Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
UNIDADE IILIMIAR ANAERÓBIO 31 CAPÍTULO 4 Definição de limiar anaeróbio Na área de ciências do esporte, existem poucos conceitos que geram tantos debates como o conceito do limar anaeróbio. Para entender o limiar anaeróbio, é fundamental compreender os sistemas metabólicos que fornecem energia durante o exercício físico. Assim, faremos uma breve revisão acerca da bioenergética, estudada no capítulo anterior. “...Tipicamente, o ácido pirúvico resulta da glicólise, por ser incorporado no metabolismo oxidativo via ciclo de Krebs ou ser convertido em ácido lático. A conversão de ácido pirúvico em ácido láctico é uma etapa importante em que o NADH citoplasmático é oxidado. Essa etapa assegura um fornecimento contínuo de NAD+ para a glicólise. Assim, em vez da inibição da glicólise, a formação de ácido láctico permite que essa via continue ativa...” (SVEDAHL; MACINTOSH, 2003) Desta forma, é a acumulação de lactato e, não simplesmente, a evidência da sua produção, que deve ser considerado para representar a taxa metabólica acima do limiar anaeróbio. Esse acúmulo pode ser no tecido muscular e/ou no sangue. O acúmulo de lactato representa a situação em que a produção glicolítica de ácido pirúvico e ácido láctico excede a taxa de incorporação dessas moléculas no ciclo de Krebs. Após uma breve introdução, que se fez necessária para contextualizar o limiar anaeróbio, são apresentados os conceitos mais tradicionais do limiar anaeróbio. 1. É o momento, em relação à intensidade do esforço físico ou consumo de oxigênio, em que a produção de ATP é suplementada pela glicólise anaeróbia, com formação de ácido lático. 2. É a intensidade do exercício em que ocorre a transição do metabolismo aeróbio para anaeróbio. 3. É a mais alta intensidade do esforço físico mantida plenamente pelas vias aeróbias. 4. É caracterizado quando existe um equilíbrio dinâmico máximo entre a produção e reconversão do ácido lático. Como discutido no capítulo anterior, o lactato pode ser captado e oxidado em outros tecidos ou órgãos. Assim, quando a concentração de lactato não apresenta um aumento, a taxa de remoção é igual ou excede a taxa de liberação no sangue. Se todo o lactato removido do sangue é oxidado, a intensidade do exercício pode ser considerada como igual ou inferior à intensidade do limiar anaeróbio. Por outro lado, se ocorre 32 um acúmulo de lactato no sangue, ou seja, a taxa de remoção é menor que a taxa de liberação no sangue, a intensidade do exercício é superior ao limiar anaeróbio. (SVEDAHL; MACINTOSH, 2003) O termo “limiar anaeróbio” foi proposto, inicialmente, por Wasserman e McIlroy (1964). Os pesquisadores queriam identifi car, por meio de um teste incremental, uma intensidade do exercício que provocasse, mas de forma segura, uma quantidade de estresse físico em pacientes com doenças cardiovasculares. Assim, utilizando de testes incrementais, os autores mostraram que o limiar anaeróbio está associado à diminuição do bicarbonato plasmático e do pH, assim como em alterações em parâmetros ergoespirométricos. A discussão dos mecanismos celulares associados com a formação de ácido lático e seu acúmulo no sangue, provavelmente, continuará ao longo de muitos anos. No entanto, permanece um consenso de que, acima de uma determinada intensidade do exercício, ocorre o acúmulo de ácido lático no sangue. Neste sentido, para a determinação dessa intensidade, caracterizada pela transição do metabolismo aeróbio para anaeróbio, foram desenvolvidos diversos protocolos. A determinação dessa intensidade é um importante marcador da capacidade anaeróbia lática, ou seja, de exercício de endurance. Por essa razão, o conceito de limiar anaeróbio é comumente referido em programas de treinamento. A avaliação do limiar anaeróbio fornece uma intensidade de referência em torno da qual os programas de treinamento podem ser projetados. Exercício realizado em uma intensidade próxima ao limiar anaeróbio é considerado moderado, enquanto exercício abaixo desta intensidade é leve. Quando a intensidade de exercício excede substancialmente o limiar anaeróbio, é considerado exercício intenso. Devido à sua importância, a fi siologia do exercício tem desenvolvido várias metodologias para a determinação da intensidade do esforço físico correspondente ao limiar anaeróbio (MACHADO; GOBATO, 2006). Para ser útil, o método deve ser reproduzível e determinar o ponto de transição com adequada exatidão. O método também tem de ser objetivo. A avaliação das vantagens dos testes deve incluir considerações práticas para os sujeitos, como o tempo necessário, técnica de invasão e custos. (SVEDAHL; MACINTOSH, 2003) Desta forma, durante os próximos dois capítulos, serão estudados os métodos diretos e indiretos para determinação do limar anaeróbio. É importante destacar, desde já, que os métodos diretos requerem técnicas invasivas, uma vez que a mensuração do lactato sanguíneo é essencial para essa medida. Por outro lado, as técnicas indiretas são valiosas pelo seu procedimento não invasivo. UNIDADE II | LIMIAR ANAERÓBIO 33 CAPÍTULO 5 Métodos diretos para determinação do limiar anaeróbio A identifi cação direta do limiar anaeróbio requer a determinação da concentração de lactato sanguíneo no sangue. A mensuração direta do lactato proveniente da massa muscular metabolicamente ativa com o exercício físico é considerada o golden standard para a obtenção da curva de acúmulo desse metabólito, apesar de ser uma técnica invasiva. Por ser uma medida direta, o termo limiar anaeróbio pode ser substituído pelo termo limiar de lactato ou seja, a intensidade de exercício em que a concentração sanguínea de lactato passa a aumentar abruptamente. A mensuração da concentração de lactato é realizada pelo sangue arterializado do lóbulo da orelha, podendo ser realizado, também, pelo sangue venoso. A concentração plasmática de ácido lático pode ser mensurada por meio de dois métodos: método fotocolorimétrico e método enzimático. Os dois métodos são validados na literatura, no entanto, existem algumas diferenças. Basicamente, o método fotocolorimétrico é utilizado para treinamento, uma vez que o aparelho é portátil. O método enzimático é utilizado, principalmente, em pesquisa, devido à sua maior precisão. Apesar de este último ser um aparelho com custos elevados, cada amostra de lactato é mais barata que o método fotocolorimétrico. Na Figura 18, são mostrados os dois aparelhos. Figura 18 – Lactímetros enzimático (A) e fotocolorimétrico (B). Deste modo, os métodos diretos para determinação do limiar anaeróbio são baseados na análise da curva da lactacidemia em função da intensidade do exercício. Existem vários protocolos validados na literatura para a determinação do limar de lactato. Neste Caderno de Estudos, iremos estudar apenas cinco testes: 1. Teste Incremental Máximo 2. Lactato Mínimo 34 3. Limiar Anaeróbio Individual (IAT – Stegmann) 4. OBLA ou Valor Fixo de 4 mmol/L 5. Máxima Fase Estável do Lactato Será realizada uma análise dos cinco testes, abordando a descrição, utilização e análise crítica de cada um. Teste Incremental Máximo O protocolo incremental é capaz de, pelo incremento de cargas ao longo do tempo, estimular o aumento da frequência respiratória e consumo de oxigênio, bem como o crescimento exponencial da concentração de lactato sanguíneo, possibilitando a análise da curva. (FAUDE; KINDERMANN et al., 2009) Em relação a este teste, não existe uma padronização da carga inicial, do valor dos incrementos e da duração de cada estágio para diferentes ergômetros. Assim, a escolha desses parâmetros é realizada pelo pesquisador/treinador, de acordo com o objetivo, a especifi cidade e os recursos disponíveis. O objetivo já está bem defi nido: que é a determinação do limiar de lactato. A especifi cidade do teste refere-se à aplicabilidade parao treino e consequente competição. Ou seja, se o objetivo é avaliar um corredor, o melhor ergômetro será a esteira. Não faz sentido avaliar um corredor em um cicloergômetro quando está disponível uma esteira. Por último, os recursos disponíveis são o fator que mais infl uência na elaboração do teste incremental. O teste tem de ser projetado para que inicie e termine dentro dos recursos apresentados no ergômetro. Ou seja, não faz sentido elaborar um teste em esteira em que serão realizadas cargas de 16km/h ou mais em uma esteira cujo limite máximo de velocidade é de 15km/h. Além disso, a escolha da carga inicial e dos valores dos incrementos deve ser realizada de acordo com o nível de aptidão física do indivíduo estudado e de precisão necessária para a determinação do limiar de lactato. Vamo-nos focar em um exemplo para a determinação do limar anaeróbio para um indivíduo corredor com um nível de aptidão física normal. O objetivo é a determinação do limiar anaeróbio por meio de um protocolo crescente, a especifi cidade é um corredor com aptidão física normal e os recursos disponíveis são uma esteira com velocidade máxima de 20km/h e intervalos de velocidade de 0,1km/h. O protocolo mais utilizado tem as seguintes características. » Duração de cada estágio de 2 minutos, sem repouso entre estágios. » Início do protocolo em 5km/h. » Incremento de 1km/h a cada 2 minutos, ou seja, em cada estágio. » Interrupção do teste quando o indivíduo atingir a fadiga. » No fi nal de cada estágio, coleta de sangue para análise do lactato sanguíneo. UNIDADE II | LIMIAR ANAERÓBIO 35 A coleta de sangue é realizada logo após o fi nal de cada estágio. Como não ocorre repouso entre os estágios, o indivíduo desloca-se rapidamente para a lateral da esteira e a coleta de sangue é realizada rapidamente (menos de 10 segundos é o ideal) pelo avaliador. A Figura 19 é um exemplo de uma fi cha de registro da concentração de lactato durante o teste. Figura 19 – Ficha de registro – determinação do limiar anaeróbio por teste incremental máximo. Como se pode observar, além de um cabeçalho que fornece as informações necessárias para a realização do teste, a fi cha de registro permite anotar a concentração de lactato sanguíneo e frequência cardíaca em cada estágio. A coluna “eppendorf ” é utilizada para marcar os tubos de eppendorf quando o sangue é armazenado e, só depois, avaliado. Após a determinação da concentração de lactato sanguíneo em cada estágio, a etapa seguinte é analisar o comportamento da lactacidemia em função da velocidade de corrida, de modo a determinar o ponto em que sua concentração começa a aumentar exponencialmente. A Figura 20 exemplifi ca essa determinação por meio de uma análise visual. LIMIAR ANAERÓBIO | UNIDADE II 36 Figura 20 – Determinação do limiar de lactato em exercício crescente por meio de inspeção visual. O limiar de lactato para este exemplo é visualizado facilmente. Observa-se que ocorre um aumento exponencial a partir de 11km/h. Desta forma, a intensidade do limiar anaeróbio, que pode ser abreviado pela siga “LAn”, ocorreu na velocidade de 11km/h. Existem várias metodologias para a determinação do ponto de infl exão da concentração do lactato sanguíneo em função da intensidade do exercício. Na Figura 20, está representada a metodologia de inspeção visual, proposta por Wasserman et al. (1973). Outra metodologia muito utilizada e recomendada na literatura é o método log-log, proposto por Beaver et al. (1985). Basicamente, a metodologia transforma os valores de lactato e de velocidade na sua base logarítmica. Após a transformação dos valores na sua base logarítmica, é realizada uma regressão linear dupla. A regressão transforma todos os pontos em dois segmentos de reta com um ponto em comum. O ponto de intercepção entre os segmentos de reta é considerado a intensidade do limiar anaeróbio. Ohr et al. (1982) também propôs uma metodologia muito semelhante, no entanto a regressão linear dupla é realizada sem a transformação dos dados na base logarítmica (método bi-segmentado). A Figura 21 representa a determinação do limiar anaeróbio, no exemplo indicado acima, por três metodologias para determinação do ponto de infl exão. Pode-se observar que a intensidade é muito semelhante, apesar de existirem diferenças. O método, de inspeção visual determina a intensidade do limiar anaeróbio apenas nas velocidades em que o indivíduo realizou os estágios, enquanto que, no outros dois métodos, a intensidade pode ser qualquer valor, mais preciso. Figura 21 – Determinação do limiar anaeróbio por três metodologias diferentes de análise do ponto de inflexão da concentração de lactato sanguíneo. UNIDADE II | LIMIAR ANAERÓBIO 37 Recomenda-se a leitura de dois artigos que discutem essas metodologias. O segundo artigo discute quatro metodologias de determinação do ponto de inflexão em exercício resistido. Davis, J. A., R. Rozenek, et al. Comparison of three methods for detection of the lactate threshold. Clin Physiol Funct Imaging, v.27, n.6, Nov, pp. 381-4. 2007. Sousa, N., Magosso. Rodrigo, et al. The measurement of lactate threshold in resistance exercise: a comparison of methods. Clin Physiol Funct Imaging, 2011. doi: 10.1111/j.1475-097X.2011.01027.x A utilização de um teste crescente é uma das metodologias mais utilizadas na literatura para determinação do limiar anaeróbio, principalmente, porque é um teste que pode ser construído de acordo com a especifi cidade do avaliado e dos recursos disponíveis. Desta forma, pode ser adaptado para os diversos esportes. Sem dúvida que corrida (em esteira), ciclismo (cicloergômetro) e natação (nada em velocidades constantes) são os esportes em que este método é mais utilizado. Entretanto, outros estudos com o teste incremental adaptado para outros esportes estão disponíveis na literatura, como tênis de mesa, judô e mesmo musculação. Teste de Lactato Mínimo O teste de lactato mínimo foi proposto por Tegtbur et al. (1993), que aplicaram um teste incremental em corredores e jogadores de basquete. No entanto, antes da realização do protocolo incremental, deram um estímulo intenso, que provocou acidose metabólica. O objetivo do estímulo supramáximo é, apenas, induzir uma hiperlactacidemia antes do início do teste padrão com cargas progressivas, ou seja, do protocolo incremental máximo. O estímulo pode ser um teste de Wingate, uma corrida de 400m na velocidade máxima ou, mesmo, nadar 100m na velocidade máxima. O protocolo segue as seguintes etapas: » indução de acidose metabólica por um exercício supramáximo de curta duração; » após o exercício supramáximo, sete minutos de repouso; » no sétimo minuto, dosagem da concentração de lactato; » no oitavo minuto, início do protocolo de teste incremental máximo, descrito no teste (1). Apesar de o teste de lactato mínimo ser realizado, também, com um protocolo de teste incremental, a prévia indução da acidose lática altera signifi cativamente a curva da lactacidemia. A dosagem da concentração de lactato sanguíneo é realizada no sétimo minuto de repouso, porque vários estudos demonstram que, após um esforço supramáximo, a concentração máxima de lactato ocorre, em média, entre seis a oito minutos. Vamos voltar ao nosso exemplo de determinação do limar anaeróbio para um indivíduo corredor com um nível de aptidão física normal. A fi cha de registro pode ser igual à fi cha do teste incremental, LIMIAR ANAERÓBIO | UNIDADE II 38 acrescentando-se, apenas, uma linha antes do início do teste incremental, para se anotar o valor do lactato sanguíneo no sétimo minuto de repouso. A Figura 22 representa a determinação do limiar de lactato pelo teste de lactato mínimo. O limiar anaeróbio corresponde à intensidade do menor valor de lactato, que, neste caso, foi de 11km/h. Como observado, a curva da lactacidemia passa a seruma curva com um formato em “U”. Esse formato deve-se à indução prévia de acidose realizada pelo exercício supramáximo, representado a grande característica deste protocolo. A curva da lactacidemia pode ser dividida em uma fase descendente e outra ascendente. Na fase descendente, a reconversão do lactato sanguíneo é maior que a sua produção, diminuindo a concentração no sangue. Essa fase ocorre até a intensidade do limiar de lactato, uma vez que a intensidade do exercício é baixa/moderada e consegue ser mantida, predominantemente, pelo metabolismo anaeróbio, sem a produção de lactato sanguíneo. Por outro lado, na fase ascendente, a reconversão é menor que a produção, provocando o aumento da concentração de lactato sanguíneo. O início da fase ascendente deve-se à predominância da via glicolítica, com produção de ácido lático, em relação à via oxidativa. A partir desse ponto, a produção de lactato sanguíneo supera a sua reconversão, permitindo determinar o limiar de lactato pelo menor valor de lactato sanguíneo. Figure 22 – Determinação do limiar de lactato pelo teste de lactato mínimo. R > P: reconversão de lactato maior que sua produção; R < P: reconversão de lactato menor que sua produção; n Valor do lactato sanguíneo sete minutos após o exercício supramáximo. A grande vantagem deste teste é a possibilidade de avaliar o metabolismo aeróbio e anaeróbio em um só teste. No entanto, o teste de lactato mínimo é fortemente infl uenciado pela velocidade inicial dele. (CARTER; JONES et al., 1999) Outro cuidado que tem de se ter para a aplicação deste teste é com a população a quem se destina. Por induzir uma acidose por meio de um exercício supramáximo, o protocolo é indicado para indivíduos treinados e contraindicado para populações especiais e sedentários. Teste Limiar Anaeróbio Individual (IAT – Stegmann) Stegmann et al. (1981) individualizaram a identifi cação do limiar anaeróbio desenvolvendo um modelo matemático para sua identifi cação baseado na remoção do lactato durante a fase de recuperação. Os autores denominaram este método de limiar anaeróbio individual (IAT). Mais uma vez, o protocolo UNIDADE II | LIMIAR ANAERÓBIO 39 deriva do teste incremental máximo com uma alteração no fi nal do exercício e no método de determinar o aumento exponencial da concentração de lactato sanguíneo. Assumindo um novo exemplo, a determinação do limiar anaeróbio em um indivíduo ciclista com aptidão física normal pode ser realizada em um cicloergômetro, da seguinte forma. » Duração de cada estágio de 2 minutos, sem repouso entre estágios. » Início do protocolo em 25 W. » Incremento de 25 W a cada 2 minutos, ou seja, em cada estágio. » No fi nal de cada estágio, coleta de sangue, para análise do lactato sanguíneo. » Interrupção do teste quando o indivíduo atingir a fadiga. » Coleta de sangue, para análise do lactato sanguíneo, a cada 2 minutos, após a interrupção do teste. A coleta é realizada até que a concentração de lactato sanguíneo apresente um valor menor que no último estágio atingido pelo indivíduo. Como se pode observar, a primeira fase do teste é igual a um teste incremental máximo. Deste modo, também pode sofrer adaptações em relação à especifi cidade e aos recursos disponíveis. A diferença neste protocolo resume-se no fi nal do teste, com mensuração da lactacidemia até que atinja um valor menor que no último estágio. A curva da lactacidemia e os processos matemáticos para determinação do limiar anaeróbio estão representados na Figura 23. Relativamente à forma da curva da lactacidemia, pode ser dividida em fase de exercício e fase de repouso. Durante a fase de exercício, a curva é semelhante a um teste incremental máximo, com um aumento discreto até um determinado ponto, e seguindo por um incremento exponencial. Durante a fase de repouso, a concentração de lactato tende a aumentar nos primeiros minutos (atraso de liberação do lactato sanguíneo no sangue), para, depois, começar a diminuir para os valores basais. Matematicamente, para determinar a intensidade correspondente ao limiar anaeróbio, é fundamental que seja mensurado o lactato até um valor inferior ao último estágio atingido no teste. Após a construção da curva de lactacidemia, desenhar uma semirreta paralela ao eixo das abcissas (carga) e que corte a curva em um ponto durante a fase de recuperação. A partir desse ponto, desenhar outra semirreta tangente à curva da lactacidemia durante o teste incremental. O ponto de intercepção entre o segmento de reta e a curva da lactacidemia é considerado o limiar anaeróbio. Relembrando conceitos: A tangente é a reta que intercepta uma curva em, apenas, um ponto. Fonte: Wikipédia, a enciclopédia livre. LIMIAR ANAERÓBIO | UNIDADE II 40 Figure 23 – Determinação do limiar anaeróbio pelo teste limiar anaeróbio individual (IAT) em cicloergômetro. Este método tem grande aceitação na literatura por diversos pesquisadores que afi rmam que o limiar anaeróbio individual permite estimar a máxima fase estável do lactato (URHAUSEN; COEN et al., 1993; Coen; Urhausen et al., 2001), que será estudada mais à frente, neste capítulo. OBLA ou Valor Fixo de 4mmol/L O OBLA ou valor fi xo de 4mmol/L foi proposto por Sjodin e Jacobs (SJODIN; JACOBS, 1981) e, mais tarde, justifi cado por Heck et al. (HECK; MADER et al., 1985) O termo OBLA deriva do inglês Onset of blood lactate accumulation, que, em português, pode ser traduzido por início do acúmulo de lactato sanguíneo. O autores que propuseram esta metodologia afi rmam que o lactato sanguíneo começa a se acumular a partir de uma concentração de 4mmol/L, defi nindo o ponto correspondente a esse valor como a intensidade do limiar anaeróbio. O OBLA pode ser defi nido por meio de duas metodologias distintas, uma mais robusta e precisa e outra com vantagens pela rapidez e pelo número reduzido de coletas (apenas 2). Baseado no exemplo anterior do ciclista, a metodologia mais robusta é a seguinte. » Realização do teste incremental máximo. » Determinação, na curva da lactacidemia, da intensidade correspondente à concentração de 4mmol/L. Em relação à outra metodologia, o avaliador necessita de alguma experiência para defi nir duas intensidades de exercício com características diferentes. Apesar de ser uma metodologia rápida, tem muitas limitações, colocando sua aplicabilidade em causa. Continuando com o exemplo do ciclista, o método é o seguinte. » Realização de uma atividade física com intensidade leve e duração de três minutos, seguida de uma intensidade pesada também com duração de três minutos. UNIDADE II | LIMIAR ANAERÓBIO 41 » No fi nal de cada estágio, coleta de uma amostra de sangue, para determinação da concentração de lactato sanguíneo. O avaliador tem de ser experiente, pois tem de escolher duas intensidades de exercício em que, na primeira, a concentração de lactato sanguíneo seja menor que 4mmol/L e, na segunda, maior. » Determinação na curva da lactacidemia, da intensidade correspondente à concentração de 4mmol/L. Esta metodologia, apesar de necessitar, apenas, de duas amostras da concentração de lactato sanguíneo, é extremamente rudimentar. A literatura é vasta em criticar a metodologia, apesar de se usar. A Figura 24 representa um exemplo de determinação do limar anaeróbio pelo OBLA ou valor fi xo de 4mmol/L nas duas variantes. Como se pode observar, a intensidade do limiar anaeróbio é a carga de trabalho correspondente à concentração de lactato sanguíneo. Figura 24 – Determinação do limiar anaeróbio pelo método de valor fixo de 4mmol/L por meio de teste incremental (A) e uma metodologia apenas com duas amostras da concentração de lactato sanguíneo (B). Máxima Fase Estável do Lactato A máxima fase estável de lactato (MFEL) é defi nida como a maior concentração de lactato que pode ser alcançada para a manutenção de umestado de equilíbrio em um exercício submáximo com carga de trabalho constante. Assim, a carga de trabalho correspondente à MFEL representa a maior intensidade submáxima que pode ser realizada sem a contribuição do metabolismo anaeróbio. Acima da intensidade da MFEL, a cinética da concentração do lactato sanguíneo apresenta um claro aumento com o tempo durante um exercício com carga constante. (HECK; MADER et al., 1985; BENEKE, 1995) Quando um exercício é realizado na MFEL, o lactato não se acumula no plasma, e presume-se que o metabolismo aeróbio seja sufi ciente para suprir toda a demanda energética do exercício. (SVEDAHL; MACINTOSH, 2003) Por esse motivo, existe uma grande relação entre a carga de trabalho associada à MFEL e a performance em atividades de longa duração. No entanto, devido à MFEL ser o principal método para determinação da maior carga de trabalho que pode ser mantida sem o contínuo acúmulo de lactato no sangue, foram desenvolvidos vários protocolos para sua mensuração. (HECK; MADER et al., 1985; BENEKE, 1995) Todos os métodos diferem, basicamente, no tempo de duração, no período de observação da cinética do lactato e na sua concentração máxima LIMIAR ANAERÓBIO | UNIDADE II 42 de aumento aceite. A metodologia mais utilizada na literatura é a realização de séries de exercícios com intensidade constante e duração de 30 minutos em diferentes dias. Através dessas séries de exercícios, a MFEL é defi nida como a maior carga de trabalho em que a concentração de lactato sanguíneo não aumenta mais de 1mmol/L nos últimos 20 minutos do teste. (BENEKE; VON DUVILLARD, 1996) A maioria das diferenças encontradas nas metodologias deve-se ao fato de que o tempo para se atingir um estado de equilíbrio na lactacidemia pode demorar de 2 a 5 minutos, dependendo do grau de elevação do lactato e do incremento de carga durante o teste incremental. (FREUND; OYONO-ENGUELLE et al., 1986) A determinação da máxima fase estável de lactato é realizada em vários dias, com um protocolo fi xo para todos os dias de exercício. A única variável que se altera é a intensidade do exercício constante. Voltando ao exemplo do cliclista com nível de aptidão física normal, o protocolo para determinação da máxima fase estável apresenta as seguintes características. » Escolha aleatória de uma intensidade de trabalho para o primeiro teste com carga constante. A escolha deve ser realizada de acordo com a experiência do avaliador, próxima do que ele pensa ser o limar anaeróbio para o indivíduo avaliado (por exemplo: 150W). » Realização de exercício constante (no caso, cicloergômetro), na intensidade previamente defi nida, por um período de 30 minutos. » Coleta sanguínea no décimo, vigésimo e trigésimo minuto de exercício, para determinação da concentração de lactato sanguíneo. » Calculo da diferença entre o décimo e o trigésimo minuto. Se for menor ou igual a 1mmol/L, o exercício é considerado em estado estável do lactato. Se for maior que 1mmol/L, o exercício é considerado acima do estado estável. » Intervalo de 48 horas para o próximo teste. » Realização do mesmo exercício constante, mas com intensidade diferente. Se o exercício anterior foi considerado estável, a intensidade é superior. Se o exercício anterior foi considerado acima do estado estável, a intensidade deve ser inferior. Vamos considerar, como exemplo, que o primeiro teste apresentou um estado estável. Neste caso, o exercício deve ser com intensidade superior, ou seja, 175W. » Calculo da diferença entre o décimo e o trigésimo minuto. » Intervalo de 48 horas para o próximo teste. » Nova realização do exercício constante com os critérios estabelecidos anteriormente. Como exemplo, se o exercício anterior também foi realizado em estado estável, a intensidade do terceiro teste deve ser 200W. » A MFEL é determinada quando for realizado um exercício constante no qual a concentração de lactato sanguíneo seja menor ou igual a 1mmol/L e a intensidade subsequente seja maior que 1mmol/L. UNIDADE II | LIMIAR ANAERÓBIO 43 A intensidade da MFEL é a máxima intensidade na qual a concentração de lactato sanguíneo é menor ou igual a 1mmol/L. A Figura 25 representa a determinação da MFEL para o caso descrito anteriormente. Como se pode observar, a diferença da concentração de lactato para as cargas de 150W e 175W é menor que 1mmol/L. No entanto, essa diferença é maior quando o exercício é realizado na carga de 200W. A intensidade de 150W é considerada fase estável do lactato, mas não a máxima, uma vez que, na intensidade subsequente (175W), ainda ocorre a estabilização da concentração de lactato. Desta forma, a intensidade da MFEL é 175W, uma vez que, em 200W, a concentração de lactato não apresenta estabilização. Figura 25 – Determinação da máxima fase estável de lactato em cicloergômetro. Durante um exercício realizado na intensidade da MFEL, ocorre um equilíbrio entre a produção e remoção de lactato sanguíneo, permitindo a realização de exercício físico por longos períodos de tempo. Estima-se que o tempo médio de exaustão nesta intensidade de exercício seja, aproximadamente, de 60 minutos. (BILLAT; SIRVENT et al., 2003) A MFEL é, atualmente, considerada como a melhor intensidade de esforço para o aprimoramento da aptidão cardiorrespiratória. Relaciona-se fortemente com provas longas, em que o metabolismo aeróbio é fortemente solicitado. Concluindo, a MFEL é capaz de determinar o maior volume de trabalho que pode ser mantido ao longo do tempo sem um contínuo acúmulo de lactato sanguíneo. Apesar da não completa homeostase observada durante um exercício na sua intensidade, pode ser considerada como o melhor preditor de exaustão, sendo altamente recomendada para determinação do ponto de equilíbrio entre a produção e remoção do lactato sanguíneo. Como descrito no início do capítulo, a escolha pelo melhor protocolo tem de levar em conta vários aspectos, principalmente, a especifi cidade e os recursos disponíveis. A experiência do avaliador também é fundamental para essa escolha. Não se pode esquecer de que todos os protocolos para determinação do limiar anaeróbio são dependentes, ou seja, a intensidade do limiar anaeróbio pode ocorrer em diferentes pontos, dependendo da metodologia. Desta forma, sempre que a avaliação de um indivíduo seja realizada com um determinado protocolo, as reavaliações também têm de seguir o mesmo método, sob pena de cometer erros de interpretação de resultados que são explicados por metodologias diferentes. LIMIAR ANAERÓBIO | UNIDADE II 44 Recomendo a leitura do artigo intitulado “Incremental Exercise Test Design and Analysis: Implications for Performance Diagnostics in Endurance Athletes”. Apesar de o artigo também discutir protocolos para determinação do VO2max, também aborda o limiar anaeróbio. O artigo tem como objetivo verificar os efeitos da modificação de um protocolo de exercício incremental nas variáveis fisiológicas máximas e submáximas correspondentes à performance de endurance em atletas, assim como verificar as limitações metodológicas que influenciam os parâmetros fisiológicos. Os autores fazem as seguintes conclusões: (1) a modificação de um protocolo de teste incremental pode alterar os parâmetros fisiológicos máximos e submáximos: protocolos dependentes; (2) essas alterações podem comprometer o seu uso para a avaliação do treino, assim como para o prognóstico de performance; (3) um protocolo de teste incremental com 3 minutos de estágio proporciona as medidas mais válidas de performance de endurance. Sugiro a leitura do artigo, para definir qual o melhor desenho experimental na determinação do limiar anaeróbio. Fonte: Bentley, D. J.; Newell, J. et al. Incremental exercise test design and analysis: implications for performance diagnostics in endurance athletes. Sports Med, v.37, n.7, pp. 575-86.2007. Sugestão de leitura em português: Altimari, J. M., Altimari, L. R., et al. Correlações entre protocolos de determinação do limiar anaeróbio e o desempenho aeróbio em nadadores adolescentes. Rev Bras Med Esporte, v.13, n.4, p.245-250. 2007. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rbme/v13n4/07.pdf>. Praticando a determinação do limiar anaeróbio Agora que já foram definidos os protocolos mais importantes para determinação do limiar anaeróbio, é necessário praticar um pouco. Resolva o exercício seguinte, para determinação do limiar de lactato. Exercício: João Ribeiro é praticante de ciclismo e realizou um teste incremental máximo para determinação do limiar anaeróbio. A ficha de registro é apresentada em seguida. Passadas 48 horas, João voltou a realizar outro protocolo, para determinação do limar anaeróbio, de forma a confirmar os resultados. No entanto, o teste escolhido foi o de lactato mínimo. A ficha de registro também é apresentada seguidamente. Desenho os gráficos para cada protocolo, de acordo com a ficha de registro. Determine o limiar anaeróbio em cada gráfico. Faça uma análise crítica da relação entre os resultados, assim como da escolha dos protocolos. UNIDADE II | LIMIAR ANAERÓBIO 45 Ficha de Registro do Teste Incremental Máximo LIMIAR ANAERÓBIO | UNIDADE II 46 Ficha de Registro do Teste de Lactato Mínimo Gráficos para Determinação do Limiar Anaeróbio TESTE INCREMENTAL MÁXIMO VALOR FIXO DE 4MMOL/L IAT LACTATO MÍNIMO UNIDADE II | LIMIAR ANAERÓBIO
Compartilhar