Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
'ìì I lr ít: lt') O contato com o paciente Maria da Graça B. Raymundo .ii il: !:.: 'i t t. .t' 'l ir ìl fi expressão contato, da raizlatina contactum /Lì(Carvalho, 1955), quer dizer exercitar o tato, com vistas ao toque dentro de uma relação de influência e de proximidade (Ferreira, 1986). De forma metafórica, no processo psico- diagnóstico, o papel do psicólogo é o de tate- ar pelos meandros da angústia, da desconfi- ança e do sofrimento da pessoa que vem em busca de ajuda. Tatear, então, é lidar com as inúmeras resistências ao processo, sentimen- tos ambivalentes e situações desconhecidas. Primeiramente, é preciso ter clareza de que a sintomatologia já se fez presente e manifesta em período anterior à marcação da consulta, e de que, certamente, várias formas de driblar o sofrimento foram experimentadas e várias ex- plicações foram empregadas, resultando no incremento da angústia. Essas resistências po- dem passar, também, pelo desconhecimento do que seja o trabalho com um profissional em psicologia, pelos estereótipos culturais em tor- no da área psi e dos preconceitos sobre quem requer esse atendimento. No caso de crianças ou adolescentes, as dificuldades são freqüen- temente relacionadas com a influência de com- panheiros, atribuídas à indisciplina ou a ,,pro- blemas de idade". As resistências mais imperiosas ficam por conta das questóes internas, pois estão sob a regência de ananke, a Necessidade, a Grande 38 Junrvn Arcrors CuruHR Senhora do Mundo Subterrâneo ou mundo psíquico inconsciente (Hillman, 1997). Ela ma- nifesta sua força inexorável por desvios, como a desordem, a desarmonia, a aflição diante de si próprio e no trato com as coisas do mundo circundante. Como conseqüência, a própria pessoa procura conviver com os seus sintomas, e a família tenta tolerá-los, mas há limites para o sofrimento e para a tolerância. Freqüente- mente, os sintomas são observados por alguém mais, por uma pessoa com certo poder de in- fluência, que pode assumir o papel de agente de saúde, como um professor, uma assistente social, um médico, ou, provavelmente, uma dessas pessoas é procurada, para apoio e acon- selhamento, de onde surge a decisão de busca de ajuda. A pessoa em sofrimento chega para o pri- meiro contato com o psicólogo premida pela necessidade de ajuda e pela necessidade de rendição e de entrega. A atitude de respeito do psicólogo, ou seja, o "olhar de novo", com o coração, em conjun- to com o paciente para a sua conflitiva, livre de críticas, menosprezo e desvalia, é basilar no exercício de tocar a psique, para uma ligação de confiança. Estabelecer a proximidade neces- sária para a consecução do processo significa mostrar ao paciente que as dificuldades pare- cem não ir embora enquanto não forem pri- ,lt ::'li (;ili i rl !tl) : : irì i ia,: i'ì í l) .:j :'. _: ì, ,. t:ì i:t) :.1:i .t. meiro bem acolhidas. A solução só ganhará espaço e lugar se houver contato. As atitudes de esperança (Hillman, 1993) e da aceitação por parte do psicólogo, da an- gústia e "da luta entre os opostos", enquanto expressão da "verdade psicológica do eterno jogo de antagonismos" (Silveira , 1992, p. 1 1 6), são fundamentais para a pessoa que vem para o primeiro contato, dentro do processo psico- diagnóstico. MOTIVOS CONSCIENTES E INCONSCIENTES A marcação da consulta formaliza um proces- so de trabalho psicológico já iniciado (Jun9, 1985), precedido de intensa angústia e ambi- valência. Corresponde à admissão da existência de algum grau de perturbação e de dificuldades que justificam a necessidade de ajuda. A emer- gência de fortes defesas nesse período pode, por vezes, mascarar as motivações inconscientes da busca pelo processo psicodiagnóstico. Também, nos casos em que o Paciente é encaminhado por outrem ao psicólogo, o mo- tivo aparente pode ser a própria solicitação do exame ou fato de ter sido mobilizado por cole- gas, amigos, parentes. Nessas circunstâncias, o paciente pode ter uma percepção vaga de sua problemática, mas preferir chegar ao psi- cólogo pelo reforço de um encaminhamento médico, por exemplo. Pode haver algum nível de consciência do problema e lhe ser muito dolorosa a situação de enfrentamento de sua dificuldade. Assim, por suas resistências, o pa- ciente pode negar a realidade e depositar num terceiro a responsabilidade pela procura. Portanto, há uma tendência para que o motivo explicitado ao psicólogo seja o menos ansiogênico e o mais tolerável para o paciente ou, ainda, para o responsável que o leva. Em geral, não é o mais verdadeiro. Conseqüentemente, há tendência para ex- plicitação dos mottvos, conforme a gradação e apropriação, pela consciência do paciente' As motivações inconscientes estão no nível mais profundo e obscuro da psique. Consti- tuem-se nos aspectos mais verdadeiramente responsáveis pelas afliçóes do paciente. Cabe ao psicólogo observaç percebeç es- cutar com tranqüilidade, aproximar-se sem ser coercitivo, inquiridoç todo-poderoso' Somen- te assim se criam o silêncio necessário e o es- paço para que o paciente revele sua intimida- de, ou senão, denuncie os aspectos incoerentes e confusos de seus conflitos. Para tanto, é sobre- modo importante observar como o paciente tra- ta a si próprio e as suas dores. lsso passa pelo vestir-se, pelo comunicar-se verbalmente e não verbalmente, pela linguagem corporal, pelo con- teúdo dessas comunicaçóes. Todo movimento corpóreo deve ser considerado como indicativo da realidade interior e expressão do psiquismo (Zimmermann, 1992). Assim, o psicólogo pode decodificar as variadas mensagens que recebe, discriminando o quanto há de reconhecimento do sofrimento, das motivações implicadas, deli- neando o seu Projeto de avaliação. Quando os pais levam a criança ou o ado- lescente ao psicólogo, pode ocorrer que o su- jeito constitua "o terceiro excluído ou incluí- do" (Ocampo & Arzeno, 1981, p'36). Se ignora o motivo, é excluído. Mas é preciso investigar se está realmente incluído, porque pode ocor- rer o fato de os pais verbalizarem o motivo, porém não o mais verdadeiro ou o mais autên- tico, dentro de sua percepção. lsso se dá em função de fantasias sobre o que pode aconte- cer em face da explicitação do que é mais do- loroso e profundo e, portanto, do mais oculto' Se a realidade está sendo distorcida, podem advir algumas dificuldades para o psicodiag- nóstico, caso o psicólogo não perceba e/ou não altere essa situação. Em primeiro lugar, o pro- cesso pode ser iniciado com o conflito deslo- cado, comprometendo a investigaçáo. Em se- gundo lugar, o paciente percebe a discrepân- cia e projeta no material de teste suas dificul- dades, enquanto o psicólogo "finge estar in- vestigando uma coisa, mas sorrateiramente explora outra socialmente rejeitada" (Ocampo & Arzeno, 1981, p.37). Em terceiro lugar, ou- tras dificuldades podem ocorrer, no momento da devolução: a) no caso do parecer técnico estar contaminado e distorcido; b) porque o psicólogo entra em aliança com os aspectos patológicos; c) por adotar uma atitude ambí- gua, não sendo devidamente explícito; ou, ain- 'i l . i:: ."tt, ;:r- ai :r Psrcootncruosrtco - V 39 í) ,, da, d) deixando claros somente os pontos to- lerados pelo paciente e por seu grupo familiar. Em quarto lugaç as autoras salientam o com- prometimento que pode sofrer a indicação para a terapia, visto que o paciente temerá repetir o mesmo vínculo dúbio e falso. Pelo exposto, ficam claras a importância e a complexidade, para o psicólogo, em abarcar o continuum de consciência-inconsciência do paciente, em relação a seus conflitos. Todos os dados psíquicos são relevantes, e cada um ga- nha múltiplos significados. Compete ao psicó- logo abordar cada dado sob vários aspectos, até que seu sentido adquira maior consistên- cia e especificidade. Quando o pacientechega por encaminha- mento, deve-se esclarecer quem o encaminhou, em que circunstância ocorreu o encaminha- mento e quais as questões propostas para a investigação. lsso pode ser feito ou comple- mentado através de comunicação telefônica. MacKinnon e Michels (1981) informam que al- guns profissionais optam por esse procedimen- to, enquanto outros preferem desconhecer qualquer informação diversa da que lhe che- ga, por escrito ou verbalmente, via paciente. Conclui-se que é fundamental que o psicólo- go esclareça, o mais amplamente possível e de forma objetiva, as motivações conscientes indi- cadas e as inconscientes envolvidas no pedido de ajuda. Cabe ter-se sempre presente que a na- tureza humana, como já foi dito por Heráclito, tem predileção por ocultar-se, embora a psique aspire a expressão e reconhecimento constantes. Nessa linha de pensamento, a consideração da objetividade e quantidade de informações parece emprestar um peso para a coleta de dados prévios sobre o caso, especialmente quando os motivos explicitados não parecem corresponder aos reais. Portanto, quanto me- nos consciente o paciente parecer de sua pro- blemática ou quanto mais fora da realidade parecer estar, mais se torna importante a con- sideração de informações de terceiros. De qual- quer modo, sob o nosso ponto de vista, não se pode prescindir totalmente de informações subsidiárias, no sentido de melhor entender por que o sujeito seleciona certas respostas para lidar com seu ambiente. 40 JuRrvn Arcroes CuruHn O esclarecimento dos motivos aparentes e ocultos não só permite a determinação dos objetivos do psicodiagnóstico como também fornece dados sobre a capacidade de vincula- ção e de concretização da tarefa pelo paciente e/ou responsável. rDENïrFrCAçÃO OO PACTENTE A discriminação entre os motivos explícitos e implícitos para a busca de ajuda colabora para que o psicólogo identifique quem é o seu ver- dadeiro paciente: a pessoa que é trazida ou assume a procura, o grupo familiar ou ambos. Em face do encaminhamento e do primeiro contato do psicólogo com o paciente e/ou com seu grupo familiar, a tarefa fundamental que se lhe apresenta é definir quem é o paciente, em realidade, levantando todas as indagações possíveis em torno dele e da totalidade da si- tuação envolvida na busca de ajuda, passando pelo grau de consciência das dificuldades. Ocampo e Arzeno (1 981) referem que, com freqüência, dentre um grupo familiaç o elemen- to trazido ao psicólogo e apresentado como doente é, realmente, o menos comprometido da família. Cabe ao psicólogo estar alerta e identificar se o sintoma apresentado é coeren- te ou não para o paciente e sua família. De forma abrangente, a identificação do verdadeiro paciente verifica-se desde o momen- to em que ele procura o psicólogo, através de contato telefônico ou pessoalmente, ou quan- do outro profissional refere ter feito o encami- nhamento, até o momento final da entrevista devolutiva. O psicólogo começa a conhecer "quem é" o seu paciente, por meio de perguntas iniciais quando do primeiro contato. DINÂMrcA DA TNTERAçÃo cr-írurcn Aspectos conscientes e inconscientes A interação clínica psicólogo-paciente verifica- se ao longo de todo o processo psicodiag- nóstico. l1 t:i. i:: i.' .,: rli i ( ii l.j '1. Essas duas pessoas entram em relação e passam a interagir em dois planos, ou seja, o de atitudes e o de motivaçóes. Ambas têm suas funções e papéis e estão na relação diagnósti- ca não só como psicólogo e paciente, mas, antes de tudo, como pessoas. No plano das atitudes, está o psicólogo com sua função de examinador e clínico, e está o paciente com sua sintomatologia e necessidade de ajuda. No plano das motivações, estão o psicólo- go e o paciente com seus aspectos inconscien- tes, assumindo papéis de acordo com seus sen- timentos primitivos e suas fantasias. No plano inconsciente, têm-se os fenôme- nos de transferência e de contratransferência. O primeiro é experienciado pelo paciente ao se relacionar, no aqui e agora da situação diag- nóstica, com o psicólogo, não como tal, mas como figura de pai, irmão, mãe. A contratrans- ferência verifica-se no psicólogo na medida em que assume papéis na sua tarefa, conforme os impulsos de seus padróes infantis de figuras de autoridade ou outros padrões primitivos de relacionamento. O fenômeno transferencial não tem um ca- ráter só positivo ou negativo, mas consiste na "recriação dos diversos estágios do desenvol- vimento emocional do paciente ou reflexo de suas complexas atitudes para com figuras-cha- ve de sua vida" (MacKinnon & Michels, 1981, p.22). Na situação de psicodiagnóstico, observam- se ocorrências de transferência na necessida- de do paciente de estar agradando, de se sen- tir aceito pelo psicólogo, como, por exemplo, nos pedidos de horário e acerto financeiro es- peciais. Pod em verif ica r-se situaçÕes tra n sferencia i s, envolvendo sentimentos competitivos, como no caso do paciente que compete no horário de chegada, ou daquele que desafia e agride o psicólogo, atacando o consultório ou ele pró- prio (linguagem, vestimentas, conhecimentos, etc. ). É importante que a transferência não seja confundida com o vínculo estabelecido com o psicólogo, na medida em que este se centra na realidade da avaliação, através da intera- ção entre os aspectos de ego mais sadios do psicólogo e do paciente, e é baseado na relação de confiança básica entre a mãe e a criança. A resistência do paciente à tarefa também se constitui em uma forma de transferência. O paciente compete, ou tenta obter provas da aceitação do psicólogo, buscando manipular a situação de testagem, ou espera ser aliviado de seus sintomas, magicamente, por meio do poder que atribui ao psicólogo. O silêncio pro- longado e sistemático ou o paciente que fala sem parar também são manifestações de re- sistência à avaliação. lgualmente, o paciente pode usar mecanis- mos de intelectualizaçáo muito fortes, buscan- do o apoio e a concordância do psicólogo. Outras formas de resistência são a insistên- cia do paciente em só falar sobre seus sinto- mas, ou, ao contrário, falar sobre banalidades, evitando os motivos mais profundos, assim como as demonstrações excessivas de afeto para com o psicólogo. A conduta de atuação também encerra re- sistência e se manifesta nas faltas, nos atra- sos, em freqüentes pedidos de troca de horá- rio, em ir ao banheiro várias vezes durante a sessão, por exemplo. É necessário que se saliente que essas con- dutas devem merecer adequada e sensível ava- liação do psicólogo, buscando seu significado dentro da relação vincular com aquele pacien- te, diante da sua história e do aqui e agora do processo diagnóstico. Em termos de fenômeno contratransferen- cial, o psicólogo pode ficar dependente do afe- to do paciente, deixando-se envolver por elo- gios, presentes, propostas de ajuda; pode fa- cilitar ou não horários; pode exibir conhecimen- to e pavonear-se; ou pode proteger o paciente contra os seus sentimentos agressivos. O psi- cólogo pode se ver tentado a prolongar o vín- culo além do que é necessário, ou a competir com o paciente, ou ainda, a conduzir a tarefa como se o fizesse consigo próprio. É fundamental que o psicólogo esteja sem- pre alerta à contratransferência, no sentido de percebê-la e entendê-la como um fenômeno normal, buscando dar-se conta de seus senti- mentos, não permitindo que eles atuern no processo psicodiagnóstico. ta;':t l i:::: a ltj I t:i ',:: ): (.:| Psrcoorncruosrrco - V 41 Por outro lado, os sentimentos contratrans- ferenciais podem ser considerados adequados na medida em que possibilitam que o psicólo- go perceba o inconsciente do paciente. Outro aspecto importante a ser considera- do no psicodiagnóstico é a percepção que o paciente tem dos objetivos da avaliaçãoe de como ela vai transcorrendo' O psicólogo deve estar atento às manifestaçóes ocultas e apa- rentes de como o paciente está se sentindo e está se percebendo ao longo da tarefa' Assim, também é imprescindível investigar a motiva- ção do paciente em termos de conhecimentos e de atitudes. Pope e Scott, já em 1967 , enfati- zavam esse aspecto como a " pre-disposr'ção ati- tudinal e cognitiva" do paciente ao psicodiag- nóstico e sugeriam que o psicólogo efetuasse uma entrevista após a aplicação de testes, ao final da sessão, buscando detectar os dados assinalados (p.28). Com relação ao psicólogo, os mesmos au- tores fazem comentários sobre a atitude de estímulo, apoio, encorajamento, bem como sobre a atitude distante na produção do pa- ciente à testagem. A propósito, citam um es- tudo americano, que objetivou avaliar a in- fluência do rapport positivo e negativo na pro- dutividade de respostas ao Rorschach, bem como avaliar características de personalidade do psicólogo intervenientes nessa testagem' Os resultados apontaram para o fato de que a personalidade dos psicólogos exerce maior in- fluência do que o clima emocional da situação de teste. Outrossim, os índices mais produti- vos no Rorschach foram associados à forma positiva com que foi administrado o teste (psi- cólogo afável e compreensivo)' e os índices mais comprometidos e menos sadios foram associados à administração negativa (psicolo- go distante e autoritário). À forma de adminis- tração chamada neutra (psicólogo "cortês, mas metódico") corresponderam índices interme- diários entre elevada e baixa produtividade (p.30). Trinca (1983) assinala que o psicólogo se sente ansioso ante os inúmeros dados que emergem durante o exame psicológico. Em função dessa ansiedade, podem ocorrer erros na formulação diagnóstica, visto que, de for- 42 Junevn Arctors CuruHn ma onipotente, pode considerar as "impressÕes iniciais" com amplitude inadequada. Portan- to, é fundamental para o psicólogo o conheci- mento de si próprio, devendo estar alerta para o movimento dos processos inconscientes, não deixando de lado, em nenhum momento, a sua dimensão única como Pessoa. Definiçáo de problemas e necessidades do psicólogo Na tarefa de psicodiagnóstico, o psicólogo so- fre pressóes do paciente, do grupo familiar, do ambiente, de quem encaminhou o paciente e dele próprio. O paciente quer ser ajudado e quer respos- tas. O meio ambiente, ou seja, o local de traba- lho do psicólogo, os colegas, as chefias, mui- tas vezes, bem como uma equipe multiprofis- sional ou não, conforme o caso, também exer- cem suas pressões sobre a condução do caso, planificação e manejos finais. Num trabalho em equipe formalizado, ou mesmo entre a própria classe dos psicólogos, os aspectos competiti- vos e invejosos são intensamente mobilizados. A situação de psicodiagnóstico torna-se impor- tante em termos de afirmação e valorização da tarefa do psicólogo. A percepção do am- biente sobre o seu trabalho é uma das pres- sões exercidas sobre ele. Por outro lado, a sua própria percepção de como exerce e maneja sua tarefa também é um fator de pressão sobre a sua auto-imagem' A pessoa que efetuou o encaminhamento aguarda respostas específicas, as quais a auxi- liarão no seu atendimento e/ou reforçarão ou não a confiança no papel do psicólogo. O psicólogo necessita obter dados que pos- sam ser por ele empregados, no sentido de respostas, bem como precisa que esses fatos sejam úteis para a atribuição de escores na tes- tagem. Dessa forma, o psicólogo espera que o pa- ciente colabore, seja franco, forneça todos os dados necessários e seja "comportado", man- tendo-se no seu papel. Ora, essa exigência é fantasiosa e decorre da onipotência e arrogân- j.: (), ll, r.: ... '.: ,i'iÌ ::t () ,,. cia do psicólogo, assim como do desejo de satisfazer as suas necessidades internas e ex- ternas. Ele pode ter dificuldades em reconhecer percepções, quer por falta de clareza, quer pelos dados serem muito precários. Pode re- correr à capacidade de representação, como uma forma complementar (Kast, 1997), até que rmagens mais claras tenham se estabelecido. Em inúmeras situaçóes, o psicólogo é driblado por sua própria expectativa. Não raro se depara com estudantes e pro- fissionais da psicologia frustrados, porque o seu paciente não forneceu os dados que e/es precisavam nem correspondeu ao que e/es es- peravam do paciente. Caso o paciente se mostre resistente, atra- ves de condutas negativistas, evasivas, ou, ao contrário, provocadoras, com excessiva loqua- cidade, o psicólogo pode experienciar senti- mentos de raiva e intolerância, os quais, se não detectados e conscientizados, podem interfe- rir gravemente ou até invalidar o processo ava- liativo. Afinal, consiste em sabedoria para o psicó- logo compreender e aceitar que a psique se revela, ao mesmo tempo que se esconde e, ao esconder-se, dá-se a revelação (López-Pedra- za, 1999). Variáveis psicológicas do psicólogo e do paciente Schafer (1954) refere algumas das necessida- des inconscientes e permanentes mobilizadas no psicólogo-pessoa, durante a tarefa de tes- tagem. Esse autor as considera e denomina de constantes, por estarem presentes no psicólo- go, independentemente de aspectos pessoais ou circunstanciais e de reaçóes que o profis- sional tenha diante de pacientes específicos. Essas constantes relativas ao papel de psi- cologo são as seguintes: a) aspecto "voyeurista", ou seja, o psicólo- go examina e perscruta com "vários olhos" o interior dos pacientes, enquanto se mantém preservado pela neutralidade e curta duração do vínculo; b) aspecto autocrático, salientando o po- der do psicólogo no psicodiagnóstico, na me- dida em que diz ao paciente o que deve fazer, de que forma e quando; c) aspecto oracular, pois o psicólogo proce- de como se tudo soubesse, tudo conhecesse, tudo prevesse, aspecto esse reforçado pelo encaminhamento, porque o psicólogo vai for- necer as respostas; d) aspecto santificado, pelo qual o psicólo- go assume o papel de salvador do paciente. Na realidade, a situação de psicodiagnósti- co apresenta "componentes irracionais que correspondem a tendências inconscientes, im- plícitas, primitivas, subjacentes aos aspectos socialmente aceitáveis", que não podem ser encarados como patológicos no psicólogo (Cunha, 1984, p.13). lglesias (1985) comenta que essas constan- tes, mencionadas por Schafer, diferem da con- tratransferência, já que este é um fenômeno específico, que irrompe a partir da mobiliza- ção despertada por determinados pacientes. Schafer (1954) aponta algumas constantes do paciente na interação clínica: a) "auto-exposição, com ausência de con- fiança; intimidade violada", no sentido de que o paciente se sente exposto, vulnerável ao psi- cólogo, que o devassa; de forma inconsciente, acha que está psicologicamente se exibindo ao psicólogo (este como voyeur); b) "perda de controle sobre a situação", pois o paciente fica à mercê do psicólogo, na situa- ção de testagem, passando a adotar uma pos- tura defensiva, já que deve cumprir ordens e manejar situaçóes e dificuldades a ele impostas; c) "perigos de autoconfrontação", já que para o paciente, sofrendo a ambivalência de querer ajuda e recear a confrontação de as- pectos dolorosos e rechaçados, a testagem implica ataque aos processos defensivos que vem utilizando; d) tentação de reagir de forma regressiva, pela dificuldade de aceitação das próprias difi- culdades; e) ambivalência diante da liberdade, uma vez que, embora podendo enfrentar a testa- gem com liberdade relativa, tem também de enfrentar os riscos de se expor, e assim, no ii]; iiì:(a) il :ì :..: :ij ! i it, at. (: t) ,:'t'.' Psrcooracruoslco - V 43 ri ,,1 Rorschach, por exemplo, o paciente experien- cia simbolicamente oenfrentamento da "au- toridade real e fantasiada, presente e ausen- te", sendo-lhe oferecida excessiva liberdade para o seu grau de tolerância (p. 34-43). Tais constantes reforçam ou provocam rea- ções transferenciais e defensivas, que merecem cuidadoso exame para a ampliação do enten- dimento do paciente. A situação psicodiagnóstica envolve, pois, uma dinâmica específica, num vínculo relati- vamente curto, em que se entrelaçam dois mundos, o do psicólogo e o do paciente, pas- sando a interagirem duas identidades. É uma situação ímpat à qual o psicólogo deve dedi- car merecida atenção e valorização. lmportância para o psicodiagnóstico Em defesa da propalada neutralidade científi- ca, muitos psicólogos não valorizam os aspec- tos dinâmicos da interação clínica, por consi- derarem que esses dados podem ser fontes de erro para a precisão das mensurações que de- vem ser efetuadas (Pope & Scott, 1967). Entre- tanto, a tarefa do psicólogo, num psicodiag- nóstico, não se restringe à de um psicometris- ta, assim como também é um erro crasso vê-lo tão-somente como um aplicador de técnicas projetivas. Mesmo quando o objetivo do psi- codiagnóstico parece bastante simples, o psi- cólogo não pode perder de vista a dimensão global da situação de avaliação, levando em conta todos os padrões de interação que se estabelecem. Portanto, é essencial enfatizar a necessidade de o psicólogo estar consciente, atento e alerta tanto para as suas próprias con- diçoes psicológicas, para o uso que faz de seus recursos criativos e expressivos, como para as reações e manifestações do paciente, perceben- do a qualidade do vínculo que se cria e levan- do em conta todos esses aspectos para o en- tendimento do caso. ajÌ , " t:.1:i, ,. t, 1.1ì : i t: riri : ii::: ,, )1, !, -ri:. riri t:i,, .. ,. rii:r , , allr ".r' ,, i '-1,''- | ',jtt' íìl 44 JuRerraR Arooes CuruHn
Compartilhar