EUA mantinham quanto à natureza e utilidade das relações interamericanas. 
Em resumo, os contextos externos nos quais se situa o governo JK seriam 
os seguintes: 
l. no plano internacional, ocorrem as primeiras fissuras nos blocos comanda-
dos pelas superpotências, a par de uma afirmação vigorosa de independência 
política por um número crescente de nações do "mundo subdesenvolvido", 
especialmente as ex-colônias européias. O alinhamento às grandes potências 
àei."<ava de ser uma regra absoluta da política internacional; 
2 no plano regional, um rígido domínio político e a imposição de uma visão 
ee segurança hemisférica por parte dos EUA começavam a chocar-se com~.;:: 
crescente consciência latino-americana de interesses próprios e contraditórios 
aos norte-americanos. 
O mundo mudava e permitia, com isso, mudanças de rota nas políticas 
externas dos países dependentes. Neste mundo em mudança JK governou o 
Brasil por cinco anos. Exaniinaretnos, a seguir, algumas dimensões da política 
exterior de JK que a caracterizam como uma política de avanços e recuos. 
Desenvolvimentismo, OPA, descolonização da África e reatamento de re-
lações com a URSS serão o objeto de nossa atenção. 
3. Desenvolvimento e política exterior 
Os estudiosos do período concordam, de um modo geral, que a chave maior 
de compreensão do governo JK encontra-se no desenvolvimenrismo, enten-
dendo-se pelo conceito tanto os planos de ação governamental voltados para 
o crescimento econômico acelerado, como as formulações que procuravam 
explicá-los e justificá-los. O programa nacional de desenvolvimento de JK, 
elaborado pelo Conselho do Desenvolvimento da Presidência da República 
em 1956, consubstanciou-se no Programa de Metas, até então o mais completo 
plano de investimentos planejados da economia brasileira. De certo modo um 
herdeiro de estudos e projetos rea I i zados mas não implementados pelo governo 
anterior, o Programa de Metas visava o aumento contínuo da capacidade de 
investimento do país, mediante a conjugação de esforços do capital privado 
(nacional e estrangeiro) com a assistência do setor público - este abrindo 
caminho, suplementando esforços e produzindo incentivos, mas de modo 
algum substituindo a ação do capital privado. Papel muito importante nesse 
esquema caberia ao capital estrangeiro, que se procurava atrair de vários 
modos; daf, a caracterização que se produziu do modelo juscelinista de 
desenvolvimento econômico como de "desenvolvimento associado". 
Alguns autores chamam a atenção para o fato de que, diferentemente de 
esquemas tradicionais, o plano de JK não dava maior atenção à questão da 
estabilização monetária, um dos ··cavalos de batalha" do Fundo Monetário 
Internacional desde a sua criação ·ao fmal da II Guerra Mundial, preferindo 
concentrar-se mais diretamente na questão do crescimento econômico acele-
rado, expresso no slogan .. 50 anos em 5" .18 Notam os especialistas do período 
que os esforços de estabilização, como o Plano de Estabilização Monetária 
(PEM) do ministro Lucas Lopes em 1957, foram meras tentativas de reduzir 
o ritmo inflacionário a niveis toleráveis (e aplacar as críticas do FMI), sem 
nunca sacrificar o desenvolvimento à estabilidade. 19 Essa definição axial da 
política econômica de JK ajuda a entender por que o governo rompeu nego-
ciações com o FMI, que exigia um choque mais radical que o próprio PEM, e 
ajuda a entender também por que JK acabou por rejeitar o próprio PEM e 
aceitar a demissão do ministro Lucas Lopes. 
Em termos de setor externo, a política de sustentação dos preços do café no 
mercado internacional (em uma década de aumento global da produção tanto 
30 
-. 
Uíino-americana quanto africana) teve como conseqüência urna redução das 
exportações num contexto de estabilização ou mesmo de queda dos preços do 
produto a partir de 1954. Foi inevitável a deterioração dos termos de intercâm-
bio do setor externo da economia brasileira desde aquele ano. A possibilidade 
de compensar o declínio das exportações tradicionais e manter a taxa de 
investimentos requerida pelo processo de substituição de importações depen-
dia então da entrada liquida de capitais autônomos no país. 20 Facilitado desde 
1955 com a Instrução 113 da Sumoc, o ingresso do capital estrangeiro 
constituiu elemento fundamental, como já dissemos, na estratégia econômica 
do governo JK. A reforma cambial de 1957 procurou promover o aprofunda-
mento do processo de substituição de importações, agora já não mais de bens 
de consumo, mas de bens de capital. Esses esforços estariam ir-
remediavelmente comprometidos, caso não houvesse o ingresso do capital 
estrangeiro, sob a forn1a de empréstimos ou investimentos que aliviassem a 
escassez de divisas.2 1 Em função dessa perspectiva, o governo JK procurou 
atrair maciçamente para o Brasil capitais estrangeiros, tanto privados quanto 
públicos. Para os primeiros, estabeleceuuma política cambial extremamente 
favorável, permitindo movimentos absolutamente livres de entrada e saída de 
capitais privados no país. Quanto aos capitais públicos estrangeiros, a pos-
sibilidadeeramuitomenor. É bem verdade que, desde muito cedo, JK começou 
a explorar essa possibilidade junto a Washington. Em sua primeira carta ao 
presidente Eisenhower, escrita no inicio de seu mandato, Juscelino procurou 
argumentar que "o impulso presentemente tomado pela iniciativa privada teria 
de ser apoiado por um consistente esforço governamental para fortalecer a 
infra-estrutura brasileira( ... ) Esta esperança, de que ( ... ) não nos faltará o apoio 
governamental americano indispensável para que se materializem os empreen-
dimentos em perspectiva( ... )" orientou o governo JK desde o seu inicio.22 Mas 
nos EUA o govemo Eisenhower mantinha o mesmo "perfil baixo" que 
mantivera Truman em relação à América Latina. Prevalecia a noção de que, 
dada a liberdade de ação aos capitais privados norte-americanos, o desenvol-
vimento econômico latino-americano seria uma decorrência natural, prescin-
dindo portanto de injeções maciças de recursos públicos norte-americanos, 
semelhantes aos que ajudaram o reerguimento econômico da Europa no 
pós-guerra. Foi para quebrar a indiferença norte-americana nesse particular 
que o governo JK lançou em 1958 uma vastã ação político-diplomática 
conhecida por Operação Pan-Americana (OPA), cujo objetivo econômico 
explícito era o aporte de recursos em larga escala para projetos de desenvol-
vimento na América Latina. -
4. A Operação Pan-Americana 
Pensada como iniciativa polilico-diplomática de largo fôlego, a Operação Pan-
Americana, lançada por Kubitschek em maio de 1958, tinha um tríplice 
objetivo: captar recursos em vasta escala para projetos de desenvolvimen:.o 
31 
econômico, colocar o Brasil numa posição de liderança entre os países latino-
americanos e assegurar as boas relações com a superpotência americana, que 
deveria ser, em última análise, a fonte de recursos para este projeto ambicioso. 
Como vimos, as dificuldades do empreendimento eram enormes, dado o 
descompasso entre os modelos de planejamento econômico que se elaboravam 
na América Latina e o receituário liberal conservador que o governo Eise-
nhower mantinha intacto para o continente. Somente um evento traumático ou 
circunstância extraordinária poderia alterar as convicções e a boa consciência 
norte-americana e permitir alguma modificação em suas receitas de política 
econômica. 
Nos cálculos do governo brasileiro, a visita do vice-presidente Richard 
Nixon à América Latina em 1958 constituiu um evento traumático que pos-
sibilitava a alteração do padrão vigente das relações interamericanas. Progra-
mada como um exercício de relações públicas para expor aos vizinhos do sul 
as boas razões da política de Washington para o continente, o giro de Nixon 
pela América Latina quase terminou em desastre. Para proteger o seu vice, 
insultado no Peru e atacado na Venezuela por uma multidão furiosa, Eise-
nhower mobilizou tropas pata um eventual desembarque e resgate de Nixon 
em Caracas, gerando uma onda de protestos políticos em todo o continente.23 
O evento dramatizou a distância entre EUA e América Latina e realçou a 
dicotomia do discurso de seus respectivos grupos dirigentes: os latino-ameri-
canos falando a linguagem do desenvolvimento econômico, os norte-ameri-
canos apegados ao discurso da segurança. A correspondência mantida por 
Kubitschek e Eisenhower naquela ocasião sublinha essa diferença: as cartas 
do presidente americano apontavam o comunismo internacional como a causa 
dos problemas políticos e da agitação social no continente, enquanto as do 
presidente brasileiro consideravam o comunismo como conseqüência dos 
problemas sociais, cuja causa profunda se chamava subdesenvolvimento, 
sendo este portanto o verdadeiro nó a ser desatado. 24 
Para o governo brasileiro, a situação ensejava uma iniciativa audaciosa, que 
arregimentasse recursos materais e políticos em escala continental, como um 
novo Plano Marshall, agora destinado à América Latína. Assim nasceu a OPA. 
Ao que tudo indica, a iniciativa surgiu do próprio palácio do Catete, sede do 
governo federal, mais precisamente a partir da assessoria especial de JK 
(Augusto Frederico Schmidt), longe portanto dos gabinetes de planejamento 
do Itamarati. A baixa receptividade inicial de Washington à idéia lançada por 
JK não desanimou o governo brasileiro, que insistiu na tese de que o verdadeiro 
pan-americanismo seria feito de atos de solidariedade concreta, com vistas à 
luta contra o subdesenvolvimento; ao mesmo tempo, JK acentuava a natureza 
multilateral da iniciativa, assim como a necessidade de se dar um tratamento 
político aos problemas econômicos e assegurar um novo papel para a América 
Latina no sistema interamericano.2s 
À imponência das formulações e objetivos gerais da OPA não correspondia, 
porém, uma concretude de planos de ação, e essa indigência programática não 
32 
passou despercebida do embaixador brasileiro nos EUA, Ernani do Amaral 
Peixoto.26 Na qualidade de canal de comunicações entre Brasil e EUA, a 
embaixada em Washington teve de se encarregar de produzir um plano geral 
da OPA, mais tarde ampliado por uma comissão do Itamarati, no qual se fazia 
um diagnóstico do subdesenvolvimento latino-americano, com base num 
circulo vicioso de escassez de poupança - falta de investimentos - baixa 
produtividade, fatores encarados ao mesmo tempo como causa e efeito do mal 
maior que se pretendia combater. O plano preconizava a luta conjunta contra 
o desenvolvimento a partir de diagnósticos e corretivos elaborados por cada 
país. Para o Brasil, o plano previa o aporte de 3,1 biU1ões de dólares até 1967 
para projetos de desenvolvimento, devendo a dívida ser paga a partir de 1970, 
com juros fixos de 4,25% ao ano. 
A reação norte-americana à OPA passou a ser cautelosa. Embora esse "Plano 
Marshall" latino-americano contrariasse sua política para o continente, a 
administração Eisenhower logo verificou que ele recebia apoios na região e 
se constituía em núcleo político com grande potencial de aglutinação. Nos 
meses que se seguiram ao lançamento da OPA, Washington teve de manobrar 
com habilidade. Para contrabalançar o entusiasmo latino-americano, o gover-
no norte-americano apontou a OEA como foro natural de discussão da proposta 
brasileira e, para romper a unidade político-econômica da Operação, fez 
aprovar uma divisão de tarefas- temida por JK e seus assessores- pela qual 
a dÍnlensão político-diplomática ficaria por conta de um comitê de alto nível 
(O Comitê dos 21), enquanto os planos econômicos seriam encaminhados ao 
CIES (Conselho Interamericano Econômico e Social), órgão burocrático da 
OEA. Com esta última resolução, ficava fora do processo de decisões a 
CEPAL, que por mais de uma década produzira diagnósticos e propusera 
planos de superação dos problemas e conômicos latino-americanos. Ao mesmo 
tempo que se alongava nos procedimentos, Washington evitava também 
comprometer-se concretamente com a definição do montante de recursos que 
estaria disposta a desembolsar. A seu favor, militava a inexistência imediata 
de projetos nacionais integrados de desenvolvimento econômico na América 
Latina. 
Também favoreci a a res istência norte-americana à OPA uma certa duplica-
ção e até duplicidade tática do governo brasileiro, resultante da dicotomia entre 
a condução propriamente diplomática (ltamarati) e a condução política (Ca-
tete) das üúciativas brasileiras. A tentativa de dramatizar o perigo comwústa 
na América Latina e o poder soviético no mundo, como alavanca para abrir os 
cofres norte-americanos, poss ivelmente sugerida por Augusto Frederico 
Schmidt, produziu resultados adversos. O argumento, enunciado por Schmidt 
no Comitê dos 21 em novembro de 1958 e repetido nomesmo mês por JK, 
pode não ter criado mas certamente reforçou as resistências de Washington à 
OPA. À inabilidade política somava-se a impressão de que o Brasil procurava 
agir como líder dos países latino-americanos sem ter uma procuração para esse 
fim. Essa dÍnlensão política inibia a possibilidade de se produzir um plano 
33 
in:.egrado e não apenas urna soma de projetos bilaterais de ajuda econômica . 
. -\5 discussões em torno da OPA se arrastaram penosamente no decorrer de 
:959 e não teriam, segundo urn observador privilegiado, conseguido es-
tabelecer urna política clara de ação econônúca, mas tão-somente um diagnós-
tico do subdesenvolvimento latino-americano.27 
Em março de 1960, tentando revitalizar a OPA, o novo ministro brasileiro 
das relações exteriores, Horácio Lafer, apresentou ao governo americano 
aqueles que seriam os elementos-base da Operação, no seu entender: (1) 
política de estabilização de preços de produtos primários da América Latina 
no mercado americano; (2) planificação da produção de alimentos; (3) forta-
lecimento de instrumentos e meios financeiros para atender às necessidades 
de projetos de interesse nacional; (4) campanha contra o analfabetismo; (5) 
organização da assistência técnica para o desenvolvimento da agricultura. O 
chanceler brasileiro confiava que na Conferência Interamericana que se reu-
niria em Quito dar-se-ia um conteúdo prático aos pontos-chave da cooperação 
econômica interamericana. 
Àquela altura, porém, Washington já se preocupava com uma grande 
questão que, por outras vias, chamava a atenção para os problemas sociais da 
América Latina. A revolução cubana, vitoriosa em 1959, gerava entusiasmo 
entre os movimentos populares e nacionalistas na América Latina e ampliava, 
no decorrer de 1960, o leque das discórdias entre Washington e Havana. A 
reforma agrária e a reforma urbana em Cuba atingiram fundo os interesses e 
propriedades norte-americanos na ilha e desencadearam sanções econômicas 
que acentuaram a tendência cubana a buscar na Europa (oriental, es-
peciahnente) alternativas de sobrevivência. A força do exemplo cubano decor-
ria não tanto de sua definição "socialista" (que só viria a ocorrer em 1961), 
mas muito mais do efeito-demonstração de uma política interna e externa 
independente em face dos EUA. 
Por isso, em seu último ano de governo (1960), Eisenhower procurou 
aproximar-se dos países latino-americanos com um discurso novo e reformis-
ta, destinado a articular politicamente uma resistência hemisférica ao "perigo 
cubano". Ao final de seu mandato, o presidente norte-americano já apoiava a 
criação do Banco Interamericano de Desenvolvimento e dava sinal verde aos 
estudos de integração econômica na América Latina. Não faltou também quem 
pedisse àquela altura uma revitalização da OPA, corno a melhor alternativa 
para contrabalançar o entusiasmo provocado pela revolução fidelista. O res-
surgimento da OPA, nesse plano, deveria carregar consigo a habitual parafer-
nália de propaganda política.28 
Entretanto, a nova administração democrata em Washington, sob a lideran-
ça de John Kennedy, tinha idéias próprias sobre o assunto. Para a nova 
administração era necessário, por um lado, sufocar ou ao menos isolar a 
revolução cubana e, por outro, arrancar de suas mãos a bandeira da reforma 
social. Tratava-se de uma política de largo espectro, de objetivos muito mais 
amplos e abrangentes do que a OPA pretendera ser. Com Kennedy, urna nova 
34 
---
operação iria nascer, não da América Latina, mas para a América Latina: a 
operação Aliança para o Progresso. Em seu nascimento, a APP pelo menos 
registrou sua filiação: o projeto que o governo norte-americano submeteu à 
apreciação dos demais governos do continente em 7 de julho de 1961 intitu-
lava-se "Acordo para o Estabelecimento de uma Aliança para o Progresso, 
dentro da Estrutura e Conceitos da Operação Pan-Americana.29 
A OPA surgiu, portanto, com as virtudes e os pecados das iniciativas 
unilaterais de um país periférico. Sua paternidade única garantiu-lhe as van-
tagens do impacto da novidade num contexto hemisférico marcado pela 
estagnação política; por sua diretriz fundamental - o desenvolvimento eco-
nômico nacional, o Brasil reencontrou-se como país latino-americano nos 
foros continentais e deixou de ser o mero tradutor da linguagem de Washington 
para seus vizinhos hispano-americanos; e por ser o Brasil um tradicional aliado 
de Washington, sua proposta não sugeria a possibilidade de uma concertação 
antinorte-americana . De outro lado, entretanto, a ausência de uma articulação 
prévia com os países vizinhos fazia da OPA mais uma declaração de intenções 
ou um desejo genérico de mudanças do que propriamente uma iniciativa 
política com suficiente capacidade de pressão; e ao registrar inequivocada-
mente o mérito brasileiro da iniciativa, tomava extremamente problemático o 
patrocínio financeiro norte-americano ao programa. 
Vista de outro ângulo, apesar de não ter surgido de um concerto latino-ame-
ricano, a OPA aparece retrospectivamente como um esforço novo no cenário 
da política externa brasileira e das relações continentais no sentido de tentar 
romper uma situação periférica e assegurar recursos para um certo modelo de 
desenvolvimento econômico. Atenta às realidades políticas do continente, a 
OPA procurou ganhar para sua causa a grande potência da região. Nesse 
sentido, ela padeceu do mesmo dilema que marcou a política exterior de JK 
de modo geral: a busca de novas fonnas de atuação, sem prejuízo de tradicio-
nais vínculos de inserção brasileira no sistema internacional. 
5. Brasil-Portugal-África 
Em nenhuma outra área de atuação da política externa de JK os avanços foram 
bloqueados por recuos tão contundentes como a política para a África. Não 
sabendo, não podendo ou não querendo decidir-se claramente entre "aliados 
ocidentais" ou "novas nações africanas emergentes", a política brasileira 
acabou por desagradar de certo modo a uns e outros ao mesmo tempo. Essa 
obtusa indefinição, resultado não apenas de pressões contraditórias no interior 
do próprio governo, como também da ausência de uma diretriz clara da 
Presidência da República, que poderia ter arbitrado o conflito interior, tem sido 
elegantemente classificada pelos estudiosos como uma política "ambígua".30 
A duplicidade do governo JK em face do colonialismo é tanto mais difícil de 
entender quanto a consideração que o projeto desenvolvimentista achava-se 
em jogo também neste caso; e estaria ainda mais bem servido com a remoção 
35 
àefiniriva dos vínculos coloniais e a criação de nações independentes na 
Africa, como observaram, à época, não apenas os estudiosos, mas também os 
atores do processo político-diplomático. 31 
É curioso o meio-caminho andado pelo Itamarati na questão dos problemas 
econômicos na relação Brasil-África. Reconhecia o Ministério das Relações 
Exteriores que o Brasil se prejudicava nos mercados internacionais pela 
concorrência de produtos coloniais africanos, mais baratos que seus similares 
brasileiros, especiahnente em decorrência das isenções alfandegárias de que 
se beneficiaram esses produtos nas metrópoles européias. Daí o esforço por 
fazer do GAIT um foro que obrigasse os países do Mercado Comum Europeu 
a compensar de algum modo outros produtores de bens primários prejudicados 
pela concorrência africana. Raciocínio semelhante se aplicava aos fluxos de 
investimentos europeus (MCE) que tenderiam a deixar de lado os interesses 
da América Latina.32 A lógica do discurso não se acompanhava da lógica da 
ação, que deveria sustentar a necessidade e utilidade da remoção dos laços 
coloniais. Na realidade, os argumentos da "competição desigual" entre Brasil 
e África "tenninavam por sucumbir à lógica da guerra fria .. , visto que, embora 
o MCE constituísse uma ameaça a certos interesses brasileiros, "sua criação( ... )serviria como anteparo à expansão comunista no continente". ( ... ) Ade-
mais, boa parte da exportação africana de café provinha de Angola (em 1958, 
já o quarto produtor mundial), o que criava complicadores para a relação 
Brasil-Portugal, o que ficou claro na visita de JK a Lisboa em janeiro de 1956.33 
No jogo das pressões anticolonialistas e das contra pressões colonialistas, o 
governo JK freqüentemente produziu dicotomias entre q genérico e o es-
pecífico, entre o abstrato e o concreto, entre o retórico e o conteudístico. Nas 
formulações genéricas, abstratas e retóricas, apresentou-se solidário ao movi-
mento da libertação nacional africana; nas questões específicas, concretas e 
de conteúdo, agiu em acordo com ou em benefício das potências coloniais, 
especiahnente Portugal. Uma iniciativa que parecia caminhar na contracor-
rente do colonialismo foi a apresentação de projeto na XII Assembléia Geral 
da ONU em 1957, então presidida pelo embaixador Osvaldo Aranha, criando 
a Comissão Econômica para a África. Embora apresentada por Gana, a idéia 
tinha a paternidade brasileira e visava contribuir para a compreensão de certos 
problemas decorrentes da situação colonial - como a baixa remuneração da 
mão-de- obra africana, que se refletia em custos de produção e preços muito 
baixos no mercado internacional. Contrabalançada essa iniciativa pelo inaba-
lável apoio à manutenção das colônias portuguesas na África mediante a 
aceitação da tese de que se tratava de "territórios de ultramar", mesmo assim 
o governo português protestou energicamente contra o apoio brasileiro à 
criação da comissão, considerando-a nociva aos interesses de Portugal na 
África, além de "servir à tática comunista e à política da Rússia", conforme 
registrou o embaixador brasileiro em Lisboa, Álvaro Lins.34 
Tendo votado favoravelmente à Declaração de Independência dos Povos na 
Assembléia Geral da ONU, o Brasil continuou votando até 1960 contra a 
36 
autodeterminação da Argélia e bloqueando por todos os meios ao seu alcance 
a inclusão do problema das colônias portuguesas em comitês especiais ou 
debates gerais no seio das Nações Unidas. Amarrado ao apoio incondicional 
à manutenção das colônias sob tutela portuguesa, o Brasil teria que apoiar ipso 
facto as pretensões coloniais francesas, que se fundamentavam em argumentos 
idênticos aos portugueses. 35 Também o governo JK produziu candentes decla-
rações anti-apartheid, destinadas especialmente ao consumo interno, ao mes-
mo tempo em que participava do Comitê de Bons Ofícios da ONU para o 
Sudoeste Africano (Namíbia); neste último, tinha a significativa companhia 
dos EU A e Grã-Bretanha, o que assegurava de antemão a manutenção do status 
quo na região. 
Além de assinalar as dificuldades do governo JK em romper o alinhamento 
com o Ocidente, que eram habilmente manobradas pelas potências coloniais, 
os estudiosos do período chamam a atenção para a presença de fortíssimo lobby 
português no Rio de Janeiro. Este era igualmente hábil em equacionar o 
colonialismo aos interesses nacionais legítimos de Portugal, assim como em 
acentuar uma herança cultural comum aos dois países. Esta era uma corda 
particularmente sensível às nossas classes dirigentes, pouco afeitas à idéia de 
que uma herança cultural africana pudesse ter peso maior ou igual à portuguesa 
na formação cultural brasileira. Nossa "cultura" comum também era manipu-
lada pelo regime salazarista e se transmutava, no discurso diplomático portu-
guês e brasileiro, em uma "afetividade" luso-brasileira que se colocava acima 
e para além da mera política.36 
Que as afinidades culturais luso-brasileiras não teriam de produzir neces-
sariamente um alinhamento brasileiro às teses colonialistas portuguesas se 
pôde ver claramente ao deixar JK o poder e se inaugurar uma política externa 
conhecida como independente. Na apreciação do novo chanceler, Afonso 
Arinos, nossa diplomacia não fora capaz, no período JK, de apreciar o sentido 
dos novos tempos (o grande movimento de emancipação das colônias euro-
péias na África) e acabara por colocar o Brasil "como um elefante, puxado 
pela tromba, pelos espertos, tenazes e calculistas diplomatas de Salazar".37 
Havia evidentemente durante o período JK um conflito entre posições, 
movimentos, grupos de pressão e argumentos anticolonialistas e colonialistas, 
que recortavam a sociedade e o sistema político como um todo, assim como a 
diplomacia brasileira. Ancorados em forças emergentes - especialmente a 
indústria nascente - e atentos às modificações que se operavam em larga 
escala no mundo, os opositores do colonialismo não tiveram força suficiente 
para tirar todas as conseqüências do desenvolvimento juscelinista para a 
política exterior do pais. Prevaleceram os formula dores de política ligados aos 
velhos tempos. E, ao que tudo indica, o próprio JK era prisioneiro entre os 
"velhos" e os "novos" tempos. Quando sua presença se fez efetiva na política 
exterior pesou para o lado dos velhos tempos, tal como na segunda visita a 
Portugal, em 1960, capitalizada por Lisboa como apoio à política portuguesa, 
exatamente no "ano da África". 
3í 
Ao menos se pode constatar que o intenso debate político em torno da 
questão produziu os argumentos e suscitou as noções que constituiriam a base 
para a mudança que se gerou a partir de 1961 nas relações do Brasil com a 
África. · 
6. Reatando com a URSS 
Os mesmos dilemas entre as exigências do desenvolvimentismo e as per-
cepções ideológicas totalizantes dadas pela guerra fria, assim como as mesmas 
tentativas de solução de compromisso, marcam a questão do reatamento de 
relações com a URSS. Como sabemos, o rompimento de relações diplomáticas 
e comerciais entre Brasil e URSS, ocorrido em 1947, derivava de uma visão 
ideológica totalizante já ligada às realidades da guerra fri a, e que unia mnna 
mesma corrente de causa-e-efeito os movimentos sociais urbanos e rurais no 
Brasil com o Partido Comunista, o movimento comunista internacional e o 
Estado soviético. 38 
Do ponto de vista dos projetos desenvolvimentistas, a retomada de relações 
com a URSS significava não apenas uma normalização politica desejavel 
como principahnente a possibilidade de abertura de novos mercados, es-
pecialmente para o café - um dos nós mais sérios com que se defrontava o 
modelo econômico, como já vimos. Daí que uma série de agências estatais, 
setores políticos e parcelas do empresariado apoiavam a proposta do reata-
mento, enquanto outros gtupos e setores mais conservadores (alto clero, 
grandes jornais, parcelas do empresariado, estamento diplomático e militar) 
opunham-se resolutamente a ele. Para estes grupos e setores da sociedade e do 
Estado, o reatamento de relações seria desaconselhável, visto que a .. L"RSS é 
incapaz de dissociar política de comércio", e também porque o reatamento 
poria em risco "as relações diplomáticas e comerciais que mantemos com uma 
nação amiga" (EUA)P9 
Numa inevitável polarização, manifestações típicas em 1956 eram as po-
sições de Carlos Lacerda (UDN) contra o reatamento e João Goulart (PTB) a 
favor.40 A clivagem típica da época, entre o nacionalismo e o "entreguismo" 
(cosmopolitismo), recortava os estamentos diplomático e mili tar, embora as 
forças hegemônicas determinassem uma clara posição de cautela ou de opo-
sição ao reatamento de relações: era o caso do Itamarati e dos ministérios 
militares. Os ministérios mais diretamente ligados aos negócios e à exportação 
mostraram-se favoráveis, como o da Fazenda e o da Agricultura. O Instituto 
Brasileiro do Café punha-se inteiramente a favor. 4 l 
O ano de 1957 apresenta uma situação política bastante semelhante àquela 
vivida exatamente 10 anos antes pela nossa política exterior. Nas duas si-
tuações as delegações permanentes do Brasil nas organizações internacionais, 
especialmente na ONU, guiavam-se por referênciasmais amplas e livres de 
interesse nacional, enquanto a chancelaria no Rio de Janeiro insistia numa 
diretriz estrita e estreita, de alinhamento ao Ocidente, em especial aos EUA. 
38 
Em ambas as ocasiões a delegação brasileira à ONU foi chefiada por Osvaldo 
Aranha, e em ambas ele divergiu frontalmente das opiniões da chancelaria a · 
propósito das relações entre Brasil e URSS. Em 1947, opôs-se ao rompimento 
de relações, em conflito com Raul Fernandes; em 1957, Aranha defendeu o 
reatamento, em conflito com Macedo Soares. Para Osvaldo Aranha, que de 
modo algum poderia ser acusado de antiamericanismo, constituía um contra-
senso em 1957 que, das grandes nações do mundo, o Brasil fosse o único pais 
a não manter relações com a URSS.42 
A clara opinião de Osvaldo Aranha, enunciada a partir de uma posição 
preeminente na ONU, não deixou de produzir um forte impacto no Brasil, 
ampliado pela sinalização do secretário-geral do PCUS, Nikita Krushev, ao 
dirigir um telegrama de Ano Novo ao presidente brasileiro, imediatamente 
respondido por JK. Esta promessa de diálogo produziu uma intensa discussão 
nos meios políticos, e se refletiu com intensidade na Câmara e no Senado nos 
primeiros meses de 1958, começando a posicionar-se os partidos e seus 
representantes nas duas casas do Congresso Nacional.43 
As articulações políticas visando impedir o reatamento, nas quais o ministro 
das Relações Exteriores parece haver exercido relevante papel, começaram a 
enfrentar opositores crescentes não apenas na opinião pública, mas no interior 
do próprio aparelho de Estado, de modo que acabou-se por fixar uma linha de 
defesa da idéia de reatamento de relações econômicas, evitando-se porém o 
reatamento de relações diplomáticas. 44 Após um longuíssimo processo de 
maturação, a fórmula acabou se tomando vitoriosa- o que se compunha bem 
com o interesse pragmático primordial do modelo desenvolvimentista de JK. 
Finalmente, uma missão econômica brasileira seguiu para Moscou em novem-
bro de 1959 e em dezembro assinou um acordo com os soviéticos, que marcava 
a retomada das relações comerciais entre os dois países. 
A tibieza do governo JK neste episódio expressou-se outra vez na aprecia-
ção que o presidente fez sobre os acordos econômicos então assinados. 
Enquanto o secretário-geral Krushev saudava os acordos como um passo 
positivo na direção da normalização das relações diplomáticas, Kubitschek, 
saindo pela tangente e apelando para generalidades, respondia que o acordo 
era um exemplo de que os povos podiam viver sob a égide da concórdia e da 
paz ... 45 O Brasil de JK titubeava ante a perspectiva de aventurar-se por conta 
própria na política internacional, ao dar um primeiro passo para se livrar do 
círculo de ferro em que se colocava desde 1945. 
7. Conclusão 
A polaridade característica da política brasileira nos anos 50, descri ta e 
analisada por Hélio Jaguaribe em termos de cosmopolitismo versus naciona-
lismo, tinha uma correspondência clara no plano rias relações exteriores do 
..__ 
Brasil. 46 Vago enquanto formulação ideológica, o nacionalismo propunha \liil3. 
política externa autônoma em relação aos EUA e uma posição neutralista no 
39 
'lo... -
coc:fiito Leste-Oeste. Em termos de desenvolvimento econômico, advogava 
politicas de corte protecionista e estatista, em contraposição à tese cosmopolita 
dê privatismo, livre-concorrência e abertura da economia ao capital es-
trangeiro. Em termos de política externa, o cosmopolitismo se expressava pela 
subordinação às diretrizes norte-americanas e europeu-ocidentais, por uma 
ação diplomática rotineira e uma retórica freqüentemente destituída de conteú-
dos.47 
O descompasso da política exterior brasileira com as grandes mudanças que 
já se operavam no sistema internacional na segunda metade dos anos 50 
vinculava-se, nessa perspectiva, ao predomínio da visão cosmopolita do Brasil 
no sistema internacional. Em outras palavras, a política externa brasileira 
carecia de representatividade ao não exprimir interesses e opiniões de vastos 
setores da sociedade brasileira, assim como de agências governamentais que 
se viam tolhidas em sua ação pela "reprodução simples" do comportamento 
diplomático e a adesão incondicional aos EUA e às potências européias. Hélio 
Jaguaribe atribuiu essa incapacidade de definir diretrizes claras diante dos 
novos desafios do sistema internacional à natureza cartorial do Estado brasi-
leiro e sua decorrente política de clientelas, assim como a ausência de uma 
opinião pública consciente e responsável.48 Contra esse pano-de-fundo do 
Estado, a política de JK procurava conciliar as contradições brasileiras em 
matéria de relações internacionais, em vez de tentar superá-las. 
Não tendo formulado com clareza uma diretriz compatível com os novos 
tempos e as novas forças no sistema internacional e na sociedade brasileira, o 
governo JK apresentou uma política exterior de avanços e recuos, meias-me-
didas e descompassos entre o discurso e a ação - enfim, contradições geradas 
pela própria ideologia do desenvolvimento, que pretendia superar o laissez-
faire absoluto preconizado por Washington e ao mesmo tempo enquadrar-se 
nas noções da "civilização ocidental". Entretanto, ao veicular algumas das 
teses do nacionalismo, o desenvolvimentismo se chocaria inevitavelmente 
com o americanismo e o europeísmo da diplomacia tradicional, como notaram 
à época alguns observadores argutos.49 
O discurso juscelinista equacionando soberania à prosperidade e ligando a 
prosperidade ao afluxo de capitais estrangeiros, procurava compatibilizar o 
desenvolvimentismo ao alinhamento tradicional do Brasil aos EUA. De outro 
lado, a soberania era também uma ponte que o discurso juscelinista lançava 
na direção do nacionalismo.50 Já vimos como também a OPA procurava se 
compatibili zar com os ideais da segurança coletiva e nesse sentido reafinnava 
a posição de "aliado fiel" dos EUA,51 mas ao mesmo tempo constituía uma 
iniciativa política que escapava às prescrições de Washington sobre os conteú-
dos e as formas da segurança coletiva. Escapava também às prescrições 
econômicas dos EUA para a América Latina, como ficou claro na definição 
de pan-americanisrno apresentada pelo chanceler Horácio Lafer ao Conselho 
da OEA em 1960.52 
40 
Desse modo, o govemo JK tinha uma certa consciência das novas condições 
vigentes no mundo e no Brasil, mas não se dispunha a tirar todas as conse-
qüências dessa nova consciência, assim como se dava conta de certos dilemas, 
mas não se dispunha a ultrapassá-los, em nome da conciliação nacional e 
social. Daí a permanente impressão de que avança, mas de que, ao avançar, 
também recua. 
Notas 
1 Memorando de conversa telefônica entre o presidente Eisenhower e seu secretário de 
Estado, em 5.1.1956. CPDOCJBDE 56.01.05. 
2 Equivalência na brutalidade. Editorial de O Estado de S. Paulo, 8.nov. 1956, p.3. 
3 Sardenberg, Ronaldo. Eswdo das relações internacionais. Brasília, Ed. UnB, 1982. 
p.83. Sobre a posição da França de De Gaulle ver também Kramer, Paulo R. C. O 
relacionamento Leste-Oeste e as origens da guerra fria. Dissertação de mestrado, Rio de 
Janeiro, IUPERJ, 1985. p. 89-95. 
4 Castoriadis, Cornelius. Socialismo ou barbárie. São Paulo, Brasiliense, 1970. p. 261-2. 
5 Claudin, Fernando. A oposição no "socialismo real~-Rio deJaneir"', Marco Zero, 1981. 
p. 147-70; Lefort, Claude. A invenção democrática. São Paulo, Brasiliense, 1983. 
p.l32-87; e Castoriadis, Comelius. op.cit. p. 257-87. 
6 Uma interpretação diversa afirma que a passividade norte-americana no episódio se 
deve ao fato de que a guerra fria n..'io se articulava realmente em tomo da Europa, mas na 
periferia do sistema capitalista, isto é, no Terceiro Mundo: Devis, Mike. O imperialismo 
nuclear e a dissuasão extensiva. In: Thompson, E. et ali i. Exterminismo e guerra fria. São 
Paulo, Brasiliense,1985. p.T/. 
7 Ver, por exemplo, Grimal, Henri. La déco/onization. Paris, A. Colin, 1967. p. 275; 
Worsley, Peter. Tlle tllird world. p. 254-5. 
8 Ki-Zerbo, Joseph. História daAfrica Negra. Lisboa, Europa-América, s.d .. v. 2. p. 391. 
9 Worsley, Peter. op.cit. p. 255. 
lO Id. ibid .. p. 247. 
11 Lafer, Celso. Comércio e relações iJtTemacíonais. São Paulo, Perspectiva, 1977. caps. 
2e3. 
12 Green, David. The C•>ld war comes to Latin America. In: Bemstein, B.J. Politics & 
Policies ofthe Truman odministration. Chicago, Quadrangle Books, 1970. p. 149-95. 
13 Child, Jolm. The intcr-american military system. Ph.D Thesis. Ann Arbor University, 
Microfilms Intemational, 1979. p.333. 
14 Examinei a questão militar no imediato pós-guerra em Brazilian foreign relations 
1929-1950. Ph.D Thesis. London, University College London. 1982. p.308-10. Ver 
também Child, Jolm. op.cit. p. 333. 
15 Ch.ild, Jolm. op.cit. p. 332. 
16 Ver, por exemplo, Mitchell, Christopher. Domilúo y fragmentación en la politica 
estadounidense con resp~cto a América Latina. In: Cotler J. & Fagen R. org. Relaci~ 
políticas entre América Latina y Estados Unidos. Buenos Aires, Amorrortu. 197~. p. 203. 
~1 
1
- Skidmore, Thomas. United States policy towards Brazil: assumptions and options. In: 
HeUman, R. G. & Rosenbaurn, H. J. Latin Ame rica: the search for a new international role. 
New York. Sage, 1975. p. 192. 
18 Malan, Pedro S. Relações econômicas internacionais do Brasil. In: Fausto, Boris, org. 
História geral da civili<Jlção brasileira. O Brasil republicano, São Paulo, Difel, 1984. v. 
3, t.4: espec. p. 80-2. 
19 Orenstein, Luiz & Sochaczewski, Antonio Claudio. Democracia com desenvolvimen-
to, 1956-1961. In: Abreu, Marcelo de Paiva, org. A ordem no progresso. Rio de Janeiro, 
Campus, 1990. p. 193-4. 
20 Malan, Pedro S. op. cit. p. 82-3. Ver também Orenstein, Luiz & Sochaczewski, Antonio 
Claudio. op.cit. 
2 1 Malan, Pedro S. op.cit. p. 82. 
22 Carta de Jllscelino Kubitschek a Dwight Eisenhower, em 28.4.56 (CPDOC/BDE 
56.04.2?" 
23 Uma apreciação r.:-Iativamente recente da famosa viagem de Nixon à América Latina 
pode ser vista em Zalmiser, M. R. & Weis, W. M. A diplomatic Pearl Harbor? Richard 
Nixon·s goodwill rnission to Latin America in 1958. Diplomatic History, 12 (2): 163-90, 
1988. Os autores tentam resgatar a utilidade "educativa" da viagem para o público e o 
governo americano. 
24 Carta de Juscelino Kubitschek a Dwighl Eisenhower, em 14.10.57 (CPDOCJBDE 
57.10.14/2); Carta de Dwight Eisenhower a John Foster Dulles em 5.6.58, encaminhando 
resposta a JK (CPDOC/BDE 58.06.05); Carta de Juscelino Kubitschek a Dwight Eise-
nhower em 22.8.58 (CPDOCJBDE 58.08.22). 
25 Uma descrição circunstanciada do lançamento e desenvolvimento da Operação Pan-
Americana pode ser apreciada no relatório de pesquisa assinado por Francisco Cavalcanti 
intitulado A Operação Pan-Americana. CPDOCfFGV, 1991. rnimeogr. 
26 Peixoto, Emani do Amaral. Artes da política, org. por A. Camargo, L. Hippólito, M. C. 
S. D' Araujo e Dora R. Flaksman. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1986. p. 414-7. 
27 Torres, Garrido. "Operação Pan-Americana, uma polftica a formular. Revista Brasileira 
de Política Internacional, p. 35-48, jun.l960. 
28 Upton, T. Graydon. Operação Pan-Americana, o catalisador oculto? Revista Brasileira 
de Política Internacional, p. 58-66, jun.1961. 
29 Cf. Carvalho, Maria lvânia Navarro de. A Aliança para o Progresso no BrasiL Dis-
sertação de mestrado em Relações Internacionais. PUC-RJ. Departamento de Ciências 
Jurídicas, 1990. 
30 Dissertação de mestrado de Letícia de Abreu Pinheiro, intitulada. Ação e omissão: a 
ambigüidade da política brasileira frente ao processo de descolonização africana, 1946-
1960. Rio de Janeiro, PUC/RJ, 1988. Uma síntese desse trabalho foi editada sob forma de 
artigo intitulado Brasil, Portugal e a descolonização africana (1946-1960). Contexto 
Internacional, (9): 91-111, jan./jun.1989. Valho-me de seu trabalho para compor boa parte 
deste item do presente artigo. 
31 Lins, Álvaro. Missão em Portugal. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1960. 
32 Pinheiro, L. A. op.cit. p. 103. 
33 Gonçalves, Williams. As relações Brasil-Portugal durante o governo Juscelino Kubit-
schek. mimeogr. p. 10-15. 
34 Lins, Álvaro. Missão em Portugal. op.cit. v.1 , p. 9. 
42 
35 inh . . 5 P erro, L. A. op.c1t. p. 10 -6. 
36 Pinheiro, L. A. op.cit. p. 107-8. Gonçalves, W. op.cit. p. 2. 
37 Melo Franco, Afonso Armos de. Portugal-Brasil-África. Tempo Brasileiro, 3fV39: 70, 
jul./dez.1974. 
38 ExamÍilei as motivações mtemas do rompimento de relações entre Brasil e URSS em 
Brazilian Foreign Rela.tions, 1939-1950. Ph.D Thesis. University College London, p. 
287-302. 
39 As relações com a URSS. Editorial de O Estado de S. Paulo, 23 nov.l959, p.3. 
40 Lacerda, Carlos. As ofertas russas ao Brasil. O Estado de S. Paulo, 9 fev.1956, p.7; Fala 
Goulart à imprensa canadense. O Estado de S.Paulo, 12 maio 1956, p. 3; Declaração do 
sr. João Ooulart em Roma. O Estado de S. Paulo, 6 jun.1956, p.3. 
41 Pronto o relatório do ltamarati sobre as relações com a URSS, O Estado de S. Paulo, 8 
jan.l958, p.32. 
42 O impacto da posição do ex-chanceler de relações comerciais com a Rússia, Correio 
da Manhã, 31 dez.1957, p. 1 e 11; entrevista de Aranha, Correio da Manhã, 28 fev.1958, 
p. 14 e 12; nova entrevista de Aranha. Correio da Manhã, 6 nov.l958, p.14 e 7. Os 
argumentos do ex-chanceler foram sistematizados num artigo intitulado Relações diplo-
máticas com a União Soviética. Revista Brasileira de Política Internacional, v.l,jun.1958. 
43 Dúvida sobre o relatório do Itamarati no caso do reatamento de relações com a URSS, 
Correio da Manhã, 19 jan.1958, p.16 e 13; Senador quer saber ... Correio da Manhã, 2 
mar.1958, p. 20 e 15. 
44 Satisfeito com o relatório do Itatnatati (sobre posição do cardeal-arcebispo do Rio, D. 
Jayme de Barros Câmara). O Estado de S. Paulo, 11 jan.1958, p.38; Contra as relações com 
a URSS o Conselho de Segurança Nacional. O Estado de S.Paulo, 15 fev.1958, p.4; Vale 
a pena lutar por nosso país nesse momento (posição do Dep. José Maria Alkmin, favorável 
ao reatamento). O Estado de S.Paulo, 18 abr.I958, p.34; Questão antiga a vmda do 
diplomata (posição da Associação Brasileira de Exportadores, favorável ao reatamento). 
O Estado de S.Paulo, 3 dez.1958, p.S. 
45 Troca de mensagens entre Kubitschek e Nikita Kruschev. O Estado de S.Paulo, 6 
jan.I960, p.36. 
46 Jaguaribe, Hélio. O nacionalismo na atualidade brasileira. Rio de Janeiro, ISEB, 1958. 
47 Idem, p. 221-2. 
48 lb., p. 271-3. 
49 Valle, H. Alguns aspectos das relações Brasil-EVA. Revista Br_asileira de Política 
Internacional. Rio de Janeiro, p. 5-16, dez.l961. 
5° Cardoso, Miriam Limoeiro. Ideologia do desenvolvimento. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 
1977. p. 104-12. 
51 Id. ibid. p.131-9. Ver também Rodrigues, José Honório. Uma política própria e 
mdependente. Política Externa Independente, Rio de Janeiro, (1): 31-9, 1965. 
52 Lafer, Horácio. Operação Pan-Americana. Revista Brasileira de PoUticsz Internacional, 
Rio de .Janeiro, p.l23-6,jun.l960. 
A década de 50 e o Programa de Metas 
Clovis de Faro* 
Salomão L. Quadros da Silva** 
Recém-saídos da chamada década perdida, como ficaram tristemente caracte-
rizados, em termos de desempenho econômico, os anos 80; após um 1990 que 
marcou uma das quedas de produto das mais dramáticas de nossa história; e 
ainda por cima vivendo em plena recessão e com altas taxas de inflação neste 
ano de 1991, não é sem saudosismo que olhamos para o período em que fomos 
governados pelo presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira. Afinal de contas, 
embora associados a um certo descontrole das contas públicas, os anos JK 
(1956-60) foram fundamentalmente marcados por altas taxas de crescimento 
econômico e por uma boa dose de otimismo. 
Dado que o êxito da administração JK pode ser diretamentecreditado a uma 
das nossas mais bem-sucedidas experiências de planejamento econômico, 
consubstanciada no que foi denominado Programa de Metas, é oportuno que, 
contando com a perspectiva propiciada pelos quase quarenta anos decorridos 
desde sua concepção, se faça um retrospecto. Fique claro, porém, que não tendo 
como objetivo uma análise econômica, no seu sentido formal, nossa apresen-
tação terá mais um caráter informativo, meramente acompanhado de alguns 
comentários gerais. 
O artigo compõem-se de duas partes. Na primeira, o ano de 1955 é tomado 
como momento-chave para se traçar um quadro da economia brasileira da 
época. Na segunda, o Plano de Metas está em foco: seus antecedentes, seus 
objetivos e também seus resultados são, mesmo que brevemente, historiados. 
1. O Brasil às vésperas de JK 
Durante o ano de 1955, o ágio sobre a cotação oficial do dólar manteve-se 
inalterado, em tomo de 100%. Daí não se moveu nem no mês de outubro, com 
a eleição presidencial, nem em novembro, quando escaramuças militares 
pretenderam barrar a posse de Juscelino Kubitschek, nem depois, com a 
* Diretor de publicações técnico-científicas da EPGE; editor da RJJE e professor na EPGE. 
** Chefe do Banco de Dados do IBRE/FGV. 
Nota: Agradecemos a Antônio Adorno Filho e Maria das Graças E. Alirnandro, da equipe ao 
Banco de Dados do IBRE/FGV. 
44 
aproximação do início do novo mandato. Há 36 anos, as incertezas e expecta-
tivas econômicas dos brasileiros eram outras e não se expressavam através de 
flutuações no valor da moeda americana. O ágio que existia, legal porque 
resultava de negociações em bolsas, era produto de wn complicado esquema 
de racionamento cambial estabelecido pela Instrução 70 da Superintendência 
da Moeda e do Crédito (Swnoc). Seu valor, elevado, traduzia o que os preços 
em geral costumam traduzir: o grau de escassez de qualquer mercadoria. Em 
1955, divisas estrangeiras eram mercadoria rara e, por isso mesmo, cara. 
Mas no Brasil de 1955, a neutralidade positivista dos preços relativos era 
matéria de enfado e desgosto. Nossos planejadores de primeira geração haviam 
sido impregnados pelo conceito de bottlenecks (pontos de estrangulamento) e 
por outras formulações modernas, difundidas por técnicos americanos. Após a 
visita de duas missões de cooperação e do trabalho de uma Comissão Mista 
Brasil-EVA, o desenvolvimento econômico estava agora, inadiavelrnente, ao 
alcance de todos. Eliminar os obstáculos que retinham o crescimento da 
produção, a acumulação de riquezas e a melhoria da qualidade de vida da 
população rapidamente converteu-se em obsessão política e, a seguir, em 
programa de governo. Aquele Brasil, de estrutura econômica ainda tenra o 
bastante para abrigar os vôos da imaginação desenvolvimentista, estava pronto 
para ser modelado. 
O molde deveria envolver um país "essencialmente" agrícola, pelo menos 
assim diziam as estatísticas. Dos 51.944.397 brasileiros recenseados em 1950, 
33.161.506 habitavam zonas rurais. Na mesma data, de wna população econo-
micamente ativa de 17.117,4milharesde pessoas, 10.369,9milharestrabalhavam 
no setor agropecuário, que absorvia 29% da renda nacional. Em 1955, o setor 
agrícola ainda era essencia I mente cafeeiro. O café respondia por 30% do valor 
da produção vegetal, que por sua vez contribuía com mais de 70% do valor da 
produção agropecuária. Tão merecedora de destaque era a performance desta 
cultura que as séries históricas de produto agrícola, exportações e preços por 
atacado desdobravam-se, cada uma, em outras duas, com e sem café, capazes de 
apresentar resultados contraditórios e até mesmo diametralmente opostos. 
O indicador mais cintilante da soberania econômica do café era o seu peso 
nas exportações. Em 1955, o país exportou o equivalente a 1.419 milhões de 
dólares em mercadorias, 60% dos quais provenientes das vendas de café. A 
conversão para cruzeiros desta receita cambial se fazia à taxa de 37,06 cruzeiros 
por dólar. Enquanto isso, no mercado livre, o dólar era negociado a 66,75 
cruzeiros. 
A Instrução 70 da Sumoc, de 1953, que segmentou as pautas de exportação 
e importação, atribuindo a algumas categorias taxas de câmbio próprias e 
deixando ao mercado a tarefa de atribuí-las às demais, minorou parcialmente 
as perdas do setor cafeeiro. Classificado na categoria inicial, cuja taxa, com a 
instrução, passou a valer23,36 cruzeiros, após seis anos de vigência da paridade 
I, 
de 18,36 cruzeiros, fixada em acordo com o FMI, o café exportado começou a 
:eceber o pagamento de bonificações, custeadas pelos ágios dos leilões de 
câmbio para as importações. Os exportadores de café nunca chegaram a ver 
nestas bonificações a compensação plena para a sobrevalorização da taxa 
cambial de sua categoria. O declínio do império cafeeiro acentuou-se entre 
1954 e 1963, período em que as cotações internacionais despencaram de 78,71 
para 34,11 cents/libra peso. 
Em contraste com a opulência da cafeicultura, as lavouras alimentares, 
caracterizadas por produtividade baixa e estacionária, proporcionavam ao 
brasileiro uma oferta nutricional deficiente. Em 1955, as 3,6 milhões de 
toneladas colhidas de arroz, 62 kg por habitante, foram produzidas à razão de 
1,52tfha. No mesmo ano, a China, com uma população dez vezes maior, 
produziu 2,5tfha, cabendo 84 kg a cada habitante. A produtividade do trigo 
brasileiro situava-se na faixa de 0,80tfha, pouco mais que a metade do rendi-
mento argentino. Em 1955, a produção nacional não ultrapassou os 15,7 kg/hab. 
Mesmo considerando-se as importações do cereal, 28 kg!hab, a oferta domés-
tica colocou-se significativamente aquém da produção argentina, de 327 
kg/hab. Mas se o prato principal deixava a desejar, o brasileiro ia à forra na 
sobremesa. O consumo per capica de açúcar atingiu 33 kg em 1955, similar ao 
da Bélgica. 
Enquanto a agricultura fraquejava, as pretensões industrializantes de alguns 
grupos privados, hibernadas desde o fim da li Guerra Mundial, ganhavam novo 
alento. A Instrução 113 da Sumoc, de 1~55, que teve seu mentor em Eugênio 
Gudin, ministro da Fazenda, permitiu o ingresso de equipamentos estrangeiros 
no país sem o dispêndio de divisas. Muitos empresários brasileiros sentiram-se 
discriminados com a medida. Enquanto empresas genuinamente nacionais 
precisavam freqüentar os leilões de câmbio para conseguir importar, outras, 
associadas a capitais estrangeiros, o faziam diretamente pela 113. Como o setor 
automobilístico, por exemplo. 
Desde 1919, quando Hen.ry Ford acreditou que um dia o Brasil teria boas 
estradas e instalou aqui a Ford Motor Company Export Inc., o Brasil compor-
tava ramificações da indústria automobilística. Nos anos 20, a General Motots 
e a International Harvester também iniciaram operações em território nacional. 
Durante trinta anos estas operações limitaram-se à importação de peças para a 
montagem de caminhões e também de alguns carros, como o lendário Ford 
Pé-de-Bode, de 1929. Direta ou indiretamente, os mais de 300 mil carros de 
passeio que, em 1955, trafegavam pelas cidades e pelos 400 mil km de estradas 
de terra tinham sido importados. O potencial inexplorado deste mercado, 
reprimido à força de controles administrativos de câmbio, fermentava pressões 
internas para que se impedisse a continuidade das importações. A Instrução 113 
era o "caminho das pedras" para a nacionalização de todos os estágios da 
manufatura. 
46 
Ainda em 1955, antes do governo Juscelino e do estabelecimento do GElA 
(Grupo Executivo da Indústria Automobilística), em 1956, outras empresas, 
entre elas a Mercedes-Benz, constituída no Brasil em 1954,já estav.am inves-
tindo para dar ao país caminhões com índices crescentes de nacionalização. O 
ancestral dos caminhões nacionais foi o D-9500 da Fábrica Nacional de 
Motores, a FNM, empresa governamental criada em 1940 e inicialmente 
dedicada à fabricação demotores de avião. Em 1950, a FNM passou a 
concentrar-se na produção de veículos de carga, sob licença da empresa italiana 
Isotta-Fraschini, que pouco depois faliu. Tomou seu lugar a Alfa-Romeu, 
detentora da patente do D-9500. Em 1953, a FNM produziu 373 unidades desse 
caminhão. Em 1954 a produção alcançou 531 unidades e em 1955,já na terceira 
etapa de nacionalização, que correspondia a 60% do peso do veículo, a 
produção atingiu 2.420 unidades. 
A fundição do primeiro bloco de motor diesel para caminhões, a pedido da 
Mercedes-Benz, foi o acontecimento mais importante de 1955, para o setor 
automobilístico privado. A presidência da cerimônia coube a Juscelino, já eleito 
mas ainda não empossado. Os planos das duas companhias, FNM e Mercedes-
Benz, porém, eram retardados pela insuficiência da oferta de metais não ferrosos, 
em particular cobre, chumbo e zinco, necessários aos empreendimentos. Em 
compensação, a disponibilidade de metais ferrosos era mais que folgada. 
A Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) produziu 665.666t de aço em 
lingotes e 521.666t de larninados de aço no ano de 1955. Estes dois valores 
representaram mais de 50% das quantidades produzidas nas respectivas classes 
de produtos, o que garantia à CSN a liderança isolada no setor. A segunda maior 
empresa do ramo era a Companhia Siderúrgica Belga-Mineira, cuja produção, 
em 1955, foi de 182.202t de aço em lingotes e 168.230t de laminados. A 
Mannesmann, terceira colocada, produziu menos de 100 mil t de aço. Todas as 
empresas do setor mantinham engavetada a maior parte de seus programas de 
expansão. Nada modestos, esses programas se chocavam com as dificuldades 
de ordem cambial que assolavam o país em 1955. 
Tanto a siderurgia quanto a indústria automobilística eram setores emergentes, 
em busca de seus caminhos de expansão. Os pesos-pesados do setor secundário, 
há muito tempo estabelecidos, eram têxtil e alimentos. De acordo com o censo 
de 1950, os dois, reunidos, contribuíram com 40% da produção industrial. 
O setor de produtos alimentares, responsável por 20,5% de todo o valor 
agregado na indústria de transformação, era composto por segmentos bastante 
diferenciados. Um deles, o de frigoríficos, desde cedo formado por reduzido 
número de participantes, notadamente empresas de capital estrangeiro, como 
a Armour, a Anglo, a Swift e a Wilson, absotvia quase 20% do abate de reses, 
estimado em 6 milhões de cabeças. Outro segmento, ativo desde os tempos do 
Brasil Colônia, era a agroindústria açucareira. Em 1955, foram moídas 
24.819.410t de cana, convertidas em 2.072.965t de açúcar nas 378 usinas em 
47 
! 
5=• iommento. A produtividade de 83,5 kg de açúcar por tonelada de cana 
moi.Ca era bem próxima do coeficiente americano, que valia 93 kg/t. O setor 
oe alimentos compreendia ainda, em grandes traços, a moagem de farinha de 
~60 e de café, a fabricação de laticínios e a preparação de banha, que tinha 
:.;gar em um número incontável de pequenos estabelecimentos, característicos 
de uma época em que as famílias de todas as classes não dispensavam a 
presença da gordura animal em suas mesas. 
No setor têxtil o quadro não era dos mais animadores. Tradicional absorve-
dor de mão-de-obra, o setor têxtil empregava, em 1955, um terço dos operários 
industriais, pagando-lhes salários 17% inferiores à média da indústria e metade 
daquilo que ganhavam os empregados no setor automobilístico. A grande 
concentração de maquinário obsoleto, com mais de 30 anos de uso, o des-
preparo da mão-de-obra e a matéria-prima de má qualidade condenavam o 
Brasil a um nível de produtividade 45% inferior ao prevalecente em países 
latino-americanos, como Chile e Peru. Apesar de todos esses pesares, em 1955, 
o consumo aparente de produtos têxteis, de 4,5 kg/hab, metade do argentino e 
a quarta parte do americano, era atendido em mais de 98% pela indústria 
nacional. 
Em outros setores da indústria brasileira a produção substitutiva de impor-
tações seguia, com sucesso, esta etapa do desenvolvimento econômico. Era o 
caso da indústria do cimento que, em 1955, supria 90% do consumo doméstico, 
embora a demanda ex-ante estivesse artificialmente reprimida. Papel e borracha 
sintética, ao contrário, eram ainda majoritariamente importados. Na pauta de 
importações, depois do trigo, com 140 milhões de dólares, os óleos combustíveis 
e a gasolina, juntos, consumiram 130 núlhões de dólares em 1955. As compras 
externas de veículos a motor, fortemente contidas, exigiram 43 milhões de 
dólares, o dobro da despesa com bacalhau, que por sua vez superou as referentes 
às aquisições de tratores de rodas e máquinas ferramentas. 
Para financiar 1.099 milhões de dólares em importações, o Brasil contou 
com 850 milhões de dólares obtidos com o café, mais 150 milhões provenientes 
do algodão e do cacau, além de outros 120 milhões, amealhados em lotes 
aproximados de 30 mil, com açúcar, minério de ferro, óleos vegetais e madeira 
serrada. Quarenta por cento das exportações brasileiras destinavam-se aos 
Estados Unidos que, já em 1955, haviam colecionado sucessivos reveses no 
comércio bilateral. O saldo comercial de 320 milhões de dólares, conseguido 
em 1955, excedeu o sempre deficitário balanço de serviços, deixando equili-
bradas nossas transações correntes. A regra geral, porém, nos anos anteriores 
e nos seguintes, era de transações correntes deficitárias. 
A queda vertical na importação de gasolina, de 3.672.026m3 em 1954 para 
318.942m3 em 1955, garantiu 70 milhões de dólares ao saldo comercial. Esta 
mudança radical de comportamento deveu-se à rápida expansão da capacidade 
de refino de petróleo, após a cnação da Petrobrás, em fins de 1953, cem anos 
48 
~ ...... ___ _ 
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depois das primeiras explorações. Nos anos 30, multinacionais como a Shell e a 
Standard Oil adquiriram terras supostamente ricas em óleo mas não puderam 
explorá-las porque a Constituição de 1934 havia tomado os minerais propriedade 
da União. Essas e outras empresas estrangeiras, já então, dedicavam-se primor-
dialmente à distribuição de derivados de petróleo, do Oiapoque ao Chuf. 
A primeira refinaria instalada no Brasil começou a operar em 1'932 em 
Uruguaiana, Rio Grande do Sul. Sua capacidade limitava-se a 300 barris por 
dia. Em 1936 as Indústrias Matarazzo e a Petróleo Ipiranga inauguraram 
refmarias com capacidade para 500 e 1 mil barris por dia, respectivamente. Em 
1950, a primeira incursão empresarial do setor público no ramo petrolífero, a 
refmaria Landulpho Alves, em Mataripe, Bahia, agregou mais 2.500 barris/dia 
à capacidade existente no país. Nos anos seguintes, o Estado continuou inves-
tindo mais de 50% dos recursos de sua "conta" petróleo no aumento da 
capacidade de refino, reservando à exploração apenas 20%. Por isso, a queda 
na importação de gasolina foi acompanhada de acréscimos maiores na impor-
tação do que na produção de petróleo. De 1954 para 1955, em número de barris 
por dia, a importação passou de 2.830 para 69.940, ao passo que a produção 
subiu de 2.727 para 5.540. 
O petróleo e seus derivados forneciam 40% de toda a energia requerida no 
país, em 1955. Em segundo lugar nesta escala vinha a energia elétrica, suprindo 
25% das necessidades. Desde o final dos anos 20, a geração de energia elétrica 
no Brasil era praticamente monopolizada por empresas estrangeiras. Em 1955, a 
Brazilian Traction, Light and Power Company, hoiLJing, entre outras, da São Paulo 
Light and Power Company e de sua co-irmã carioca, detinha 50% dos 3.148.500 
kW instalados no país. O grupo Amforp, cuja subsidiária mais importante era a 
Companhia Paulista de Força e Luz (CPFL), eletrificava um terço do território 
paulista. As concessionárias que serviam o Nordeste, como a Pernambuco 
Tramway and Power Co. Ltd., restringiam-se a distribuir a energia produzida pelaCompanhia Hidrelétrica do São Francisco (CHESF), cuja potência instalada, de 
200 mil kW à época, dependia em 90% da usina de Paulo Afonso. 
Estas empresas, que dominavam o setor de energia elétrica, eram também 
as proprietárias de 95% de todo o estoque de 162,5 milhões de dólares de capital 
estrangeiro registrado na Sumoc, em 31 de dezembro de 1955, sob o qualifica-
tivo .. de especial interesse para a economia nacional". Ainda que o qualificati-
vo, por ser restringente, subestime a participação do capital estrangeiro na 
economia nacional, o saldo registrado na Sumoc não chegava a representar 2% 
do· produto interno bruto, percentual que a Instrução 113 encarregou-se de 
elevar. Todavia, as reações à sua presença eram carregadas de um teor de 
emocionalidade desproporcional à verdadeira grandeza macroeconômica do 
capital estrangeiro. O trecho abaixo, retirado de mensagem enviada ao congres-
so pelo então presidente Getúlio Vargas, é ilustrativo da retórica nacionalista 
que imperava antes da eleição de Juscelino Kubitschek. Dizia Vargas das 
~9 
:i.iimrinacionais: a .. ação predatória destas forças de rapina que não conhecem 
bandeira nem cultuam outra religião que não seja a do lucro". 
O crescimento da oferta de energia elétrica a taxas inferiores ao ritmo da 
industrialização que vinha ocorrendo desde os anos 40 foi a justificativa mais 
ftmdamentada para a intensificação da presença do setor público nesta ativi-
dade. Na primeira metade da década de 50, a participação das empresas 
públicas na capacidade geradora do país quase triplicou. Em 1955 o setor 
público já respondia por 17% da potência instalada. A usina de Fumas era então 
apenas um projeto que, na avaliação de especialistas, poderia duplicar a 
capacidade geradora de energia elétrica do setor público. 
A rede ferroviária em tráfego em 1955 media 37.092km, 97% da extensão 
máxima que chegou a atingir antes de iniciar um longo ciclo de decadência e 
desativações. Construídas pelo governo ou encampadas a empresas nacionais 
e estrangeiras, em alguns casos através de transações de duvidosa imparciali-
dade, as estradas de ferro, em seu conjunto, estavam integralmente estatizadas 
em 1955. A União possuía o controle de 80% da rede, que empregava 215 mil 
funcionários. Os trechos mais expressivos em extensão eram, pela ordem, a 
Rede Mineira de Viação, a Estrada de Ferro Central do Brasil e a Viação Férrea 
do Rio Grande do Sul, cada uma com aproximadamente 10% do comprimento 
total. Pelas ferrovias eram transportados 20% das mercadorias e 28% dos 
passageiros, enquanto para as rodovias estas proporções subiam para 56% e 
67%, respectivamente. 
Em 1955, havia no Brasil 3 mil km de estradas pavimentadas, embora a 
extensão da malha rodoviária superasse os 400 mil quilômetros. Destes, 380 
mil pertenciam às administrações municipais, naturalmente menos providas de 
recursos do que a União. A precariedade da rede de estradas, intransitáveis boa 
parte do ano por causa das chuvas, e também a baixa confiabilidade do sistema 
de peças de reposição eram comumente apontados como barreiras ao es-
tabelecimento de uma indústria automobilística no país. 
O setor de comunicações vivia, em 1955, um processo de transição em túvel 
mundial, em que o tráfego telefônico substituía velozmente o telegráfico. Nos 
Estados Unidos, nos dez anos que se seguiram ao fun da II Guerra Mundial, o 
número de telefones instalados duplicou, chegando em 1955 a 56,2 milhões de 
aparelhos, o equivalente a 340 por mil habitantes. No mesmo período da extensão 
a rede de cabos telegráficos reduziu-se de 2.247 para 1.100 milhas. 
No Brasil, em 1955, havia 811.393 telefones instalados, ou 13,5 por mil 
habitantes. A rede telefônica expandiu-se, na primeira metade da década, a uma 
taxa média de 10% ao ano. Por outro lado, a expedição de telegramas atingiu 
33.230 em 1955, o número mais elevado desde a inauguração das linhas 
telegráficas, em 1862. A partir de 1956 o uso de telegramas decaiu ininter-
ruptamente. 
50 
.. 
Em 1955, prosseguia em vigor a Lei da Usura, proibindo juros norrúnais 
superiores a 12% ao ano. A imposição desse teto, numa fase em que a inflação 
anual já superava com facilidade os 20%, atrofiava a acumulação de poupança 
fmanceira. Os bancos comerciais captavam cinco vezes mais depósitos à vista 
do que a prazo, embora tanto uma modalidade quanto a outra crescesse apenas 
vegetativamente. O volume per c apita de depósitos bancários no Brasil de 1955 
era de 35 dólares, pouco inferior aos 42 dólares da Argentina e 40 do Chile. 
Num país em estágio avançado de desenvolvimento financeiro, como os 
Estados Unidos, este quociente aproximava-se de 1.200 dólares. 
O desinteresse pelas aplicações financeiras era particularmente sentido pelo 
Tesouro Nacional. O saldo dos títulos públicos em circulação em 1955 corres-
pendia à metade do saldo em depósito a prazo e encontrava-se praticamente 
inalterado desde o início da década. Os papéis públicos com maior volume de 
negócios na Bolsa de Valores do Rio de Janeiro eram as Obrigações de Guerra 
da União, títulos ao portador que pagavam juros de 6% ao ano. Diante da 
inapetência dos investidores frente aos papéis governamentais, o envolvimento 
crescente do setor público na atividade econôrrúca precisou recorrer à exparu>ào 
da base monetária. Em 1955 a proporção entre os saldos dos títulos e da base 
era de 1 para 9. 
Onipresente no mercado financeiro, o já então quase sesquicentenário Banco 
do Brasil desempenhava funções de autoridade monetária com mais freqüência 
que a própria Sumoc, criada 10 anos antes como aspirante a Banco Central. 
Detentor de apenas 15% dos depósitos à vista e 5% dos depósitos a prazo, o 
banco fundado por D. João VI conquistara para si uma fatia de 30% dos 
empréstimos concedidos ao setor privado. Esta desproporção entre ativo e 
passivo realçava ainda mais a condição de autoridade monetária do Banco do 
Brasil, isto é, a provisão de recursos inacessíveis aos bancos comerciais puros. 
Em 1955, os depósitos de 1.500 milhões de dólares no Banco do Brasil, 
maior banco comercial brasileiro, rivalizavam com os mantidos no Dresdner 
Bank, de Frankfurt, 33º colocado no ranking mundial. O segundo lugar, entre 
os 400 bancos ou casas bancárias existentes, pertencia, naquele ano, ao Banco 
do Estado de São Paulo, com depósitos avaliados em 250 rrúlhões de dólares. 
O terceiro colocado e primeiro entre as instituições privadas era o Banco da 
Lavoura de Minas Gerais, cujos depósitos alcançavam 150 milhões de dólares. 
Em desacordo com o nome, o banco, destinava menos de 10% de seus 
empréstimos à lavoura, preferindo o comércio como aplicação. O Bradesco 
ainda era o Banco Brasileiro de Descontos, nono colocado, enquanto o Itaú 
ocupava uma pálida 3()!! posição. Entre os dez maiores estabelecimentos 
bancários do país não havia nenhuma instituição internacional. 
Da mesma forma que os depósitos, os empréstimos bancários cresciam muito 
lentamente em 1955, com exceções momentâneas por parte do Banco do Brasil. 
Para complementar a ação desenvolvimentista própria das atividades creditícias 
5: 
~do Banco do Brasil, fora criado, em 1952, o Banco Nacional do Desenvol-
Timer:no Econômico (BNDE). Em 1955, contudo, seus empréstimos, dirigidos 
~ente aos setores industriais de base, eram ainda incipientes. 
A pouca atratividade exercida pelo sistema financeiro sobre o público, 
comprovada pelos 2% de participação deste segmento na renda nacional, era, 
em parte, responsável pela procura ao tnercado acionário. Os títulos privados 
de companhias industriais de tecidos, como a Nova América, eram os preferidos 
dos investidores mais avessos ao risco. Em 1955, estes papéis foram objeto de 
55% das operações realizadas na Bolsa do Rio, cujo total igualou-se ao 
montante de subsídios pagos pelas três esferas de governo ao setor privado. 
Em 1955,os conhecidos dilemas acerca dos preços das ações provocavam 
acalorados debates. As blue chips - Btahma, Mesbla, Mannesmann, Belga-
Mineira, Souza Cruz etc.- eram negociadas com PL'sl superiores a 10, pelo 
menos o dobro da média das demais ações transacionadas em bolsa. A Vale do 
Rio Doce já se insinuava como ação francamente especulativa, capaz de variar 
dez vezes mais pontos percentuais do que o nível geral de preços. 
Na repartição da renda interna, em 1955, São Paulo já ocupava a dianteira, 
com 33% do bolo. O Rio de Janeiro, a cidade-estado, na época Distrito Federal, 
encontrava-se num distante segundo lugar, com 14%. Minas Gerais vinha logo 
a seguir, com 11%. Os estados do Nordeste, em conjunto, geravam 9% da renda, 
cabendo a Pernambuco 35% da parcela desta região. A indústria nacional era 
45% paulista, mas na agricultura o predomínio de São Paulo não era o mesmo, 
correspondendo ao estado 27% da renda rural. São Paulo perdia para o Rio a 
disputa de centro financeiro com maior atuação no país. Em 1955, as contas 
nacionais atribuíam ao Rio de Janeiro 36% da renda obtida na intermediação 
financeira, enquanto São Paulo aparecia com 31%. Embora o Rio sediasse um 
complexo bancário mais numeroso e ramificado, São Paulo tinha a preferência 
das instituições de maior porte. O Rio de Janeiro concentrava ainda 33% da 
renda proveniente de atividades governamentais, além de ser um importante 
núcleo comercial, com 22% da renda deste setor. 
A população do Rio de Janeiro, de 2,3 milhões de habitantes, superava a da 
cidade de São Paulo, à época na marca de 2 milhões. No Rio estava instalado 
mais de um terço dos telefones em operação no Brasil, a tuberculose matava 
mais do que todas as doenças do coração, e o aeroporto Santos Dumont, com 
seus quase 30 mil pousos de aeronaves por ano, era o mais movimentado do 
país. Em 1955, já se podia, duas vezes por semana, ir do Rio a Dakar, sem 
escalas, a bordo dos modernos Constellation. 
Em 1955, o déficit orçamentário consolidado das três esferas de governo 
alcançou 12,5 milhões de cruzeiros, o equivalente a 1,5% do PIB. No mesmo 
ano a base monetária registrou uma expansão de 18 milhões de cruzeiros 
enquanto a dívida mobiliária federal permaneceu inalterada. Como se sabe, 
nem só de déficits orçamentários alimenta-se a base monetária. Aquisições 
52 
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líquidas de divisas, assim como expansões líquidas de crédito ao setor privado 
também a inflam. De todo modo, a semelhança entre os dois valores, o déficit 
e a expansão da base, indica que a indisciplina fiscal, amparada pela "cama 
elástica" monetária, constitui velho hábito entre nós. 
Na divisão da despesa pública, as preferências da União recaíam sobre os 
ministérios militares, aos quais eram destinados 28% dos recursos. Os transportes 
· recebiam 22%, enquanto educação e saúde, reunidas, mal chegavam aos 10%. 
Para fmanciar gastos de 63,3 milhões de cruzeiros, ou 8% do Pffi, o mesmo que 
despenderam todos os estados e municípios juntos, o governo federal arrecadou 
55,7 milhões de cruzeiros, ou 7% do Pm. Desta receita, 35% eram oriundos do 
imposto de renda e 30% do imposto de consumo, que dez anos depois transfor-
mou-se em imposto sobre produtos industrializados. Outros 1 O% da arrecadação 
vieram do imposto do selo, que anos mais tarde tomou-se o imposto sobre 
operações fmanceiras. No início da década de 50, o imposto do selo desbancou 
da terceira posição o imposto sobre importação, que foi o principal tributo até a 
II Guerra Mundial e em 1955 já se encontrava em ocaso definitivo, contribuindo 
com apenas 3,5% da arrecadação. 
Em 1955, à parte as funções típicas de governo, o Estado possuía ou 
controlava numeroso elenco de empresas que atuavam em vários setores da 
atividade econômica. Na indústria cabe destacar a Petrobrás, a Companhia 
Siderúrgica Nacional, a Companhia Vale do Rio Doce, a Companhia Nacional 
de Álcalis, a Fábrica Nacional de Motores e a Companhia Hidrelétrica do São 
Francisco. Na intermediação financeira são lembranças obrigatórias o Banco 
do Brasil, as Caixas Econômicas, o Banco Nacional do Desenvolvimento 
Econômico, o Banco do Nordeste e o Banco Nacional de Crédito Cooperativo. 
O terceiro mais importante foco de atenção do governo eram transportes e 
comunicações. O Lóide Brasileiro, o Serviço de Navegação do Rio da Prata, a 
Administração do Porto do Rio de Janeiro, as ferrovias federais e estaduais e 
outras empresas menos expressivas completavam o leque de estatais. 
A performance econômico-financeira das empresas públicas era bastante 
heterogênea. As industriais, de um modo geral, eram lucrativas. Os bancos e 
caixas econômicas apresentavam lucros mais moderados, enquanto aquelas do 
setor de transportes e comunicações amargavam prejuízos tão pesados que 
anulavam os bons resultados dos dois primeiros grupos. Em 1955, as estatais 
pagavam 8 a 10% da folha total de salários do setor urbano e não contribuíam 
com mais do que 3 a 5% para a formação bruta de capital fixo da economia. 
Na área financeira, a participação das empresas governamentais chegava a 35% 
da renda gerada neste segmento. Na área de transportes e comunicações as 
empresas públicas recebiam subvenções superiores a suas receitas operacio-
nais. Etn todas elas já se detectavam sintomas de improdutividade com niYeis 
de salário e de emprego adiante de suas reais possibilidades. 
53 
1955 foi um ano de inflação em queda. Entre janeiro e dezembro, o Índice 
Geral de Preços da Fundação Getulio Vargas subiu 12,4%, após dois anos 
consecutivos de elevações superiores a 20%. A desaceleração pode ser credi-
tada, em boa dose, ao monetarismo de Eugênio Gudin, que mesmo tendo 
deixado o Ministério da Fazenda em meados do ano, conseguiu reduzir a taxa 
de expansão dos meios de pagamento de 24,4% em 1954 para 16,1% em 1955. 
A cartada ortodoxa do ministro foi vitoriosa também porque recebeu contri-
buições decisivas de componentes-chave da oferta agregada. Os gêneros ali-
mentícios subiram 8,9% naquele ano, a taxa de câmbio livre valorizou-se 12% 
e o salário mínimo, após um polêmico reajuste de quase 100% em 1954, 
atravessou todo o ano de 1955 absolutamente rígido em tennos nominais. 
Mesmo congelado, o salário minimo desfrutava, em 1955, de um poder 
aquisitivo 11% acima do que possuía em 1940, ano de sua criação. Até 1951 o 
salário mínimo sofreu continuadas desvalorizações em termos reais. Com duas 
vigorosas tacadas, uma em 1952 e outra em 1954, o então presidente Getúlio 
Vargas pôs fun àquele estado de coisas, pelo merios por alguns anos. 
As taxas de inflação no Brasil sempre estiveram entre as maiores do mundo. 
Em 1955 apenas quatro países sofreram altas de preços mais elevadas. O 
primeiro, com 68%, foi a Coréia, possivelmente ainda sob os efeitos da guerra. 
Em seguida veio o Paraguai, com 24%, depois o México, com 15%, e, 
finalmente, a Turquia, com 14%. Se a comparação tivesse sido feita um ano 
antes, o Brasil só perderia para Coréia e Paraguai. 
Nas suas relações econômicas com o resto do mundo o Brasil caracteriza-
va-se por ser receptor de capitais. Em 1955 ingressaram Iiquidamente 63 
milhões de dólares em investimentos diretos. Coincidentemente, este foi tam-
bém o valor das remessas de lucros ao exterior, superior aos 35 milhões 
correspondentes ao pagamento de juros. A soma destes dois itens, a renda 
líquida enviada ao exterior, correspondia a 5,5% das exportações de mercado-
rias. Em 1955, os compromissos decorrentes de financiamentos estrangeiros 
registrados na Sumoc totalizavam 1.556 milhões de dólares, valor que excedia 
em 10% a receita com exportações. 
Os fluxos de capitais internacionais que transitavam pelo Brasil eram 
inegavelmente diminutos. E não podia ser diferente. Em 1955, o Brasil tinha 
um Pffi de aproximadamente 12 bilhões de dólares, seis vezes maior que o da 
Coréia, 30% superior ao do México,a metade do indiano, um terço do italiano, 
a 352 parte do americano e 1% do somatório dos produtos nacionais de todos 
os países que apresentavam estatísticas ao FMI. Nosso comércio não passava 
de 0,5% do total mundial. 
Assim, foi da condição de figurante apagado na cena econômica internacio-
nal que o Brasil iniciou um longo trajeto introspectivo, rumo à auto-suficiência 
mais completa possível. Juscelino Kubitschek, porém, não conheceu o fim 
dessa viagem. 
54 
t 
.... 
·~ 
,.. 
2. O Programa de Metas 
2.1 Antecedentes 
A idéia da adoção, aqui no Brasil, do planejamento como instrumento de 
política econômica em economias de mercado, que acabou por ser posta 
efetivamente em prática com o Programa de Metas, foi acompanhada de 
acirrados debates. De um lado, como ferrenhos opositores, tínhamos os adeptos 
da postura liberal, cujos expoentes eram Eugênio Gudin e Octavio Gouvêa de 
Bulhões. De outro, como proponentes, tínhamos Roberto Simonsen, que exer-
ceu a presidência da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, e 
Euvaldo Lódi, que presidiu a Confederação Naciunal da Indústria, para os quais 
era imprescindível a coordenação estatal das decisões econômicas. Palcos 
destes debates foram o Conselho Nacional de Política Industrial e Comercial, 
criado em dezembro de 1943, onde pontificava Roberto Simonsen, e a Comis-
são de Planejamento Econômico, instituída em outubro de 1944, que contava 
com a presença marcante de Eugênio Gudin.2 
Segundo Roberto Campos, wn vigoroso adepto do planejamento econômico 
e uma das figuras instrumentais na elaboração e execução do Programa de 
Metas, juntamente com Lucas Lopes, as primeiras tentativas de planejamento 
no Brasil ocorreram ainda durante a II Guerra Mundial. Exemplos dos primei-
ros esforços são o Plano Qüinqüenal de Obras e Reaparelhamento da Defesa 
Nacional, que data de 1942, e o Plano Salte (saúde, alimentação, transporte e 
energia), que foi elaborado durante os anos de 1946 e 1947 e cujas origens 
podem ser atribuídas às idéias desenvolvidas por técnicos do Departamento 
Administrativo do Serviço Público (DASP). Deve ainda ser mencionado o 
conjunto de recomendações das chamadas Missão Cooke, de 1943, e Missão 
Abbink, de 1948. Esta última pode ser considerada representativa do primeiro 
enfoque de formulação de política macroeconômica.3 
Mais fundamental foi o trabalho elaborado pela Comissão Mista para o 
Desenvolvimento Brasil- Estados Unidos, estabelecida em dezembro de 1949. 
Sua principal contribuição foi a elaboração do conceito de pontos de es-
trangulamento como elemento para a identificação de áreas prioritárias de 
desenvolvimento. Mesmo interrompida de forma repentina, em 1953, a comis-
são lançou o que foi a base instrumental para a criação do Banco Nacional do 
Desenvolvimento Econômico (BNDE), em 1952. Concorreram também para 
a definição do Programa de Metas as projeções e estudos conduzidos pela 
equipe mista da Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL) -
BNDE, da qual fazia parte, como representante da CEPAL, o economista e 
futuro ministro do Planejamento Celso Furtado.4 
55 
- 2 O programa 
fiel ao seu mqte de campanha, de "50 anos (de progresso) em 5", Juscelino 
Kubitchek, logo após sua posse, instituiu, pelo Decreto nº 38.744, de 12 de 
fevereiro de 1956, o Conselho do Desenvolvimento, diretamente subordinado 
ao Presidente da República, que se constituiu no primeiro órgão central de 
planejamento de caráter permanente no Brasil. Como seu secretário-geral foi 
designado Lucas Lopes, que exercia cumulativamente a presidência do BNDE 
e que havia sido também colaborador de Juscelino em sua gestão como 
governador de Minas Gerais. 
Fazendo uso de refmamentos do conceito de pontos de germinação, cujos 
princípios, datados da criação do BNDE, tinham como fundamento a identifica-
ção de setores que, uma vez adequadamente estimulados, poderiam apresentar 
capacidade de crescimento, e atendendo à necessidade de ampliação de setores 
de infra-estrutura básica, notadamente nas áreas de energia e transportes, previa-
mente apontados como pontos de estrangulamento, o Conselho do Desenvolvi-
mento elaborou um conjunto de 30 objetivos específicos, distribuídos segundo 
cinco setores, denominado Programa de Metas. Contando com metas quantitati-
vas, determinadas tanto com base no detalhamento de projetos específicos, tais 
como geração de energia elétrica e transporte ferroviário, quanto em projetos 
ainda em estudo, como no caso da siderurgia; com uma listagem de prioridades 
para a expansão de áreas tais como mecânica pesada, metais não ferrosos e 
materiais elétricos; e ainda com a formulação de incentivos a serem dados à 
iniciativa privada para que se atingissem os objetivos propostos, que vieram a se 
transformar em projetos específicos, como nos casos das indústrias automobilís-
tica e naval, o Programa de Metas pode ser sumariado da forma a seguir.5 
I. Setor de energia 
Meta 1 
Meta2 
Meta3 
Meta4 
56 
Energia elétrica: elevação da potência instalada de 3 milhões de 
kW para 5 milhões de kW e ataque de obras que possibilitassem 
o aumento para 8 milhões de kW em 1965. 
Energia nuclear: instalação de uma central atômica pioneira de 
10 mil kW e expansão da metalurgia dos minerais atômicos. 
Carvão mineral: aumento da produção de carvão de 2 milhões 
para 3 milhões toneladas/ano de 1955 a 1960, com ampliação da 
utilização in loco para fins termelétricos dos rejeitos e tipos 
inferiores. 
Petróleo (produção): aumento da produção de petróleo de 6.800 
barris em fms de 1955 para 100 mil barris de média de produção 
diária em fins de 1960. 
} 
r 
.) 
Meta5 Petróleo (refinação): aumento da capacidade de refinação de 130 
mil barris diários em 1955 para 330 mil barris diários em fins de 
1960. 
11. Setor de transportes 
Meta 6 - Ferrovias (reaparelhamento): com jnvestjmento de US$239 mi-
lhões e Cr$ 39,8 bilhões. 
Meta 7 Ferrovias (construção): construção de 2.100km de novas fer-
rovias, 280km de variantes e 320km de alargamento de bitola. 
Meta 8 Rodovias (pavimentação): pavimentação asfáltica de 5 mil km 
de rodovias até 1960. 
Meta 9 Rodovias (construção): construção de 12 mil km de rodovias de 
1 a classe até 1960. 
Meta 1 O Portos e dragagem: reaparelhamento e ampliação de portos e 
aquisição de uma frota de dragagem com investimento de 
US$32,5 milhões e Cr$5,9 bilhões. 
Meta 11 - Marinha mercante: ampliação da frota de cabotagem e longo 
curso de 300 mil toneladas e da frota de petroleiros de 330 mil 
toneladas (deadweight) dwt. 
Meta 12 - Transportes aeroviários: renovação da frota aérea comercial com 
a compra de 42 aviões. 
111. Setor de alimentação 
Meta 13 
Meta 14 
Meta 15 
Meta 16 
Meta 17 
Meta 18 
Produção agrícola (trigo): aumento da produção de trigo de 700 
mil para 1.500 mil toneladas. 
Annazéns e silos: construção de annazéns e silos para uma 
capacidade estática de 742 mil toneladas. 
Armazéns frigoríficos: construção e aparelhamento de armazéns 
frigoríficos para uma capacidade estática de 45 mil toneladas. 
Matadouros industriais: construção de matadouros com capaci-
dade de abate diário de 3.550 bovinos e 1.300 suínos. 
Mecanização da agricultura: aumento do número de tratores em 
uso na agricultura de 45 mil para 72 mil unidades. 
Fertilizantes: aumento da produção de adubos quúnicos de 18 
mil toneladas para 120 mil toneladas de conteúdo de rutrogênio 
e arudrido fosfórico. 
57 
n: Setor de indústrias de base 
Meta 19 - Siderurgia: aumento da capacidade de produção de aço em 
lingotes de 1 milhão para 2 milhões de toneladas por ano em 
1960 e pata 3.500 mil toneladas em 1965. 
Meta 20 - Alumínio: aumento da capacidade de produção de alumínio de 
2.600 para 18.800 toneladas em 1960 e 42 mil toneladas em 
1962. 
Meta 21 Metais não ferrosos: expansãoda produção e refmo de metais 
não ferrosos (cobre, chumbo, estanho, túquel etc.). 
Meta 22 Cimento: aumento da capacidade de produção de cimento de 
2.700 mH para 5 milhões de toneladas anuais em 1960. 
Meta 23 Álcalis: aumento da capacidade de produção de álcalis de 20 mil 
em 1955 para 152 mil toneladas anuais, em 1960. 
Meta 24 Celulose e papel: aumento da produção de celulose de 90 mil 
para 260 mil toneladas e de papel de jornal de 40 mil para 130 
mil toneladas, entre 1955 e 1960. 
Meta 25 Borracha: aumento da produção de borracha de 22 mil para 65 mil 
toneladas, com o início da fabricação da borracha sintética. 
Meta 26 Exportação de minério: aumento da exportação de minério de 
ferro de 2.500 mil para 8 milhões de toneladas e preparação para 
exportação de 30 milhões de toneladas no próximo qüinqüênio. 
Meta 27 Indústria de automóveis: implantação da indústria pata produzir 
170 mil veículos nacionalizados em 1960. 
Meta 28 Construção naval: implantação da indústria de construção naval. 
Meta 29 Indústria mecânica e de material elétrico pesado: implantação e 
expansão da indústríá mecânica e de material elétrico pesado. 
V. Setor de educação 
Meta 30 - Pessoal técnico: intensificação da formação de pessoal técnico e 
orientação da educação para o desenvolvimento. 
2.3 Execução6 
Baseado na adoção de uma tarifa aduaneira efetivamente protecionista, com-
plementada com um sistema cambial que subsidiava tanto a importação de bens 
de capital como de insumos básicos, e que atraía o investimento direto por parte 
do capital estrangeiro, e contando com uma política monetária e fiscal aberta-
58 
mente expansionista, o Programa de Metas pode ser considerado, no seu cerne, 
como uma diretriz deliberada de industrialização.7 
Obedecida a coordenação geral do Conselho do Desenvolvimento, que, por 
um processo de aproximações sucessivas, ia revendo as metas na medida em que 
estas eram alcançadas ou desvios eram constatados, a execução do Programa de 
Metas foi efetuada não só por meio de investimentos .estatais, basicamente no 
caso das metas de infra-estrutura (energia e transporte), de refmo de petróleo e 
de siderurgia, contando com a participação fmanceira e a supervisão do BNDE, 
como por meio de investimentos privados. Para o caso destes últimos, buscando-
se evitar uma excessiva pulverização, a supervisão foi atribuída, para cada setor 
específico, aos especialmente criados "grupos executivos". Assim, entre outros, 
tivemos o famoso Grupo Executivo da Indústria Automobilística (GElA), que se 
responsabilizou pela coordenação da meta 27, e o Grupo Executivo da Indústria 
da Construção Naval (GEICON), a quem coube a responsabilidade pelo acompa-
nhamento da meta 28. Relativamente ao ingresso de recursos externos, cabe 
também destacar a ativa participação da antiga Superintendência de Moeda e 
Crédito (Sumoc), que foi instrumental no estabelecimento de regras especiais de 
favorecimento, inclusive para importação. 
Tabela 1 
Investimentos programados 
(1957-61) 
Custo estimado dos bens e serviços 
Nacionais Importados Total Proporção Setor Cr$ bilhões US$ milhões Cr$ bilhões Cr$ bilhões (%) 
Energia 110,0 862,2 (44,3) 154,3 43,4 
Transportes 75,3 582,6 (30,0) 105,3 29,6 
Alimentação 4,8 130,9 (6,7) 11,5 3,2 
Indústrias 
de base 34,6 742,8 (38,1) 72,7 20,4 
Educação 12,0 12,0 3,4 
Total 236,0* 2.318,5* (119,1) 355,8* 100,0 
Fonte: C. Lessa, op. cit. 
*Estes totais em valores médios de 1991 seriam respectivamente: Cr$ 2.789,59 bilhões; USS 
8.570, 52 milhões; Cr$ 4.205,66 bilhões. 
Tendo sido decidido que o financiamento do plano deveria ser estabelecido 
paralelamente à sua própria execução, e não previamente (como seria o mais 
natural), o que pode ser considerado como tendo representado uma estratégia 
para evitar resistências por parte do setor privado, os investimentos programa-
59 
dos para o período 1957-61, agrupados segundo os cinco setores básicos e a 
preços da época, são transcritos na tabela 1. Embora não se dispondo de dados 
precisos, é importante ressaltar que os recursos envol\idos variaram entre 7,6% 
do Produto Interno Bruto (Pffi), em 1957, e 4,1% em 1961. 
2.4 Os resultados 
Observando que, em termos globais, o sucesso do plano pode ser ilustrado pela 
taxa média de crescimento do Pffi de 8,27% no período 1957-61; contra 6,06% 
no qüinqüênio 1952-56, e 3,49% no período 1962-66, os resultados obtidos, 
com relação a cada Utna das metas, foram: 
1. energia elétrica - a capacidade instalada alcançou 4. 770 mil kW em 1960 
(ou seja, 95,40% da meta proposta), subindo já para 5.205 mil kW em fins de 
1961; 
2. energia nuclear - foi construído e inaugurado o reator de pesquisas do 
Instituto de Energia Atômica, na Cidade Universitária da Universidade de São 
Paulo; 
3. carvão mineral - alcançou-se a produção de 2.199 mil toneladas/ano, o 
que representa 73,30% da meta proposta; 
4. petróleo (produção) - em 1960 a produção chegou a 7 5.500 barris por dia 
(ou seja, 75,5% da meta); 
5. petróleo (refinação) - o volume refinado foi igual a 218 mil barris diários 
em 1960, o que significa dizer que 66,7% da meta proposta foram atingidos; 
6.ferrovias (reaparelhamento) - no seu conjunto, estima-se que tenham sido 
alcançados 76% da meta prevista; 
?.ferrovias (construção) - tendo sido construídos 826,5 km, conseguiu-se 
chegar a somente 39,4% da meta estabelecida; 
8. rodovias (pavimentação) - a meta foi ultrapassada em 24%, pois foram 
pavimentados 6.202 km até 1960; 
9. rodovias (construção) - a meta foi superada em 24,8%,já que, até 1960, 
foram construídos 14.970 km; 
10. portos, dragagem - no seu conjunto, estima-se que tenham sido alcan-
çados 56,1% da meta; 
11. marinha mercante - foram respectivamente obtidas 255 mil dwt de 
cabotagem e longo curso (85% da meta) e 300 mil dwt de petroleiros (90, 9% 
da meta). 
12. transporte aeroviário - adição de 13 unidades à frota aérea (31% da 
meta); 
60 
------------------------~~--
13. produção agrícola (trigo) - tendo sido obtida a produção de somente 370 
mil tem 1960, o resultado foi decepcionante, pois se ficou abaixo da produção 
do início do período; 
14. armazéns e silos - a capacidade estática adicionada chegou a 569.233t 
(ou seja, 76,7% da meta); 
15. armazéns frigoríficos - a ampliação da capacidade estática foi de so-
mente 8.014t, que representam apenas 17,8% da meta; 
16. matadouros industriais - a capacidade diária de abate alcançou 2.100 
bovinos (59,2% da meta) e 700 suínos (53,8% da meta); 
17. mecanização da agricultura - o número de tratores em 1960, segundo 
estimativas, foi de 77.362; logo, a meta foi superada em 7,2%; 
18.fertilizantes - tendo a produção de adubos químicos alcançado 290 mil 
t, a meta foi ultrapassada em 141,7%; 
19. siderurgia - com a produção atingindo a 2.279 mil t de lingotes, a meta 
não só foi alcançada, como superada em 14%; 
20. alumínio - como em 1960 a produção foi de 16.573t, atingiu-se a 92,1% 
da meta; 
21. metais não ferrosos - as produções de cobre, chumbo, estanho e níquel 
foram aumentadas em, respectivamente, 203,8%, 147,7%,93,7% e 143,6%; 
22. cimento - a produção em 1960 chegou a 4.369.250t, ou seja, 87,4% da 
meta; 
23. álcalis - tendo a produção atingido 152 mil tem 1960, este é um caso 
em que a totalidade da meta foi obtida; 
24. celulose e papel - os resultados alcançados em 1960 foram 200.237t de 
celulose (77% da meta) e 65.760t de papel de jornal (50,6% da meta); 
25. borracha - embora, em 1960, tenha sido alcançada a meta de instalação 
de capacidade de fabricação de borracha sintética, a produção de borracha foi 
de somente 22.500t (ou seja, um aumento de apenas 2,3% em relação à 
produção inicial); 
26. exportação de minério - o volume exportado em 1960 de minério de 
ferro foi 5 milhões de t, o que representa 62,5% da meta; 
27. indústria de automóveis - esta meta,por seu simbolismo, pode ser 
considerada como uma das mais representativas dos anos JK. Sua importância 
como símbolo marcante do processo de industrialização é, inclusive, traduzida 
na marca JK atribuída a um dos modelos da Alfa-Romeo, que eram produzidos 
na antiga Fábrica Nacional de Motores. 
A evolução da capacidade instalada e da produção efetiva no período 195'-60. 
tanto para automóveis como para caminhões, é apresentada na tabela 2. 
61 
Tabela2 
Montagem de veículos automotores - automóveis e caminhões 
Capacidade instalada 
Anos 
Produção efetiva 
Automóveis Caminhões Automóveis Caminhões 
1957 11.853 18.847 10.845 19.855 
1958 50.200 33.830 25.521 35.608 
1959 81.040 57.590 48.679 47.564 
1960 116.520 82.660 81.753 51.325 
Fonte: ]. Almeida. Evolução da capacidade de produção da indústria automobilística brasileira 
no período 1957-69, Pesquisa e Planejamento Econômico, v.2, n_ 1 (jun. 1972), P- 55-80. 
Embora tenha havido a presença de excessiva capacidade ociosa, a capaci-
dade total instalada em 1960, que chegou a 199.180 unidades, ultrapassou de 
17,2% a meta fixada. Entretanto, em termos de índices de nacionalização, a 
meta não foi totaltnente alcançada; 
28. construção naval - dado que os projetos aprovados até 1960 apresenta-
vam uma capacidade de 158 mil dwtfano, a meta foi plenamente atingida; 
29. indústria mecânica e de material elétrico pesado - as metas es-
tabelecidas, implantação e expansão, foram também plenamente satisfeitas. 
Em relação a 1955, o aumento de produção de máquinas e equipamentos em 
1960 foi de 100%, tendo sido de 200% no caso de material elétrico; 
30. pessoal técnico - embora não quantificada, pode-se também dizer que 
esta meta foi alcançada. Não só foram progressivamente aumentadas as verbas 
destinadas ao Ministério da Educação e Cultura, como foi criado, em junho de 
1959, o Grupo Executivo do Ensino e Aperfeiçoamento Técnico, que deixou 
importantes subsídios sobre o assunto. 
Sumariando, pode-se afirmar que, no que concerne a seus objetivos es-
pecíficos, a execução do Programa de Metas obteve uma grande dose de 
sucesso. Isto também foi verdade no caso da construção de Brasília, que embora 
não tenha sido incluída como um dos itens do programa, representava um 
compromisso de campanha e podia ser considerada uma meta-símbolo. Não 
obstante o fato de ter sido uma decisão extremamente controversa, e cujo custo 
foi certamente excessivo (cerca de 2,3% do PIB), a construção da nova capital 
encontrava suporte no conceito de ponto de germinação, posto que ela propi-
ciaria o maior desenvolvimento da região Centro-Oeste. 
62 
--~-----------------------------------------------------------
r 
L 
l 
Anexo 
Gráfico 1 
Em 1965 a economia brasileira era Pm a preços constantes (base: 1949"'100) 
2, 6 vezes maior que em 1950. Esta Número índice % ao ano 
multiplicação foi o resultado de um - .-------------,•~ 
creScimento médio anual de 6, 7%. 
Entre 1956e 1960, osanosJK. esta 
percentagem média elevou-se a 
8,1 %. Não se elevou mais porque, 
nesse período, as flutuações nas 
safras de café ainda repercutiam 
com enorme intensidade sobre o 
PIB. Em 1956, a quantidade co-
110 taxa de 
variação 
100 
... 
... 
.. 
lhida de café foi 28,5% inferior à ,... '"' lHO '"' 
de 1955. A indústria, por sua vez. LF<_.,_te_: lkvw:o __ de_dodc.Vl~_B_RE.ffG~-v---------' 
cresceu 6,0% no primeiro ano JK. Em 1958 a taxa de crescimento do PIB, em 
termos reais, alcançou os 10,8, percentual suplilntado apenas no início dos 
anos 70, durante o período conhecido como "mililgre econômico". 
Gráfico 2 
A participação da indústria de transformação 
no produto interno bruto expandiu-se rapida-
mente na segunda metade da década de 50, 
saltando de 20,4% em 1955 para 25,6% em 
1960. Este acréscimo foi acompanhado do es-
treitamento da fatia correspondente à agricul-
tura, que, no mesmo período, declinou de 
23,5% para 17,8%. 
Indústria e agricultura-~ de 
participação no Pm 
2o-
agricultura 
/ 
10-. ,- -· -. I r--r-~ 
1tll0 1011 1HO 1010 
Fo.,lt: lkvw:o de dodc.VTBRF,IFGV 
Valor da transformação industrial: % de participação por setores Gráfico 3 
ProJ.. aiJtMIUDTU 
Tutíl 
Mclablrwl~ 
Prod "''"" ,.a.,.,..f'C6lko.r (}ttflflicO 
&INW 
""""""' Morklrtl 
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..w;;;#lli#//h 
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... W//11. : 
. f'//, : 
..... $#ú. 
~ 
•• 
-ri 
Fonu: Banco de 
~BRF,IFGV 
25 20 15 10 5 o 5 10 15 20 25 
Durante a década de 
50, a estrutura indus-
trial experimentou 
transformações pal-
páveis. As indústrias 
líderes em 1950, pro-
dutos alimentares e 
têxteis, cederam dez 
pontos p ercentuais 
de participação a se-
tores nascemes. co-
63 
"'lO o de material de transporte, impulsionado pela fabricação de automóveis, 
e o de maJerial elétrico. Durante os anos JK, enquanto os dois primeiros 
cresciam a taxas médias· anuais de 5,6% e 3, 7%, respectivamente, os outros 
dois, naquela ordem, expandiam-se 30,6% e 24,6% ao ano. 
Produção de autovekulos 
mil Wlidades 
200- - -· ------
1957 1961 1965 
Gráfico 4 - Café 
No final de 1960, as 11 fábricas que 
compunham a indústria automobilística, 
somadas, tinham capacidade para produ-
zir 215 mil unidades, em turno único de 
trabalho, com um índice de nacionaliza-
ção de 98%. A arrancadil do setor pode 
também ser dimensionada através do 
grau de diversificação da produção. Ao 
término da gestão Kubitschek, eram fa-
bricados 11 tipos de caminhões médios, 
leves e pesados; Séis tipos de automóveis 
de passeio; três tipos de jipes; quatro 
tipos de utilitários e três tipos de ônibus. 
Durante os anos 50, as exportações brasilei- Café: presos, produção e 
r as de café, em torno de 15 milhões de sacas exportaçao 
de 60kg anuais, começaram a perder terreno 
milhões de sacas de 60 kg para as variedades robustas, cultivadas na uss cents/lb 
África. Enquanto as exportações africanas soh------------.5o 
cresceram quase 50% na segunda metade da 70 c.I:.'Ir':./'\ ";:z~ ,o 
décadil, as vendas externas do Brasil perma- \ li 
neceram em níveis semelhantes às do come- 60 ~ \..-_\ 30 
ço do século. A controvertida política de &o 20 
valorização de preços, depois de anos, vol-
tava-se contra seu principal artífice. Mesmo 
elevando para 17 milhões anuais o número 
de sacas exportadas durante os anos 60, a 
1955 1960 
receita cambial proveniente do café não pas- Fome: Banco lkdados(IBRE/FGV 
sou de dois terços da obtida na décadil anterior. 
\ ,· 
f-..... Gráfico 5 - Petróleo 
A capacidade de refino de petróleo do Brasil, virtualmente inexistente no início 
dos anos 50, cresceu aos saltos, na medida em que novas unidades entravam 
em operação ou expandiam-se as já instaladas. Em 1952, a refinaria lpiranga, 
no Rio Grande do Sul, elevou sua capacidade de mil para 6 mil barris/dia. Em 
1954, a refinaria Landulpho Alves, da Petrobrás, dobrou sua capacidade, de 
2.500 para 5 mil barris/dia. Ainda nesse ano foram inauguradas as refinarias 
64 
de Manguinhos, no Rio de Petróleo: capacidade de refino e importação de 
Janeiro, e União, em São gasolina 
mil barris/dia Paulo, agregando 35 mil 
barrisjdia à capacidade de 400I.----------....,....,-..,.......,.--=-- --.70 
refino do pafs. -..... . 
Ao final de 1955, com·os 300 
45 mil barris/dia adicionais I do. refinaria Presidente Ber-
nardes, em Cubatão, São 200 
Paulo, o Brasil já proces-
importação 
de gasolina 
(eocala à direita) 
sava aproximadamente100 100 
mil barris/dia. 
Embora a única refinaria 
inaugurada durante o perío-
do JK tenha sido a de Ma- 1950 1955 1960 1965 
naus, com capacidade para l.:F.~o"='"~Ba=nco=tk-=tlaiJoVI=-=8RE/1'.:::..:...;0::..:.v _________ ___j 
5 mil barris/dia, as ampliações das refinarias Presidente Bernardes, União e 
Landulpho Alves foram metas bem-sucedidas do governo, que permitiram a 
duplicação do. capacidade de refino do pafs. 
A conseqüência inevitável do rápido crescimento do. atividade de refino de 
petróleo no Brasil foi a instantânea e definitiva retração do. importação de 
gasolina e demais derivadtJs. No lugar desses produtos, o país passou a 
importar diretamente petr6~o, cuja disponibilidade interna foi, desde logo, 
complementada pela. produção nacional. 
)A 
.----------..., Gráfico 6a -Energia elétrica 
Energ_ia elétrica: Na década de 40, enquanto a indústria de trans-
capacldade de geração 
instalada formação mais do que dobrou seu índice de pro-
GW dução, a capacidade de geração de energia elé-
trica aumentou em apenas 50%, convertendo-se 
no ponto de estrangulamento cuja remoção tor-
nou-se mais premente. A luz racionado. incorpo-
rara-se aos hábitos do. nação, condicionando ro-
tinas familiares e retardando decisões 
empresariais. 
Mesmo reconhecendo a potência desse obs-
táculo e destinando recursos substantivos à sua 
Fonu:BtmcotktlaiJoVIBRE/f'VV eliminação, O governo JK nãO póde COlher todos 
os frutos de seu empenho em acelerar o processo de eletrificação do pais. 
Vários investimentos iniciados em sua gestão maturaram após 1960, corr.o 
65 
FiU7Ul.S, no âmbito federal, e Três Marias, na esfera estadual. Entre 1955 e 
1960 a capacidade geradora cresceu 52,5%, ou 8,8% ao ano, 15 pontos de 
percentagem a menos do que no qüinqüênio imediatamente anterior. No 
qüinqüênio 1960-65 foi criada a Eletrobrás, holding que auxiliou na consoli-
dação do setor público como destacado empresário da área de energia elétrica. 
Nesse qüinqüênio a capacidade instalada cresceu 55%. 
Rodovias: extensão 
pavimentada 
millan 
Gráfico 6b - Rodovias 
A extensão da rede rodoviária pavimentada foi !J 
quadruplicada durante o governo Kubitschek É 
,.,-------- --i certo que a rede contava com fnfimos 3.133/an em 
fins de 1955, mas não é menos verdade que o 
descaso com as estradas de rodagem condenaria 
ao fracasso a meta de implantação da indústria 
automobilfstica. Findo o período JK, a pavimen-
tação de rodovias prosseguiu em andamento ace-
~~t#lo~1880t;0~~~1gP'ie lerado. Entre 1960 e 1965, a extensão pavimen-
Fonk:Ba•cotkdados/IBREfFGv tada passou de 13.357/an para 26.546/an. 
~~~~~~----~ 
Gráfico 7- Investimentos 
A partir de 1955, com a en- .-----------------------, 
trada em vigor da Instrução 
113 da Sumoc, o ambiente 
econômico brasileiro tor-
Formação bruta de capital fixo (FBKF) 
e investimentos estrangeiros 
US$ miUtães 
nou-se mais e mais receptivo 20r-------- - --------r14o 
aos investimentos es-
trangeiros. Com efeito, de 
l956a 1960, a entrada líqui- 8 
da de capitais de risco atin-
giu US$ 565 milhões, o que 
significa US$ 113 milhões 11 
por ano, em média. Nos 
qüinqüênios adjacentes, es-
• tes influxos foram significa-
tivamente inferiores. Entre 
120 
100 
FDKF 
1951 e 1955, a entrada líqui- 2 -'-t--.--...,.---.--+--,......,--.-----.-+--.---.---,-----,....-+-'- · 2 
da de investimentos diretos 19so 
ficou em US$ 16,2 milhões 
1866 1885 
ao ano, em média. Para os ._F<_onr_.:_&N:o_lk_ dotJMIT __ '-s_REffG..;___v - - -----------l 
cinco anos pós-JK, a média registrada foi de US$ 61 milhões, sendo que no 
66 
biênio 1963-64, caracterizado pela diminuição das taxas de crescimento 
econômico, esta média caiu para US$ 29 milhões. 
Nos anos finais da década de 50, a formação bruta de capital fixo absorvia 
aproximadamente 17% do dispêndio correspondente ao produto interno bruto, 
numa visível e importante realocação de recursos em comparação com anos 
anteriores. Parte desse esforço deve ser creditado ao setor público que, desde 
então, delimitou seu espaço como coadjuvante e não como rival do setor 
privado na tarefa de acumulação de capital. 
Gráfico 8 - Salário mínimo 
Salário núnimo: valor real Durante os anos JK, o salário mínimo sofreu 
(base: 1940=100) correções nominais de 58,3% em 1956, 57,9% 
Nümt.roirulice em 1959 e 60% em 1960. Mesmo tendo perma-
necido fixo durante intervalos médios de quase 
20 meses, numa época em que as taxas infla-
cionárias beiravam os 30% ao ano, foi nesse 
perlodo que o salário mínimo teve o seu mais 
alto poder aquisitivo. Segundo o DIEESE, os 
Cr$ 3.800,00 de 1957 compravam 22% mais 
1950 1955 1eso 1965 que os Cr$ 240,00 de 1940, ano de criação do 
Fon,.: &""o <k ~BRE/FGV SaláriO m(nimo. 
Gráfico 9 - Inflação e meios de pagamento 
No terreno econômico, o calcanhar-de-aquiles do governo Kubitschek foi o 
alto custo da opção preferencial pelo crescimento: elevação permanente da 
taxa de inflação. A expansão monetária para financiar déficits orçamentários 
do governo, sancionar aumentos salariais sem prejufzo do nível de emprego e 
estimular as atividades pro-
dutivas, como não poderia :~~~~~e meios de pagamento: taxas anuais de 
deixllr de ser, traduziu-se em Taxa de variação 
inflação. Quando Juscelino 1 ao--
assumiu o poder, os preços 
subiam 12,5% ao ano. 
Quando o deixou, a veloci-
dade de ascensão dos preços 
havia saltado para 30,5%. 
Cabe salientar que mes-
mo o governo JK ·hesitou 
ante o dilema entre es-
80-
60-- -
tabilizar e crescer. Por 1950 1955 1960 1965 
necessidade de empréstimos L.:.F~onu=-=: &nco=~.u.:..:~=!.::8:..::REIFG:::!..:...::..::v __________ .....: 
6í 
j:mlo ao FMI, em 1958, o presidente tentou implantar o Programa de Es-
:abilização Monetária, que pretendia reduzir gradualmente o ritmo de eleva-
ção dos preços. Entretanto, no curto espaço de seis meses, o plano de es-
tabilização entrou em rota frontal de colisão com o Programa de Metas, que 
prevaleceu. 
O clima de "ressaca" política e econômica em que se viu submerso o país 
no início dos anos 60 pôs em xeque convicções apressadamente estabelecidas, 
como a de que o Brasil desafiava a sabedoria econômica ao crescer a taxas 
expressivas ignorando a existência da inflação. 
Gráfico 10 - Déficits orçamentários 
Déficit orçamentário e expansão da base monetária 
(percentual do Pffi) 
% 5.----------------------------. 
4 
3 
Os sucessivos déficits orça-
mentários, a prática cada 
vez mais freqüente de des-
pesas extra-orçamentárias 
(para as quais havia inúme-
ros fundos especiais) e a 
recorrência de expansões 
creditícias sem o devido las-
tro fiscal enfraqueciam eco-
nômica e politicamente a fi-
gura dos orçamentos 
governamentais. Se estes já 
nasciam deficitários, a 
- ~ '-
9 
..... 
60
_.__.___.__.._
1
_
9 
..... 
6
-'
6
--'--'---'-
1
-
9
+-
6
-'
0
--'---'---'-
1
-
9
+-'
6 5 
impossibilidade de financiá-
los através de dívida mobi-
FOAU: &vrcotk~BRF/FGv liária configurava um colos-
sal ponto de estrangulamento, não relacionado entre aqueles que o Programa 
de Metas pretendia eliminar. 
De fato, somente depois de 1964, com a reforma financeira, foram criadas 
condições favoráveis à colocação maciça e sistemática de papéis públicos. 
Durante os anos 50 e parte da década seguinte, as despesas que excediam as 
receitas fiscais eram financiadas majoritariamente através de expansão mo-
netária. 
Gráfico 11 - Câmbio 
De 1947 a 1953 vigorou no Brasil a taxa de câmbio de Cr$18,72, acordada 
com o Fundo Monetário Internacional em 1946. Nestes seis anos, o n{vel. 
interno de preços praticamente duplicou, implicando diminuição da rentabili-
dade das exportações e subvenção às importações. Em 1952, quando o balanço 
68 
Taxa de câmbio ~ali' deOacionada 
pelo IGP-DI (base:950=100) 
Índice 
200 
150 
· · ··~· 
·:ft;···· .................. . 
de pagamentos registrou um déficit 
de US$ 615 milhões, o governo bra-
sileiro viu-se compelido a tomar 
providências. Em 1953 entraram em 
vigor a Lei 1. 807 e a Instrução 70 da 
Sumoc. Este conjunto de medidas 
fragmentou o mercado de moeda es- . 
trangeira, multiplicou as taxas de 
câmbio, mas não realizou a façanha 
de, com um único instrumento, o 
câmbio, alcançar vários objetivos 50~~~~~~~~+-~~~ 
195o 1955 1960 1966 de politica econômica, entre os 
Fonk: Banco tk dodos/TBRE,IFGV 
quais moderar a inflação, equilibrar 
o balanço de pagamentos, financiar 
déficits orçamentários e estimular o desenvolvimento econômico. 
De acordo com a Instrução 70, a determinação da taxa de câmbio para cada 
categoria de importação resultava de combinações variáveis entre uma taxa 
fixa e sobretaxas definidas durante os leilões de câmbio. As sobretaxas eram 
induzidas pelo governo, que alocava quantidades prefixadas de moeda es-
trangeira a cada categoria. Para as exportações a regra era adicionar à taxa 
oficial bonificações diferenciadas por grupos de produtos. Havia ainda a taxa 
livre, usada para a remessa de lucros e rend.ímentos de capital estrangeiro. 
Os repetidos déficits do balanço de pagamentos do final da década de 50 
denunciavam o esgotamento daf6rmula cambial vigente. 
Sucessivas desvalorizações e reclassificações de produtos dentro das cate-
gorias estabelecidas pela Sumoc foram os mecanismos encontrados pelas 
autoridades para reaproximar o país do chamado realismo cambial, causa que 
tinha em Eugênio Gudin seu mais fervoroso apóstolo. 
Gráfico 12 
É antiga entre os teóricos do desenvolvimento .--------------, 
Indicadores sociais 
econômico a preocupação de encontrar me- 1eo.----------. 
canismos de conciliação entre crescimento da 
economia e bem-estar social. Durante a dé-
cada de 50, o Brasil conseguiu alguns resul-
tados importantes nesse terr~no. Comparan-
do-se os censos de 1950 e 1960, a taxa de 
mortalidade infantil reduziu-se de 144, 73 pa-
ra 118,13 por 1 mil nascidos vivos. A taxa de 
alfabetização entre pessoas de mais de cinco t9l0 14-173 o12.1 <lU 
anos elevou-se de 42,7 para 53,2%. A vida ~~~9CiO~=~~~L~u::::::!:~53~.1::::::::~s:..~=~-..! 
~ada tk cada brasileiro alongou-se de 45,9 para 52,4 anos. Vale ressaltar 
qu a década de 50, confrontada com as anteriores, representou uma acelera-
ção do progresso sociaL 
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TIIE TEX'fiT.E INDUSTRY IN LATIN AMERICA - ll. Brazil - Econoinic 
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70 
·; 
l. 
Crescendo em meio à incerteza: a política 
econômica do governo JK (1956-60) 
Maria Antonieta P. Leopoldi* 
Na medida em que nos distanciamos dos anos JK, podemos ver com menos 
paixão política o legado que eles nos deixaram. As análises feitas no calor da 
hora tenderam a aplaudir sem críticas, ou a rejeitar em parte ou globalmente 
as políticas do seu governo. 
A interpretação que predorrúnou nos anos seguintes ao governo Kubitschek, 
veiculada pela UDN e pelos economistas mais ortodoxos, como Eugênio 
Gudin e Octavio Gouveia de Bulhões, entendia os tempos de JK como os de 
um novo Encilhamento, 1 dada a elevada taxa de investimento do Estado e o 
ritmo acelerado de crescimento econômico. 
Após algumas décadas, os estudos realizados sobre o governo Kubitschek 
permitem que se empreenda um balanço do processo de industrialização 
acelerada que então se promoveu e dos impactos positivos e negativos por ele 
trazidos para a econorrúa e a sociedade brasileiras. 2 
Trataremos neste trabalho da articulação entre a política industrial do 
governo - delineada em linhas gerais no Plano de Metas, e apoiada num 
complexo sistema cambial e numa nova tarifa alfandegária - e as políticas 
cambial e de comércio exterior. Essas políticas representaram, nos anos 50, os 
nervos do poder, já que em tomo da taxa de câmbio e das atividades de 
importação e exportação articulavam-se interesses os mais diversos. Elas 
envolveram as agências oficiais mais dinârrúcas e poderosas e causaram 
impacto em setores estratégicos, como os dos industriais, cafeicultores, expor-
tadores, importadores, empresas multinacionais e operariado, entre outros. 
Procuraremos mostrar aqui o processo de transformação por que passou o 
aparelho de Estado nesse período, nas áreas do planejamento e da implantação 
das metas industriais. Essa mudança ocorreu fundamentalmente na estrutura 
do Estado, que criou organismos burocráticos, de caráter neocorporativo, 
mudando a administração sem fazer reforma administrativa, portanto sem 
autorização legislativa. O Executivo foi, nesse governo, o centro nervoso da 
política econômica, mas não se restringiu ao campo exclusivo dos técnicos 
(como aconteceria alguns anos depois), pois no governo Kubi tschek a política 
econômica foi sempre comandada por ministros da Fazenda do PSD. O 
Congresso, com sua bancada majoritária constituída pelo bloco PSD-PTB, 
forneceu no período a base para a realização das políticas econômicas eJ:! 
• Professora do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal Flumi.~ 
xo:iições de estabilidade política, sem os confrontos entre Executivo e Legis-
tam·o que caracterizaram o segundo governo Vargas e o governo Jânio Qua-
dros. 
Buscaremos também analisar neste artigo as pressões e contra pressões dos 
setores econômicos em relação ao Estado, gestor das políticas econômicas. A 
intenção aqui é mostrar que a formulação de decisões nessa área envolveu a 
participação cooperativa ou o confronto entre Estado e segmentos sociais, 
nwna constante dinâmica. Sendo assim, as perspectivas que supõem classes 
sociais frágeis perante uma política econômica conduzida por uma tecnocracia 
iluminista serão aqui discutidas de forma crítica. 
1. O processo de tomada de decisão na área econômica 
Nos cinco anos do governo JK, que promoveram enormes mudanças na 
economia e na sociedade brasileiras, a formulação de políticas econômicas foi 
muito intensa. Para entendê-las melhor, procuraremos delimitar as áreas 
envolvidas no processo de tomada de decisões de política econômica, bem 
como as agências do Estado que participaram desse processo. Priorizaremos 
nessa análise as arenas da política cambial e do planejamento. 
Entendemos que as decisões na área da política econômica resultam da 
interaçãode três campos: o campo internacional, o Estado e os setores 
econômicos. 
A conjuntura internacional constituiu o quadro maior dentro do qual se 
inseriu a política econômica brasileira do período. Ela teve um efeito muito 
importante sobre as escolhas políticas feitas então, mas não condicionou a 
tomada de decisão, como afim1aram algumas análises econômicas influencia-
das pela CEPAL. 
O Estado não é aqui entendido como um bloco monolítico, que age coeso 
numa só direção. Ele é visto como uma arena, que abriga interesses contradi-
tórios e complementares que se ajustam em alianças ou formam áreas de 
conflito. Não supomos, portanto, que as políticas governamentais sejam for-
muladas por uma equipe técnica do Estado, acima e no lugar de classes sociais, 
incapazes de organização e de ação. 3 
Contudo, se não existe uma total autonomia do Estado e de sua burocracia 
frente aos setores econômicos, temos de reconhecer que no Brasil, como em 
outros países de inserção tardia no comércio e no sistema produtivo interna-
cionais, o Estado tem novos papéis. Além de abrigar os vários interesses 
econômicos em jogo e ordená-los conforme prioridades de caráter nacional, o 
Estado se lança como empresário, financia o desenvolvimento econômico e 
prepara quadros, no setor público e privado, para desempenharem novas 
funções econômicas. Mas a ação do Estado tende quase sempre a se conjugar 
com a dos setores econômicos dominantes, que detêm o poder de veto assim 
como informações técnicas sobre sua área. 
72 
l 
Daí que o terceiro campo, envolvido com a formulação de políticas econô-
micas, seja constituído pelos setores econômicos, que atuam junto e dentro do 
Estado. A impossibilidade de os atores econômicos fmanciarem o de-
senvolvimento do Brasil nos anos 50 não invalida seu papel de participantes 
ativos no processo decisório. 
A estratégia usada para a tomada de decisões na área econômica no governo 
JK envolvia um acompanhamento dos eventos no cenário internacional com 
vistas à inserção do Brasil no jogo das grandes potências capitalistas, e o 
atendimento às pressões de setores econômicos e políticos. A frente de tudo, 
entretanto, estavam as prioridades não negociáveis de Juscelino, condicio-
nantes das macro e micropolíticas do seu governo: o crescimento, a construção 
de Brasília e a decisão de não fazer uma reforma cambial.4 Afora isso, tudo 
era passível de negociação. 
Por outro lado, fazia parte do estilo político de Juscelino criar um amplo 
consenso em torno das decisões na área da política econômica. Esse consenso 
foi tecido com tolerância e arte por meio de três estratég'ias: 
a) legitimidade (respeito à legalidade, representatividade, expertise técnica e 
prestação de contas); 
b) uso da ideologia desenvolvimentista (ênfase no crescimento industrial e no 
distributivismo econômico dele decorrente); 
c) capacidade de resolver crises via negociação e adiamento de questões 
problemáticas.5 f 
Como se verá adiante, essas estratégias foram bem-sucedidas nos primeiros 
três anos do seu mandato presidencial. Em 1959, as dificuldades de conciliar } 
inflação com crescimento se tornaram mais claras, os problemas da divida l 
1 externa e do balanço de pagamentos se agravaram e cresceu no Congresso e 
na sociedade o protesto das elites nacionalistas contra a internacionalização da 1 
economia brasileira. 
2. As agências formuladoras da política econômica no governo JK 
O governo Kubitschek já encontrou agências estruturadas e com pessoal 
qualificado nos núnistérios-chaves da Fazenda e das Relações Exteriores. O 
Itamarati, que passara por uma reforma na sua estrutura no período de Horácio 
Lafer, contava com quadros bem preparados, com experiência de diagnóstico, 
de confecção e acompanhamento de projetos, vinda da Comissão Mista 
Brasil-Estados Unidos6 e do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico 
(BNDE). 
Criado em 1952, o banco era captador de recursos internos (através do 
sistema fiscal) e externos, e com eles iria financiar grandes projetos de 
infra-estrutura nas áreas de energia, transporte, siderurgia e petróleo. Em 
menor proporção, iria apoiar também empreendimentos privados em áreas do 
Plano de Metas.7 
73 
Quanto ao Ministério da Fazenda, Juscelino sabia mais que ninguém que 
esse orgão seria um dos centros nevrálgicos da sua política. Deveria ser 
ocupado por alguém de sua confiança, dotado de habilidade política, capaz de 
-..iabilizar, no âmbito interno e externo, as estratégias prioritárias do crescimen-
to e da construção de Brasília. Caberia ao ministro sair em busca de recursos 
para o Plano de Metas junto aos organismos e bancos internacionais, uma vez 
que os recursos externos eram fundamentais para viabilizar o cumprimento 
das metas e equilibrar o deficitário balanço de pagamentos (ver tabelas 1 e 2). 
Ao longo de seu governo, JK iria contar com três ministros, todos do PSD.8 
Vinculadas ao Ministério da Fazenda estavam importantes agências deci-
sórias da política comercial e monetária. O Tesouro era o órgão encarregado 
de emitir moeda. O Banco do Brasil, com suas carteiras de Comércio Exterior 
(Cacex) e de Câmbio, tinha voz ativa na política comercial e cambial e 
participava do Conselho da Sumoc. A Sumoc (Superintendência da Moeda e 
do Crédito) era autoridade monetária e cumpria um papel de Banco Central. 
Contava com uma equipe técnica importante para o assessoramento do Minis-
tério da Fazenda, além de um Conselho formado pelas principais autoridades 
econômicas do governo, a cujas reuniões muitas vezes compareciam, como 
convidados, empresários industriais, cafeicultores ou banqueiros. O IBC (Ins-
tituto Brasileiro do Café) estabelecia a ponte entre os cafeicultores e o Minis-
tério da Fazenda e gerenciava para esse ministério o comércio do café nos 
mercados externos. 
Uma outra agência governamental que iria ganhar grande destaque no 
governo JK era o Ministério da Viação e Obras Públicas, antes um órgão 
cartorial. Sob a chefia do comandante Lúcio Meira, o ministério seria incum-
bido de viabilizar a meta de transportes, fiscalizar a construção de uma malha 
rodoviária que unisse os vários cantos do país, e implantar, até o final do 
governo, a indústria de veículos automotores. 
Entretanto, os quadros técnicos e as agências já existentes em meados dos 
anos 50 não pareciam suficientes para o ritmo de trabalho e o nivel de 
eficiência pretendidos por Kubitschek. Criou-se então, já no primeiro dia do 
governo, o Conselho do Desenvolvimento, organismo encarregado de coorde-
nar a implementação do Plano de Metas.9 
A estrutura do Conselho do Desenvolvimento lembrava a da Comissão 
Mista Brasil-Estados Unidos, com grupos de trabalho formados por técnicos 
especializados em determinados assuntos. Inicialmente foram fonnados 18 
grupos de trabalho, e muitos dos técnicos que os compuseram haviam passado 
pela Comissão Mista. No caso do grupo que trabalhou com a meta de energia 
elétrica, foram recrutados técnicos da Cemig. 10 Característico dos grupos de 
trabalho era o fato de que sua atividade se restringia ao estudo de questões, e 
não à implementação de políticas. Estas eram objeto dos grupos executivos, 
que também faziam parte do Conselho do Desenvolvimento e atuavam conju-
gados ao BNDE.ll 
74 
Dentre os grupos executivos encarregados da implementação de metas 
específicas estavam o Geia (Grupo Executivo da Indústria Automobilística), 
o Geicon (Grupo Executivo da Indústria de Construção Naval) - ambos 
criados por sugestão do ministro da Viação Lúcio Meira -, o Geimape 
(Indústria Mecânica Pesada) e o Geimaq (Indústria de Bens de Capital). 
Os grupos executivos representavam um experimento novo na adminis-
tração brasileira, uma inovação que passava ao largo de uma reforma adminis-
trativa, de difícil trânsito pelo Congresso. Eram inspirados nas comissões 
conjuntas, formadas por empresáriose burocratas no esforço de reconstrução 
européia, em especial no Plano Monnet.'2 
Nos dois primeiros anos do governo Kubitschek (1956-58), as arenas da 
política econômica mais importantes eram, de um lado, o Ministério da 
Fazenda e, de outro, o Conselho do Desenvolvimento (organismo coordenador 
das metas), atuando em íntima cooperação com o BNDE (implementador das 
metas). 
Na secretaria geral do Conselho do Desenvolvimento estava Lucas Lopes, 
que também presidia o BNDE. Com isto, concentravam-se nas mãos de uma 
só pessoa a coordenação e a implementação do Plano de Metas. O poder 
decisório de Lucas Lopes poderia fazer dele um superministro sem pasta. Mas 
na verdade, o estilo de governo de Juscelino era trabalhar em contato direto e 
constante com seus ministros, envolvendo-se em tudo que se ligasse ao Plano 
de Metas; um superministro não tinha portanto lugar em seu governo. 13 
Em junho de 1958, quando Lucas Lopes foi para o Ministério da Fazenda, 
com o afastamento de José Maria Alkmin, 14 alterou-se um pouco a alta 
burocracia das áreas cambial e do planejamento. No ministério, Lucas Lopes 
desligou-se da condução direta do Plano de Metas e passou a operar com as 
rnacropolíticas da área econômica (café, controle da inflação, negociação da 
dívida externa), ficando Roberto Campos na presidência do BNDE, res-
ponsável pelo sucesso do Plano de Metas. O Conselho do Desenvolvimento 
foi perdendo importância com a saída de Lucas Lopes, uma vez que o órgão 
se iden~ificava intimamente com a sua figura. Produziu um relatório sobre o 
andamento das metas em 1958,15 e depois, ao que parece, fundiu-se com a 
presidência do BNDE. 
As três arenas importantes nessa fase, da gestão Lucas Lopes, eram o 
Ministério da Fazenda, o BNDE e a Sumoc. Os constrangimentos externos e 
internos direcionaram as politicas do ministro Lucas Lopes para as questões 
da estabilização monetária, da negociação da dívida externa (aí incluída a 
negociação de empréstimos junto ao FMI) e da política de preço do café. Todas 
essas questões passavam pela Sumoc. À sua frente estava nesse período 
Garrido Torres. 
O afastamento de Lucas Lopes do Ministério da Fazenda, após um enfar..e 
em Caxambu em 30 de maio de 1959, levou também à saída de Robe:-.o 
Campos e sua equipe do BNDE, cuja presidência passou a Lúcio Meira 
Na última fase do governo JK (junho de 1958 a janeiro de 1961), quando 
Sebastião Paes de Almeida, vindo da presidência do Banco do Brasil, assruniu 
a pasta da Fazenda, os formula dores do Plano de Metas, Lucas Lopes e Roberto 
Campos, bem como seus assessores da Sumoc e do BNDE, pennaneceratn 
fora do governo. Para o governo Kubitschek e seu ministro Paes de Almeida, 
aquele era o momento de concluir as metas propostas, prestar contas dos 
trabalhos realizados, gerir a alta do custo de vida que se acelerou a partir de 
1959 16 e conter o descontentamento social que a inflação provocava. 
A despeito do crescimento da inflação, do descontentamento evidenciado 
pelas greves e do desequilíbrio das contas externas, Juscelino manteve sua 
determinação de completar a execução das metas e transferir a capital para 
Brasilia. Esse talvez tenha sido o momento em que se tornou clara a inviabi-
lidade de, naquela conjuntura, conciliar-se crescimento com estabilidade mo-
netária. 
A análise feita nesta seção privilegiou as agências fonnuladoras das 
políticas cambial e de planejamento na esfera do Executivo, na época o 
principal centro fonnulador das decisões da área econômica. De fato, nos 
anos Kubitschek acentuou-se a tendência à centralização das decisões 
econômicas nos organismos ligados à Presidência da República . O próprio 
Congresso percebeu que estava sendo marginalizado na tomada de decisões 
nas áreas cambial (em benefício da Sutnoc) e de planejamento (em benefício 
do BNDE), bem como na negociação da dívida externa. Em 1959 houve um 
movimento de parlamentares visando ganhar poderes junto ao Executivo, 
mas não se chegou a nenhum resultado. Entretanto, é bom lembrar que o 
Plano de Metas, a tarifa de 1957 e o Plano de Estabilização Monetária de 
-1958 passaram pelo crivo do Congresso, o que evidencia a participação do 
Legislativo e dos partidos políticos no processo decisório na área eco-
nômicaY 
Quando Brasília foi inaugurada, o Congresso foi transferido pat-a a nova 
apitai, mas as principais agências do Executivo (BNDE, Sumoc e Cacex) 
\ 
ontinuaram no Rio de Janeiro. Esse fato deve ter agravado ainda mais a 
eparação entre o Congresso e as áreas das políticas cambial e de planejamento. 
3. Crescimento, inflação e endividamento: os dilemas das políticas 
cambial e industrial do governo JK 
Daremos destaque nesta seção às áreas da política econômica de Juscelino 
Kubitschek que mais mobilizaram a atenção do governo, seus recursos técni-
cos e suas disponibilidades financeiras: a política dirigida para a consecução 
das metas industriais do Plano de Metas e as políticas cambial e de comércio 
exterior. Na primeira, o governo foi bem-sucedido, conseguindo consolidar a 
infra-estrutura energética, de transportes e de insumos básicos no país, implan-
tando novos setores da indústria pesada e aliviando a importação desses itens. 
No setor tia política cambial e comércio externo, contudo, o governo se 
76 
defrontou com desafios internos e externos, e, a despeito de uma alta eficiência 
técnica, não conseguiu resolver o problema do baixo desempenho das expor-
tações, aprofundando assim a escassez de divisas e tendo de recorrer ao 
endividamento como forma de captação de recursos para a viabilização do 
Plano de Metas. 
Essas políticas representam duas faces diversas de um mesmo governo, que, 
estando determinado a crescer, teve de abrir mão da sua estabilidade fmanceira 
interna e externa. 
3.1 Balanço de pagamentos, política cambial e comércio exterior 
As expectativas da diplomacia brasileira de uma colaboração entre Estados 
Un idos e Brasil logo após a guerra cederam progressivamente lugar a uma 
consciência de que tempos difíceis estavam por vir, dada a escassez de dólares 
na economia externa, a inconvertibilidade da libra e a priorização da recons-
trução européia e japonesa pelo Departam~nto de Estado norte-americano. 
Dificuldades na área econômica internacional trouxeram problemas para o 
balanço de pagamentoss do Brasil. Com um saldo de reservas externas superior 
à sua dívida, o país poderia estar vivendo uma situação bastante favorável, não 
fosse o fato de grande parte dos pagamentos devidos estarem inviabilizados 
pela inconvertibilidade das moedas. 18 
Os gestores da política de comércio exterior do governo Dutra adotaram 
uma postura liberal com relação às importações e à remessa de divisas para 
fora do país, desprezando o sistema de licenciamento de importações es-
tabelecido no final do Estado Novo (janeiro de 1945). Exportações feitas entre 
1946 e 1948 para países de moeda não conversível em dólares geraram um 
déficit de receita cambial, agravado pelo gasto de divisas com importações e 
remessas. 
Para responder à crise no balanço de pagamentos, o governo estabeleceu 
em junho de 1947 um sistema de licenciamento prévio das importações e 
exportações. O controle quantitativo das transações comerciais era feito pela 
Cexim (Carteira de Exportação e Importação do Banco do Brasil), e a taxa 
cambial foi mantida num só valor até 1952 (Cr$ 18,00 por dólar). 
Sobrevalorizar a taxa cambial representou um favorecimento à indústria, 
que pôde importar equipamentos e matéria-prima a um câmbio favorecido, e 
não chegou a prejudicar os exportadores de café, pois os preços internacionais 
do produto estavam em alta no período. Foram os exportadores de outros 
produtos que não o café, que representavam cerca de 40% do setor, os mais 
prejudicados por essa política. · 
No final do período Dutra e início do governo Vargas, a políticacambial 
representou, portanto, um instrumento de proteção à indústria sem prejudicar 
o café. Claramente, ela beneficiava a economia do Sudeste em detrimento de 
outras áreas do país. 
Estudos de história econômica analisaram a proteção cambial à indústria 
como resultante das pressões externas sobre a economia brasileira. Esses 
trabalhos chamaram a industrialização do período, beneficiada pela proteção 
cambial, de "espontânea", "não intencional", para diferenciá-la da indus-
lrialização planejada dos anos JK. 19 
Essa abordagem deixou de lado o fato de que a política econômica não é 
mera resposta aos desequilíbrios externos, mas resulta da opção dos seus 
gestores entre alternativas colocadas pelos setores econômicos internos e a 
conjuntura externa. No caso do imediato pós-guerra, a opção ficava entre uma 
política de estímulos à industrialização ou a liberação das importações de 
produtos concorrentes.20 
O sistema de licença prévia manteve-se até 1953 e foi o principal mecanjs-
mo de proteção à indústria do período, uma vez que a tarifa de 1934, ainda 
vigente, não mais cumpria a função de proteger os produtos manufaturados. 
Como as importações efetuadas pelas empresas do governo ficavam fora do 
sistema de licença prévia, o Estado terminou sendo beneficiado pelo sistema 
cambial, não sofrendo assim as restrições quantitativas aplicadas ao setor 
privado. 
Criado para controlar as importações e equilibrar o balanço de pagamen-
tos, o sistema de licenciamento de divisas teve de conviver com um mercado 
cambial paralelo (inicialmente ilegal, mas depois incorporado oficialmente) 
e mostrou-se incapaz de contornar situações excepcionais, como à de 1951-
52, quando a demanda de importação cresceu repentinamente com o temor 
da eclosão de uma nova guerra mundial a partir do conflito da Coréia. A 
Cexim liberou a concessão de licenças pata a formação de estoques de 
combustível, matéria-prima e equipamentos industriais. Essa atitude des-
equilibrou a balança comercial e trouxe uma crise de liquidez de divisas no 
mercado. Um saldo negativo de 453 milhões de dólares no balanço de 
pagamentos, mais as críticas que se acumulavam contra o sistema de licen-
ciamento e sua excessiva burocratização, geraram uma mudança na política 
cambial. 
O ano de 1953 assistiu a duas grandes alterações. No início do ano o 
Congresso aprovou a Lei do Câmbio Livre (Lei nº 1.807, de 7/1/1953), com a 
qual se criava um mercado livre de câmbio, visando a desafogar o sistema de 
licenciamento, agora reduzido a um elenco menor de itens. Podiam operar no 
mercado livre as exportações até então desfavorecidas (cacau, algodão), as 
remessas pata pagamentos de serviços e dívida e a remessa de lucros. 
Os principais beneficiários dessa mudança cambial foram os exportadores 
de produtos primários (exceto de café, setor que protestou contra essa exclu-
são) e os interesses ligados ao capital estrangeiro. A alteração cambial parece 
ter melhorado a balança comercial, que passou de um saldo negativo de 109 
milhões de dólares em 1951-52 para o superávit de 424 milhões de dólares nq 
ano seguinte (ver tabela 1). 
78 
Tabela 1 
Balanço de pagamentos, 1947-55 
(US$ milhões) 
1947 1948/50 1951/52 1953 1954 1955 
Balança comercial 130 285 -109 424 148 320 
Serviços -257 -262 -403 -355 -338 -308 
Mercadorias e 
serviços -127 23 -512 69 -190 12 
Transferências 
unilaterais -24 -4 -2 -14 -5 -10 
Transações correntes -151 19 -514 55 -195 2 
Capitais 12 -63 12 59 -18 3 
Erros e comissões -43 29 49 -98 lO 12 
Saldo (superávit ou 
déficit) -182 -15 -453 16 -203 17 
Fome: Boletins do Banco Central, apud Carlos Von Doellínger et ai., Política e estrutura das 
importações brasileiras (Rio de Janeiro, IPENINPES, 1977), p. 18 e 33. 
No segundo semestre de 1953, o novo ministro da Fazenda de Vargas, 
Osvaldo Aranha, implementou uma nova mudança cambial. Com a Instrução 
70 da Sumoc (de 9/1 0/1953), ratificada pelo Congresso através da Lei n!! 2.145, 
de 29 de dezembro de 1953, alterou-se profundamente a politica de controle 
das importações e exportações. 
No que diz respeito às importações, a nova política cambial estabelecia taxas 
múltiplas de câmbio que variavam, de acordo com a classificação das impor-
tações, em cinco categorias. O complexo sistema de leilões de câmbio funcio-
nava a partir de uma taxa de câmbio base para importação, inferior às demais 
(e portanto subsidiada), conhecida como custo de câmbio, usada para importar 
trigo, papel de imprensa, combustível e alguns bens de capital. Por essa taxa 
eram feitas as importações do governo, que tinha assim um câmbio mais 
favorecido do que o do setor privado. O restante das importações era feito 
através do sistema de leilões de câmbio nas bolsas de valores regionais. A taxa 
de câmbio variava conforme cinco categorias de produtos, classificados se-
gundo critério de essencialidade. Ao valor do custo de câmbio acrescentava-se 
uma sobretaxa (o ágio) variável, que era reduzida, quando se tratava de 
importações fundamentais, e se elevava para produtos supérfluos.21 
Se as importações pagavam ágio variável conforme a essencialidade do 
produto, as exportações recebiam um bônus, um acréscimo. 
A taxa de câmbio para os exportadores correspondia à taxa oficial acrescida 
de uma gratificação variável (bônus) de produto a produto, constantemente 
reajustada por pressão dos exportadores.22 
79 
Apa:emememe, a Instrução 70 da Swnoc parecia favorecer os exportadores 
que recebiam bônus) em detrimento dos importadores (que pagavam ágio). 
Aas a realidade provou que estes últimos, aqui incluídos os industriais, eram 
os favorecidos. Também ganhava com essa política cambial o Estado, que 
arravés do fundo de ágios captava receitas significativas, que custearam a 
política de sustentação do preço do café no período Café Fillio e JK e até 
mesmo cobriram gastos com a construção de Brasília. 
O regime cambial cwnpria assim uma função fiscal, uma vez que tributava 
o importador, dele arrecadando a receita dos ágios. Tributava também o 
exportador, que perdia para o governo a diferença entre o valor do dólar no 
mercado livre e o dólar exportação. 
No governo Café FiU10, o núnistro da Fazenda Eugênio Gudin implemen-
tou, através da Sumoc, uma medida cambial que viria modificar o quadro da 
economia brasileira e se tornaria extremamente útil ao Plano de Metas de JK. 
A Instrução 113 da Swnoc (janeiro de 1955) autorizava a Cacex (organismo 
do Banco do Brasil que sucedeu à Cexim em 1954, com a reforma da Instrução 
70) a enútir licenças de importação de equipamentos para a indústria. Esses 
equipamentos entrariam no pais sem cobertura cambial, isto é, sem pagamento 
de divisas e sem onerar o balanço de pagamentos brasileiro, já que contavam 
como capital investido nas empresas. Dessa forma, um investidor estrangeiro 
podia trazer para o Brasil equipamentos para formar uma nova empresa ou 
ampliar uma já existente. A conversão do capital representado pelos equipa-
mentos importados era feita pela taxa de câmbio livre, o que equivalia a uma 
quantidade maior em cruzeiros e constituía, portanto, um claro subsídio ao 
capital estrangeiro. 
A Instrução 113 representou wn incentivo cambial para companhias es-
trangeiras se instalarem no país, e acelerou o processo de internacionalização 
da economia brasileira. Essa medida deu nova direção à política industrial, 
reduzindo consideravelmente o protecionismo cambial que desde 1948 favo-
recia a indústria local. No governo JK a Instrução 113 foi largamente utilizada 
para favorecer a instalação de grandes complexos industriais, como se verá na 
seção seguinte. 
Mudava a partir dessa medida o padrão de relação entre indústria local e 
governo. A colaboração que existira no segundo governo Vargas entre a 
burocracia e o empresariado em organismos como a Comissão de Desenvol-
vimento Industrial(CDI), a Petrobrás, a Subcomissão de Jipes, Tratores e 
Automóveis (ligada à CDI) e a Comissão de Tarifas, deixou de existir no 
governo Café Filho. O governo JK retomou essa colaboração através dos 
grupos executivos e de organismos como o Conselho de Política Aduaneira 
(CPA), criado em 1957 para implementar a nova tarifa. Mas como o empresa-
riado mudara a sua estrutura, mudou a relação do tripé: a burguesia industrial 
local passou à condição de sócia menor das benesses do desenvolvimento 
industrial, tendo crescido em importância e poder as empresas multinacionais 
(favorecidas pelos subsídios cambiais, por créditos do BNDE e outros favores 
80 
l 
governamentais) e as empresas estatais (beneficiadas pelo autoprotecionismo 
cambial do governo). 
A Instrução 113 sofreu críticas dos industriais de São Paulo e da AESP, sua 
associação de classe. 23 A despeito delas a medida foi largamente empregada 
por Kubitschek, que usou da conciliação, combinando uma estratégia inter-
nacionalizante para o arranjo industrial com um discurso nacional-desen-
volvimentista. 24 
Efetivamente, a burguesia local perdia na competição pelo subsídio cambial 
representado pela Instrução 113. Mas, por outro lado, ela ganhava com a 
dinâmica da industrialização, a tarifa de 1957, a ampliação do mercado interno, 
as políticas de crédito do Banco do Brasil e a criação de novos setores 
industriais restritos aos empresários locais (o exemplo mais comum sendo o 
da indústria de autopeças). 
O sistema de taxas múltiplas de câmbio foi mantido no governo Kubitschek 
até 1957, tendo as taxas de ágio e de bonificação sofrido sucessivos reajustes 
entre 1953 e 1957. Até o advento da nova tarifa, a política cambial foi o centro 
nervoso da política econômica, agindo como o principal instrumento de 
proteção à indústria e cwnprindo wna série de funções que outras áreas do 
governo não eram capazes de desempenhar: função fiscal, função de proteção 
tarifária e de controle da inflação. 
A tarifa de 1957, ela botada nas dependências da Confederação Nacional da 
Indústria, com participação dos industriais, asswniu assim o papel protecionis-
ta antes concentrado na área cambial. A partir de sua aprovação pelo Congres-
so, teve lugar uma simplificação do sistema de câmbio múltiplo, onde as cinco 
categorias de importação cederam lugar a duas. 25 A categoria 'geral' reunia as 
quatro primeiras categorias do sistema anterior (que envolviam matéria-prima, 
bens de capital e produtos essenciais), e a 'especial' correspondia a produtos 
supérfluos e tinha uma taxação elevada. O custo de câmbio continuou a ser 
usado para a importação de trigo, petróleo e derivados, papel de imprensa e 
alguns bens de capital.26 
A simplificação do sistema cambial, com a gradual redução dos controles 
(licença prévia, câmbio múltiplo, quotas de importação), respondia em parte 
às recomendações do FMI. Por essa época o Fundo estava começando a 
financiar programas de estabilização na América Latina, e uma das exigências 
da instituição era a simplificação do câmbio. 
A despeito das mudanças feitas no sistema de leilões no final de 1957, 
seguidas de novas alterações de pequeno porte, os problemas com o desequi-
líbrio externo continuavam (ver tabela 2). As pressões dos exportadores e do 
FMI sobre o governo levaram-no a empreender uma série de alterações, em 
janeiro de 1959, no sentido de wna liberação cambial, envolvendo ele-..·ação 
do custo de câmbio.28 
Si 
Tabela 2 
Balanço de pagamentos, 1956-61 
(US$ milhões de dólares) 
1956 1957 1958 1959 1960 1961 
Balança comercial 437 107 65 72 -23 113 
Serviços -369 -358 -309 -373 -459 -350 
Mercadorias e 
serviços 68 -251 -244 -301 -482 -237 
Transferências 
unilaterais -11 -13 -4 -10 4 15 
Transações correntes 57 -264 -248 -311 -478 -222 
Capitais 151 255 184 182 58 288 
Erros e omissões -14 -171 -189 -25 10 49 
Saldo (superávit ou 
déficit) 194 -180 -253 - 154 -410 115 
Fonte: Relatórios do Banco Central, apud Carlos Von Doellinger et. ai., Política e estrutura 
das importações brasileiras, p. 33, 38 e 41. 
Em 1958 o ministro da Fazenda Lucas Lopes tentara implementar um Plano 
de Estabilização Monetária, elaborado pela equipe Lucas Lopes-Roberto 
Campos, e aprovado pelo Congresso.29 Contudo, sem a sustentação efetiva de 
Juscelino, sem a subordinaÇão do Banco do Brasil às normas de contenção de 
créditos, e com os aumentos salariais do irúcio de 1959, o plano se inviabilizou, 
mostrando mais uma vez as dificuldades de conciliar estabilização com 
crescimento econômico no país. 
Continuando sua política de liberação progressiva do câmbio, a Sumoc 
passou para o mercado de câmbio livre os produtos manufaturados de expor-
tação, e em dezembro de 1959 restringiu seu controle apenas ao café, o cacau, 
a mamona e o óleo cru mineral com seus derivados.3° 
Com essas medidas, a renda do setor cafeeiro quase duplicou em 1959 (o 
câmbio do café passou de Cr$ 37,00 para Cr$ 60,00). Os preços do trigo e do 
combustível tiveram majoração em virtude da elevação do custo de câmbio, 
forçando uma pressão inflacionária que se agravou naquele ano devido aos 
gastos do governo com a política do café e à elevação dos salários mínimo e 
do funcionalismo público (ver tabela 3). 
Nesse momento complicaram-se as negociações do governo brasileiro com 
o Fundo Monetário Internacional. 31 O Brasil buscava junto ao Fundo o aval 
para um empréstimo junto aos bancos norte-americanos (100 milhões de 
dólares do Eximbank e 58 milhões de bancos privados) e o direito de sacar no 
próprio Fundo 74,9 milhões de dólares. 32 Uma equipe do Fundo visitou o 
Brasil em março de 1959, e a partir do exame da situação econômica brasileira, 
chegou ao seguinte diagnóstico: 
82 
1. o serviço da dívida brasileira estava muito elevado. Não adiantaria, pois, 
emprestar mais ao país, já que a dívida só aumentaria; 
2. a extensão do crédito do governo brasileiro ao setor privado era excessiva 
e inflacionária; 
3. o sistema cambial encontrava-se sob pressão, devido à grande demanda de 
divisas. A taxa de câmbio era considerada "irrealista", o sistema cambial não 
cumpria uma função anti inflacionária e o balanço de pagamentos encontrava-
se em crônico desequilíbrio. 
Tabela 3 
Indicadores de inflação, 1953-61 
(variação percentual anual) 
indice Geral de Preços Custo de vida na Guanabara 
1953 15 15 
1954 27 22 
1955 17 24 
1956 20 21 
1957 14 17 
1958 10 15 
1959 38 39 
1960 29 29 
1961 37 33 
Fonte: Conjuntura Econômica, apud Raouf Kahil, lnflation and economic developmenl in 
Brazil (Oxford, Clarendon Press, 1973), p. 338. 
Ao severo diagnóstico do FMI seguiam-se as recomendações da instituição 
ao governo brasileiro: rever totalmente as políticas passadas, começando por 
realizar uma ampla reforma cambial, que deveria ser parte de um plano de 
estabilização abrangente, destinado a pôr fim à inflação. Enquanto tais refor-
mas não fossem feitas, não seria possível dispor dos recursos do Fundo, sendo 
recomendável o adiamento das negociações até outubro de 1959.33 
Com a saída de Lucas Lopes da pasta da Fazenda, em virtude de um enfarte, 
Juscelino assumiu o comando das negociações com o FMI e decidiu entrar em 
confronto com o Fundo, negando-se a empreender a reforma cambial reco-
mendada. Montando uma cena dramática, que lhe valeu o aplauso dos 
racionalistas que o criticavam pela internacionalização causada por sua política 
industrial, pediu o retomo da missão brasileira que negociava com o Fundo 
em Washington, e rompeu unilateralmente com o FMI emjunho de 1959. 
Em 1960 o desequilíbrio nas contas externas se agravou com o déficit na 
balança comercial, a redução do fluxo de capitais privados registrados através 
83 
6 Instrução 113, e os aumentos nos pagamentos de serviços no exterior (ver 
tabela 2). O governo recorreu a empréstimos de curto prazoe restabeleceu 
relações com o FMI, dele sacando 47,7 milhões de dólares.34 
O governo Kubitschek terminou em janeiro de 1961 com um legado de 
sucessos no que diz respeito ao desenvolvimento econômico e à implementa-
ção das metas propostas. Deixou também para os governos seguintes um saldo 
de dificuldades no campo da inflação, do endividamento externo e do balanço 
de pagamentos. Em 1960 o déficit do balanço de pagamentos chegou a 410 
milhões de dólares, inferior apenas ao de 1952, ano da crise nas contas externas 
que gerou mudan as no sistema cambial. 
O presíden Jânío Qua o que sucedeu a JK, realizou uma proftmda 
mudança no sistema cambial com a Instrução 204 da Sumoc, de 13 de março 
de 1961, formulada por seu ministro da Fazenda, Clemente Mariani, e por 
Octavio Gouveia de Bulhões, diretor executivo da Sumoc.35 
O custo de câmbio foi mantido, porém teve uma desvalorização de 100%. 
O sistema de leilões foi abolido e as importações foram liberalizadas (à 
exceção das importações feitas através do custo de câmbio). A reforma cambial 
na verdade se inseria num programa de estabilização que supunha: liberação 
do câmbio, desvalorização cambial, corte do déficit público e contenção da 
expansão monetária. 
A reforma cambial afinava-se com as recomendações do FMI, e re-
presentava um sinal do governo brasileiro visando abrir negociações para o 
pagamento da dívida brasileira e a obtenção de novos créditos. A comunidade 
financeira internacional acolheu favoravelmente o severo programa, e assim 
foi possível obter empréstimos junto ao FMI e ao setor privado americano, 
com o apoio da administração Kennedy.36 
As exportações sob o novo regime cambial tiveram um melhor desempenho, 
e o balanço de pagamentos saiu de um déficit de 410 milhões de dólares para 
um superávit de 115 milhões em 1961.37 
A renúncia de Jânio Quadros, em agosto de 1961, gerou uma crise política 
que inviabilizou sua nova política cambial. O mercado livre do câmbio não 
iria durar muito tempo sob o governo Goulart. 
3.2 A politica industrial e o Plano de Meras 
A expansão industrial nos anos JK foi acelerada, tal como pretendia o Plano 
de Metas. Entre 1949 e 1955 a indústria de transformação crescera a uma taxa 
média anual de 8,9%. Em 1958 essa taxa atingiu o seu ápice: 16,2%, desace-
lerando em 1959 e 1960 para 11,9% e 9,6% ao ano.38 
O principal instrumento de viabilização desse crescimento industrial foi o 
Plano de Metas. Ele continha uma estratégia de dinamização de novos setores 
da produção industrial - os bens intermediários e os bens de produção. Para 
isto o plano também buscava completar a infra-estrutura energética e de 
84 
.. 
transportes do país, prevendo insumos e benefícios cambiais para a instalação 
de um parque industrial mais avançado. 
O Plano de Metas embasava-se nos trabalhos e. diagnósticos da Comissão 
Mista Brasil-Estados Unidos e do Grupo Misto CEPAL-BNDE e na experiên-
cia da equipe que o formulou, coordenada por Roberto Campos e Lucas Lopes. 
A alocação de maiores recursos para as metas de energia e transportes 
mostrava a continuidade da concepção dos formuladores do plano em relação 
ao período Vargas, no sentido da necessidade de consolidar e ampliar a 
infra-estrutura de suporte ao desenvolvimento industrial. 
Na área da indústria de bens intermediários o Plano de Metas abarcou os 
setores da siderurgia, alumínio, metais não ferrosos, cimento, álcalis, celulose 
e borracha. 39 
A meta da siderurgia, que propunha a duplicação da produção de aço em 
lingotes e de laniinados, alcançou integralmente seus objetivos. Alumínio e 
metais não ferrosos tiveram um desempenho aquém do objetivo original (à 
exceção do chumbo e estanho, cuja produção duplicou no período JK). 
Cimento, papel e celulose, setores industriais nas mãos de empresas priva-
das, receberam incentivos tarifários para a importação de equipamentos. À 
exceção do papel de imprensa, os objetivos esperados em termos de aumento 
da capacidade instalada e incremento da produção foram atingidos. O setor de 
celulose e papel, uma das metas preferenciais do governo Kubitschek, recebeu 
também financiamentos do BNDE e Banco do Brasil. Parte do rápido de-
senvolvimento do Paraná nos anos 50 e da hjstória do grupo Klabin, ali 
instalado, se deve ao Plano de Metas. 
Os setores de álca lis e borracha sintética ficaram sob a responsabilidade da 
Companhia Nacional de Álcalis (afinal concluída em 1960) e da Petrobrás/Rio 
de Janeiro, duas empresas estatais que cumpriram os objetivos de produção 
estipulados no Plano de Metas. Algumas empresas químicas do setor privado, 
envolvidas com a produção de derivados de álcalis, receberam incentivos e 
facilidades da Sumoc e da Cacex para investir em planos do setor. 
Duas metas que visavam a modernização da agricultura no Plano de Metas 
tiveram impacto sobre o desenvolvimento industrial do período: os fertili-
zantes e os tratores. Conseguiu-se aumentar a produção nacional de adubos 
nitrogenados de 5% (1955) para 23% (1960), e de adubos fosfatados de 12% 
(1955) para 58% (1960).40 
O plano visava inicialmente mecanizar a agricultura, incentivando a impor-
tação de tratores. Essa meta foi depois reconvertida para a produção nacional 
de tratores, mas a sua fabricação foi lenta e se deu efetivamente na década de 
60.41 
Sem dúvida , o grande salto qualitativo da indústria brasileira no período JK 
se deveu ao sucesso das metas ligadas à indústria de base, em especiai aos 
novos setores que surgiram a partir do Plano de Metas e da ação conjuga6 
dos planejadores e empresários. A indústria automobilística. a cons:rução 
naval e os setores de mecânica pesada e equipamentos elétricos são o símbolo 
dessa nova era industrial brasileira. 
Para a implementação desses setores, formaram-se no interior do Conselho 
do Desenvolvimento, a agência coordenadora do Plano de Metas, os grupos 
executivos. 
3.2.1 Grupo Executivo da Indústria Automobilística (Geia) 
O Grupo Executivo da Indústria Automobilística (Geia), sob a coordenação 
do ministro Lúcio Meira, reuniu empresários 'das montadoras estrangeiras, 
industriais do setor de autopeças já existente e técnicos do governo (Roberto 
Campos, do BNDE, Tosta Filho, da Cacex, e, pelo Banco do Brasil e Sutnoc, 
Guilherme Pegurier, Sidney Latini (secretário do Geia), América Cury e Eros 
Orosco).42 Como se tratava de uma meta onde as empresas eram todas do setor 
privado (à exceção da Fábrica Nacional de Motores, FNM), cabia ao Estado 
prover a coordenação dos trabalhos de implantação do setor, fornecer incenti-
vos que atraíssem os investimentos estrangeiros de risco e, por fun, arbitrar 
sobre a divisão de tarefas entre o empresariado local (autopeças) e o setor 
multinacional (montadoras). 
As disputas entre os vários setores no interior do Geia eram acirradas, e se 
davam em tomo da nacionalização dos carros a serem produzidos (isto é, a 
produção progressiva de todas as partes do veículo no país) e da reserva da 
área de autopeças para a indústria local, entre outras questões.43 Eros Orosco 
foi capa da revista Ttme, e por ela chamado de "O czar da indústria automobilís-
tica do Brasil", 44 o que evidencia o papel arbitral da burocracia no encami-
nhamento dos trabalhos do Geia. 
O Geia elaborou planos para a fabricação de caminhões, jipes, veiculas 
utilitários e automóveis. Somadas estas quatro categorias, previa-se a produção 
em 1960 de 347 mil veículos. A capacidade de produção naquele ano foi de 
321 mil veículos, o que indica o sucesso da meta, dadas as dificuldades de 
implantação de um setor novo no país e os conflitos de interesses entre os 
setores envolvidos. 
As empresas montadoras de autopeças concentraram-se na cidade de São 
Paulo e seus arredores (ABC paulista). Em meia década essa região contava 
com quase 150 mi I pessoas empregadas no setor, o que sem dúvida representouum impacto sobre a mão-de-obra local. Os operários da indústria automobilís-
tica foram treinados pelo Senai, e logo se tomaram uma elite dentro do setor. 
Essas mudanças em breve se fariam sentir no movimento operário paulista. 
As montadoras que se instalaram no país, atraídas pelo Plano de Metas, 
foram, no setor de produção de automóveis e utilitários: FNM (Fábrica 
Nacional de Motores, empresa estatal), Simca, Toyota, Vemag (grupo brasi-
leiro), Volkswagen e Willys Overland. O número variado de empresas, contu-
do, não é indicador de dispersão de capitais no setor. Na verdade, as montado-
86 
ras já surgem no país como um setor oligopolizado, uma vez que a Volkswagen 
e a Willys já produziam em 1962 cerca de 70% dos automóveis.45 
Produzindo caminhões havia a FNM, Ford, General Motors, Intemational 
Harvester, Mercedes Benz e Scania-V a bis. 
A meta da indústria automobilística foi bem-sucedida nos seus objetivos 
físicos (número de veículos programados/produzidos) e políticos. O presidente 
Kubitschek e seu assessor Lúcio Meira puderam garantir, através do trabalho 
do Geia, a reserva do setor de autopeças para o empresariado nacional, o que 
supunha uma barganha política, mediada pelo Estado, entre os interesses das 
multinacionais e os das empresas locais. O regime de pós-1964 não se 
comprometeu com o objetivo inicial dos implantadores dessa meta, e hoje a 
indústria de autopeças conta com várias firmas estrangeiras. 
Os incentivos dados às empresas que se propuseram fabricar veículos r.o 
país foram enormes. A detenninação de Juscelino de dirigir, ainda presid("nte, 
o primeiro automóvel brasileiro pela avenida Rio Branco, no Rio de Jandro,47 
gerou uma série de facilidades aos empresários estrangeiros: rec;erva de 
mercado através da tarifa de 1957, taxa de câmbio preferencial pa•a a impor-
tação de equipamentos fora do regime da Instrução 113, importações de 
equipamentos sem cobertura cambial (Instrução 113), facilidades cambiais 
para remessas de lucros para o exterior, financiamento do BNDE e iscnçã0 
tarifária. A indústria de autopeças obteve bem menos facilidades e protestou, 
seja através do seu sindicato (Sindipeças) ou da FIESP.48 
Impacto semelhante ao provocado pela indústria de automóveis sobre o 
operariado se fez sentir sobre o empresariado paulista. As empresas montado-
ras formaram em 1956 uma associação paralela (isto é, fora do sistema sindical 
vinculado ao Ministério do Trabalho), a Anfavea (Associação Nacional dos 
Fabricantes de Veículos e Automotores), enquanto os industriais de autopeças 
formaram o Sindipeças (Sindicato da Indústria de Peças para Automóveis e 
Similares do Estado de São Paulo). Criado em 1953 e filiado à FIESP no ano 
seguinte, o Sindipeças marcou sua atuação inicial como uma instituição 
"nacionalista". Seu presidente, Ramiz Gattás, formaria ao lado de outros 
industriais nac, •na listas da FIESP (Dilson Funaro, Fernando Gasparian, José 
Ermírio de Mora~. Sérgio Ugolini e Oswaldo Palma), um grupo que protestou 
na entidade contra a proteção desigual dada ao capital estrangeiro em relação 
ao nacional, especialmente através da Instrução 113 da Sumoc.49 
3.2.2 Grupo Executivo da Indústria da Construção Naval (Geicon) 
A indústria da construção naval vai ser efetivamente instalada no governo 
Kubitschek. O Geicon se estruturou para coordenar o planejamento da ins-
talação do setor, recuperando a frota naval que desaparecera com a Segunda 
Guerra. Coordenado pelo ministro da Viação, Lúcio Meira, o Geicon incenti-
vou o reequipamento de 14 antigos estaleiros nacionais de reparos e negociou 
81 
a instalação de dois grandes estaleiros estrangeiros, com capacidade de pro-
dução superior à dos nacionais. 50 
Os incentivos oferecidos a essas empresàs envolviam o recurso à Instrução 
113 (importações sem cobertura cambial), financiamento do BNDE, taxas 
preferenciais de câmbio para remessa de lucros para o exterior e reserva de 
mercado. 
Localizado quase que inteiramente no Estado do Rio de Janeiro, o setor da 
construção naval, ainda que não tenha tido o incentivo e o crescimento do setor 
da indústria de automóveis, acarretou um impacto na economia da Guanabara 
e do Estado do Rio (na época separados). O reaparelhamento de estaleiros 
existentes e a instalação de dois grandes empreendimentos de construção naval 
aumentaram o número de trabalhadores metalúrgicos, que viriam a constituir 
alguns anos mais tarde o principal setor operário na área de empresas privadas 
do Rio de Janeiro. 
3.2.3 Grupo Executivo da Indústria Mecânica Pesada (Geimape) 
O Geimape foi criado somente em 1959, visando coordenar a implantação da 
meta "mecânica pesada e equipamento elétrico". Tal como acontecera com a 
indústria automobilística e a construção naval, esse setor se dinamizou e se 
consolidou no país a partir de sua implementação dentro do Plano de Metas. 
Até então o Brasil tinha uma incipiente indústria de eletrodomésticos e 
equipamentos leves. A montagem da refinaria da Petrobrás e a construção da 
Cemig (Centrais Elétricas de Minas Gerais), ainda no período Vargas, já 
haviam colocado para o governo a necessidade de o Brasil criar uma indústria 
local de bens de capital para atender à demanda das hidrelétricas e refinarias. 
Em 1955, havia-se fom1ado a Associação Brasileira de Indústrias de Base 
(Abdib), que, sob a liderança do industrial paulista Jorge Rezende, vinha 
trabalhando com o governo Vargas, visando o suprimento de bens de capital 
leves para a Petrobrás. O governo Kubitschek de inicio não recorreu a esse 
incipiente setor, o que levou o industrial Jorge Rezende a queixar-se da 
"antipatia" do governo para com os produtos da indústria nacional. Alegava 
Rezende que as indústrias de mecânica pesada estrangeiras, através dos 
créditos de fornecedores, podiam oferecer seus produtos às empresas do 
governo brasileiro com financiamentos de 15 a 20 anos. As indústrias de bens 
de capital nacionais não conseguiam assim competir no mesmo nível, pois não 
havia qualquer apoio do governo brasileiro (por exemplo, do BNDE) à 
comercialização de bens de capital aqui produzidos. Queixava-se o presidente 
da Abdib da impossibilidade de se produzir equipamentos no país, uma vez 
que esse setor produzia por encomendas, e o principal cliente tendia a ser o 
Estado. 5 1 Com a criação do Geilnape, a Abdib passou a fazer parte da coorde-
nação da meta ligada a esse importante setor da indústria de bens de capital. 
E algumas empresas locais passaram a contar com o apoio do BNDE, tais como 
88 
Amo, Cobrasma, Sofunge. Outras empresas que também obtiveram recursos 
e se instalaram por essa época foram: AEG, Brown Boveri, lme, Pirelli.52 
O setor da indústria mecânica pesada teve um crescimento da produção real 
interna no valor de 93,4% no período 1958-61, enquanto as importações em 
dólares do gênero mecânica cresceram no mesmo período 11,7%. Esses dados 
apontam para o crescimento da produção doméstica, que começa a suprir o 
mercado brasileiro. 53 
Tabela4 
Participação de setores da indústria de bens de capitais 
no total da indústria de transformação 
(1949-59) (%) 
Valor da produção Valor da 
Setores transformação 
1949 1959 1949 1959 
1nd. mecânica 1,60 2,85 2,13 3,45 
lnd. mat. elétrico e comunicações 1,40 3,98 1,60 3,99 
Ind. material de transporte 2 ,30 6,79 2,22 7,59 
Fonte: Censos Industriais de 1950 e 1960, apud L. Correa Lago et. ai., A indústria brasileira 
de bens de capital, origem, situação receme, perspectivas (Rio de Janeiro,FGV/IBRE, 1979), 
p.l15 
A tabela 4 mostra o crescimento da participação dos setores de 'mecâniéa ', 
'material elétrico e comunicações' e 'material de transporte' na indústria de 
transformação dos anos 50. O setor 'material de transporte' ganha maior 
dimensão pelo volume de capitais de risco investidos no setor de produção de 
caminhões e ônibus. Comparando-setambém dados da produção local com 
estatísticas de importação de bens de capital em 1959, observa-se que o valor 
(em cruzeiros) da produção interna foi superior às importações nesse mesmo 
ano (respectivamente 70 bilhões e 41 bilhões de cruzeiros). 54 
Tal como aconteceu no caso da indústria automobilística, os empreendimen-
tos que se fonnaram no setor de indústria pesada no período do Plano de Metas 
tenderam a ser predominantemente estrangeiros. É o que se pode depreender 
de um estudo feito pela Fundação Getulio Vargas, que mostrou que, de uma 
amostra de 44 empresas de bens de capital instaladas no período 1956-60, 14 
eram nacionais e 30 estrangeiras. 55 
3.2.4 Características da política industrial do governo Kubitschek 
Podemos agora destacar, de forma sistemática, as linhas básicas da política 
industrial dos anos JK: 
89 
1. um dos traços mais marcantes da política do período foi o planejamento, 
isto é, o estabelecimento de metas industriais concretas, bem como a constante 
supervisão das metas por novos organismos, nos quais operavam técnkos 
preparados. Celso Lafer mostrou muito bem, em seu estudo do plano, que as 
metas que foram integralmente cumpridas eram justamente as coordenadas 
por esse-núcleo técnico; 
2. outro aspecto definidor da política de JK foi o recurso ao capital estrangeiro 
privado para acelerar e aprofundar o desenvolvimento industrial (Instrução 
113 da Sumoc). Nos setores da indústria de base (automóveis, máquinas e 
equipamentos), na indústria química e farmacêutica, em alguns setores de 
bens de consumo (fumo e têxtil), indústrias estrangeiras se instalaram ou 
reequiparam empreendimentos locais já existentes. No período 1955-61 entra-
ram no país, como investimentos através da Instrução 113, US$ 511 milhões. 
Desse capital, 43% provinham dos Estados Unidos e 44,5 de países da Europa, 
o que evidencia bem a competitividade entre os campos americano e europeu 
na busca de novos mercados. Os investimentos em indústrias de base corres-
ponderam a 74%, enquanto para as indústrias leves ele foi de 26%;56 
3. as políticas industriais do Plano de Metas se viabilizaram graças à articu-
lação favorável de três fatores: a) a decisão estatal de planejar o de-
senvolvimento; b) as alterações do capitalismo internacional, com a 
recuperação da Europa e do Japão, e o fim da liquidez monetária que caracte-
rizara o período do pós-guerra;57 c) a existência no país de um empresariado 
industrial local, cuja ideologia desenvolvimentista encontrou eco no Plano de 
Metas e nos organismos neocorporativos do governo JK. Esse mesmo empre-
sariado já atuava na área de bens intermediários e de bens de produção leves, 
especialmente em São Paulo, e estava ansioso para inaugurar uma nova fase 
industrial, para a qual precisava do auxílio e financiamento governamental; 
4. a condução da 'industrialização pesada ' , como vem sendo referido o 
período industrial que se inicia em 1956,58 se fez com uma significativa 
participação do setor público. A contribuição do governo na formação bruta 
de capital passou de 25% no período de 1953-56 para 37% no período JK. Se 
nesta taxa incluirmos as empresas estatais, a participação governamental se 
eleva para 47% no período. 59 O Estado forneceu a infra-estrutura energética e 
de transportes e os insumos básicos (aço, combustível) para o novo salto 
industrial. Produziu o aço, o combustível, o minéri o de ferro, a soda cáustica 
e a matéria-prima para a indústria química. Forneceu o crédito industrial , 
avalizou empréstimos externos e subsidiou de variadas maneiras o câmbio, 
para fazer dele instrumento de proteção industrial e de atração de inves-
timentos; 
5. o protecionismo industrial no período se fez de duas maneiras: de 1956 até 
agosto de 1957, a proteção foi unicamente cambial, como foi discutido mais 
atrás. Após a tarifa de 1957, o protecionismo se fez através das alíquotas sobre 
os produtos importados e da taxa de câmbio; 
90 
~-------------------------
I 
6. essa política industrial acelerada se fez com um forte endividamento 
externo, uma vez que o balanço de pagamentos, à exceção do primeiro ano do 
governo, apresentou sempre um saldo deficitário, gerado pelo fraco desempe-
nho das exportações e pela forte evasão de divisas, seja como pagamento do 
serviço da dívida, como remessa de lucros de empresas etc. A dívida externa 
brasileira agravou-se no período, passando de US$2 bilhões em 1955 para 
US$2. 7 bilhões em 1960. Pelo fato de grande parte da dívida ser de curto prazo, 
o pagamento a ser desembolsado pelo Brasil nos três anos seguintes deveria 
ser de 70%,fXl um pesado legado de que muito se queixou Jânio Quadros; 
7. outro aspecto característico da industrialização da era Kubitschek foi o fato 
de o Plano de Metas estabelecer metas articuladas entre si, onde o de-
senvolvimento de um setor provocava um efeito estimula dor sobre os demais. 61 
Nesse sentido, a indústria de veículos automotores "puxaria" os setores de 
autopeças, metalurgia, aço, borracha e metais não ferrosos. A indústria de 
mecânica pesada e material elétrico pesado alimentaria as usinas geradoras de 
energia elétrica, as refinarias da Petrobrás, a construção de ferrovias, a cons-
trução naval, a pavimentação das rodovias e a mecanização da agricultura; 
8. a industrialização do período JK foi caracterizada como tendo por base o 
financiamento inflacionário. O Plano de Metas previa uma inflação de 13,4% 
ao ano, enquanto a inflação média real no período, foi de 22,6% ao ano. Nem 
o Plano de Metas nem a construção de Brasília (ambos empreendimentos de 
curto prazo e de alto custo) previram formas de captação de recursos para seu 
financiamento. Essa incerteza com relação às fontes de financiamento esteve 
presente durante todo o governo JK. Juscelino e os coordenadores do Plano de 
Metas julgavam ser possível a captação de boa parte do financiamento através 
de empréstimos públicos externos, combinados com investimentos privados 
de risco. Estes últimos efetivamente vieram, mas o vulto dos investimentos era 
muito alto, exigindo grande envolvimento do Estado como agente financiador. 
A conjuntura política não viabilizava a aprovação de uma reforma tributária 
no Congresso. E o Banco do Brasil resistia a diminuir sua participação na 
concessão do crédito à agricultura e à indústria. Em face desses cons-
trangimentos, o governo encaminhou-se para o financiamento inflacionário do 
Plano de Metas: aprofundou o déficit público. A situação inflacionária man-
teve-se relativamente sob controle até 1958, e se elevou em 1959 e 1960, 
causando greves e incerteza econômica; 
9. o ciclo industrial do período Kubitschek tendeu a aumentar o grau de 
concentração industrial no Centro-Sul, especialmente em São Paulo. A parti-
cipação desse estado no valor de transformação industrial passou de 48,8% em 
1949 para 55% em 1959, sendo que nas indústrias de bens de produção a 
participação no VTI subiu de 69% para 82% no mesmo perfodo.62 Formaram-
se setores oligopolizados (indústria de automóveis, farmacêutica e de alimen-
tos), que mudaram definitivamente o cenário industrial dessa região e criaram 
um novo estilo de relação entre Estado e grande empresa, que iria repercutir 
na formulação da política econômica nas décadas futuras. 
91 
Conclusão 
No momento em que vamos avaliar o legado do governo Kubitschek para a 
economia e a sociedade brasileiras, é preciso reconhecer a contribuição pessoal 
do estadista, que marcou uma era e cuja atuação se caracterizou pela determi-
nação de implementar as metas do seu governo, pela capacidade de se cercar 
de quadros técnicos para conduzir suas políticas interna e externa e pelo estilo 
negociador, capaz de resolver crises políticas - desde que não estivessem 
envolvidas na conciliação as suas prioridades não negociáveis. 
Há também que ressaltar a continuidade de vários aspectos dosegundo 
governo Vargas no período JK, os quais contribuíram para a viabilização do 
Plano de Metas. Diversamente da Argentina, onde a transição de Perón a 
Frondizi representou profundas mudanças na estratégia econômica, nas 
equipes e nos grupos políticos no poder, no Drasil as presidências Vargas e 
Kubitschek significaram a continuidade do bloco partidário formado pelo 
PSD-PTB no Congresso, e de um projeto de desenvolvimento baseado na 
consolidação da infra-estrutura.63 Continuou também a ênfase no de-
senvolvimento industrial e na viabilização dos projetos sugeridos pela Comis-
são Mista Brasil-Estados Unidos, com a busca das mesmas agências financia-
dotas e dos técnicos e planejadores do B1'-IDE, do Itamarati e da Sumoc. 
Quando JK assumiu a presidência e indicou Lucas Lopes para presidir o 
BNDE, este obteve junto ao Eximbank os créditos referentes aos projetos da 
Comissão Mista Brasil-Estados Unidos aprovados na era Vargas, mas não 
viabilizados naquela ocasião. Este é um bom exemplo da continuidade entre 
os dois governos. 
Este artigo buscou mostrar as várias faces do governo Kubitschek, através 
da análise das políticas econômicas fundamentais do período. A face do êxito 
foi mostrada pela implementação de quase todas as diretrizes industriais do 
Plano de Metas. O sucesso do plano se dá em meio a um período de estabilidade 
política, e repousa, como vimos, na existência de uma base política no 
Congresso, de quadros técnicos e de agências que formularam as metas e 
acompanharam sua realização. O apoio externo de organismos públicos inter-
nacionais (Eximbank e Banco Mundial) e de capitais de risco privados (via 
Instrução 113 da Sumoc) foi também fundamental para a realização das metas. 
A estratégia de viabilização de setores industriais importantes, através de 
organismos neocorporativos (os grupos executivos dos setores da indústria de 
automóveis, construção naval, mecânica pesada e material elétrico pesado), 
criou espaços decisórios setoriais que agilizaram a consecução dessas metas. 
Em decorrência da própria ênfase obstinada de Juscelino Kubitschek na 
industrialização e na transferência da capital para Brasília, algumas áreas da 
política econômica brasileira ficaram relegadas a um plano secundário, per-
dendo sempre que se tratava de escolher entre as metas prioritárias e as demais. 
Nesse "segundo escalão" de objetivos governamentais na área econômica, 
ficaram os setores onde houve um desempenho entre razoável e baixo do 
92 
governo Kubitschek: as exportações, cujo quantum variou de 100% a 118% 
entre 1957 e 1960 (com relação a valores de 1953);64 a inflação, que subiu a 
partir de 1959 (ver tabela 3); o déficit no balanço de pagamentos, e o 
endividamento externo. Estes dois últimos itens, em especial, representaram 
wna fonte de preocupação e de constrangimento para o fmal do governo JK, 
pressionado pelos pagamentos de dívidas de curto prazo, numa conjuntura de 
escassez de divisas. 
A análise que empreendemos permite também concluir que embora a 
conjuntura internacional tenha constituído o quadro de fundo das políticas de 
crescimento do período 1956-60, ela não é o único fator que explica esse 
momento de crescimento. Ainda que o governo JK tenha recorrido aos capitais 
de risco, aos empréstimos de bancos públicos e privados estrangeiros, e tenha 
se valido das oportunidades surgidas com a recuperação européia, essa era de 
desenvolvimento teve grande fmanciamento do Estado, baseado no aprofun-
damento do déficit público e na dinâmica interna gerada pela inflação, que 
penalizou o assalariado e alocou parte do lucro das empresas para cobrir as 
perdas advindas da elevação do custo de vida. 
Foi uma opção do governo JK crescer com a inflação, a despeito das 
recomendações do FMI e do Departamento de Estado norte-americano de que 
a hora era de desacelerar o crescimento e de tratar da estabilidade monetária e 
do equilíbrio das contas externas. Foi também decisão do governo JK adiar 
para o governo seguinte a reforma cambial desejada pelo FMI, pondo f1111 ao 
câmbio controlado e ao subsídio cambial, que representou durante ~nto tempo 
a principal proteção à indústria. 
Assim como buscamos relativizar aqui o peso da conjuntura externa sobre 
os caminhos da política econômica brasileira, quisemos também enfatizar a 
participação das classes sociais na formulação e implementação das políticas 
na área econômica. Sem deixar de reconhecer a participação do Estado como 
fomentador do desenvolvimento industrial · do período, procuramos mostrar, 
através de estudos de caso de experimentos neocorporativistas (os grupos 
executivos), a aliança que se dava entre setores da burguesia industrial e o 
Estado, relativizando análises que explicam a supremacia da burocracia técni-
ca sobre setores econômicos "frágeis" nesse período. 
Não tratamos neste trabalho de outras formas de pressão de classes sociais 
sobre o Estado. O poder de veto dos cafeicultores, por exemplo, demonstrado 
no Congresso e nas Marchas da Produção, através das quais a cafeicultura 
pressionou o governo a melhorar a taxa de câmbio para o café, é uma evidência 
da força do setor junto ao Estado, e reforça nosso argumento de que as políticas 
econômicas são feitas com a participação das classes nelas envolvidas. Daí 
certas áreas se constituírem em centros nervosos de poder. 
Para finalizar a análise do campo da burocracia, chamamos a atenção para 
o estilo de JK, de subordinar seus assessores técnicos às suas prioridades não 
negociáveis, e colocar no comando dessa assessoria, isto é, no Ministério da 
Fazenda, homens do PSD. 
93 
Se se pode debater quanto ao legado positivo ou negativo das políticas 
econômicas do período JK, existe mn consenso na análise do impacto provo-
cado pelos "50 anos em 5" no país. 
O desenvolvimento industrial e a construção de Brasília puseram em 
evidência novos tipos sociais. Nas grandes cidades surgiram os grã-finos do 
"café society", os playboys, os colunistas sociais, e o operário de macacão, 
símbolo da indústria de automóveis. No interior, surgia o candango, o migrante 
construtor de Brasília. Acompanhando as rodovias que se abriram então, 
ligando Brasília a Belém, Belo Horizonte e Fortaleza, iam os pioneiros das 
frentes de expansão, os pequenos agricultores que ocuparam o Norte do pais, 
como também o Maranhão e o Piauí. As frentes agrícolas dinamizaram também 
os estados do Paraná, Santa Catarina, Mato Grosso e Goiás.65 
A geografia política do país mudou após a era Kubitschek. Brasília viabili-
zou a ocupação do Norte e do Centro Oeste. A fronteira agrícola cresceu para 
o Sul, que também se beneficiou com o crescimento industrial. Mas foi o estado 
de São Paulo o grande beneficiário do govemo JK. A indústria ali se concentrou 
ainda mais, especialmente no setor mais dinâmico, de bens de capital. 
Poderíamos dizer que a Juscelino Kubitschek coube optar entt·e crescer ou 
solucionar o desequilíbrio extetno nas contas do país. O presidente Geisel, 
duas décadas depois, também se defrontou com esse dilema, e, tal como 
Kubitschek, decidiu-se pelo crescimento com endividamento, a opção que o 
ministro Reis Veloso chamou de "o último trem para Paris". O govemof;JK 
tomou também o último trem daquela era de desenvolvimento. A diferença, . 
entretanto, é que esse último trem da era JK levou consigo um passageiro 
importante: a democracia. cmtvvtft,u't ~·o 
~ootns K b. 1 kf · · · d d ·d ~- · \~\ @Md. ~d (f) 1~ governo u 1tsc 1e • 01 cr1hca o, ev1 o ao agravamento~ m~aç'ão "e ao en lVI a- \!À 1 
mento externo, pelos udenistas (especialmente Carlos Lacerda e Clemente Mariani) e pelos · V\ • 
economistas llt'Oliberais (Eugênio Gudin e Octavio Gouveia de Bulhões). A esquerda 1 
nacionalista (P.1rtido Comunista Brasileiro e Frente Parlamentar Nacionalista) criticam as ~ 
medidas cambiais que subsidiaram a internacionalização do parqueindustrial brasileiro. j''.J · 
Mais recentemente, uma crítica moderada do expansionismo monetário do governo JK 
aparece na detalhada análise de Kahil, Raouf. /n.flation and economic developmem in ",(. (\. ~ 
Brazi/ (/946-1963). Oxford, Clarendon Press, 1973. cap. 8. \ D-J "'. 
O Encilh:nnento (1888-92) foi um período de ~raude atividade especulativa no setor 
financeiro, especialmente no Rio de Janeiro. Ho~"e uma ativação da Bolsa de Valores do 
Rio em resposta a políticas expansionistas dos governos de transição do Império para a 
República. Visto inicialmente como um período de pura especulação e endividamento, é 
hoje considerado como responsável por um surto de expansão industrial e de crescimento 
econômico na região Centro-Sul. Ver Lobo, Eulalia. História do Rio de Janeiro: do capital 
comercial ao capital industrial e financeiro. Rio de Janeiro, IBMEC, 1978. v. 2, cap. 4; 
Levy, Maria Barbara. História da Bolsa de Valores do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 
IBMEC, 1977. p. 104-24. Para uma comparação entre o governo JK e os tempos do 
Encilhamento, ver a fala do deputado Leuzzi, Miguel, em Anais da Câmara dos Deputa-
dos.(Sessão de 4.12.56), v. 46, p. 63. 
94 
2 Nos anos 70, duas importantes teses acadêmicas reavaliaram o governo JK do ponto 
de vista do seu sucesso em promover o desenvolvimento com estabilidade polltica e 
implementar quase integralmente um ambicioso plano de 31 metas. Ambos os trabalhos 
enfatizaram a dimensão positiva desse governo, não aprofundando as dificuldades econô-
mic~s que ele enfrentava nem os problemas que legou aos governos e gerações posteriores. 
Ver Benevides, Maria Victoria. O governo Kubitschek; desenvolvimento econômico e 
estabilidade política. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 197 6 e Lafer, Celso. The p/anning process 
and the política/ system in Brazil: a study ofKubitschek's Target Plan, 1956-1961. Ph.D. 
Thesis.Comell University, 1970. 
Para um depoimento engajado sobre o período Kubitschek, que não esconde críticas ao 
expansionismo monetário enquanto estratégia de governo de Juscelinol Kubitschek, ver 
Lopes, Lucas. Memórias do desenvolvimento (no prelo). · 
Dentre as análises mais recentes, que contrabalançam os aspectos bem-sucedidos e os 
problemas legados pelo governo Kubitschek, estão: Malan, Pedro. Relações econômicas 
internacionais do Brasil ( 1945-1964). In: Fausto, Boris, org. O Brasil republicano, v. 4 São 
Paulo, Difel, 1986. (História Geral da Civilização Brasileira). p. 51-106; Draibe, Sonia. 
Rumos e metamorfoses. Estado e industrialização no Brasil: 1930-1960. Rio de Janeiro, 
Paz e Terra, 1985. Sola, Lurdes. The política/ and ideological constraints to economic 
management in Brazil (1945-1963) Ph.D Thesis. Universidade de Oxford, 1982, cap. 3; 
Orenstein Luiz & Sochaczweki. Antonio C. Democracia com desenvolvimento: 1956-
1961. In: Abreu, Marcelo de Paivà, org. A ordem do progresso. Cem anos de política 
econômica republicana ( 1 889-1989). Rio de Janeiro, Campus, 1989. p. 171-95; Leopoldi, 
Maria Antonieta P. Industrial associations and politics in contemporary Brazil (1930-
1931). Ph.D. Thesis. Universidade de Oxford, 1984. 
3 Alguns estudos sobre políticas econômicas do período pós-30 têm enfatizado a fragi-
lidade da burguesia industrial, dos exportadores e da cafeicultura frente ao Estado. 
Conseqüentemente, os técnicos do governo são vistos como os únicos responsáveis pela 
política industrial, pelo planejamento, pelas polfticas de câmbio e de comércio exterior, 
acima dos industriais e dos cafeicultores. Ver Martins, Luciano. Pouvoir et développment 
economique. Formation et évolution dcs structures politiques au Brésil. Paris, Anthropos, 
1976 e Leff, Nathaniel. Polltica econômica e desenvolvimento no Brasil. São Paulo, 
Perspectiva, 1977. 
4 Consta que numa visita a Portugal, pouco antes de sua posse, JK teria ouvido de Salazar 
o conselho de nunca recorrer a uma reforma cambial para não desestabilizar seu governo. 
Seu assessor Lucas Lopes referiu-se ao fato de que Juscelino sempre lhe dizia não querer 
uma reforma cambial. Ver Lopes, Lucas. op. cit. 
, 
5 Ver Benevides, M. Victoria. op. cit. cap. 1, e Jaguaribe, Hélio. Desenvolvimento 
. fl/\.&1 \ econômico e desenvolvimento político. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1969. 
Jlr..r'~ \ 1 6 Formada em 1951, a Comissão Mista Brasil-Estados Unidos reuniu técnicos america-
nos e brasileiros para realizar diagnóstico da economia brasileira e formular projetos 
visando ao financiamento do Banco Mundial e do Eximbank. A Comissão funcionou até 
1953, tendo produzido 41 projetos, que envolveram investimentos de 387 milhões de 
dólares, especialmente nas áreas de transportes e energia elétrica. Cumprindo a função de 
assessoramento técnico, que também lhe cabia, a Comissão completou a formação de uma 
geração de policy-makers, que participou ativamente das políticas dos anos 50 e 60 (Lucas 
Lopes, Roberto Campos, Octavio O. Bulhões, San Tiago Dantas, Alexandre Kafka, 
Rômulo Almeida). Da CMBEU um grupo de técnicos passou ao BNDE e ajudou, sob a 
coordenação de Lucas Lopes e Roberto Campos, na formulação do Plano de Metas. Ver 
Malan, Pedro. op. cit. p. 60-89; Lafer, Celso. op. cit. p. 52-3, Lopes, Lucas. op. cit. 
7 Para maiores detalhes sobre o papel do BNDE no governo Kubitschek, ver Lessa, 
Carlos. Quinze anos de política econômica. Campinas, Unicamp, 1975. 
95 
8 Os ministros da Fazenda do governo Kubitschek foram os seguintes: José Maria 
Alkmin, PSD{MG (31.1.56 a 24.6.58); Lucas Lopes, PSD (24.6.58 a 30.5.59); Sebastião 
Paes de Ahneida, banqueiro paulista, PSD (como ministro interino, substituiu José Maria 
Alkmin entre 19.9.56 e 26.10.56, e Lucas Lopes, afastado por doença de 1.6.59 a 3.6.59; 
foi ministro efetivo de 4.6.59 a 31.1.61. 
9 Criado em 1 de fevereiro de 1956 pelo Decreto n~ 38.744, o Conselho de Desenvolvi-
mento foi o organismo coordenador da formulação e da execução do Plano de Metas. Era 
formado pelos ministros, chefes das Casas Civil e Militar, o presidente do Banco do Brasil 
e o presidente do BNDE. Seu secretário executivo era Lucas Lopes. Um traço importante 
do Conselho era o envolvimento direto de JK nas suas atividades. Dessa forma, o Conselho 
de Desenvolvimento se tomava o espaço onde JK dialogava com os coordenadores de cada 
meta. No Conselho de Desenvolvimento funcionavam os grupos de trabalho e os grupos 
executivos. Ver Lopes, Lucas. op. cit. 
10 Ver Lopes, Lucas. op. cit. Para informações sobre os quadros do setor energético, ver 
Centro de Memória da Eletricidade no Brasil, Programa de História Oral da Memória da 
Eletricidade: Catálogo de depoimentos. Rio de Janeiro, CMEB, 1990. 
11 Ver Lafer, Celso. op. cit. p. 135-41. 
12 O Plano Monnet, elaborado pelo empresário francês Jean Monnet (1988-1979) em 
1945, visava a modernização da indústria francesa no pós-guerra. Esse plano introduziu 
um estilo de trabalho que reunia lado a lado burocratas, empresários e líderes sindicais. 
Deu origem, nos anos 50, ao Segundo Plano de Modernização e Reequi pamento Industrial 
(1954~57), no qual Lucas Lopes se inspirou quando trabalhava na formulação do Plano de 
Metas. Ver Lopes, Lucas. op. cit. 
13 Ver Lopes, Lucas. op. cit. 
14 Oficialmente, o afa.stamento do ministro Alkmin foi explicado pelo fato de que ele iria 
concorrer a uma vaga de deputado federal nas eleições de 1958. Na verdade, Alkmin parece 
ter-se afastado devido ao desgaste que vinha sofrendo na imprensa em função de sua 
política de câmbio e de café. Ver Lopes, Lucas. op. cit.; Hippolito, Lucia. De raposas e 
reformistas: o PSD e a experiência democrática brasileira, 1945-1964 . Rio de Janeiro, Paz 
e Terra, 1985, p. 181-2. 
15 Relatório das ativitúules do Conselho de Desenvolvimento em 1958. Rio de Janeiro, 
Jornal do Commércio, 1959. 
16 Ver tabela 3 adiante. 
17 No Congresso dos anos 50, podem ser destacados parlamentares como Herbert Levy, 
Daniel F araco e Bilac Pinto, que sempre acompanhavam as questões da política econômica, 
atuavam nas Comissões de Economia e de Finanças e questionavam o Ministro da Fazenda. 
Contudo, há poucos estudos que informem sobre o desempenho do Congresso na área da 
política econômica. A historiografia nos deve uma boa análise da atuação dos partidos e 
do Legislativo nessa área. 
18 Dos 730 milhões de dólares em reservas, somente 100 milhões estavam disponíveis em 
moeda conversível. Em 1947 o governo britânico bloqueou a convertibilidade da libra, e 
o sistema monetário europeu só voltou a conversibilidade plena em 1959. Ver Malan, 
Pedro. et ai. Política econômica externa e industrialização no Brasil (1939-1952). Rio de 
Janeiro, IpeaflNPESD, p. 152. 
19 Ver Lessa, Carlos. op. cit. cap. 2; Malan, Pedro. et al. Política econômica externa e 
industrialização no Brasil, op. cit. p. 28-9; Furtado, Celso. Formação econômica do Brasil. 
São Paulo, Cia. Editora Nacional, 1969. p. 228-31, e Martins, Luciano. op. cit. p. 359-63. 
96 
20 O argumento de que a reorientação da política cambial em :94- a:~ndia s~­
mente às pressões externas e aos reclamos dos industriais se reforça quando se obsen-a 
que os ministros da Fazenda do período foram dois industriais: Manoel Guilherme da 
Silveira (1949-51) e Horário Lafer (1951-53), e que durante a gestão de ambos a taxa de 
câmbio manteve o cruzeiro desvalorizado, tal como queriam as lideranças industriais. 
21 Como exemplo dessa variação da taxa de câmbio, temos para o ano de 1954 o seguinte: 
o custo de câmbio valia em média 30 cruzeiros por dólar; pelo sistema de leilões, a categoria 
1 (bens essenciais) tinha um dólar médio de 42 cruzeiros; a categoria 2, de 45 cruzeiros; 
a 3, de 58 cruzeiros; as categorias 4 e 5, respectivamente, equivaliam a 68 e 111 cruzeiros. 
22 A taxa oficial do dólar era de Cr$18,36. O bônus do café, inicialmente estabelecido em 
Cr$5,00 por dólar, fazia com que o dólar café correspondesse a Cr$23,36. Para os demais 
produtos de exportação, o bônus era de Cr$10,00 por dólar. As Instruções 109 e 112 da 
Sumoc (1955) aumentaram o bônus. Ver Rio e Gomes, Sistema cambial: bonificações e 
ágios. In: Versiani, F. & Barros, J. F. Formação econômica brasileira. São Paulo, Saraiva, 
1978. 
23 Para uma análise do impacto da Instrução 113 da Sumoc sobre as associações de classe 
dos industriais (FIESP, Firjan e CNI), ver Leopoldi, Maria Antonieta P. op. cít. caps. 7 e 
8. 
24 Para uma análise das políticas de conciliação de JK em relação aos partidos e aos 
militares, ver Benevides, M. V. op. cit.; sobre a estratégia de Juscelino de promover a 
conciliação nacional através do discurso nacional-desenvolvimentista, ver Cardoso, Mi-
riam Limoeiro. Ideologia do desenvolvimento: BrasilJK e JQ. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 
1977. 
25 Vale a pena notar que enquanto a tarifa foi aprovada pelo Congresso em agosto de 1957 
(Lei n2 3.244), as alterações cambiais que dela decorreram foram introduzidas através de 
decreto (Decreto nu 42.820, de 16.12.57). Isto evidencia que a arena cambial, a despeito 
do seu grande impacto na economia, passava ao largo da política parlamentar. 
26 Segundo Lucas Lopes, Juscelino lhe pediu inúmeras vezes, quando ministro da Fazen-
da, que não retirasse o privilégio cambial do trigo, do petróleo e do papel de imprensa. 
Dessa forma JK mantinha o subsídio para o pão e as massas (alimentos dos setores 
populares), bem como o transporte público, e não sofria desgaste junto à grande imprensa, 
que sem o papel subsidiado se voltaria contra ele. Ver Lopes , Lucas. op. cit. 
27 Nas recomendações feitas pelo FMI ao governo brasileiro em 1958 e 1959, como parte 
das negociações para a obtenção de recursos, ficava claramente estabelecido que o Brasil 
deveria prosseguir no esforço de simplificar as taxas de câmbio, iniciado em 1957, visando 
alcançar uma taxa única: "O problema de pagamentos internacionais não pode ser resolvido 
apenas através de medidas fiscais e creditícias, e o Fundo, portanto, recomenda em caráter 
de urgência, que o Brasil leve a cabo uma reforma geral de seu sistema cambial para ajudar 
a restaurar o equilíbrio nó balanço de pagamentos. Entremente, o Fundo se sente impos-
sibilitado de aprovar as taxas múltiplas do Brasil." Recomendações do staff do Fundo 
Monetário Internacional à diretoria executiva da instituição, referente às consultas de 195'"', 
em 22.1.58. Ver também Aide-Memoire Confidencial, FMI 30.4.58; IMF, Brazil -
Stand-by Arrangement and Exchange System, 25!7/1958; IMF, Brazil- Changes in lbe 
Exchange System, 8.1.59; Aide-Memoire, IMF, Washington, 10.4.59. Todos esses docu-
mentos do FMI estão no Arquivo Lucas Lopes, doado ao CPDOCjFGV. 
28 Em janeiro de 1959 a Instrução 174 da Sumoc simplificou as categorias de expanaçio 
em três blocos: 1) café, 2) cacau/mamona e 3) outros produtos agrícolas de expon.ação. 
Ela tan1bém incorporou a bonificação ao custo de câmbio (suprimindo, a partir & ~ 
o bônus flutuante), elevando substancialmente o câmbio de exportação em cruzeirosdes:ses 
produtos. A Instrução 175, por sua vez, elevou a taxa do custo de câmbio para CrS102,-
por dólar, aproximando-o do dólar livre (Cr$156,00) e reduzindo o subsidio camW.. 
29 Ver Ministério da Fazenda. Programa de Estabilização Monetária para o Período de 
setembro de 1958 a dezembro de 1959. Rio de Janeiro, 1958. · 
30 Instrução 192, de dezembro de 1959. Ver Doellinger, Carlos von. et ai. Política e 
estrutura das importações brasileiras. Rio de Janeiro, IPEA/INPES, 1977. p. 39-40. 
3 1 Num comunicado secreto do embaixador Amaral Peixoto em Washington, datado de 
12 de fevereiro de 1959, o ministro da Fazenda Lucas Lopes era informado de que o 
Departamento de Estado e o Eximbank. se mostravam preocupados com a situação 
econômica brasileira, e que o Departamento de Estado aconselhava o Brasil a se entender 
com o FMI, buscando uma "fórmula adequada" para obter do Fundo um pronunciamento 
favorável. Amaral Peixoto advertia que as negociações com o governo americano deveriam 
se tomar mais complexas, e que estavam sendo analisadas a dívida do Brasil com a Europa 
e o balanço de pagamentos brasileiro. Ver Comunicado (secreto) da Embaixada do Brasil 
em Washington, 12.2.59, Arquivo Lucas Lopes. 
32 Ver Folha de S. Paulo, 14.6.1959. 
33 FMI, Aide Memoire, Washington, 10.4.59. Arquivo Lucas Lopes. 
34 Ver Horsefield, J.K., ed .. The Internationa/ Monetary Fund (1945-1965): twenty years 
o f intemational monetary cooperation. Waslúngton, IMF, 1969. v. 2, p. 460-7. 
35 Sobre a Instrução 204 da Sumoc, ver Malan, Pedro. Relações econômicas internacionais 
do Brasil. op. cit., p. 99-100; ver também A situação financeira do país e a Instrução 204, 
exposição do ministro da Fazenda Clemente Mariani à Câmara dos Deputados em 
19/4/1961. Imprensa Nacional, 1961. 
36 Malan, Pedro. op. cit. p. 99-101. Ver também o depoimento de Clemente Mariani ao 
Programa de História Oral, CPDOC/FGV, 1974. 
37 Malan, Pedro. op. cit. p. 100. 
38 Ver Cano, Wilson. Desequilíbrios regionais e concentração industrial no Brasil ( 1930-
1970). São Paulo, Global 1985. p. 87, e Kahil, R. op. cit. p. 303-15. 
39 Para estas informações estamos nos baseando nas análises de Lessa, Carlos. op. cit., e 
Lafer, Celso. op. cit. 
40 Ver Lessa, Carlos. op. cit. p. 25. 
41 Ver Lafer, C. op. cit., e Stolcke, Verena. Cafeicultura: homens, mulheres e capital 
(1850-1980). São Paulo, Brasiliense, 1986. p. 145-50. 
42 Ver Lista de membros do Conselho de Desenvolvimento (mirneogr.), Arquivo Lucas 
Lopes. Ver também Martins, Luciano. op. cit. p. 417-25. 
43 Para o acompanhamento em detalhe dessas disputas, ver o depoimento de um líder 
empresarial da indústria de autopeças daquela época: Ramiz Gattás, A indústria 
automobiUstica e a segunda revolução industrial no Brasil; origens e perspectivas. São 
Paulo, Prelo Editora, 1981. 
44 Ver Lopes, Lucas. op. cit. 
45 Ver Martins, Luciano.op. cit. p. 424. 
46 Dados da CEPAL reproduzidos em Luciano Martins, op. cit., tabela III, p. 424. 
47 Ver l\1artins, Luciano. op. cit. p. 418. 
48 Ver Oattás, Ramiz. op. cit. e Leopoldi, M. Antonieta. op. cit. 
49 Para maiores detalhes sobre a reação dos industriais "nacionalistas" à Instrução 113, 
ver Leopoldi, M. Antonieta. op. cit. caps. 7 e 8. Para uma análise do discurso oficial da 
98 
FIESP com relação à Instrução 113 e ao papel do capital estrangeiro nos anos JK, ver 
Trevisan, Maria José. 50 anos em 5. A FIESP e o desenvolvimento. Petrópolis, Vozes, 
1986. p. 115-28. 
50 A vinda do estaleiro japonês Ishikawagima, instalado na área do Caju, Rio de Janeiro, 
foi decidida a partir de negociações iniciadas pelo secretário do Conselho do Desenvolvi-
mento, Lucas Lopes, em viagem ao Japão em 1958. Ver Lopes, Lucas. op. cit. 
51 Ver entrevista de Jorge Rezende, presidente da Abdib, à revista Visão, São Paulo, 
2l.maio 1965. 
52 Ver Lafer, Celso. op. cit., p. 205. 
53 Ver Lago, L. C. et ai. A indústria brasileira de bens de capital; origens, situação recente, 
perspectivas. Rio de Janeiro, FGVJIBRE, 1979. p. 110. 
54 Id. ibid., p .51 
55 Id. ibid., p. 51 (Relatório do Grupo de Trabalho Bens de Capital, FGV/IBRE). 
56 Dados da Cacex, Banco do Brasil, em Lafer, Celso, op. cit., p.221 
57 
"A política de atração de capitais privados estrangeiros para o Brasil ( ... )dificilmente 
teria tido o "sucesso" que teve no período Kubitschek não fora a alteração que estava em 
curso na alocação internacional do investimento direto, acelerada, a partir de 1957, pelo 
surgimento da Comunidade Econômica Européia," Malan, Pedro. Relações econômicas 
internacionais do Brasil (1945-1964). op. cit. p. 83. 
ss Ver Cano, Wilson. op. cit. p. 84-101 e 104-14. 
59 Ver Lessa, Carlos. op. cit. p. 41. 
60 Ver Malan, Pedro. op. cit. p. 84. 
61 Referimo-nos aqui ao conceito de linkages, usado por Celso Lafer na análise do Plano 
de Metas. O conceito é de Hirschman, Albert: The strategy o f economic development. New 
Haven, 1965, p. 100. 
62 Ver Cano, Wilson. op. cit. p. 87. 
63 Ver a respeito Kathryn Sikk.ink. Developmentalism and democracy ideas, institutions 
and economic policy in Brazil and Argentina (1955-1962). Ph.D. Thesis. Columbia 
University, 1988. 
64 Ver Baer, Werner & Kerstenetzky, Isaac. The Brazilian Economy. In: Riordan Roett 
ed., Brazil in tire sixties. Nashville, Vanderbilt University Press, 1972. p. 126. 
65 Ver Szrnrecsányi, Tamás. O desenvolvimento da produção agropecuária (1930-1970). 
In: Fausto, Boris, org. O Brasil republicano, v. 4. São Paulo, Difel, 1986. (História Geral 
da Civilização Brasileira) p. 109-207. 
99 
Juscelino Kubitschek e a política 
presidencial* 
Sheldon Maram** 
Há muito tempo os estudiosos de assuntos brasileiros reconhecem a importân-
cia das eleições presidenciais de 1960. Elas deram irúcio a um processo que 
culminou nwna ditadura militar que durou 21 anos. Foi só em 1989 que os 
brasileiros voltaram a eleger seu presidente pelo voto direto. Não obstante, os 
estudos sobre este evento são poucos, e muitas vezes tendem à idéia a -histórica 
de que a eleição de Jânio Quadros em 1960 fez parte de um processo 
inexorável. Ficam quase inteiramente esquecidos os motivos pelos quais o 
maior partido político do país, o Partido Social Democrático (PSD), escolheu 
um candidato fraco como o marechal Henrique Teixeira Lott. 1 
Está claro que Lott não era membro de nenhuma guarda pretoriana que 
tivesse imposto sua candidatura. Muito pelo contrário, o marechal foi um 
candidato relutante, que se dispôs a renunciar em outubro de 1959 em prol de 
um "candidato de união nacional".2 Na minha opinião, sua escolha teve pouco 
a ver com as ações do próprio Lott, e muito a ver com uma série complexa de 
manobras executadas pelo então presidente Juscelino Kubitschek (1956-61). 
Para Juscelino, que tinha uma visão altamente personalista do processo polí-
tico, os partidos e os aspirantes à presidência em 1960 não passavam de peões 
num tabuleiro de xadrez. Como a Constituição o impedia de tentar a reeleição 
de in1ediato, manobrou de início para que seu partido, o PSD, não lançasse 
candidato próprio. Tendo fracassado neste intento, mostrou-se no mínimo 
ambivalente quanto ao destino do candidato pessedista. 
Uma análise das ações e motivações de Juscelino Kubitschek coloca alguns 
desafios metodológicos para o historiador. Tradicionalmente, os historiadores 
dependem muito da documentação escrita para embasar suas análises de ações 
e motivações. Porém, há muitos hiatos na documentação escrita referente ao 
período Kubitschek. Em parte, estes hiatos são um problema enfrentado por 
todo historiador da era moderna, conseqüência de um paradoxo que é fruto das 
comunicações modernas. Por um lado, as comunicações modernas geraram 
uma proliferação de materiais impressos de grande valor para o historiador. 
• Agradeço à American Philosophical Society os generosos recursos que ajudaram a 
fmanciar a pesquisa realizada para a preparação do presente ensaio. Gostaria também de 
agradecer ao dr. Jack Coleman, vice-presidente para assuntos acadêmicos da California 
State University, por seu estúnulo e pelo apoio fmanceiro fornecido através do órgão por 
ele representado. Minha colega, a professora Nancy Fitch, fez observações críticas que 
melhoraram muito o resultado de meu trabalho. 
** Membro do Departamento de História da California State University, Fullerton. 
100 
.. 
Por outro, os transportes modernos e o telefone facilitaram os encontros 
pessoais e a comunicação direta, pemútindo aos políticos trocar idéias sem 
deixar qualquer registro escrito. Soma-se a este problema a autocensura que 
os líderes políticos muitas vezes exercem em suas cartas e demais documentos 
que, segundo imaginam, poderão um dia ser usados para determinar seu lugar 
na história. Para compensar esses hiatos na documentação escrita, os his-
toriadores tentam utilizar instrumentos adicionais de pesquisa, entre eles a 
história oral. 
A necessidade de recorrer à história oral como fonte suplementar de 
pesquisa é particulannente óbvia no caso de Juscelino Kubitschek. Juscelino 
tinha muita consciência de que a documentação que deixaria viria a ser 
utilizada pelos pesquisadores para determinar seu lugar na história. Durante 
seu mandato, publicou mais de 80 volumes reunindo seus discursos e docu-
mentos referentes aos atos de seu governo. 3 Para dar instruções a seus asses-
sores e discutir questões políticas, porém, dava preferência à comunicação 
verbal, em pessoa ou por telefone.4 É característico de seu estilo ter ele 
preparado suas memórias, que foram publicadas nos anos 70, ditando suas 
idéias para um ghostwriter, o qual se encarregou da pesquisa e da redação do 
texto.5 
Contudo, embora a história oral seja um instrumento suplementar essencial 
para a compreensão de indivíduos como Juscelino Kubitschek, sua utilização 
enfrenta limitações concretas, além das que costumam ser mencionadas. 
Juscelino gostava de passar a imagem de uma pessoa efusiva, espontânea e 
aberta. Esta imagem era sem dúvida coerente com seu estilo como executivo 
e administrador. Como executivo, galvanizava sua equipe com a idéia de 
modernizar o Brasil e sua disposição de inovar. 6 Porém era cauteloso quando 
se tratava de tomar decisões políticas. Embora não relutasse em pedir conse-
lhos, quando se tratava de muitas decisões políticas importantes trocava idéias 
apenas com um círculo restrito de assessores mais íntimos. Mas até mesmo 
com eles, com relação a decisões políticas cruciais, era evasivo e por vezes 
passava mensagens contraditórias.7 Conseqüentemente, ao estudar Juscelino 
Kubitschek somos obrigados a recorrer a impressões de observadores contem-
porâneos, muitas vezes conflitantes, e lançar mão de wna grande variedade de 
fontes a fim de extrair inferências de seus atos.Se Juscelino sentia-se à vontade na arena política, o mesmo não se dava 
com o candidato pessedista na eleição de 1960, Henrique Teixeira Lott. Muitos 
dos fatores que haviam sido positivos em sua carreira militar pesavam contra 
ele no campo da política eleitoral. A trajetória de Lott no Exército fundamen-
tara-se em dois ingredientes básicos. Um deles era o nível aparentemente 
elevado de competência técnica que adquiriu como aluno brilhante de diversas 
escolas de aperfeiçoamento de oficiais no Brasil, na Europa e nos Estados 
Unidos.8 
O outro era sua capacidade de cumprir de modo eficiente as ordens de seus 
comandantes militares. Lott tinha um sentimento inflexível do dever e da 
101 
honra. Temos um bom exemplo disto mun episódio que teria ocorrido no tempo 
em que ele era ministro da Guerra do governo Kubitschek. Certa noite, 
voltando à sua residência oficial, foi barrado por uma sentinela que se recusou 
a deixá-lo passar porque tinha ordens de "não deixar entrar ninguém". Quando 
o marechal observou que a sentinela devia conhecê-lo, o soldado retrucou que, 
"mesmo que conhecesse", isto em nada mudaria as circunstâncias, "pois na 
ordem que recebi não há exceção nem para o senhor" . Lott levou quase uma 
hora para poder entrar em casa, mas consta que "gostou da intransigência do 
soldado".9 
Seja ou não verdadeira a história, o fato é que Lott deixava claro que 
considerava sua própria intransigência política uma virtude. Para o marechal, 
quando um homem com sua formação e sua experiência disputava um cargo 
eletivo, tinha obrigação de informar o público da verdade, fosse ou não 
agradável. Se Lott não podia ter certeza de que os eleitores iriam obedécer à 
sua orientação, ao menos esperava que respeitassem seus conhecimentos e sua 
integridade, e seguissem sua liderança. Quando seus assessores políticos lhe 
sugeriam que adaptasse melhor sua mensagem às suas platéias, o marechal 
rejeitava tais propostas tenninantemente. Anos depois, uma destas pessoas que 
tentou em vão aconselhá-lo declarou: "O general Lott tinha opinião sobre todos 
os assuntos de política interna, externa, assuntos econômicos etc.", e formava 
tais opiniões sem consultar seus assessores. Na verdade, ele não aceitava uma 
assessoria.10 · 
Os políticos que lhe deram apoio inicialmente sabiam que a obstinação e a 
franqueza do marechal criariam obstáculos. Mas não faziam idéia do quanto 
elas seriam problemáticas até o dia em que Lott foi lançado candidato numa 
entrevista coletiva a que estavam presentes muitos dos principais repórteres 
políticos do país. Para levar Lott à presidência, seus partidários pensavam em 
armar uma coalizão entre o PSD, o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e 
outras forças políticas de esquerda, inclusive o Partido Comunista Brasileiro 
(PCB), que embora estivesse na clandestinidade ainda tinha influência. Antes 
de ir para a coletiva, Lott foi aconselhado por seus assessores a esquivar-se de 
uma pergunta que certamente seria feita: se o governo Lott estabeleceria 
relações diplomáticas com a União Soviética. Sabiam que, embora muitos de 
seus eleitores potenciais fossem a favor desta medida, o marechal era contra. 
Logo a primeira pergunta da entrevista tocou na questão. Lott não hesitou. 
Diante da multidão de políticos e repórteres, declarou que era firmemente 
contrário ao estabelecimento de relações diplomáticas com a União Soviética. 
Na opinião dos políticos presentes, a viabilidade política da sua candidatura 
só fez despencar ainda mais no decorrer da entrevista. Em seguida, um 
jornalista perguntou de que modo Lott reso~veria os problemas econômicos 
provocados pela queda dos preços do café no mercado internacional e os gastos 
crescentes do governo com a compra e o estoque do produto, já que a venda 
teria o efeito de baixar ainda mais os preços. Lott declarou, sem rodeios, que 
a solução era eliminar o pequeno produtor. Embora ele próprio aparentemente 
102 
, 
tivesse ficado satisfeito com aquela resposta decidida, os políticos não gos-
taram. Muitos dos chamados pequenos produtores viviam em regiões, como 
Minas Gerais, onde o PSD normalmente conseguiria a maioria dos votos para 
seus candidatos. It 
Posteriormente, antes de um comício em Recife, pediu-se a Lott, em nome 
dos líderes petebistas João Goulart e Leonel Brizola, que não se manifestasse 
em público contra a legalização do PCB. Este apelo não surtiu efeito. Durante 
o comício, perguntaram a Lott o que ele faria a respeito da legalização do 
Partido Comunista. Um assessor advertiu-o para não responder àquela "pro-
vocação". Lott virou-se para ele e exclamou: "Como não vou responder? [O 
Partido Comunista] é um partido estrangeiro, e no meu governo não o permi-
tirei." Essa resposta fez com que Lott perdesse o apoio da esquerda em 
Recife. 12 
Nada mostra melhor como Lott não estava disposto a fazer o jogo político 
tradicional do que o encontro que ele teve com os fabricantes de automóveis 
que estavam interessados em contribuir para sua campanha. Depois de explicar 
aos industriais como eles deveriam produzir carros, Lott advertiu-os de que, a 
menos que baixassem o preço dos carros feitos no Brasil, a indústria 
automobilística nacional não poderia sobreviver. Lott não conseguiu o apoio 
financeiro destes industriais. Pouco depois Juscelino foi persuadido a conver-
sar com o marechal sobre seu modo de agir. Cautelosamente, o presidente 
perguntou-lhe por que ele dissera aquilo aos fabricantes de automóveis. Lott 
respondeu que, se fosse para cobrar preços altos pelos carros nacionais, era 
"melhor não ter a indústria de automóvel". Ao dizer isso, Lott estava at::~cando 
wna indústria que Kubitschek havia promovido pessoalmente e de cujo 
desenvolvimento se orgulhava muitíssimo. Não obstante, Juscelino prosseguiu 
com toda a calma, perguntando se Lott "não podia ter deixado para falar isso 
depois da eleição". Horrorizado, o marechal respondeu que não se importava 
de perder as contribuições financeiras de fabricantes que estavam ganhando 
"dinheiro demais" com a produção de automóveis.t3 
Se este era o perfi I de Lott como político, logicamente coloca-se a pergunta: 
por que foi escolhido candidato? Embora uma análise aprofundada da questão 
deva ser mais complexa, e outras razões sejam propostas no decorrer deste 
ensaio, não há dúvida de que wn dos motivos foi o papel que Lott desempe-
nhou, primeiro garantindo militarmente a posse de Juscelino e depois manten-
do os militares sob controle ao longo de seu governo. Em 10 de novembro de 
1955, quando era ministro da Guerra, Lott foi demitido de seu cargo pelo 
presidente interino Carlos Luz. Naquela noite, ele teve a certeza de que sua 
demissão era o principio de uma tentativa de anular os resultlldos das eleições 
presidenciais de outubro, em que Kubitschek ganhara por estreita margem. 
Embora não apoiasse Juscelino, Lott dera sua palavra de que o resultado da 
eleição seria respeitado. Após reunir-se com seus assessores militares, der-
rubou o governo Carlos Luz e em seguida serviu como ministro da Guerra no 
governo civil provisório que ocupou o poder até a posse de Kubitschek. A 
103 
pedido deste, continuou no Ministério da Guerra e aí tomou medidas que 
ajudaram a minimizar as ameaças militares ao regime. 14 Lott era visto por 
aqueles que o apoiavam como um militar que defendia o constitucionalismo 
contra as tendências golpistas da oficialidade e seus aliados civis, membros do 
principal partido oposicionista, a União Democrática Nacional (UDN). 
Antes de examinar o papel desempenhado por Juscelino Kubitschek e os 
fatores que o motivavam neste processo, é necessário examinar as forças que 
estavam 1 r trás das alianças políticas formadas por ocasião da eleição de 
1960. Os dois principais partidos que apoiaram a candidatura de Lott à 
presidência, o PSD e o PTB, enfrentavam situações políticas contrastantesno 
final dos anos 50. E esse contraste parece ter tido um peso fundamental no que 
Jus~Hno fez e deixou de fazer em relação à candidatura Lott. 
No fmal dos anos 50, o PSD continuava a ser o principal partido político 
brasileiro, posição em que se encontrava desde que fora criado por Getúlio 
Vargas, em 1945. Não obstante, em 1958 o partido já estava manifestando 
claros sinais de estagnação. Nas eleições de outubro desse ano, só conseguiu 
conquistar pouco mais de 28% das cadeiras do Senado, quando em 1954 havia 
conseguido 38%. Esse desempenho contrastava com o de sua rival, a conser-
vadora UDN, que abocanhou 38% do Senado contra 28,5% em 1954. O 
desempenho medíocre do PSD contrastava particularmente com o do PTB, 
que embora participasse do governo era ao mesmo tempo um rival importante. 
Em 1958, o PTB conseguiu conservar a maior parte das importantes conquistas 
obtidas no Senado em 1954 e aumentar significativamente sua representação 
na Câmara dos Deputados, ganhando aí 10 cadeiras, enquanto a representação 
do PSD permaneceu essencialmente a mesma e a UDN perdeu quatro cadei-
ras.ts 
O PSD fora criado principalmente para unificar a ampla rede de chefes 
políticos no plano nacional e nas cidadezinhas e áreas rurais do Brasil. Embora 
no plano nacional suas lideranças pudessem apresentar uma imagem sofis-
ticada e cosmopolita, na sua base o partido estava voltado para o interior. Não 
é de surpreender que o estado de Minas Gerais, rico em população e pobre em 
desenvolvimento, fosse um dos principais baluartes do PSD. No nível local, 
os chefes do partido, embora essencialmente conservadores, não se preocupa-
vam muito com as posições ditas progressistas que as lideranças nacionais às 
vezes eram obrigadas a assumir. O que interessava a estes homens do interior 
era que as lideranças nacionais barrassem toda e qualquer tentativa de mudar 
a estrutura sócio-econômica do campo - opondo-se, por exemplo, aos pro-
gramas de reforma agrária -e distribuíssem empregos, uma prerrogativa vital 
para o PSD. Para os chefes locais, seu poder político e sua capacidade de 
arrebanhar votos estavam largamente condicionados à sua capacidade de 
distribuir empregos e obras públicas à sua clientela. 16 
Mas o processo de urbanização que se acelerou no Brasil nos anos 50 estava 
diminuindo o impacto do voto rural. Entre 1950 e 1960, enquanto a população 
do pais cresceu a um índice anual médio de 3%, o índice médio de crescimento 
urbano foi de 6%. Embora continuasse a ser um componente essencial da 
economia, a agricultura perdeu sua importância econômica durante a década. 
Em 1956, a indústria já havia ultrapassado a agricultura como o principal 
componente do produto nacional líquido (PNL). Esta tendência se acentuou 
durante o governo Kubitschek, que lançou um ambicioso programa de desen-
volvimento visando melhorar a infra -estrutura industrial e expandir a produção 
de bens intermediários e de capital no Brasil. Em 1960, a indústria já era 
responsável por 31% do PNL, enquanto a participação da agricultura era de 
23%.17 
Desde o momento em que passou a trabalhar a sério para se eleger presi-
dente, Juscelino Kubitschek, com seu estilo e seu programa, foi visto como 
uma ameaça à base clientelista do PSD. Os tradicionais chefes do· partido se 
opuseram à sua candidatura, fazendo pouco de seu programa 
desenvolvimentista, que julgavam mais adequado a um político local do que 
a um líder nacional. Como afirmou Gustavo Capanema, "se Juscelino for 
eleito, o Brasil vai ter o seu maior prefeito!"18 Embora votassem obediente-
mente no Congresso a favor do programa de Kubitschek, as lideranças pes-
sedistas jamais aceitaram completamente a ênfase dada pelo presidente ao 
desenvolvimentismo. Homens como Capanema sabiam muito bem que Jusce-
lino usava a distribuição de cargos de modo altamente personalista, com o fun 
de construir uma base de apoio para si próprio e para seu programa. Manifes-
tava pouco interesse em utilizá-la para fortalecer o partido, a menos que isto 
lhe rendesse dividendos políticos diretamente. Esta tendência já se manifestava 
com clareza no tempo em que Kubitschek era governador de Minas Gerais, no 
início dos anos 50, quando os políticos locais do PSD constataram que ele não 
se interessava em participar de discussões referentes a nomeações de chefes 
de policia e juízes, que julgavam necessárias pata lubrificar a máquina política. 
Juscelino jamais se considerou um militante do partido. Como ele próprio 
observou em suas memórias, sua primeira filiação partidária deveu-se a 
ligações de amizade, e não a considerações ideológicas, e seus primeiros atos 
políticos consistiram em cumprir as ordens do chefe político. O que Kubitschek 
não disse foi que sempre entrou para o partido dominante em seu estado natal 
de Minas Gerais.'9 
Não que, como presidente, Kubitschek se negasse a atender pedidos, feitos 
por políticos pessedistas, de estradas ou represas consideradas necessárias para 
garantir sustentação ao partido. Ele gostava de ser visto como uma pessoa 
agradável e simpática, e quase sempre prometia apoio. Porém usava sua equipe 
como um escudo para proteger-se dos pedidos de favores em que não via 
dividendos diretos para seus próprios planos. Os arquivos da Secretaria da 
Presidência estão cheios de reclamações de políticos, acusando os assessores 
de não lhes haver fornecido a ajuda prometida por Kubitschek. Numa carta 
datada de novembro de 1959, o deputado Adelmar Costa Carvalho lembrava 
que, embora tivesse sido eleito originalmente na legenda da UDN, em 1958 
concorrera pelo PSD, conforme o prometido, a uma cadeira de deputado 
1.05 
federal por Pernambuco. Carvalho queixava-se, porém, de que a promessa do 
presidente de conseguir um posto para seu irmão não se ·concretizara, e de que 
os dois cargos na Alfândega de Recife que, segundo Kubitschek lhe garantira, 
seriam entregues a candidatos seus, acabaram nas mãos de outros. 2o A utiliza-
ção da assessoria para esquivar-se de pedidos também é visível no acordo tácito 
que Kubitschek fez com Lúcio Meira, seu ministro da Viação e Obras Públicas 
de 1956 a julho de 1959. Quando um político o procurava a fim de pedir apoio 
para um projeto, Kubitschek, com seu jeito simpático e extrovertido, muitas 
vezes prometia ajudá-lo e o encaminhava a Meira, com um bilhete. Com o 
bilhete na mão, o político ia falar com Meila, que por seu lado prometia que o 
projeto seria implementado assim que o ministério dispusesse de tempo e 
verbas. Na maioria das vezes, a pr:-oposta morria nos recessos da burocracia.21 
Kubitschek, que via sua base política como algo mais amplo que um partido, 
mostrava pouco interesse em usar a política clientelista apenas para fortalecer o 
PSD. Não obstante, o chefe do PTB, João Goulart, que sentia que sua fortuna 
política estava vinculada ao sucesso de seu partido, usava e abusava do empre-
guismo para fortalecer o PTB. As oportunidades de Goulart como distribuidor de 
cargos aumentaram graças a um acordo fumado com Kubitschek em 1955. 
Percebendo a necessidade de unir o eleitorado rural do PSD aos eleitores urbanos 
do PTB para conquistar a presidência em 1955, Kubitschek conseguiu convencer 
o PSD, apesar da relutância do partido, a fazer um acordo político com Goulart e 
o PTB. Segundo os termos do acordo, os dois partidos apoiariam a chapa de 
Kubitschek para presidente e Goulart para vice-presidente. Ao ser eleito, Kubits-
chek cumpriu a outra parte do trato, nomeando petebistas para chefiar os minis-
térios do Trabalho e da Agricultura, que eram conhecidos como verdadeiros 
cabides de emprego. Tendo aumentado a influência de seu partido nestas pastas-
chave, Goulart efetivamente usou sua posição de vice-presidente para supervisio-
nar a distribuição de cargos e benefícios de modo a fortalecer o PTB nas áreas 
urbanas e penetrar em baluartes pessedistas nas áreas turais.22Juscelino percebia que o PSD, tal como estava constituído nos anos 50, não 
era um veículo eficaz para suas ambições políticas e seus programas de 
desenvolvimento. Quando figuras centrais do partido de início se opuseram à 
sua candidatura, Juscelino procurou e conseguiu o apoio de um grupo de 
homens na faixa dos trinta, quarenta anos, que formavam a chamada Ala Moça 
do PSD. Embora oriundos das máquinas oligárquicas de seus respectivos 
estados, os membros da Ala Moça acreditavam que o partido precisava 
modernizar seu programa e seus métodos para continuar sendo o maior partido 
de uma nação em que o meio político estava se tomando cada vez mais 
complexo em conseqüência da urbanização e da industrialização. A Ala Moça 
via o programa de desenvolvimento de Kubitschek e seu estilo pessoal sedutor 
como excelentes veículos para efetuar a modernização do partido.23 
Membros da Ala Moça trabalharam intensamente em prol da candidatura 
Kubitschek, e quando ele foi eleito ganharam as principais posições de 
lideranÇa na Câmara dos Deputados, inclusive a presidência da casa e os postos 
106 
de líder e vice-líder da maioria. Tomaram-se também presijentes das mais 
importantes comissões parlamentares. Foi um feito extraordinário. Jamais 
houve mais de nove deputados federais que se identificassem como membros 
da Ala Moça durante o governo Kubitschek, quando havia mais de cem 
deputados pessedistas. Em parte, este sucesso deveu-se a causas óbvias. A Ala 
Moça defendera o candidato que acabou ganhando, e Kubitschek usou seu 
prestígio para recompensar seus partidários. Por outro lado, Kubitschek pre-
tendia usar a Ala Moça pata rejuvenescer o PSD e tomá-lo mais receptivo ao 
seu programa de desenvolvimento e suas ambições políticas. 24 Mas havia 
também uma outra causa: o que os líderes pessedistas tradicionais julgavam 
ser a fragilidade do governo Kubitschek nos seus primeiros meses, quando 
havia a preocupação real de que ele fosse derrubado por um golpe militar. Os 
líderes tradicionais acharam mais prudente deixar que outros se expusessem 
como defensores ostensivos do governo na Câmara.25 
Porém a Ala Moça mostrou não estar à altura da missão que assumiu e do 
papel que Kubitschek esperava que desempenhasse. Em 1958, ela já havia 
perdido praticamente todos os seps cargos de liderança na Câmara e fracassado 
em sua tentativa de fortalecer sua participação no partido em nível local, ou 
seja, de garantir a seus membros a indicação do PSD para cargos governamen-
tais em estados-chave. Essa derrota da Ala Moça representou em parte wn 
contra-ataque da liderança tradicional, que dispunha de votos suficientes para 
desbancar os novatos se Kubitschek não interferisse. 
Se Kubitschek não defendeu a Ala Moça com mais vigor, foi por dois 
motivos. Como a Constituição o impedia de tentar a reeleição para o período 
seguinte, em 1958 Juscelino já estava pensando em voltar a se candidatar em 
1965. Precisava da máquina tradicional do partido para obter a base partidária 
necessária para tentar esta segunda eleição. Além disso, Juscelino aparente-
mente se decepcionou com os membros da Ala Moça. Embora apoiassem com 
toda a lealdade seus projetos desenvolvimentistas, eles também defendiam 
programas que eram inaceitáveis para Kubitschek, entre os quais a reforma 
agrária.26 Juscelino terminou por questionar o tino político e a maturidade da 
Ala Moça, que manifestava uma tendência a entrar em conflitos políticos na 
hora errada. 27 
Com a saída de José Maria Alkmin do Ministério da Fazenda em junho de 
1958, ficou evidente que a Ala Moça, que havia provado o poder político tão 
cedo, fracassara em sua tentativa inicial de modernizar o PSD, e perdera sua 
influência sobre os círculos do poder no governo Kubitschek. No início de 
1959, a Ala Moça tentou se recuperar promovendo a candidatura do marechal 
Lott para a presidência. Seus membros viam em Lott um militar que defenderia 
o processo constitucional. Além disso, Lott era considerado um nacionalista, 
disposto a endossar muitas das propostas da Ala Moça, como a limitação das 
remessas de lucros dos investidores estrangeiros, o voto do analfabeto, a 
reforma agrária e outras medidas sociais. Pressionando as lideranças pessedis-
tas para que aceitassem a candidatura Lott, os membros da Ala Moça es-
107 
peravam retomar aos círculos de influência. Se Lott fosse eleito - o que 
muitos deles duvidavam - poderiam reconquistar posições de poder dentro 
do partido.28 O que tomava este plano viável era o fato de que Juscelino, após 
o desempenho decepcionante do PSD nas eleições parlamentares e estaduais 
de 1958, começara a tomar medidas no sentido de impedir que o partido 
lançasse candidato próprio à presidência em 1960. 
Os primeiros resultados da contagem de votos em 1958 assustaram os 
líderes pessedistas, que pensaram que a perda de popularidade do partido era 
maior do que os resultados nacionais finais vieram demonstrar. Supostamente 
a fim de examinar este problema, após as eleições Kubitschek criou um Grupo 
de Ação Política (GAP), composto por um pequeno grupo de líderes do partido 
no Congresso, assessores pessoais do presidente, o secretário-geral do partido, 
Eurico Sales, e o deputado federal Renato Archer, ligado à Ala Moça. 
Teoricamente, caberia ao GAP examinar a atividade das seções estaduais 
, do PSD nas áreas em que o partido não tivera sucesso, e sugerir maneiras de 
remediar as deficiências. Mas o que parece ter sido o verdadeiro motivo para 
Kubitschek formar o grupo veio à tona numa reunião a portas fechadas para a 
qual o presidente convocou Eurico Sales e Archer pouco depois da criação do 
GAP. Conforme Archer relembrou depois, Juscelino, numa conversa longa e 
indireta, insinuou que não só o PSD não tinha um candidato capaz de vencer 
em 1960, como seria melhor que o próximo presidente não fosse pessedista. 
Surpresos, Eurico Sales e Archer, após esta conversa com Kubitschek, resol-
veram consultar Alkmin, que já fora o principal assessor político de Juscelino, 
a respeito do que o presidente estaria planejando. Alkmin estava afastado de 
Kubitschek desde que pedira demissão do Ministério da Fazenda, mas mesmo 
assim reagiu com cautela. O presidente era seu parente por afinidade e amigo 
de juventude. Não obstante, com base no que Alkmin se dispôs a dizer, Eurico 
Sales e Archer concluíram que Juscelino queria que o líder da UDN, Juracy 
Magalhães, fosse o candidato udenista e, com seu apoio tácito, se elegesse 
presidente. 29 
Não estavam enganados. Anos depois, Juracy Magalhães relembrou que 
Juscelino o havia incentivado a candidatar-se, por ocasião de uma viagem 
oficial à Bahia em 1959.30 Em suas memórias, Juscelino comenta que, a fun 
de estimular o processo democrático no Brasil, em "diversas conversações" 
incentivou Juracy Magalhães a se candidatar. De acordo com sua explicação 
nada convincente, tanto o PSD quanto o PTB já haviam conseguido conquistar 
a presidência, o PTB através de Vargas e o PSD através do próprio Kubitschek. 
Agora era a vez da UDN. Além disso, ele queria que Juracy fosse um candidato 
de união nacional para "evitar o tumulto de uma campanha eleitoral muito 
disputada".3' 
A memória seletiva é uma característica típica dos políticos hábeis. Quando 
terminou suas memórias, nos anos 70, Kubitschek talvez preferisse acreditar 
nessa explicação, mas ela é simplesmente inaceitável. Afinal, em nome da 
democracia ele se recusara em 1955 a abandonar a disputa presidencial e lutara 
108 
contra a criação do "candidato de união nacional" proposto pelas forças civis 
e militares, que argumentavam que o tumulto de uma eleição muito disputada 
teria um efeito perturbador sobre a nação. Além disso, Kubitschek estava longe 
de serúm purista quando se tratava de defender a democracia. Em 1955, ficara 
furioso com seu principal porta-voz político e amigo, Alkmin, quandoeste 
concordou em defender uma medida que visava diminuir a fraude eleitoral. 
Alkmin aceitara a incumbência a fun de obter do general Lott, na época 
ministro da Guerra de Café Filho, a garantia de que as eleições se realizariam. 
Kubitschek, pragmático como sempre, achou que uma medida destinada a 
reduzir a fraude poderia reduzir também os votos que o PSD era capaz de 
conseguir para sua candidatura. 32 Embora seu governo tenha sido um dos mais 
democráticos da história do Brasil, Kubitschek não deixou de permitir que seus 
assessores utilizassem o poder do Estado para silenciar inimigos perigosos. 
Em 1956, o Ministério da Viação e Obras Públicas baixou uma decisão 
administrativa que foi usada para impedir que Carlos Lacerda e outros adver-
sários udenistas tivessem acesso ao rádio e à televisão até 12 de setembro de 
1958, quando o Tribunal Superior Eleitoral derrubou esta censura adminis-
trativa.33 Além disso, é altamente questionável considerar que o segundo 
governo Vargas tenha sido um governo do PTB. Vargas usou o PTB, assim 
como o PSD criado por ele em 1945, como um veículo para sua campanha 
política. O PTB era um partido.relativamente fraco quando Vargas se elegeu 
em 1950, e apenas um ministério foi entregue aos petebistas durante seu 
governo. 
Por que Kubitschek não queria que o PSD apresentasse candidato próprio 
à presidência? Podemos encontrar algumas pistas nos depoimentos de dois 
participantes das manobras políticas em torno da eleição de 1960. Os depoi-
mentos diferem quanto a alguns detalhes, mas ambos indicam que Kubitschek 
achava melhor para seu futuro político que o PSD não apresentasse candidato. 
Um desses depoimentos é o relato feito por Renato Archer da conversa que ele 
e Eurico Sales tiveram com Juscelino antes da segunda reunião do GAP. 
Segundo Archer, Juscelino, com o jeito indireto e oblíquo típico do estilo do 
político mineiro, deu a entender que seria melhor que o PSD não ganhasse a 
eleição porque o próximo presidente teria de implementar wn programa de 
consolidação econômica e "de restrições financeiras, para tentar estabilizar a 
economia". O presidente seria muito impopular. Assim, em 1965 Kubitschek 
poderia defender em sua campanha uma plataforma de volta ao desenvolvi-
mento e à prosperi?ade. 34 
Sem dúvida, Juscelino tinha consciência dos problemas econômicos que 
poderiam surgir. Seus principais assessores econômicos na segunda metade de 
1958 e inicio de 1959, Lucas Lopes e Roberto Campos, advertiram-no de que 
o governo estava perdendo o controle sobre seus gastos e que era necessário 
controlá-los. Preocupava-os em particular a construção de Brasília, a nova 
capital, que estava sendo erguida num lugar tão remoto que no início os 
materiais de construção tinham que ser lançados de aviões. Mesmo depois, até 
109 
r 
que fossem construídas estradas ligando a cidade a outras regiões do pais, os 
materiais de construção, cimento ou máquinas, continuaram a ser trans-
portados por via aérea até o local. Para construir a nova capital, estima-se que 
Kubitschek mobilizou, ao todo, de 2 a 3% do P!B.35 Roberto Campos sempre 
foi contra a construção da nova capital, enquanto Lucas Lopes achava que ela 
estava sendo feita de modo demasiadamente apressado e dispendioso. 36 Não 
havia dúvida de que os gastos governamentais estavam se acelerando rapida-
mente. Tomando por base o ano de 1956, o primeiro do governo Kubitschek, 
percebe-se que o total das despesas do governo federal subiu 14,8% em 1957, 
um aumento relativamente modesto. Mas no ano seguinte as despesas foram 
76,2% maiores do que as de 1956.37 
O que a conversa de Juscelino com Atcher e Eurico Sales indica é que o 
presidente não estava inclinado a seguir os conselhos de seus assessores 
econômicos conservadores, nem os do Fundo Monetário Internacional, no 
sentido de reduzir os gastos. Kubitschek havia construído toda a sua carreira 
política em cima de seus programas de obras. A redução de gastos no inicio de 
1959 significaria provavelmente o fim de seu maior projeto, o da construção 
de uma nova capital no interior do Brasil, ao mesmo tempo símbolo de uma 
nova e moderna nação e um monumento permanente a seu criador. As obras 
de Kubitschek eram um prolongamento de sua personalidade e de suas 
aspirações. Austeridade econômica, para ele, era simplesmente impensáveJ.38 
O outro depoimento é o de Armando Falcão, que atuou como líder da 
maioria na Câmara durante uma parte do governo Kubitschek, e como ministro 
da Justiça de julho de 1959 até o fim. Fica claro pelo seu depoimento, como 
também pelo de outros personagens, que Falcão foi um dos protagonistas das 
manobras em tomo da eleição de 1960.39 Segundo Falcão, no inicio de 1959 
Kubitschek já estava propondo a seus confidentes a candidatura de união 
nacional de Juracy Magalhães. Dizia ele que suas chances de voltar à presi-
dência seriam prejudicadas se um candidato pessedista concorresse e fosse 
eleito em 1960. Juscelino argumentava que se seu sucessor fosse do PSD, em 
1965 ele estaria tentando ser o terceiro numa sucessão ininterrupta de presi-
dentes pessedistas, o que, afirmava ele, era a'lgo pouco provável de se concre-
tizar.40 
Porém tudo indica que não era só isso que Kubitschek tinha em mente. Ele 
parecia estar cada vez mais preocupado com o que era percebido como uma 
guinada da política brasileira em direção à esquerda. Seus atos indicam que 
ele queria estimular a formação de uma coalizão de centro-direita, associando 
o PSD à UDN a fim de contrabalançar a força crescente da esquerda.41 A 
candidatura Juracy Magalhães seria o primeiro passo em direção ao que 
Juscelino esperava ser a construção dessa coalizão, que ajudaria a reelegê-lo 
em 1965. 
Kubitschek jamais teve qualquer dificuldade em trabalhar com a esquerda, 
tanto com grupos como com indivíduos - desde que estes o apoiassem e 
estivessem claramente subordinados a ele. Oscar Niemeyer, membro do PCB, 
110 
era o arquiteto responsável pelos projetos monumentais de Juscelino. Nie-
meyer trabalhou periodicamente com ele desde os anos 40, quando Juscelino, 
então prefeito de Belo Horizonte, o incumbiu do projeto da Pampulha, até os 
anos 50, quando o presidente o encarregou de projetar os principais edifícios 
públicos de Brasília. Juscelino mostrou-se bastante interessado no apoio do 
PCB na disputa da eleição presidencial de 1955. Não o incomodaram nem um 
pouco os elogios que recebeu do líder comunista Luís Carlos Prestes quando, 
em meados de 1959, anunciou o rompimento das negociações_com o FMI. 
Porém em 1959 havia um clima de intranqüilidade no país que indicava que a 
esquerda estava emergindo como uma força poderosa e independente. No Nordes-
te, as ligas camponesas cresciam e exigiam a reforma agrária. No Brasil urbano, 
os sindicatos, antes dóceis e tutelados pelo Estado, agora controlados por forças 
esquerdistas e nacionalistas, começavam a mostrar sinais de interesse não apenas 
em melhores salários e condições de trabalho, mas também em questões políticas. 
A Frente Parlamentar Nacionalista (FPN), aliança pluripartidária das forças ditas 
nacionalistas no Congresso, incluindo a Ala Moça, nos primeiros anos do governo 
Kubitschek praticamente se limitara a apoiar o programa desenvolvimentista do 
presidente. Agora, porém, cada vez mais defendia programas que Kubitschek 
julgava perturbadores, como a reforma agrária e a limitação da remessa de lucros 
dos investidores estrangeiros, dos quais Kubitschek dependia para financiar seu 
programa de desenvolvimento. 42 O presidente via na liderança da FPN um desafio 
potencial à sua volta ao poder em 1965. Esta suposta ameaça da esquerda chegou 
a levar Kubitschek em 1960 a agir de um modo que na verdade fortaleceu a 
candidatura de seu arquiininúgo, o veemente jornalista e líder udenista Carlos 
Lacerda, ao governo do recém-criado Estado da Guanabara. Aparentemente,Juscelino se sentiu mais diretamente ameaçado não pela direita e pela candidatura 
de Lacerda, e sim pela esquerda e pela candidatura ao governo estadual de Sérgio 
Magalhães, um dos líderes da FPN.43 
Sérgio Magalhães era também membro do PTB, cuja força política cres-
cente preocupava especialmente Kubitschek. Já durante seu governo, Jusceli-
no fora obrigado a empreender manobras com o funde contornar conflitos por 
questões políticas com o PTB, que participava minoritariamente de seu gover-
no. As eleições de 1958 deixaram claro que o PTB estava aumentando sua 
força política. Seus ganhos na Câmara dos Deputados eram um sinal de que 
sua importância crescia. Talvez o que mais preocupasse Kubitscheck fosse o 
crescimento do PTB nas assembléias estaduais, o que indicava que o partido 
representava uma ameaça porque estava desenvolvendo em sua base uma 
máquina política mais sofisticada e eficiente. O que provavelmente mais 
mortificava Juscelino era ver que o PTB ampliara suas bases utilizando os 
ministérios que ele próprio entregara ao partido como instrumento de dis-
lribuição de cargos.44 Claramente, desde o início do governo Kubitschek os 
lideres pessedistas estavam cada vez mais preocupados com o crescimento do 
PTB e com o fracasso do PSD em capitalizar os programas de desenvolvimento 
do governo. 45 
111 
Juscelino certamente deve ter previsto a possibilidade de que o PTB, em 
ascensão, lançasse um candidato próprio contra ele em 1965, um candidato 
que pudesse representar uma aliança política com a esquerda. Mesmo que não 
tenha feito esta previsão, Juscelino, com sua malÍcia política, certamente deve 
ter pensado que um PTB fortalecido exigiria muito mais do que o que havia 
recebido em 1955 para apoiar sua candidatura. O preço talvez incluísse o apoio 
a programas do partido que Kubitschek considerava demagógicos, irrealistas 
e prejudiciais a seu projeto desenvolvimentista. Em suma: o PTB representava 
uma ameaça a seu plano de voltar à presidência com poder suficiente para 
concretizar sua visão do futuro do Brasil. 
À primeira vista, pode parecer improvável que Kubitschek estivesse pen-
sando em trabalhar no sentido de uma coalizão entre elementos dá UDN e do 
PSD, pois desde sua criação os dois partidos eram inimigos mortais. Mas os 
dois partidos, como um todo, tinham poucas diferenças ideológicas, embora 
existissem diferenças entre segmentos específicos de cada um. Além disso, os 
membros da ala conhecida como "chapa branca" da UDN já haviam manifes-
tado disposição em trabalhar com o governo Kubitschek em troca de empregos 
e obras públicas nas regiões que representavam.46Com a ascensão da esquerda, 
a UDN e o PSD estavam começando a se reconhecer como partidos conserva-
dores que enfrentavam uma radicalização crescente na sociedade brasileira. A 
UDN, como principal partido de oposição, muitas vezes fizera críticas violen-
tas ao governo, mas também apoiara muitos dos programas básicos de mo-
dernização de Kubitschek. 47 Por fim, a idéia de uma coalizão UDN-PSD estava 
longe de ser nova. Já havia acontecido antes em eleições estaduais e munici-
pais. E embora as circunstâncias fossem diferentes, fora tentada por Eurico 
Gaspar Dutra em seu governo nos anos 40, e até mesmo por Vargas no início 
dos anos 50.48 
De início, Juracy Magalhães deve ter parecido a Juscelino o candidato 
perfeito em sua tentativa de construir uma coalizão de centro-direita. Político 
experiente e respeitado, Juracy já fora presidente nacional da UDN e, como 
líder dos pragmáticos "chapa branca", apoiara muitas das iniciativas de Ku-
bitschek no Congresso.49 Além disso, é provável que Juscelino, para quem a 
ingratidão era o "pecado mais feio", acreditasse que Juracy Magalhães, embora 
ambicioso, não seria um obstáculo em seu caminho quando tentasse voltar à 
presidência, e até mesmo o ajudaria a formar a coalizão. 5° Afinal, Juracy não 
se furtava a demonstrar sua amizade e seu apoio a Kubitschek, tendo mesmo 
chegado, em 1959, a se desculpar publicamente por seus ataques anteriores ao 
presidente, desfechados na qualidade de presidente da UDN.51 Mas também 
pode ter havido algo de pessoal na manobra de Juscelino em favor de Juracy. 
Juscelino gostava de Juracy. Juscelino sempre se orgulhou de sua capacidade 
de encantar as pessoas e conquistar seu afeto, principalmente no caso de 
antigos adversários. Embora como político pragmático trabalhasse com quem 
fosse necessário trabalhar, tinha uma necessidade extraordinária de viver 
cercado de pessoas de quem gostasse e que retribuíssem seu afeto.s2 Não é 
112 
absurdo pensar que sua aversão a programas econônúcos que limitassem a 
generosidade do Estado e restringissem os monumentais programas de obras 
associados à sua imagem estava ligada a seu desejo pessoal de agradar e ser 
elogiado. Em suas memórias, ele fez questão de relembrar os elogios que 
recebeu aparentemente de todo mundo, desde sua mãe até membros da realeza 
européia.53 · 
Seja como for, em 1959 tornou-se claro que Kubitschek estava fazendo o 
possível para boicotar qualquer aspirante forte a candidato do PSD, arranjando 
as mais variadas desculpas para não apoiar candidatos potenciais, principal-
mente os que pareciam estar criando uma base de poder independente da sua. 
Vários candidatos potenciais desistiram, ou porque estavam sendo boicotados 
pelo presidente ou porque achavam que sem seu apoio suas possibilidades 
eram remotas. Emâni do Amaral Peixoto é o exemplo clássico. Genro de 
Vargas, Amaral Peixoto fora governador do Estado do Rio de Janeiro e desde 
1951 era o presidente nacional do PSD. Como chefe do partido, tinha boas 
relações com os líderes tradicionais e com a Ala Moça. Ainda que o utilizasse 
como mediador quando surgiam disputas entre o PSD e o PTB, Juscelino 
manteve-o à distância durante três anos como embaixador nos Estados Unidos, 
a despeito de seus esforços aparentes, em 1957 e 1958, para voltar à sua base 
política. A oposição de Juscelino à sua candidatura impediu Amaral,Peixoto 
de postular seriamente a indicação do PSD. 54 Foi neste vácuo que entrou a Ala 
Moça, com o apoio da FPN, propondo a candidatura Lott, a que as lideranças 
do PSD opuseram apenas "resistências passivas". 55 
De início, Kubitschek não fez nenhuma tentativa direta de bloquear a 
candidatura Lott. Muito provavelmente, naquelas circunstâncias o marechal 
pareceu-lhe o candidato ideal. Lott poderia servir para desestimular o apare-
cimento de outros aspirantes mais fortes a candidato do PSD.56 Além disso, 
depois de quatro anos difíceis de trabalho com o marechal, o agitado presidente 
não conseguira fazê-lo abandonar sua postura circunspecta. Estava convencido 
de que a personalidade fechada de Lott era totalmente desprovida do appeal 
político necessário à campanha. 57 Por fim, Juscelino conhecia pessoalmente a 
franqueza de Lott, que prenunciava as gafes da campanha pelas quais sua 
candidatura se tornou famosa. Ao aceitar o posto de núnistro da Guerra no 
início de 1956, por exemplo, Lott alertara o novo presidente contra a "cor-
rupção e a covardia". Diante de sua franqueza costumeira, Lott provavelmente 
achou que havia dado seu recado de modo educado. 58 Em suma: Lott era um 
candidato fadado a perder, e como sua candidatura estava sendo sustentada 
pela FPN, talvez sua derrota representasse também a derrocada da Frente. 
Se de itúcio Juscelino não tentou bloquear a candidatura Lott, uma vez 
descartadas definitivamente as candidaturas dos principais líderes pessedistas, 
começou a trabalhar a sério no sentido de lançar Juracy Magalhães como 
candidato de união nacional. Antes de mais nada, começou a sondar cuidado-
samente o meio político forà de seu círculo imediato de confidentes a respeito 
da idéia de um candidato de união nacional. Uma dessas sondagens foi descrita 
113 
numa carta datada de junho de 1959 que o líder petebista SanTiagoDantas 
enviou a Goulart, relatando uma reunião que acabara de ter com Juscelino e 
Bias Fortes, o governador pessedista de Minas Gerais. Durante a reunião, 
discutiram-se exaustivamente os problemas que havia com vários candidatos 
potenciais. Bias Fortes sugeriu então que eles - o PSD e o PTB - fizessem 
um esforço em prol de um candidato de união nacional. Quando San Tiago 
reagiu à proposta de modo positivo, ainda que cauteloso, Kubitschek fez sua 
jogada: sem maiores rodeios, perguntou-lhe se o PTB participaria desse 
esforço. San Tiago respondeu de forma evasiva. Em sua carta a Goulart, ele 
explicava que temia que uma resposta positiva pudesse minar a candidatura 
Lott, que o PTB estava disposto a apoiar, e não gerasse nenhum resultado 
concreto. Mas afirmava também que sabia que estava acima de sua autoridade 
rejeitar a idéia de urna candidatura de união nacional. Embora Juscelino 
também tivesse sido cauteloso no modo como colocou a questão, era claro que 
ele esperava que o apoio a um candidato de união nacional resultasse na 
retirada das candidaturas tanto de Jânio Quadros como do marechal Lott.59 
Com seu fino sentido de avaliação psicológica, Juscelino provavelmente 
imaginava que Lott não seria um obstáculo a este plano. Por experiência 
própria, sabia que seria possível pedir a Lott que pusesse de lado suas ambições 
pessoais em nome dos interesses da nação. Lott reagiu tal corno ele previra, 
em outubro de 1959. Depois que Juscelino lhe enviou um emissário, o 
marechal dispôs-se publicamente a retirar sua candidatura em favor de Juracy 
Magalhães, se este se tomasse o candidato de união nacional.60 
A declaração de Lott desencadeou uma série de reuniões que envolveram o 
próprio Lott, Juracy Magalhães e outras figuras-chave, como Armando Falcão, 
Amaral Peixoto e San Tiago Dantas. Esses encontros culminaram com urna 
reunião no Rio, convocada por Kubitschek, em 3 de novembro de 1959. Nesta 
reunião, Lott perguntou a San Tiago se o PTB apoiaria um candidato de união 
nacional. SanTiago respondeu que seu partido estava satisfeito com a candi-
datura Lott, mas urna vez que o próprio marechal se pronunciara publicamente 
em favor de um candidato de união nacional, o PTB estava disposto ·a pensar 
na proposta. Lott deixou claro que não partiria dele nenhuma inkiativa no 
sentido de levar a idéia adiante. Amaral Peixoto afirmou então que o PSD 
também não poderia liderar o movimento, pois se o fizesse estaria enfraque-
cendo Lott, seu próprio candidato. San Tiago, por sua vez, disse que o PTB 
não assumiria a iniciativa. Num relatório que enviou a Goulart, San Tiago 
concluía que a idéia de um candidato de união nacional era inviável, e que o 
partido deveria trabalhar para urna "revitalização" da candidatura Lott.61 
Esta reunião foi um revés para Kubitschek, mas ele já esperava encontrar 
resistências. O que Juscelino precisava era que Juracy Magalhães garantisse o 
apoio à sua própria candidatura dentro da UDN.62 E foi o fracasso de Juracy 
que pôs o plano a perder. Sabendo que Carlos Lacerda era o líder dos udenistas 
que se opunham intransigentemente ao governo Kubitschek, Juracy encon-
trou-se com ele e tentou conquistar seu apoio, com urna oferta capciosa de 
114 
, 
apoiá-lo na escolha do candidato presidencial da UDN. Como Juracy certa-
mente já esperava, Lacerda não aceitou a proposta. Juracy pediu então o apoio 
de Lacerda à indicação da UDN, argwnentando que ele, Juracy, tinha o apoio 
do presidente. Indignado, Lacerda perguntou retoricamente como a UDN 
poderia deixar que Kubitschek detertninasse seu candidato, quando o partido 
vivia dizendo que seu governo "é corrupto ( ... ), está inflacionando o país" e 
representava uma volta à ditadura de Vargas. 63 
Depois da reunião, Lacerda redobrou seus esforços para que a UDN escolhesse 
como candidato a figura popular e carismática de Jânio Quadros. Posteriormente, 
Lacerda afirmou que não confiava em Jânio, mas acreditava que ele fatalmente 
se elegeria presidente em 1960, quer como candidato da UDN, quer do PTB, o 
partido a que estava filiado quando concorreu com sucesso à Câmara dos 
Deputados em 1958. Com o apoio de Lacerda, Jânio derrotou Juracy fragorosa-
mente, sendo escolhido candidato da UDN.64 Lott continuou como candidato 
oficial do PSD e do PTB, tendo como companheiro de chapa João Goulart. 
Após o fracasso da candidatura Juracy, o astucioso Juscelino deixou os 
observadores políticos confusos, sem saber se ele via em Jânio Quadros mn 
substituto de Juracy que se enquadraria em seu projeto. Alguns captaram sinais 
de que ele encarava com simpatia a candidatura de Jânio; outros, de que se 
opunha a ela.65 Durante a campanha presidencial, Juracy Magalhães, na época 
governador da Bahia, recebeu uma comunicação de um membro de sua equipe 
a respeito de uma mensagem que fora transmitida por alguém que aparente-
mente era visto como um emissário confiável de Kubitschek. Segundo a nota, 
o emissário dava a entender que "Juscelino autorizou-o a mandar dizer ao 
Juracy que se o Jânio assumir, diante de um homem de sua responsabilidade 
e autoridade, compromisso solene de não promover perseguição alguma contra 
o JK, este também se compromete a não dar um só passo em prol" do candidato 
pessedista à presidência.66 Enquanto a campanha de Lott seguia aos trancas e 
barrancos em 1960, prejudicada pela falta de fundos e pela inadequação 
política de sua candidatura, Kubitschek deixou claro que estava resistindo a 
todos os pedidos no sentido de usar a máquina do governo em favor do 
marechal. Sua postura, Juscelino afirmou mais tarde, era a de que, como "chefe 
de governo, competia-me manter a mais irrestrita neutralidade em face das 
eleições".67 Se Lott nunca pareceu estar plenamente consciente das manobras 
de Juscelino em tomo das eleições de 1960, parece ao menos ter captado a 
mensagem básica. Quando, anos depois, perguntaram-lhe a respeito da atitude 
de Kubitschek em relação à sua candidatura, respondeu: "Pode ser que eu esteja 
sendo injusto com ele, mas tenho a impressão de que o dr. Juscelino não tinha 
muita vontade que eu fosse presidente da República. Tendo eu trabalhado para 
a ida de Kubitschek para a Presidência( ... ) caso o sucedesse, ele não se sentiria 
à vontade para se candidatar novamente. Tenho a impressão de que, para ele, 
seria melhor que fosse um outro cidadão qualquer." 68 
Assumindo a posição de chefe máximo e imparcial da nação, Kubitschek 
dedicou-se em 1960 à tarefa de concluir suas "grandes obras" e mostrar ao 
115 
público nacional e internacional sua maior realização, a criação de wna nova 
e futurista capital no interior do Brasil. Foi neste ano que recebeu a aclamação 
que há tanto tempo desejava. Suas ações pareciam indicar que ele passara a se 
ver como indispensável para o progresso futuro da nação. 69 
As ações e manobras políticas de Kubitschek traem utna sensação de 
invulnerabilidade. Como já vimos, nwn certo momento Juscelino julgou que 
seria capaz de fazer com que tanto os partidos políticos que tinham apoiado 
seu governo quanto os que lhe haviam feito oposição aceitassem sua escolha 
para o próximo presidente. Além disso, Juscelino mostrava-se pouco preocu-
pado com o fato de que o ritmo febril com que concluía suas inúmeras obras 
contribuía enormemente para o crescimento dos déficits orçamentários, tra-
zendo como efeito deletério o awnento do índice de inflação. Em 1959, o total 
de gastos do governo federa I foi 138,1% maior do que em 1956, e em 1960, o 
último ano completo do governo Kubitschek, 234,8% maior. O custo de vida 
estava chr:~mente subindo. Considerando-se a cidade do Rio de Janeiro e 
tomando-se 1953 como ano-base, verifica-se que os índices de custos de 
alimentos e roupas eram de 234 e 201, respectivamente, em janeiro de 1958. 
Em janeiro do ano seguinte haviam subido para 275. e 248, e em janeiro de 
1960 chegarama 444 e 340.70 Apesar destes indicadores econômicos, pouco 
antes da inauguração de seu maior e mais dispendioso projeto, Brasília, 
Kubitschek anunciou à imprensa que seu governo iria abrir utna estrada de 
Brasília ao Acre, wna distância de mais de 3 mil quilômetros que atravessava 
mil quilômetros de floresta tropical. Quando wn repórter questionou a viabi-
lidade do projeto, Juscelino respondeu: "Não só vou construir, mas também 
inaugurá-la, antes de deixar o Governo." Ato continuo organizou uma força-
tarefa e mobilizou recursos de modo a poder concluir as obras iniciais da 
estrada antes da posse de Jânio. 71 
Em 1960, Juscelino estava confiante em que o povo brasileiro o elegeria 
presidente pela segunda vez em 1965. Sua confiança baseava-se naquilo que 
ele percebia como sua ampla popularidade. Esta percepção baseava-se em 
parte na cobertura da imprensa, que ele próprio ajudara a fabricar. Em 1960, 
Kubitschek já havia praticamente resolvido o que fora um dos problemas 
fundamentais de sua campanha presidencial em 1955 - a oposição dos 
principais meios de comunicação do país. Ele conhecia melhor do que ninguém 
o poder da imprensa; como governador de Minas, criou o primeiro serviço de 
relações públicas do governo do estado. Como presidente, valeu-se de seu 
charme pessoal, do impacto de seu programa e da utilização judiciosa de 
favores pessoais para conquistar os proprietários de boa parte dos meios de 
comunicação.72 Não há dúvida de que Juscelino contava com seu apoio ein 
1965. 
O apoio mais visível - e talvez o mais útil - que Juscelino recebeu da 
imprensa foi o da Manchele, revista semanal fundada em 1952 que seguia o 
modelo de Paris Match e, com wn trabalho gráfico e fotográfico de primeira 
ordem, cobria concursos de misses e publicava artigos comp11ctos sobre política, 
116 
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esporte, estrelas de cinema, moda feminina e mexericos. Nwna época em que a 
televisão brasileira ainda engatinhava, eram as revistas de fotorreportagem como 
Manchete que apresentavam ao público as imagens visuais de seu país em 
transformação. Em 1958, Adolfo Bloch, o ambicioso proprietário de Manchete, 
viu que sua revista estava em condições de disputar com sua principal concorrente, 
O Cruzeiro, a posição de revista mais vendida do Brasil. 
Nesse ano, dois importantes assessores presidenciais tentaram fazer com 
que O Cruzeiro publicasse wna reportagem com fotos a respeito das reali-
zações do governo Kubitschek. O dono da revista estava disposto a atendê-los 
desde que o governo lhe pagasse uma quantia "fabulosa". Os assessores 
procuraram então Adolfo Bloch. Embora relutasse de início, quando tomou 
conhecimento das impressionantes realizações do governo, Bloch ficou entu-
siasmado com a atuação dinâmica e modernizadora de Kubitschek. Além 
disso, foi sagaz o bastante para perceber que a Manchete teria muito a ganhar 
se enfatizas~e as imagens dramáticas e de grande impacto visual que estavam 
sendo geradas pelos programas de Kubitschek: estradas que atravessavam 
selvas, usinas hidrelétricas e fábricas gigantescas e, naturalmente, Brasília. 
hnediatamente designou wn editor para trabalhar junto com os assessores do 
presidente. 73 
A aliança entre Kubitschek e a Manchete foi proveitosa para ambos. A 
equipe da revista, com a ajuda extra-oficial dos assessores presidenciais, deu 
irúcio a uma série atípica de artigos longos, ilustrados com fotos em preto e 
branco e em cores, que revelavam o que era descrito como o Brasil realizando 
seu potencial. Em 1960, a revista já estava dedicando diversos númer"-"lS às 
realizações do governo Kubitschek. Esta tática foi altamente benéfica para a 
revista. Particulannente quando o assunto era Brasília, muitos desses números 
se esgotavam, tomando-se necessário tirar edições especiais para atender à 
demanda. Em 1960, a Manchete já suplantara O Cruzeiro como a maior revista 
do país. Conforme Bloch observou mais tarde, a Manchete cresceu junto com 
Brasília e as outras "grandes obras" do governo Kubitschek.74 
Em 1960, a imaginação do público estava de tal modo fascinada pela 
construção de Brasília que até mesmo jornais que eram normalmente hostis 
aos programas de Juscelino passaram a dar wna cobertura ampla - e, de modo 
geral, favorável - às preparações para a inauguração da nova capital. O 
Estado de S. Paulo, por exemplo, publicou mais de mil matérias sobre o tema. 
Com toda esta cobertura jornalística, e dada sua visão fundamentalmente 
otimista, não admira que Kubitschek visse wn futuro risonho para o Brasil e 
para sua própria carreira, que para ele estavam intimamente interligados. Ele 
certamente não previa que Jânio Quadros renunciaria à presidência após sete 
meses de governo, criando uma crise que culminaria, em 1964, com os 
militares tomando o poder e impedindo-o de concorrer novamente a wn cargo 
público. 
Nas eleições presidenciais de 1960, Kubitschek tentou de início dar os 
primeiros passos no sentido de formar wna coalizão de centro-direita que, 
117 
segundo ele esperava, mais tarde o ajudaria a voltar à presidência. Porém sua 
principal preocupação, ao que parece, não foi construir um partido ou uma 
coalizão, e sim criar apoio para si próprio e para seu programa. O modo como 
Kubitschek tentou desenvolver os vínculos entre o povo e o presidente só 
diferiu do que Vargas fez antes e do que Jânio viria a fazer depois quanto ao 
estilo. Sua forma personalista de liderança foi ao mesmo tempo sintoma e causa 
da fraqueza da estrutura política da sociedade civil. 
tradução de Paulo Henriques Britto 
Notas 
1 Para fugir a esta regra, ver Hippolito, Lucia. De raposas e reformistas: o PSD e a 
experiência democrática brasileira (1945-64). Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1985. p. 
199-210. 
2 Ralph Burton, cônsul norte-americano em São Paulo, para o Departamento de Estado 
dos EUA., Washington, D.C., no. 732.521/10-259, Records of the Departrnent of State 
Relating to Internai Political and National Defense Affairs ofBrazil, 1955-1959, National 
Archives MicroflJ.rn Publications, Roll 8; Embaixada dos Estados Unidos, Rio de Janeiro, 
para o Departamento de Estado, Washington, D.C., 732.00/10-2359, Roll3; Costa, Joffre 
Gomes da. Marechal Henrique Lott. Rio de Janeiro, sfed., 1960. p. 423; Falcão, Armando. 
Tl.uio a declarar. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1989, p. 189-90. 
3 Francisco de· Assis Barbosa. Entrevista ao autor. Rio de Janeiro, 4.8.89. 
4 Affonso Heliodoro, entrevista ao autor, 6.6.89, Brasflia; José Sete Câmara, entrevista 
ao autor, 11. 8.89 Rio de Janeiro; Lúcio Martins Meira, entrevista ao autor, 18.7.89, Rio 
de Janeiro. 
s Carlos Heitor Cony, entrevista ao autor, 18.8.89, Rio de Janeiro; Sara Kubitschek, 
entrevista ao autor, 16.8.89, Rio de Janeiro. 
6 Ver nota 4. 
7 Sara Kubitschek, entrevista de 16.8.89; Lucas Lopes, entrevista ao autor, 14.8.90, Rio 
de Janeiro; Armando Falcão, entrevista ao autor, 23.8.90, Rio de Janeiro. 
8 Costa, Joffre Gomes da. op. cit. p. 59, 120-1, 126, 162, 195. 
9 Manchete, p. 12, 9 jan. de 1960. 
10 Archer, Renato. Renato Archer (depoimento; 1977-78). Rio de Janeiro, FOV/CPDOC 
- História Oral, p. 254. 
ll lbid., p. 255-6. 
12 Lima Filho, Osvaldo. Osvaúio Lima Filho (depoimento; 1978-79). Rio de Janeiro, 
FOV/CPDOC- História Oral, p. 90-1. 
13 Abreu, Ovídio de. Ov{dio de Abreu (depoimento; 1977). Rio de Janeiro, FOVfCPDOC 
- História Oral, p. 17-9. A indústria automobilística "nacional" consistia em companhias 
estrangeiras obrigadas e incentivadas pelo governo a fabricar carros no Brasil, usando urna 
percentagem de peças produzidas no país, e companhias brasileiras que haviam surgido 
para atender à nova demanda de peças e acessórios para automóveis. 
14 Dulles, John W. F. Unrest in Brazi/: political-rnilitary crisis 1955-1964. Austin, Uni-
versity ofTexas Press, 1970, p. 20, 22, 26,32-47,53-58,65,79; Benevides, Maria Victoria. 
118 
...... 
O governo Kubtschek: desenvolvimento econômico e estabilidade política. 3.ed. Rio de 
Janeiro, Paz e Terra, 1979. p. 149 e passim. 
15 Benevides, Maria Victoria. op. cit. p. 114-5; Hippolito, Lucia. op. cit. p. 56-8,260-71, 
276-283. 
16 Bastos T. A. & Walker, Thomas W. Partidos e forças políticas em Minas Gerais. Revista 
Brasileira de Estudos Políticos, p. 128-38, 150-4, 31.maio 1971; Ttme: LatinAmerican 
Edition, p. 22-7,13 fev. 1956; Hippolito, Lucia. op. cit. p. 35, 45-7; Benevides, Maria 
Victoria. op. cit. p. 65-6, 70, 111-13. 
17 Lafer, Celso. The planning process and the political system in Brazil: a study of 
Kubitschek's target plan- 1956-1961. Ph.D Thesis. ComeU University, 1970, p. 23-4 
Goodman, David E.lndustrialization and economic policy in Brazil in the post-war period 
Ph. D. Thesis. Berkeley, University of California, 1967, p. 87-8, 94. 
18 Archer, Renato. op. cit. p. 45. 
19 ld. ibid. p. 68, 159 e 265; Renato Archer, entrevista ao autor, 25.7. e 12.8.89, Rio de 
Janeiro; Jurema, Abelardo. Abelardo Jurema (depoimento; 1977). Rio de Janeiro, 
FOV /CPDOC - História Oral. p. 200; Kubitschek, Juscelino. Meu caminho para Brasília. 
v. 1: A experiência da humildade. Rio de Janeiro, Bloch, 1974. p. 232, 268-9. 
2° Carvalho Adelrnar Costa. IKI58, Secretaria da Presidência da República, Arquivo 
Nacional, Rio de Janeiro. 
21 Lúcio Meira, entrevista ao autor. 
22 Archer, Renato. op. cit. p. 250. 
23 Hippolito, Lucia. op. cit. p. 145-50; Manchete , p. 30, 20 set. 1958. 
24 Archer, Renato. op. cit. p. 195; Hippolito, Lucia. op. cit. p. 161-2, 170-l; Renato Archer, 
entrevista de 12.8.89. 
25 Archer, Renato. op. cit. p. 101; Manchete, p. 30,20 set.58. 
26 Hippolito, Lucia. op. cit. p. 161, 170-80; Archer, Renato. op. cit. p. 32; Renato Archer, 
entrevista de 12.8.89. 
27 Por exemplo, Renato Archer, membro da Ala Moça, envolveu-se no início do governo 
Kubitschek numa disputa pública com o general Juarez Távora, o adversário udenista de 
Juscelino na eleição de 1955. Neste debate, Archer estava defendendo o governo, mas 
Juscelino achou uma total imprudência atacar Távora, que era muito popular entre os 
oficiais, numa época em que o governo temia um golpe militar. Archer, Renato. op. cit. p. 
149-59, 1.92. -
28 Hippolito, Lucia. op. cit. p. 181-2, 204-5; Bezerra de Melo, José Joffily. José Joffily 
Bezerra de Melo (depoimentos; 1977-78). Rio de Janeiro, FGV/CPDOC- História Oral. 
p. 177, 180-1, 181; Archer, Renato. op. cit. p. 253; Costa, Joffre Gomes da. op. cit. p. 411. 
29 Archer, Renato. op. cit. p. 251-4. 
30 Magalhães, Juracy. Minhas memórias provisórias: depoimento prestado ao CPDOC, 
coord. de Alzira Alves de Abreu. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1982. p. 143. 
31 Kubitschek, Juscelino. Meu caminho para Brasília: 50 anos em 5. Rio de Janeiro, 
Bloch, 1978, v.3. p. 285. 
32 Archer, Renato. op. cit. p. 48. 
33 Cleanto de Paiva Leite, entrevista ao autor, 10.8.89, Rio de Janeiro; Diário Carioca, 
Rio de Janeiro, 1.fev.1957; Embaixada dos Estados Unidos, Rio de Janeiro, para o 
Departamento de Estado, 732-00/99-858, Rol! 2. 
34 Archer, Renato. op. cit. p. 252. 
119 
35 Lucas Lopes, entrevista ao autor, 27.7.89, Rio de Janeiro; Roberto Campos, entrevista 
ao autor, 24.8.89, Rio de Janeiro; Sara Kubitschek, entrevista ao autor, 1 e 16 de agosto de 
1989, Rio de Janeiro; Lafer, 210; Oosling, David. Brasil ia, Third World Pkmning Review, 
1979, p. 44. 
36 Entrevista com Lucas Lopes; entrevista com Roberto Campos. Tanto Lucas Lopes 
quanto Roberto Campos deixaram o governo Kubitschek depois que Lucas Lopes teve um 
infarto e Juscelino abandonou um efêmero plano de estabilização econômica. 
37 Contas nacionais do Brasil, 1947-1965. Revi.sta Brasileira de Economia, 20(1):82-3, 
mar.l966. Estes dados referem-se a todos os órgãos do governo, com exceção das empresas 
de economia mista. 
38 Estes temas são abordados em Maram, Sheldon. Juscelino Kubitschek and the politics 
of exuberance, 1956- 1961. Luso-Brasilian Review, 27(1):42-3, Summer 1990. 
39 Ver, por exemplo, o relato de SanTiago Dantas, de 3.11.59, a respeito de uma reunião 
fechada a que estavam presentes Kubitschek, assessores e políticos importantes e Lott, a 
ftm de discutir a possibilidade de um candidato de união nacional, em Relatório para o Sr. 
João Ooulart, AP47-1, Arquivo de Francisco Clementino de SanTiago Dantas (ASTD), 
AN. 
40 Armando Falcão, entrevista de 24.8.90. É importante observar que Amaral Peixoto usou 
argumento semelhante para explicar porque Kubitschek se opunha a um candidato presi-
dencial fortemente identificado com o PSD, em Artes da política: diálogo com Amaral 
Peixoto, org. de Aspásia Camargo et al. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1986. p. 429. 
41 A respeito dos pontos de convergência e conflito entre a UDN e o PSD, ver Benevides, 
Maria Victoria. O governo Kubitschek, op. cit. p. 132-9 e A UDN e o udenismo: ambigüi-
dades do liberalismo brasileiro (1945-1965). Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1981, p. 107. 
42 Para uma excelente análise sumária das mudanças políticas ocorridas na década de 
1950, ver Skidrnore, Thomas E. Policies in Braúl, l930-l964:.an experiment in democracy. 
London, New York, Oxford University Press, 1967, p. 166-86. 
43 Wainer, Samuel. Minha razão de viver: memórias de um repórter. Augusto Nunes org., 
lO.ed. Rio de Janeiro, Record, 1988. p. 222-3. 
44 Jurema, Abelardo. op. cit. p. 202; Hippolito, Lucia. op. cit. p. 198; Manchete, p.72, 4. 
out. 1958; Archer, Renato. op. cit. p. 250. 
45 Ver, por exemplo, a correspondência em EAP55.12.27 (Código Provisório), AN, Pastas 
1-2, Arquivo Ernâni do Amaral Peixoto (AEAP), FOV/CPDOC, Rio de Janeiro. 
46 Hippolito, Lucia. op. cit. p. 144. 
47 Ver a análise das votações no Congresso feita por Maria Isabel Valadão de Carvalho. 
A colaboração do Legislativo para o desempenho do Executivo durante o governo JK. Tese 
de mestrado, IUPERJ, 1977. p.49-52; Hippolito, Lucia. op.cit. p.72-4. Com relação à 
convergência filosófica entre PSD e UDN no final do governo Kubitschek, ver Benevides, 
Maria Victoria.A UDN, op. cit. p. 107. 
48 Benevides, Maria Victoria. O PTB e o trabalhismo: partido e sindicato em São Paulo 
(1945-1964). São Paulo, Brasiliense, 1989. p.35-6; D'Araújo, Maria Celina Soares. O 
segundo governo Vargas, 1951-1954: democracia, partidos e crise política. Rio de Janeiro, 
Zahar, 1982. p. 104-13. 
49 Juracy Magalhães, entrevista ao autor, 14.8.90, Rio de Janeiro. 
5° Kubitschek, Juscelino. Di.scursos proferidos no segundo ano do mandato presidencial, 
1957. Rio de Janeiro, hnprensa Nacional , 1958. p. 266. 
51 Magalhães, Juracy. op. cit. p. 143. Juracy foi presidente da UDN de 1957 a 1959. Os 
elogios a Kubitschek e seu programa continuaram mesmo depois que os esforços para 
lançar a candidatura de Juracy fracassaram. Ver, por exemplo, a transcrição datilografada 
da entrevista em que ele elogia Kubitschek por modificar velhos padrões de ação gover-
120 
namental e por seu pioneirismo, em 1M p. i. 60.03.00, Arquivo Juracy Magalhães (AJ M], 
FGV/CPDOC, Rio de Janeiro. 
52 Kubitschek. Juscelino. A experiência, op. cit. p. 16; Affonso Heliodoro, entrevista de 
6.6.89; João Pacheco Chaves, João Pacheco Chaves (depoimento; 1977-78) Rio de 
Janeiro, FGV/CPDOC- História Oral. p. 38. . 
53 Ver Matam, Sheldon. op. cit. p. 42-3. 
54 Archer, Renato op. cit. p. 256-7; Artes d,a política: diálogo com Amaral Peixoto, op. 
cit. p. 428; Hippolito, Lucia. op. cit. p. 200-3; Alzira Vargas do Amaral Peixoto, entrevista 
ao autor, 16.8.90, Rio de Janeiro. A respeito das tentativas de retomo, ver carta de Ulysses 
Guimarães a Amaral Peixoto, de 13.6.57, EAP 55.12.27, AN, Pasta 2, e carta de Amaral 
Peixoto a José Maria Alkmin, de 6.3.58, EAP, Emb, AEAP. 
55 Joffily, José. op. cit. p. 180; Costa, Joffre Gomes da. op. cit. p. 411-2, 414. 
56 Hippolito, Lucia. op. cit.p. 205. 
57 Lacerda, Carlos. Depoimento, 3.ed. rev. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1987, p. 253; 
Sara Kubitschek. entrevistas de 1 e 16.8.S$1. Sara, esposa de Juscelino, achava que, apesar 
de sua personalidade "fechada", o marechal daria um excelente presidente. 
58 Falcão, Armando. op. cit. p. 109-10. 
59 Carta de SanTiago Dantas a João Goulart, 10.6.59, AP47-1. ASTD. 
60 Ver nota 2. 
6! "Relatório", 3.11.59,AP47-1, ASTD. 
62 Juscelino Kubitschek, 50 anos em 5. op. cit. p. 285. 
63 Lacerda, Carlos. op. cit. p. 236. 
64 ld. ibid .. p. 247. 
65 Cid Carvalho, Cid Carvalho (depoimentos; 1977) Rio de Janeiro, FGV/CPDOC-
História Oral, p. 37; Archer, Renato op. cit. p. 262. 
66 
"Gabinete do governador", JM 59.06.02 cgb, A.J.M. 
67 Juscelino Kubitschek. 50 anos em 5, op. cit. p. 388. 
68 Lott, Henrique Teixeira Henrique Teixeira Lott (depoimento; 1978). Rio de Janeiro, 
FOV/CPDOC - História Oral. p. 175-6. 
69 Carvalho, Cid. op. cit. p. 32; Dulles, John W.F. op. cit. p. 106. 
70 Ver nota 35; Retrospecto do custo de vida 1944/1963, Conjuntura Econômica, 19 
(8):119-23, ago. 1963. 
71 Kubitschek. Juscelino. 50 anos em 5, op. cit. p. 324; Manchete, p. 72. 28.jan.1961. 
72 Wainer, Samuel. op. cit. p. 222. 
73 Affonso Heliodoro, entrevista ao autor, 6.6 e 4. 7 .89, Brasilia; entrevista de Cony de 18 
de maio de 1989; Adolfo Bloch, O pilão. v. 2. Rio de Janeiro, Bloch, 1988. p. xxxi. 
74 Entrevista de Cony de 18.5.89; Adolfo Bloch, op. cit. p. xxxi; para exemplos típicos da 
cobertura, ver Manchete, 31jan. 1959, p. 42-51; 7 fev. 1959, p. 6-11; 6 fev. 1960, p. 30-73; 
20 fev. 1960, p. 16-31. 
121 
A dupla face de Jano: romantismo 
e populismo 
Mônica Pimenta Velloso* 
1. Os anos dourados •.• 
Em março de 1950, estréia no Teatro João Caetano a revista Bonde do Catete. 
O cenário inicial é a própria praça Tiradentes, onde um bonde transporta. a fina 
flor da política da época. Dutra é o motomeiro. O detallie curioso é o percurso: 
do Estado Novo ao Catete. Outro fato que chama a atenção são as duas 
passageiras que se misturam aos políticos: uma delas viaja meio às escondidas, 
a Censura; já a sua companheira, uma senhora gorda e risonha, vai no estribo 
do bonde se exibindo aos ollios de todos, a Democracia. 1 É clara a alusão ao 
nosso continuísmo político e ao caráter precário da democracia. 
Findo o período do Estado Novo, a sátira política volta à cena. Ao longo 
dos anos 50, o teatro de revista vai documentar os momentos mais emocio-
nantes da vida política brasileira. Contracenando com as plumas e paetês das 
nossas vedetes - Mara Rúbia, VIrgínia Lane, Dercy Gonçalves -, que 
apresentam temas exóticos e insinuantes, a política toma-se então personagem 
obrigatória. 
\
- De modo geral, reina utn clima de euforia. No cenário mundial do pós-guer-
ra vive-se a vitória da democracia. Entre nós comemora-se o fim da ditadura 
estadonovista. Busca-se recuperar o tempo perdido. Não é à toa que o slogan 
consagrado pelo governo JK propõe "cinqüenta anos em cinco". Nessa corrida 
contra o tempo, a grande meta a ser atingida é o desenvolvimento econôrrúco. 
1 O resto viria como conseqüência... Crescer para depois dividir, esta era a 
_questão. 
r 
Nesse contexto, toma força a utopia nacionalista que dá por fmdo o ciclo 
do atraso. Industrialização, urbanização e tecnologia são as palavras de ordem 
do momento. Até mesmo os intelectuais mais radicais depositam as suas 
esperanças no populismo. Esse estado de espírito já se fazia presente no I 
1 Congresso do Negro Brasileiro, realizado em 1950. Reavaliando o congresso, 
) Abdias do Nascimento reconheceria o seu caráter "conciliador e 
"' capitulacionista".2 Quase todos os grupos sociais são tomados pelo espírito 
ufanista da época. Quase todos esquecem os conflitos para falar em união d~ 
forças. Ao longo dos anos 50, partidos políticos, sindicatos e imprensa cerram 
fileiras em tomo do projeto nacional-desenvolvimentista, que tem no Instituto 
Superior de Estudos Brasileiros (ISEB) uma de suas fontes_inspiradoras.3 
* Pesquisadora do CPDOC e autora, entre outras obras, de As tradições populares na 
belle époque carioca. 
122 
.l 
1 
As grandes linhas da análise isebiana já sã~ por demais conhecidas: caberia 
à burguesia nacional liderar o nosso processo de desenvolvimento, mobilizan-
do os demais setores da sociedade. Identificando os interesses agrários com o 
capital estrangeiro e os industriais com os da nação, os intelectuais isebianos 
traçam wna linha divisória entre o que seria a nova e a velha sociedade. A nova 
sociedade aparece diretamente comprometida com a nação, o progresso e o 
desenvolvimento industrial. Estas metas são altamente mobilizadoras na épo-
ca: procurar saídas para o subdesenvolvimento, integrar as camadas populares, 
criar uma arte de acordo com a "nova" realidade. Há um interesse unânime 
entre os nossos intelectuais por estas questões. 
O espirito do "novo" e, principalmente, a vontade de mudança são viven-
ciados intensamente. O design arrojado e o concretismo, nas artes plásticas e 
na poesia, são a marca dos anos 50. No final da década começam a surgir 
manifestações que a seguir tomariam corpo nos movimentos da Bossa Nova, 
Cinema Novo, Teatro do Oprimido e música de protesto. Buscam-se, enfun, 
novas formas de expressão artística capazes de integrar cultura, modenúdade 
e desenvolvimento. 
(_ Entretanto, não é só a abertura política que explica toda essa efervescência 
cultural. A formação de um público urbano e a emergência de uma cultura de 
massa iriam modificar substancialmente a sociedade brasileira. Entramos no 
"tempo cultural acelerado", onde os signos se multiplicam visando o consumo 
_ imediato. Começam a ter grande circulação os gibis como O Pato Donald e as 
fotonovelas tipo Sétimo Céu e Capricho; fazem sucesso as radionovelas e 
teleteatros. 
Os programas de auditório das rádios são cada vez mais concorridos. César 
de Alencar estoura o ibope, conseguindo levar vinte mil pessoas ao 
Maracanãzinho. Na Rádio Nacional trava-se uma verdadeira guerra de es-
trelas, onde reis e rainhas disputam o cetro da música popular brasileira. 
Orlando Silva, Etnilinha Borba, Marlene, Dalva de Oliveira e Ângela Maria, 
com os seus boleros e baladas românticas, causam verdadeiro delírio nas 
platéias. Através dos programas de auditório e dos tã-clubes, as camadas 
populares buscam, mesmo que no plano simbólico, seus canais de participação. 
O mito da mobilidade social e da felicidade oferecido pelos ídolos causa forte 
impacto nos tãs.4 . 
São também desse período as famosas chanchadas da Atlântida, que acaba-
riam identificando todo um espírito de época. Inspirando-se nos teatros de 
revista e estrelas da mídia, principalmente as da Rádio Nacional, as chanchadas 
têm público certo. Misto de show e comédia, alcançam popularidade inédita, 
pois falam de assuntos diretamente ligados ao cotidiano da platéia. 
De modo geral, os personagens das chanchadas - camelôs, donas de 
pensão, barbeiros, empregadas domésticas - fogem ao padrão burguês do 
desenvolvimento industrial. Dentro desse universo marginalizado predomi-
nam os códigos de honra, muitas vezes calcados em valores tradicionais e até 
mesmo rurais, conforme veremos mais adiante. Mas apesar de destoar dos 
123 
padrões vigentes, a chanchada não passaria imune ao espírito ufanista do 
período JK. Em Garota enxuta (1959), Grande Otelo defende a fabricação do 
DKW: "O carro nacional não precisa de gasolina, anda só com o cheiro e ritmo 
do samba." Já em Alegria de viver e Batedor de carteira as classes sociais se 
confraternizam. A fé no futuro do Brasil está presente em quase todas as 
comédias musicais do período.5 
Para um público mais sofisticado, havia os famosos shows de Carlos 
Machado. Em depoimento concedido anos depois, Machado conta "que bas-
tava ter a idéia de um show paraexecutá-lo. A orquestra, os artistas e a verba 
estavam sempre à disposição. Era comutn ir a Paris para contratar estrelas, 
notadamente as do Folies Bergere".6 
A época é, portanto, de festa, euforia e ilusão. Em Essa vida é um carnaval 
fica claro o espírito festivo e a crença no self-made man. Grande Otelo faz o 
papel de utn sambista que vivia de rádio em rádio, lutando para divulgar o seu 
trabalho. Até que um dia tem a sorte grande: consegue chegar ao Cassino da 
Urca. Lá encontra um americano - possivelmente Orson Welles - que gosta 
do seu trabalho e resolve divulgá-lo. O sambista vira, então, sucesso interna-
cional. 
Através da arquitetura, feiras industriais e exposições, o Brasil busca superar 
o atraso técnico, mostrando que nada fica -;devetàs grandes na-Ções. A década 
de 50 é conhecida pelaSSuas momunentais exposições industriais e art~ticas. 
IJ:iauguram-se os prune1tos sa1ões aeprõpaganda e a Bienal de São Paulo; 
taffibê1ll são realizadas exposições no exteriorâestinadas ã divulgar a imagem 
dõnosso desenvolvimento. É o chamado "eteitõ de vitrúle", onde se encena a 
urbãillclaae:-cidade e metrÓ_J>O e. O r ~cnico=científlco, erigido em valor 
supremo, precisa ser ex~t~ demoostrado, projetado.7_Assim, a apo ogia do 
_ruturo, coroado pelo êxito da tecnologia, torna-se objeto de inúmeras matérias 
na impreQ§_a. Vive-se a crença no "progresso IDdefmido". :En-1 "Você_ e o mundo 
futuro", a Revista da S!!_mana publica uma série de artigos on~e faz previ~ 
verdadeiramente fimtásticas patãadécadã ôe- f980: utn mundo de comunicação 
interplanetária, onde reinariàO progre.Sso e a hannonia sociaC -
·~ncia-se o impacto provocado -~lo c~ema, cujas imagens produzem 
verdadeira vertigem nos sentidos. No registro abaixo é visível o fascínio do 
"simulacro" temporal e espacial: 
~As nuvens se dissipam na sua frente e Já surge, em terceirissima dimensão, o próprio, o 
impossível Rio de Janeiro. A música vai aumentando. Os edifícios de Copacabana se 
aproximam. De repente você está dentro de um automóvel, em plena avenida Atlântica, com 
os barulhos característicos do mar à direita e à esquerda a buzina dos automóveis. No fundo 
musical sempre o samba ... É o Rio dentro da Broadway transformado pelo cinerama em uma 
das sete maravilhas do mundo ... Ms 
Se a "civilização da imagem" produz realidades fantásticas, integrando o 
Rio de Janeiro à Broadway, ela também traz problemas sérios: ao ampliar o 
seu circuito de consutnidores, a arte não acabaria se degradando? Esta polê-
124 
mica, que opõe o erudito e o popular, o sublime e o vulgar, remonta aos 
primórdios da modernidade. Entre nós, ao longo da década de 50, ela está na 
ordem do dia: como integrar as camadas populares na indústria cultural? 
2. A intelligentsia entra em cena: contra o "mau gosto" e a alienação 
A idéia da cultura como lazer e diversão, desvinculada de um projeto político, 
decididamente não era vista com bons olhos. A intelligentsia protesta. De 
imediato surgem os que se colocam contra o que denominam a "degradação" 
da arte. Para atender à demanda do grande público, a arte acabaria fatalmente 
se degradando, porque o "povão" se caracterizaria pela falta de cultura e mau 
gosto. Em outras palavras: a arte deixaria de ser objeto de prazer estético para 
se converter em mero objeto de consumo. É a argumentação típica dos críticos 
da cultura de massa ... 
Na década de 50, é possível reconstituir este discurso através de um tema 
que se toma altamente polêmico: a chanchada e o teatro de revista. A chancha-
da, tanto no cinema como no teatro, mobiliza intensamente os nossos intelec-
tuais, despertando quase sempre conflitos de opinião e acusações. A discussão 
mostra-se extremamente interessante, se considerarmos que por trás dela está 
sempre em jogo uma detenninada concepção do popular. 
Desde a década de 40, quando surge a Atlântida, as chanchadas de-
sencadeiam intensa polêmica no meio intelectual. Partindo da oposição "teatro 
de arte" x "teatro para rir", os críticos classificam a chanchada como a espécie 
mais degradada do segundo gênero. Assim, ela é desqualificada como uma arte 
inferior. Critica-se sua produção rápida, improvisação, pobreza de cenografia 
e indumentária.9 Enfim, é como se essa arte não preenchesse os requisitos 
básicos para ser considerada como tal. 
É sintomática, nesse sentido, a polêmica desencadeada em tomo da atriz 
Bibi Ferreira por ter aceito participar do espetáculo Escândalos 1950. Por essa 
época, a atriz já dispunha de sua própria companhia teatral, que era altamente 
considerada pela crítica. Esse fato é que parece ter chocado uma determinada 
ala da imprensa: como uma atriz de "gabarito", representante do "teatro sério", 
poderia se "rebaixar" ao teatro de revista? Contracenando com Mata Rúbia e 
Jardel Filho no Teatro Carlos Gomes, Bibi despertou verdadeira celeuma, 
chegando a ser acusada de estar prostituindo a arte.10 
Por que tamanha desqualificação do teatro de revista? Que argumentos 
levaram a maioria dos nossos intelectuais a se colocar contra essa forma de 
manifestação artística? A resposta é complexa. Comecemos por um aspecto 
mais ou menos consensual: a "baixa qualidade" atribuida ao teatro de revista. 
Na dicotomia "teatro sério" x "teatro para rir" está subentendida a idéia de 
qualidade. Assim, na primeira série estão incluídas a cultura, a arte, as elites . 
• •a outra, a barbárie, a diversão, o povo. Há uma lógica topográfica que cinde 
a realidade em dois planos: superior e inferior. Este fato é claramente ilustrado 
quando, no debate intelectual da época, a chanchada é comparada às "vísceras" 
125 
da sociedade, enquanto o chamado ••teatro sério" representaria a cabeça e a 
inteligência.11 Poderia haver metáfora mais precisa para expressar a idéia de 
"rebaixamento", de inferioridade? 
Desde a Idade Média e o Renascimento a materialidade se constitui em um 
dos princípios organizadores da cultura cômica popular. Contrapondo-se à 
cultura dominante, a cultura popular realizaria o ··rebaixamento", tanto no 
sentido cósmico (terra, absorção) quanto no sentido corporal (órgãos genitais 
e ventre em contraste com o rosto, cabeça, inteligência). Nesse contexto, a 
idéia de .. rebaixamento" é que garante a possibilidade de convívio com as 
diferentes situações. Assim, rebaixar significa trazer para perto, unir o que é 
dado como oposto. O termo ••baixo" adquire o significado de ••inferior positi-
vo".I2 
Esse sentido unificador da cultura perdeu-se completamente na moderni-
dade. Entre nós-a chanchada passa a ser desqualificada justamente pela 
valorização do .. baixo". Mais ainda: pela inversão de situações que faz com 
que o ••baixo" tenha preponderância sobre o .. alto". O carnaval é que propicia 
essa inversão de valores. Já se sabe que um dos motivos inspiradores das 
chanchadas são as situações carnavalescas. É justamente sobre esse aspecto 
que os nossos intelectuais constroem a sua argumentação. Pelo fato de ser uma 
situação de exceção, o carnaval não deve ser considerado: é momentâneo, 
pertence ao domínio do efêmero. Logo, não faz sentido que ele adquira 
expressão cultural, além dos dias previstos pelo calendário. 
Estamos em pleno domínio da .. ideologia da seriedade", que interpreta o 
cômico e o riso como mera inconseqüência, irrelevância e, sobretudo, momen-
taneidade ... Muito riso, pouco siso" ,já dizia o nosso Macunaúna. Confunde-se, 
assim, arrogância e sisudez com responsabilidade. A seriedade é sempre 
identificada com maturidade, enquanto o cômico aparece como o espaço da 
criança e do louco. 13 Nada se pode esperar de um ••povo-criança" a não ser a 
alegria inconseqüente, a diversão pela diversão. Daí é fácil imaginar a trans-
posição: povo-criança = diversão, carnaval, chanchada. A diversão é vista 
como algo à parte, momento, enfim, um aspecto que corre à margem da 
dinâmica social. 
Aquia desqualificação da chanchada se dá pelo seu caráter cômico. Daí o 
tom irônico da pergunta: .. Quando será que os donos da praça Tiradentes e 
filiais tomarão juízo?"I4 
Retomando a distinção que opõe alto e baixo, temos ainda um outro aspecto 
interessante: a hierarquização do espaço público. Explicando melhor: cons-
trói-se uma espécie de topografia da cidade, onde se delimita o espaço a ser 
ocupado pelo ••baixo" e pelo .. alto". Na realidade a elaboração sistemática 
dessa ideologia data do começo do século, período que se denominou de belle 
époque, quando estava em jogo a urbanização do Rio de Janeiro segundo o 
modelo parisiense.15 A partir daí essa ideologia vai num crescendo até incor-
porar-se de tal forma ao nosso cotidiano que custamos a vê-la como fruto de 
uma elaboração política. 
126 
Na década de 40, sugere-se que o Teatro Rival, na Cinelândia, seja remo-
delado, afastando-se de lá a chanchada "grosseira". O bairro da Pavuna 
(identificado como "baixo") é apontado como o local mais indicado para esse 
tipo de espetáculo. O mesmo argumento é usado quando Carlos Machado lança 
em 1956 ~o Copacabana Palace o show Humoresque. Lamenta-se que um 
espaço tão respeitado - nonnalmente freqüentado por um público estrangeiro 
-sirva a um espetáculo dessa categoria. "Boas pernas, lindos rostos e malícia" 
são identificados com o "baixo teatro", que se deveria restringir exclusiva-
mente aos subúrbios.l6 
Essa hierarquização do espaço estava diretamente ligada à oposição que se 
pretendia estabelecer entre a chamada arte "espiritual" e a arte "sensorial". A 
primeira pertenceria ao alto dorrúnio - incluindo-se ai os artistas e os 
intelectuais - , enquanto a segunda era alocada no "baixo", no puramente 
corporal, que diz respeito ao mundo da matéria (pernas, rostos, malícia). 
Nesse mundo da matéria é que se opera o "rebaixamento" da arte. Um 
mundo caótico onde as massas "se contorcem e urram nos estádios de futebol", 
onde reina a vulgaridade e a obscenidade. Esses argumentos são de Paulo 
Francis que, na época, escreve uma série de artigos criticando a "baixa 
qualidade" do teatro de revista. Segundo ele, essa baixa qualidade se deve aos 
interesses comerciais que corrompem a verdadeira arte. Logo, conclui, explo-
ram-se os preconceitos, sentimentalismo, insuficiência de gosto e mentalidade 
das massas.17 
Esse ponto de vista é compartilhado por vários artistas e pessoas ligadas ao 
mundo teatral - notadamente ao grupo dos Comediantes, que são entrevis-
tados por Francis.18 Quase todos associam o teatro de revista à obscenidade, 
analfabetismo, vendo-o como verdadeiro sintoma de nossa decadência cultu-
ral. Aponta-se o desrespeito às técnicas de dirigir e representar (que gera o 
vedetismo) e o desrespeito ao público (busca-se sempre uma receita de 
sucesso) como os grandes problemas desse tipo de espetáculo. Declara-se: o 
teatro da praça Tiradentes vende-se ao povo sem intermediários! 
Quem seria esse intermediário? De modo geral, sempre se deixa trans-
parecer uma certa expectativa de que este papel seja exercido pelo Estado. 
Mas, se a arte" comercial" é desqualificada porque se apresenta ao povo apenas 
como objeto de consumo, também se critica o chamado teatro experimental 
popular. A educação das massas, argumenta Francis, acaba favorecendo a 
subliteratura e a mediocridade. No intuito de tornar o texto acessível às 
camadas populares, os intelectuais populistas acabam menbsprezando a cul-
tura e o refinamento da sensibilidade.l9 
Intelectuais da praça Tiradentes, subliteratura, vocabulário de cozinheiras, 
licenciosidade, analfabetismo, vulgaridade, achlncalhe, sujeira (dentro e fora 
do palco), estes são alguns dos epítetos que desqualificam o teatro de revista 
enquanto expressão cultural. 
Nem os empresários teatrais, nem os intelectuais populistas ("arte para o 
povo") estariam capacitados para dirigir o nosso teatro. Ambos acabariam 
127 
"rebaixando" a cultura: os primeiros porque visariam apenas o lucro; os 
segundos porque prejudicariam a própria evolução do teatro. Nesse sentido, 
Francis argumenta contra a inviabilidade de se educar as massas através do 
teatro, pois ainda "engatinhamos" nessa arte. O raciocínio é mais ou menos o 
seguinte: deixar o teatro crescer, para depois integrar a ele essa parte proble-
mática da sociedade que são as camadas populares. 
Seguindo ainda essa linha de argumentação que opõe artejnão arte, há uma 
idéia que chama a atenção: o esforço de definir o teatro como arte, dis-
tinguindo-o do espetáculo. Por que essa distinção? Que incompatibilidade 
existiria entre teatro e espetáculo? Por que, afinal, o teatro não cabe na 
categoria de espetáculo? 
Normalmente o espetáculo é identificado ao mundo do circo, onde há flores, 
música, alegria, palhaços. Já o teatro se situaria em uma outra esfera mais 
elaborada: é texto, interpretação, direção.20 De modo geral o circo é definido 
como um "espetáculo para os olhos", levando a emoções fáceis, enquanto o 
teatro visaria o espírito, a fruição estética. De onde se deduz: o espectador do 
circo é a criança (camadas populares); o do teatro é o adulto (elites). 
Toda essa preocupação em estabelecer diferenças entre teatro e espetáculo 
tem muito a ver. O que está sendo posto em cheque mais uma vez é a 
chanchada, identificada como espetáculo. De fato, o imaginário circense foi 
de fundamental importância na montagem das chanchadas. As suas grandes 
estrelas - Oscarito, Grande Otelo, Dercy Gonçalves - começaram a vida 
artística no picadeiro do circo. De lá trouxeram a sua linguagem, valores, 
enfim, toda uma forma de comunicação extremamente popular. 21 
Ocorre que é justamente esse tipo de comunicação, esse código cultural que 
está sendo posto em questão. O circo e conseqüentemente as chanchadas estão 
fortemente calcados em valores da nossa cultura popular oral. E a integração 
dessa cultura é altamente problemática. Historicamente, entre nós, existe uma 
espécie de fosso separando duas línguas - uma pública e de aparato, e a outra 
popular e cotidiana. A primeira pertencente à "cidade das letras", a segunda à 
cultura oral que se desenvolve quase sempre alheia ao círculo dos letrados. Daí 
o conflito entre essas duas ordens. Já no início do século, João do Rio chamava 
a atenção para essa nossa dissonância cultural que cavava um fosso entre a 
linguagem dinâmica das ruas e a rigidez dos dicionários.22 
Na década de 50 os nossos intelectuais estão às voltas com o mesmo 
problema: a integração da linguagem popular. Grande parte da discussão 
cultural passa por esse ponto. 
Indaga-se sobre a legitinúdade da gíria: mera válvula de escape para os 
desajustamentos sociais? Seria obrigatoriamente marginal e irreverente? Lin-
guagem típica dos estratos inferiores? Os intelectuais da Academia Brasileira 
de Letras, cuja proposta era elaborar um "dicionário de brasileirismos", 
argumentam que a gíria só deverá ser integrada quando abonada pela própria 
Academia. Mais uma vez fica clara a cisão entre as duas línguas. José de 
Alencar, Euclides da Cunha, Coelho Neto são apontados como os grandes 
128 
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mestres que fizeram o inventário da nossa língua.23 O popular deve ser 
abonado a partir deles. É sempre o documento que dita o rumo da realidade ... 
Dentro desse contexto, a "arte séria" se transforma em um argumento 
recorrente. Fazendo um balanço da evolução do nosso cinema, Alex Viany, em 
1976, observa o quanto esse argumento nos foi prejudicial. Em nome do "filme 
sério" muitos dos nossos intelectuais passaram a desprestigiar o linguajar 
popular, alegando que a língua brasileira não prestava para diálogos cinema-
tográficos. Viany contra-argumenta, mostrando que a chanchada veio jus-
tamente acabar com esse preconceito, usando no cinema a língua corriqueira 
e a giria.24 
Natentativa de se alcançar uma arte "séria", confunde-se, mais uma vez, 
seriedade com rigidez, erudição e documento. Nesse circuito, as camadas 
populares são sempre afastadas: sua cultura e visão de mundo são fatalmente 
infantilizadas, localizadas no inconsistente terreno do efêmero. É como se a 
expressão cultural só passasse a existir depois do seu registro por escrito. 
Nessa perspectiva, a chanchada comporia uma ••arte menor", ou melhor, a 
··não arte", porque seria mero espetáculo para os sentidos. Movimento, ilumi-
nação e cor são vistos como acessórios, que se destinam a um público iletrado. 
O texto escrito é o referencial da arte legítima. No teatro de revista, verifica-se 
o contrário: a capacidade de improvisação dos atores é que comanda o 
espetáculo. A propósito, observa Dercy Gonçalves: "No teatro de revista você 
deixa de declamar e aprende na porrada. "25 
Na época, a improvisão dos atores de chanchada era combatida sob o 
argumento de que desvirtuaria o texto. 26 A arte que extrapola a esfera do texto 
é desqualificada como "vedetismo", perfume barato. 
Como se vê, a questão da integração do popular é complexa e extremamente 
conflituosa. Ao longo de toda essa discussão, uma idéia fica clara: a arte não 
deve atender à demanda popular, pois isso a levaria a "nivelar por baixo". A 
••arte-entretenimento", que tem como proposta chegar ao povo, acaba se 
corrompendo quando entra no circuito comercial. Esse ponto de vista era quase 
unânime na época. Insistia-se na preservação da aura artística. A indústria 
cultural era execrada porque identificada com o império da ignorância e 
analfabetismo. 
A integração do cinema no circuito da indústria cultural ilustra bem essa 
problemática, deixando entrever o quanto ela foi conflituosa para os nossos 
intelectuais. Desde a década de 30, o cinema sonoro vinha sendo objeto de 
polêmica. A intelligentsia cinematográfica carioca se organizou em O Fã, 
órgão do Chaplin-Club, defendendo o cinema mudo como essência da arte. O 
elemento sonoro era visto como interferência indesejável, ocasionando a 
vulgarização da arte cinematográfica. 27 Durante os anos 50 persistiria a discus-
são. Indaga-se até que ponto o cinema sonoro é ou deixa de ser arte. Publicam-
se várias enquêtes que apresentam a opinião dos intelectuais sobre o assunto. 
Algumas vezes o resultado surpr~nde pela sua tônica de consternação. La-
menta-se o funde um tempo calmo, substituído pela vertigem cinematográfica. 
129 
Em letras garrafais a manchete anuncia: "As praças do interior estão desapa-
recendo com o advento da tela panorâmica." O artigo noticia a modificação 
dos hábitos que o cinema provocou numa cidadezinha do interior. A instalação 
de telas nos "cine-teatros", argumenta-se, prejudica a montagem de peças 
teatrais! É a sedução pelo cinema que faz o povo abandonar as praças, e é esta 
mesma sedução pelo movimento e a sonoridade que leva os habitantes da 
cidadezinha a preferir o cinema em vez do teatro.2s 
Esta é a questão que está por trás de tudo: a substituição do teatro pelo 
cinema. Entende-se o teatro como arte verdadeira, o cinema como vulgar. Daí 
o tom nostálgico da manchete que anuncia um tempo que está prestes a 
desaparecer, levando com ele a "verdadeira" arte ... No caso, temos a "última 
sessão de teatro" ... 
No título do artigo mencionado fica clara a idéia apocalíptica: "O cinemas-
cope matando o teatro." Entre nós, a modernidade constantemente se reveste 
desse aspecto fatalista- e mesmo trágico-, conforme veremos adiante. A 
evolução da indústria cultural é vista com temor, como se desse irúcio a um 
círculo vicioso onde o cinema mataria o teatro, a televisão mataria o rádio, 
enfim: a longo prazo morreria a própria arte! Villa Lobos, por exemplo, declara 
que a arte brasileira só será salva se for endereçada a um público mais refmado. 
A "arte ao alcance do povo" é wn slogan suicida, que declara sua própria 
sentença de morte!29 Nos escritos dos nossos intelech1ais é visível o fantasma 
da decadência da cultura associada geralmente ao analfabetismo. Todas as 
vezes que a cultura letrada sente abalados os seus domínios, reedita-se essa 
idéia. Nos anos 50 trava-se uma verdadeira polêmica sobre o sentido da 
chamada "civilização da imagem". Destronando as letras, a i..tnagem invade 
todos os domínios da cultura e da vida privada. Tudo é dito de forma telegrá-
fica. Não existe mais elaboração. Reinam o empobrecimento e a vulgaridade. 
Encena-se a pergunta atônita "Será acaso o tempo dos escritores mudarem de 
profissão?"30 
É visível, portanto, a preocupação de preservar a cultura letrada contra a 
ameaça da mídia. A idéia é clara: livro versus imagem. É uma guerra onde a 
vitória de um determina o fnn inexorável do outro. Daí a visão apocalíptica e 
trágica que os nossos intelectuais constroem acerca da indústria cultural. 
Entretanto, esse ponto de vista não é unânime. Nos anos 50, há os que indagam 
se a cultura popular deveria ou não ser isolada dos meios de comunicação. Há 
os que pensam justamente o contrário: utilizar a mídia como veículo de 
incorporação das massas na modernidade, através de sua conscientização 
política. 
Ocorre que o desenvolvimento elevou o poder aquisitivo das camadas 
populares, tomando-as, de certa forma, disporúveis para o mercado cultural. 
Justamente aí é que residiria o problema. Para alguns setores da intelligentsia, 
o povão assediado pela mídia acabava por reproduzir valores que não eram os 
seus. Em swna: alienava-se. O que significa dizer que ele perdia a consciência 
do seu papel na construção da nação. Assim, a idéia da cultura como elemento 
130 
• 
: 
de simples 'lazer seria no mínimo inescrupulosa. Fazer cultura se transforma 
em fazer política. A cultura é identificada à conscientização, jamais à diversão. 
É no bojo do projeto populista que começa a se formar uma tradição mais 
politizada da cultura. Essa tradição é complexa pois agrupa intelectuais das 
mais diversas correntes de pensamento. Se as propostas desses grupos são 
diferentes, o alvo de ação é comwn: desenvolver a nação via povo. No final 
da década de 50 e irúcio dos anos 60 o povo torna-se o ator social mais 
requisitado. É ele que aparece como base de sustentação dos vários projetos 
políticos como os do ISEB, de cunho mais reformista; dos Centros Populares 
de Cultura (CPCs), de orientação marxista, e dos movimentos de cultura 
popular no Nordeste e de alfabetização, inspirados nos grupos católicos de 
esquerda. 31 
3. Povo: a eterna inspiração! 
"Quando derem voz ao morro toda a cidade vai cantar. .. " 
Em 1955 o Cinema Novo se anuncia com o filme Rio 4r.J> de Nélson Pereira 
dos Santos, em que faz sucesso a canção de Zé Kéti Voz do morro. Quem sobe 
o morro alcança os verdadeiros problemas da nacionalidade, fazendo com que 
o país celebre o encontro consigo mesmo. Quase todos os movimentos cultu-
rais vão apresentar o intelectual enquanto porta-voz do povo, encarregado da 
sua conscientização política. A incógnita - quem é o povo no Brasil? - já 
tem pronta a sua resposta: todos os grupos sociais envolvidos no desenvol-
vimentismo "progressista" e "revolucionário".32 
A homogeneização da categoria resolve o problema. Identificadas como 
parte integrante do povo, as vanguardas intelectuais da classe média vão 
assimilar e reelaborar elementos da cultura popular e folclórica. O morro e as 
favelas se transformam em cenários obrigatórios dos filmes, peças de teatro, 
romances e música. Do repertório da época constam músicas que iriam se 
tomar clássicas na nossa 1\.fPB: Lata d'água, Voz do morro, Mulher rendeira, 
todas elas poetizando a maneira de viver das camadas populares. 
O filme Orfeu negro, co-produção francesa que reencena a lenda grega no 
morro carioca, alcançaria a Palma de Ouro em Cannes. Mareei Camus, o 
diretor, realizou passeios pelas nossas favelas, registrando impressõesexóticas 
sobre a cultura popular carioca. Na literatura, assistimos ao retomo da temática 
regionalista, através da obra de João Cabral de Melo Neto que lança, em 1955, 
Morte e vida severina. Em 1956, é a vez de Guimarães Rosa com Grande 
sertão: veredas. O sertão se impõe à consciência do artista revolucionário.33 
Era necessário dar voz às "vidas severinas", registrar sua história até então 
obscurecida. Toda essa ideologia destinada à valorização do popular de-
senvolve-se em estrita consonância com a idéia de brasilidade. Na ficção, 
incentiva-se, mais uma vez, a tendência docwnentalista: tipos, paisagens, 
costumes, cenas do real. Nada deve escapulir à observação do artista. 
131 
Nas artes plásticas, a xilogravura é consagrada como manifestação artística 
por excelência porque seria veículo de maior comunicação popular. Ins-
pirando-se nos princípios da arte popular mexicana, no Atelier d 'Art Politique 
do Partido Comunista Francês e nas doutrinas do realismo socialista, os nossos 
artistas fundam vários clubes de xilogravura. O objetivo desses clubes era dar 
um sentido "realista" à arte, utilizando-a de fonna didática. Naturalmente o 
povo é que seria o destinatário dessa mensagem, inspirada em motivos folcló-
ricos regionalistas. 
Quem não se lembra das famosas xilogravuras de Poty, ilustrando, com 
motivos regionais, os nossos manuais e atlas escolares? E os desenhos de 
Carybé sobre os costumes baianos? 
"A arte não é privilégio, deve viver ao sol, nas praças, entre o povo." Esse 
lema da Oficina de Arte em São Paulo ( 1952) é compartilhado por quase todos 
os movimentos inLelectuais.34 Peças relâmpago são encenadas nas praças 
públicas, comícios e debates são realizados nas ruas, documentários são 
exibidos, destinados à "conscientização das massas". 
As críticas ao projeto populista são conhecidas, notadamente no que se 
refere à sua proposta de conscientização. Fazendo uma crítica ao Cinema 
Novo, Jean Claude Bemardet argumenta que o povo acaba se transformando 
em mero espectador, encontrando-se diante de um circuito fechado. Se a 
realidade é problematizada, já se tem a priori a solução. Esse circuito fechado 
em que o povo sempre fica de fora não diz respeito apenas ao cinema. Ele 
marca todo o projeto cultural populista. A famosa palavra de ordem "Cultura 
para o povo" denota bem a atitude paternalista dos intelectuais: 
"E patemalisticamente, o cinema brasileiro vai tratar dos problemas do 
povo. Proletários sem defeito, camponeses esfomeados e injustiçados, hedion-
dos latifundiários e devassos burgueses invadem a tela: a classe média vai ao 
povo.( ... ) uma ida ao povo quase nos moldes dos populistas russos do fundo 
século passado como Lavrov. Os românticos franceses se entusiasmaram com 
esses operários-poetas ... "35 
Essa visão idealizada do popular requer uma ação também idealizada. 
Explicando melhor: o popular aparece como matriz da nacionalidade brasilei-
ra, uma espécie de espelho capaz de decifrar e/ou refletir a sua imagem. Ocorre 
que essa essência da brasilidade (o povo) está carente de cuidados, mas, se 
educado e esclarecido pelo saber das elites, poderá adquirir a "boa consciên-
cia", alcançando assim a nação a sua autêntica imagem. 
Tomada pelo afã desenvolvimentista, a intelligentsia se proclama manda-
tária dessa missão: a de conscientizar o povo brasileiro. Nesse contexto, em 
que o objetivo pedagógico povo é idealizado, a educação forçosamente deve 
sê-lo também. Educar significa, então, entrar em contato com a própria "alma" 
da nação. Tarefa metafís~ca, que requer uma espécie de transe mediúnico ... 
132 
• 
& 
\ 
Estamos em pleno domínio do Volksgeist. Justo nesse ponto é que se 
estrecruzam romantismo e populistno. É na ida ao povo, enquanto fonte 
inspiradora da nação, que essas duas vertentes de pensamento vão se encontrar. 
As antinomias que caracterizam tradicionalmente essas correntes - particu-
larismo x universalismo, emoção x razão - tendem a ser sobrepujadas pela 
idéia de pertencimento a um grupo ou cultura. 36 O" espírito do povo" é o grande 
referencial, a pedra de toque capaz de desvendar a nacionalidade. Isto é 
verdade tanto para os românticos quanto para os populistas. Entre nós essas 
duas vertentes interpretativas são coexistentes. Na década de 50, a vertente de 
origem romântica, inspirada em Herder, pode ser representada pelos intelec-
tuais da Academia Brasileira de Letras (ABL). Já a populista, inspirada 
sobretudo em Hegel, é incorporada pelos intelectuais do Instituto Superior de 
Estudos Brasileiros (ISEB). Apesar de defenderem ideais diferentes, essas 
duas correntes acabam se encontrando. Como entender essa fusão de valores 
aparentemente tão distintos? Como é que a concepção populista convive com 
o conceito metafísico-romântico de Kultur? Como, enfim, os nossos intelec-
tuais conseguem incorporar essa visão de mundo que inclui o pragmático e o 
metafísico? · 
A análise de Richard Morse37 pode nos oferecer uma pista. Falando sobre 
nossa formação histórica, o autor chama a atenção para um aspecto: o caráter 
complexo da tradição filosófica ibero-americana. No interior dessa tradição, 
argumenta ele, coexistiram duas correntes filosóficas radicalmente distintas: 
o tomismo e o maquiavelismo. Surgiria daí a tensão extrema entre valores. Ora 
se pensa em termos de bem comum, ora em cálculo do poder; o Estado pode 
aparecer como "todo orgânico" ou simplesmente como artifício, da mesma 
fonna que a política tanto pode ser vista como "missão" quanto "arte e ciência". 
Em suma: vivemos conflituados entre a tradição renascentista (via Maquiavel) 
e a da Contra-Reforma (via são Tomás de Aquino).38 
Já se sabe que nos países periféricos europeus -notadamente em Portugal 
e Espanha - o pensamento da Contra-Reforma teve uma influência bastante 
marcante. Como periferia da periferia européia, o Brasil também absorveria 
muito dessa ideologia, efetuando, é verdade, adaptações e interpretações. É 
por isso que, entre nós, se tomou quase que inconcebível a visão do mundo 
político desvinculada da tradição católica e da fé. Daí prevalecer a concepção 
do Estado como um todo orgânico, a idéia da política como missão e a visão 
da sociedade como uma espécie de corpo místico. Mesmo as análises que se 
pretendem racionalistas, como as do ISEB, por exemplo, não conseguem fugir 
de certo viés metafísico do tipo ser nacional, alma da nação, espírito do povo 
etc ... 
Nos anos 50, a idéia do povo enquanto essência da nacionalidade está 
subjacente às mais variadas correntes de pensamento. Mas é entre os intelec-
tuais da Academia Brasileira de Letras que vamos encontrar maior sis-
tematização dessas idéias. Esses intelectuais são os representantes de uma 
133 
tradição que se tem mostrado extremamente sólida ao longo de nossa trajetória 
política. 
4. Os artífices da nação 
Pata os intelectuais da ABL, o conceito de povo só adquire sentido no mundo 
do folclore. Este é visto como o saber mais competente e o único capaz de 
construir um discurso sobre o povo e a nação. Mais do que isso: o folclore 
permite a própria redenção do povo. Ameaçado pelos avanços tecnológicos 
da modernidade, o saber popular só encontraria refúgio e proteção nos museus 
folclóricos. 
O homem brasileiro é visto como uma espécie em extinção, da qual os 
intelectuais teriam obrigação de garantir a sobrevivência. É dentro desse 
contexto que é avaliado o trabalho etnográfico de Roquette Pinto no Museu 
Nacional. Esse teria o mérito de lembrar que o sertanejo existe! 
É a partir da docmnentação que o objeto (povo) adquire contornos visíveis. 
Ou seja: a cultura popular só é reconhecida enquanto documento que fala sobre 
a nação. Transformada em peça, ela é salva, recolhida, catalogada e observada 
nos museus e exposições. Assim, essa cultura se converte em mna espécie de 
objeto mágico, fetiche, pedaço

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