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Aula 1 O ESTADO E A PROTEÇÃO SOCIAL AO TRABALHADOR

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O ESTADO E A PROTEÇÃO SOCIAL AO TRABALHADOR
O direito à proteção social do trabalhador pelo Estado tem sua gênese umbilicalmente relacionada ao desenvolvimento da sua estrutura e da discussão histórica sobre quais deveriam ser as suas funções.
O Estado Contemporâneo possui, entre suas funções, a proteção social dos indivíduos em relação a eventos que lhes possam causar a dificuldade ou até mesmo a impossibilidade de subsistência por conta própria, pela atividade laborativa. Tal proteção, que tem formação embrionária do Estado Moderno, encontra-se consolidada nas políticas de Seguridade Social, dentre as quais se destaca, para os fins deste estudo, a Previdência Social.
O ser humano, desde os primórdios da civilização, tem vivido em comunidade. E neste convívio, para sua subsistência, aprendeu a obter bens, trocando os excedentes de sua produção individual por outros bens. Com o desenvolvimento das sociedades, o trabalho passou a ser considerado, numa determinada fase da história – mais precisamente na Antiguidade Clássica – como ocupação abjeta, relegada a plano inferior, e por isso confiada a indivíduos cujo status na sociedade era excludente – os servos e escravos. Dizia Aristóteles que para se obter cultura era necessário o ócio, razão pela qual deveria existir o escravo. Muitos mencionam advir daquela época a etimologia do vocábulo trabalho – derivando do latim tripalium.1
Mais adiante no tempo, dentro do chamado sistema feudal, aparecem os primeiros agrupamentos de indivíduos que, fugindo das terras dos nobres, fixavam-se nas urbes, estabelecendo-se, pela identidade de ofícios entre eles, uma aproximação maior, a ponto de surgirem as denominadas corporações de ofício, nas quais se firmavam contratos de locação de serviços em subordinação ao “mestre” da corporação.
Mas é com o Estado Moderno – assim considerado em contraposição ao modelo político Medieval, como antecedente, e ao Estado Contemporâneo, como sucessor daquele –, a partir da Revolução Industrial, que desponta o trabalho tal como hoje o concebemos. O surgimento dos teares mecânicos, dos inventos movidos a vapor e das máquinas em geral estabeleceu uma separação entre os detentores dos meios de produção e aqueles que simplesmente se ocupavam e sobreviviam do emprego de sua força de trabalho pelos primeiros. Paralelamente a esse fenômeno, a Revolução Francesa e seus ideais libertários proclamaram a liberdade individual plena e a igualdade absoluta entre os homens, conceitos que, tempos após, foram contestados tal como concebidos naquela oportunidade.
Nos primórdios da relação de emprego moderna, o trabalho retribuído por salário, sem regulamentação alguma, era motivo de submissão de trabalhadores a condições análogas às dos escravos, não existindo, até então, nada que se pudesse comparar à proteção do indivíduo, seja em caráter de relação empregado-empregador, seja na questão relativa aos riscos da atividade laborativa, no tocante à eventual perda ou redução da capacidade de trabalho. Vale dizer, os direitos dos trabalhadores eram aqueles assegurados pelos seus contratos, sem que houvesse qualquer intervenção estatal no sentido de estabelecer garantias mínimas.
Começaram, então, a eclodir manifestações dos trabalhadores por melhores condições de trabalho e de subsistência, com greves e revoltas – violentamente reprimidas pelo próprio Poder constituído. Surgiram daí as primeiras preocupações com a proteção previdenciária do trabalhador, ante a inquietação dos detentores do poder nos Estados com a insatisfação popular, o que acarretou a intervenção estatal no que diz respeito às relações de trabalho e segurança do indivíduo quanto a infortúnios. Como disse Bismarck, governante alemão daquela época, justificando a adoção das primeiras normas previdenciárias: “Por mais caro que pareça o seguro social, resulta menos gravoso que os riscos de uma revolução”.2
Nesse contexto, as revoltas operárias permaneceram por todo o século XIX, ocorrendo, de modo simultâneo e paulatino, um movimento de cada vez maior tolerância às causas operárias (cessação da proibição de coalizões entre trabalhadores, primeiras leis de proteção ao trabalhador), o que culminaria numa concepção diversa de Estado, a que se denominaria Estado Social, Estado de Bem-Estar, ou ainda, Estado Contemporâneo.
1.2O SURGIMENTO DA NOÇÃO DE PROTEÇÃO SOCIAL
Nem sempre, como visto, houve a preocupação efetiva com a proteção dos indivíduos quanto a seus infortúnios. Somente em tempos mais recentes, a partir do final do século XIX, a questão se tornou importante dentro da ordem jurídica dos Estados. Comenta Russomano que “o mundo contemporâneo abandonou, há muito, os antigos conceitos da Justiça Comutativa, pois as novas realidades sociais e econômicas, ao longo da História, mostraram que não basta dar a cada um o que é seu para que a sociedade seja justa. Na verdade, algumas vezes, é dando a cada um o que não é seu que se engrandece a condição humana e que se redime a injustiça dos grandes abismos sociais”.3
Utilizando-nos do irretocável conceito fornecido por Celso Barroso Leite, “proteção social, portanto, é o conjunto de medidas de caráter social destinadas a atender certas necessidades individuais; mais especificamente, às necessidades individuais que, não atendidas, repercutem sobre os demais indivíduos e, em última análise, sobre a sociedade”.4
Em verdade, a marcha evolutiva do sistema de proteção, desde a assistência prestada por caridade até o estágio em que se mostra como um direito subjetivo, garantido pelo Estado e pela sociedade a seus membros, é o reflexo de três formas distintas de solução do problema: a da beneficência entre pessoas; a da assistência pública; e a da previdência social, que culminou no ideal de seguridade social.
1.3A MÚTUA ASSISTÊNCIA E A CARIDADE
Embora seja recente na história do homem a concepção de proteção social aos riscos no trabalho, é certo que desde os tempos mais remotos e em qualquer lugar do mundo, as civilizações sempre tiveram em mente a preocupação com a insegurança natural dos seres humanos.
Em períodos passados, anteriormente ao surgimento das primeiras leis de proteção social, a defesa do trabalhador quanto aos riscos no trabalho e perda da condição de subsistência se dava pela assistência caritativa individual ou pela reunião de pessoas. Feijó Coimbra, citando Oscar Saraiva, menciona que nas sociedades romanas e gregas da Antiguidade se encontram referências a associações de pessoas com o intuito de, mediante contribuição para um fundo comum, receberem socorro em caso de adversidades decorrentes da perda da capacidade laborativa.5
No período das corporações de ofício, na Idade Média Europeia, tem-se o aparecimento das guildas, entre cujos escopos estava também o de associação de assistência mútua.
Porém, é somente com o desenvolvimento da sociedade industrial que vamos obter um salto considerável em matéria de proteção, com o reconhecimento de que a sociedade no seu todo deve ser solidária com seus incapacitados.
1.4A ASSISTÊNCIA SOCIAL ESTATAL
Buscando novamente fundamentos em Russomano, concluímos com o grande doutrinador que, até o século XVIII, não havia a sistematização de qualquer forma de prestação estatal, pois, “de um modo geral, não se atribuía ao Estado o dever de dar assistência aos necessitados”.6 A exceção registrada na História, a Poor Law, editada em 1601 na Inglaterra, instituía contribuição obrigatória para fins sociais, com intuito assistencial.
Na Idade Moderna havia um fosso imenso separando a classe operária da classe dos detentores dos meios de produção. E o Estado Moderno, dentro da concepção liberal, limitava-se a assistir, inerte, às relações entre particulares, sem estabelecer normas de limitação à autonomia pessoal. Desse modo, a proteção ao trabalhador, até então voluntariamente feita por aqueles que se preocupavam com a dignidade humana, muitas vezes só existia sob a forma de caridade.
Não obstante isso, a intervenção estatal, no período do liberalismo econômico, limitava-se a prestarbenefícios assistenciais, ou seja, oferecia pensões pecuniárias e abrigo aos financeiramente carentes.
Nota-se, portanto, que, no tocante à atuação no campo do amparo aos indivíduos, “o primeiro tipo de proteção social que podemos reconhecer no mundo é o tipo liberal, em que predomina a assistência aos pobres enquanto uma preocupação do Estado. Então, o Estado dá assistência; e o mercado, o resto”.7
Como bem adverte Daniel Machado da Rocha, as manifestações assistenciais de até então tinham ínsito o caráter de mutualidade, mas não o de seguro, não havendo garantia plena de proteção em caso de necessidade. O seguro de vida surge somente em 1762, com a fundação, em Londres, “da primeira companhia de seguros de vida dentro de bases científicas”. Em 1849, surgiram empresas que se dedicavam à instituição de seguros populares, destinados à classe trabalhadora.8
Frisando o pensamento liberal da época, Rocha salienta que, como decorrência dos postulados de tal doutrina, eram limitados os instrumentos de proteção social, que eram, pois, em síntese, a assistência social privada e pública, a poupança individual, o mutualismo e o seguro privado.9
1.5A FORMAÇÃO DO CONCEITO DE BEM-ESTAR SOCIAL
A primeira vez em que tem lugar uma mudança na concepção da proteção ao indivíduo ocorre na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, em 1789, que inscreve o princípio da Seguridade Social como direito subjetivo assegurado a todos: “Les secours publiques sont une dette sacrée”. Já se está diante do chamado liberalismo político, influenciado por movimentos de trabalhadores, o que vai acarretar a deflagração da ideia de previdência social, pública, gerida pelo Estado, com participação de toda a sociedade.
Com o desenvolvimento da sociedade industrial vai se obter um salto considerável em matéria de proteção social, com o reconhecimento de que a sociedade no seu todo deve ser solidária com seus integrantes, o que é ressaltado por Duguit:
O ser humano nasce integrando uma coletividade; vive sempre em sociedade e assim considerado só pode viver em sociedade. Nesse sentido, o ponto de partida de qualquer doutrina relativa ao fundamento do direito deve basear-se, sem dúvida, no homem natural; não aquele ser isolado e livre que pretendiam os filósofos do século XVII, mas o indivíduo comprometido com os vínculos da solidariedade social. Não é razoável afirmar que os homens nascem livres e iguais em direito, mas sim que nascem partícipes de uma coletividade e sujeitos, assim, a todas as obrigações que subentendem a manutenção e desenvolvimento da vida coletiva.10
No âmbito dos fatores que, segundo os estudiosos, teriam demarcado o caminho para o surgimento do Estado Contemporâneo, imprescindível iniciar-se com a Revolução Industrial e seus efeitos sobre a sociedade11 e, a partir dela, em função do ideário liberal do Estado Moderno, fundado no individualismo e na liberdade contratual,12 os problemas gerados pelo trabalho assalariado, pela concentração de renda, e o anseio por uma ruptura com aquele modelo marcado pela exploração do trabalho sem salvaguarda de espécie alguma.13
O aumento da marginalização social, pouco a pouco, estimulou convulsões sociais, acarretando o embate – muitas vezes sangrento – dos proletários com o aparato policial-estatal, pelos movimentos de trabalhadores. Assim, os cartistas,14 na Inglaterra; as revoluções de 1848 e 1871, na França; a revolução de 1848, na Alemanha, representaram muito no despertar dos então governantes dos Estados para a intervenção e regulamentação na vida econômica.15
Os Estados da Europa, precursores da ideia de proteção estatal ao indivíduo vítima de infortúnios, estabeleceram, de maneira gradativa, da segunda metade do século XIX até o início do século XX, um sistema jurídico que garantiria aos trabalhadores normas de proteção em relação aos seus empregadores nas suas relações contratuais, e um seguro – mediante contribuição destes – que consistia no direito a uma renda em caso de perda da capacidade de trabalho, por velhice, doença ou invalidez, ou a pensão por morte, devida aos dependentes. Assim se define uma nova política social, não mais meramente assistencialista – está lançada a pedra fundamental da Previdência Social.
A distinção entre os conceitos de Seguro Social e Assistência Social é bem identificada por Augusto Venturi:
seguro e assistência, por suas naturezas e técnicas completamente diferentes, agem, em realidade, em dois planos completamente distintos. O seguro social garante o direito a prestações reparadoras ao verificar-se o evento previsto, antes que os danos possam determinar o estado de indigência, de privação, da pessoa golpeada. A assistência intervém, não de direito, mas segundo avaliação discricionária, somente quando, por causa de eventos previstos ou não previstos, esteja já em ato um estado de indigência, de privação, que ela tem o fim de combater.16
Na obra de Paulo Márcio Cruz admite-se como pioneiro da ideia de um “Estado Social” o jurista alemão Lorenz von Stein (1815-1890), a partir de sua obra “História do movimento social na França”, de 1850, logo após, portanto, ao Manifesto Comunista de Marx (1848). Stein teria defendido, então, reformas capazes de corrigir os problemas da sociedade industrial. “Este autor, defensor do modelo que corresponde ao que ele mesmo qualifica como ‘monarquia social’, argumenta a favor das reformas sociais institucionalizadas como instrumento para evitar as revoluções”.17
As origens de um pensamento dirigido ao modelo contemporâneo de Estado – Democrático – devem ser creditadas a Ferdinand Lassale, o qual teria inspirado a Social Democracia, com seus ideais de exigência do sufrágio universal, proteção trabalhista e “uma repartição mais igualitária do Poder político, social e econômico”, propostos no Programa de Gotha (1875) em contraponto ao pensamento socialista científico de Marx, “que insistia que todo Direito é um Direito desigual e que sua superação e a do próprio Estado só se produziria com a superação da Sociedade de classes, com o estabelecimento da Sociedade Comunista”.18
Importante papel desempenhou também o economista alemão Adolph Wagner, que formulou uma teoria econômica conhecida por “Lei de Wagner”, a qual “anunciou a progressiva transformação do Estado até o que o próprio Wagner define como ‘o Estado de bem estar e de cultura’, impulsionado por crescimento dos gastos públicos superiores ao crescimento da economia; criação de novas instituições dotadas de formas inovadoras de intervenção estatal; e a previsão de que a receita do Estado poderia ser obtida por um imposto progressivo sobre a renda”.19 Wagner, assim, “se tornava o centro de uma escola do socialismo do Estado, entendendo que entre os indivíduos e as classes de uma nação existe uma solidariedade moral, ainda mais profunda do que a econômica”.20
Costuma-se referir, ainda, à publicação da Encíclica Papal “Rerum Novarum” (no pontificado de Leão XIII), de 15 de maio de 1891, como um marco importante na caminhada rumo às mudanças que se deram nesse período. Por aquele texto, “reconhecia a Igreja a tremenda injustiça social dos nossos dias, acabando por aceitar e recomendar a intervenção estatal na economia como único meio capaz de dar cobro aos abusos do regime”.21
O advento da Primeira Guerra Mundial (1914-1918) também pode ser considerado fator primordial na formação de um novo molde estatal. “Como acentua Leo Wolman, as consequências econômicas e sociais da Guerra Mundial foram causa de uma aceleração na marcha e possivelmente uma revisão nos próprios princípios da legislação social. O Estado interveio na questão do trabalho, por necessidade mesma de sobrevivência”.22
Por fim, no que tange aos fatores sociológicos de deflagração do Estado Contemporâneo, há que se frisar a Revolução Soviética de 1917, como sinal da grave ameaça imposta aos Estados Modernos liberais caso não se modificasse a estrutura da sociedade.23 Mas, também, indicava que:
A superação do liberalismo, começada pelos socialistas, foi, igualmente, obrados movimentos de direita, como o fascismo e o nazismo. Destruídas, na II Grande Guerra, essas concepções totalitárias, não ressuscitou, porém, a ideia do Estado liberal. Ao contrário, o intervencionismo do Estado se foi acentuando cada vez mais (…). Nesse quadro, rapidamente esboçado, os discípulos do liberalismo recuaram: abandonaram a ideia do Estado liberal puro e admitiram que ele, sem deixar de ser democrático, pode e deve intervir, não apenas na organização, mas, igualmente, na direção do processo econômico-social.24
Assim, o que se percebe é que o surgimento do Estado Contemporâneo é produto de uma situação em que os detentores do poder, no afã de obter a manutenção de tal estado de coisas, e a partir dos movimentos sociais, num processo lento e gradativo, modificam a ação do Estado, que tende a interferir diretamente em determinadas relações privadas, inicialmente, como será visto, de modo específico no campo das relações de trabalho e na proteção social de indivíduos alijados do mercado de trabalho.
Todavia, o intervencionismo estatal toma as feições definitivas no período que vai da quebra da Bolsa de Valores de Nova Iorque, em 1929, ao período imediatamente posterior à Segunda Guerra Mundial. Nesse período, surgem teorias econômicas aliadas a políticas estatais (como o New Deal norte-americano) que servirão de norte a profundas mudanças no molde estatal contemporâneo. É nesse interregno que se irá cunhar, de forma indelével, a expressão Estado do Bem-Estar Social (Welfare State).
Passava-se a entender que a proteção social era dever da sociedade como um todo, apresentando o caráter de solidariedade até hoje presente, pelo qual todos contribuem para que os necessitados de amparo possam tê-lo. Este conceito é fundamental para a noção de seguro social, já que sem o caráter de proteção de todos por todos, mediante a cotização geral dos indivíduos, não se pode falar em previdência social.
1.6EVOLUÇÃO DA PREVIDÊNCIA SOCIAL – DO MODELO DE BISMARCK AO MODELO DE BEVERIDGE
Paulo Cruz, citando Jean Touchard, indica quatro fases evolutivas da proteção social ao trabalhador: a) experimental; b) de consolidação; c) de expansão; e, finalmente, segundo o autor brasileiro, d) de redefinição, que tem início na década de oitenta e se encontra em curso.25
Na fase dita experimental, encontra-se a política social de Otto von Bismarck, que durante os anos de 1883 a 1889 faz viger um conjunto de normas que serão o embrião do que hoje é conhecido como Previdência Social, assegurando aos trabalhadores o seguro-doença, a aposentadoria e a proteção a vítimas de acidentes de trabalho, tema que será aprofundado em capítulo específico. Também dessa época é a luta pelo direito de voto em muitos Estados europeus, conquistado paulatinamente pelos indivíduos que não pertenciam à elite dominante.26 Outros países da Europa Ocidental adotaram, na mesma época, conduta semelhante. Na Inglaterra, foi promulgada, em 1907, uma lei de reparação de acidentes de trabalho, e, em 1911, outra lei tratou da cobertura à invalidez, à doença, à aposentadoria voluntária e à previsão de desemprego, tornando-a, na época, o país mais avançado em termos de legislação previdenciária.
Na fase de consolidação, destaca-se a constitucionalização de direitos sociais e políticos. A Constituição Mexicana de 1917 foi a primeira a arrolar e dar sistematização a um conjunto de direitos sociais, no que foi seguida pela Constituição de Weimar, no ano de 1919. Desta última, relevante transcrever, como fez Rocha, o art. 161 de seu texto: “O império promoverá a criação de um sistema geral de segurança social, para conservação da saúde e da capacidade para o trabalho, proteção da maternidade e prevenção de riscos de idade, da invalidez e das vicissitudes da vida”.27 A Organização Internacional do Trabalho surgiu com o Tratado de Versailles, em 1917. Em 1927, foi criada a Associação Internacional de Seguridade Social, com sede em Bruxelas, Bélgica.
Deflagrada a constitucionalização dos direitos sociais,
Abandonou o Estado, nestes últimos três quartos de século, o seu papel negativo, absenteísta, ausente, para se transformar em Estado positivo, procurando conscientemente equilibrar as forças econômicas da sociedade, mitigando as consequências do próprio princípio individualista de produção. (…) Interveio decididamente no domínio econômico e no mercado de mão de obra, com novos princípios de Estado de direito e de bem-estar.28
No âmbito das constituições dos Estados nesse período, observa-se que “os direitos sociais são alçados ao mesmo plano dos direitos civis, passando as constituições do primeiro pós-guerra a ser, não apenas políticas, mas políticas e sociais”.29
Também são indicativos dessa fase de maturação, a experiência norte-americana do então presidente Franklin Roosevelt, ao instituir a política do New Deal, com forte intervenção no domínio econômico e injeção de recursos orçamentários.30
A fase de expansão é notada a partir do período pós-Segunda Guerra, com a disseminação das ideias do economista inglês John Maynard Keynes, o qual pregava, em síntese, o crescimento econômico num contexto de intervenção estatal no sentido de melhor distribuir – ou até mesmo redistribuir – a renda nacional.31
Até então, é importante frisar, os planos previdenciários (de seguro social), em regra, obedeciam a um sistema chamado bismarckiano,32 ou de capitalização, ou seja, somente contribuíam os empregadores e os próprios trabalhadores empregados, numa poupança compulsória, abrangendo a proteção apenas destes assalariados contribuintes. Ou seja, embora o seguro social fosse imposto pelo Estado, ainda faltava a noção de solidariedade social, pois não havia a participação da totalidade dos indivíduos, seja como contribuintes, seja como potenciais beneficiários.
As propostas de Keynes foram aprofundadas por Lorde William Henry Beveridge, que havia sido seu colaborador e que, em 1941, foi designado pelo governo britânico para reexaminar os sistemas previdenciários da Inglaterra.33 A partir de 1944, então, foram estes alterados pela adoção, naquele país, do chamado Plano Beveridge, o qual, revendo todas as experiências até então praticadas pelos Estados que tinham adotado regimes de previdência, criou um sistema universal – abrangendo todos os indivíduos,34 com a participação compulsória de toda a população, com a noção de que a seguridade social é “o desenvolvimento harmônico dos economicamente débeis”.35
Nas palavras de Borges,
Em seu trabalho, Beveridge, usando as teorias de Keynes e revendo o conjunto das poor laws, propôs um amplo sistema de proteção ao cidadão, chamado de “Sistema Universal de Luta Contra a Pobreza”. Este sistema propiciou a universalização da previdência social na Grã-Bretanha, já que a proteção social se estendia a toda a população, não apenas aos trabalhadores, e propiciava um amplo atendimento à saúde e um sistema de proteção ao desemprego.36
A partir daí, nasce o regime beveridgeano,37 ou de repartição, em que toda a sociedade contribui para a criação de um fundo previdenciário, do qual são retiradas as prestações para aqueles que venham a ser atingidos por algum dos eventos previstos na legislação de amparo social.
Conforme relata Borges, como decorrência desse processo formaram-se duas correntes quanto aos sistemas de proteção social:
A primeira corrente, que seguia as proposições de Bismarck, possuía uma conotação muito mais “securitária”. Propunha que a proteção social ou previdenciária fosse destinada apenas aos trabalhadores que, de forma compulsória, deveriam verter contribuições para o sistema. Para esta corrente a responsabilidade do Estado deveria ser limitada à normatização e fiscalização do sistema, com pequeno aporte de recursos. O financiamento do sistema se dava com a contribuição dos trabalhadores e empregadores. A corrente “bismarquiana” encontrou campo para desenvolvimento em vários países, destacando-se a Alemanha, a França, a Bélgica, a Holanda e a Itália.
A segunda corrente se formou a partir do trabalhode Beveridge, e, para ela, a proteção social deve se dar, não somente ao trabalhador, mas também de modo universal a todo cidadão, independentemente de qualquer contribuição para o sistema. Segundo esta corrente, a responsabilidade do Estado é maior, com o orçamento estatal financiando a proteção social dos cidadãos. As propostas de Beveridge se desenvolveram de forma mais acentuada nos países nórdicos, especialmente na Suécia, na Noruega, na Finlândia, na Dinamarca e no Reino Unido.38
Existem, pois, dois modelos fundamentais de proteção social, que coexistem no Estado Contemporâneo após a Segunda Guerra Mundial, ambos, todavia, baseados no ideal de solidariedade e na intervenção do Estado no domínio econômico, diferenciando-se quanto à parcela da população destinatária e aos limites da participação do Estado no sistema de proteção: “Um sistema previdenciário cuja característica mais relevante seja a de funcionar como um seguro social pode ser designado como Bismarckiano. Um sistema que enfatize funções redistributivas, objetivando também a redução da pobreza pode ser qualificado por Beveridgeano”.39
Em função da expansão do modelo de segurança social concebido por Beveridge, no pós-Segunda Guerra, “depois das experiências totalitárias, nada menos que cinquenta Estados elaboraram novas constituições, buscando adaptação às novas exigências políticas e sociais, nas quais os direitos sociais ocupam um lugar de destaque.”40 Com isso, concluímos que dessa época em diante se materializa a universalização dos direitos sociais, acrescendo-se aí o seu reconhecimento como categoria integrante do rol de direitos fundamentais,41 o que fica patente em nível mundial a partir da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), mais especificamente em seu art. 25.42
Por fim, uma fase de “crise” ou de redefinição do papel do Estado Contemporâneo (como preferimos identificar a fase atual) é tida como iniciada com “a decisão dos Estados Unidos de não manter a convertibilidade do dólar em ouro, tomada em virtude da quantidade da moeda norte americana em circulação em outros países”.43 Assim, embora o Estado Contemporâneo tenha evoluído, até mesmo em maior escala que no período entre guerras, na dicção e proteção dos direitos sociais no período que se estende do fim da Segunda Guerra Mundial até a década de setenta do século XX, nos anos que se seguiram, as políticas sociais, em velocidades e escalas de grandezas diversas, de modo geral, sofreram retrações do ponto de vista protetivo, ou promocional. As razões que têm sido indicadas para esse processo são: o fim do ciclo de prosperidade econômica iniciado na década de cinquenta e o crescimento acentuado dos gastos públicos,44 aliado a fatores de diminuição dos postos de trabalho (automação) e demográficos.45
Como relata Cláudia Pereira, de acordo com uma doutrina (denominada neoliberal) que visa “readequar” o Estado em sua condição de interventor e patrocinador de políticas sociais mediante dispêndio de verbas orçamentárias, houve uma exacerbação do papel do Estado Contemporâneo no campo das relações particulares, gerando despesas insustentáveis, devendo, portanto, retroceder em alguns de seus postulados.46
Entretanto, em países – tais como o Brasil – que não atingiram o mesmo nível de proteção social que os dos continentes precursores de tais ideias – Europa, América do Norte, Oceania – o período atual gera problemas de outra ordem: a redução de gastos públicos com políticas sociais, o que, em verdade, significa o não atingimento do prometido Bem-Estar Social.
Por esse motivo, existem críticas à utilização da expressão “Estado de Bem-Estar”, que advém da doutrina econômica ligada a Keynes e Beveridge, na Inglaterra, e o New Deal, nos Estados Unidos, pois, em razão de problemas na implementação das políticas sociais propugnadas, muitos estudiosos observam não ter chegado a existir “bem-estar” em muitos Estados que se disseram adeptos de tal modelo.47
Há que se assinalar, todavia, que o modelo previdenciário vislumbrado na política do bem-estar social, o Welfare State, vem sendo substituído, em diversos países, por um outro, no qual o principal fundamento é a poupança individual, sem a centralização dos recursos das contribuições em órgãos estatais. Países da América Latina, como Chile – precursor desta nova modalidade de previdência –, México, Peru, Argentina, Colômbia, Uruguai, Venezuela, Equador e Bolívia vêm adotando a privatização da gestão previdenciária, uns mantendo a presença estatal em níveis mínimos, outros deixando totalmente ao encargo da iniciativa privada a questão da poupança previdenciária.48
As chamadas “reformas” dos sistemas previdenciários públicos obedecem, em síntese, a dois moldes, segundo a classificação de Carmelo Mesa-Lago: (1) reformas estruturais, que visam modificar radicalmente o sistema público, seja introduzindo um componente privado como complemento ao público, seja criando um sistema privado que concorra com o público; e (2) reformas não estruturais, ou paramétricas, que visam melhorar um sistema público de benefícios a fim de fortalecê-lo financeiramente a longo prazo, por exemplo, incrementando a idade de aposentadoria ou o valor das contribuições, ou ainda tornando mais exata a fórmula de calcular o benefício.49
Concluída esta breve visão histórica do surgimento e da evolução das políticas de proteção social como característica da formação do Estado Contemporâneo, contrapondo-se ao Estado Moderno, segue-se a análise dos fundamentos da Previdência Social – suas fontes materiais – para melhor compreensão de seu regramento.
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